Tecnologia no ar

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PESQUISA FAPESP AGOSTO DE 2015 n.234 EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA n. 234 Tecnologia NO AR Os bastidores da bem-sucedida chegada a Plutão Empresas vão ajudar a desenvolver nova fonte de luz síncrotron Estudo sobre Justiça na São Paulo colonial revela as estruturas de poder do período Guia mapeia 32 museus de ciência itinerantes no Brasil Três grupos indígenas brasileiros compartilham material genético com povos da Oceania Novos sensores de umidade reduzem gasto de água na agricultura Com cerca de 20 fábricas de aviões experimentais, que investem em inovação e na colaboração com universidades, Brasil tem o segundo maior mercado desse setor AGOSTO DE 2015 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

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Pesquisa FAPESP 234

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Tecnologia no ar

Os bastidores da bem-sucedida

chegada a Plutão

Empresas vão ajudar a desenvolver

nova fonte de luz síncrotron

Estudo sobre Justiça na São Paulo

colonial revela as estruturas de poder

do período

Guia mapeia 32 museus de ciência

itinerantes no Brasil

Três grupos indígenas brasileiros

compartilham material genético

com povos da Oceania

Novos sensores de umidade reduzem

gasto de água na agricultura

Com cerca de 20 fábricas de aviões experimentais, que investem em inovação e na colaboração com universidades, Brasil tem o segundo maior mercado desse setor

agosto de 2015 www.revistapesquisa.fapesp.br

O que a ciência brasileira produz

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PESQUISA FAPESP 234 | 3

Por dentro da superfícieNanofolhas de cobre, íons de európio, nanopartículas de prata e de ouro,

nanofolhas de óxido de zinco. As palavras remetem a uma química talvez

misteriosa, mas em certa medida são materiais. E as fotografias são algumas

das vencedoras do concurso Superfícies em imagens, promovido pelo Instituto

Nacional de Engenharia de Superfícies com apoio do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Foram 67 inscritos,

de instituições e empresas de 10 estados brasileiros. As 12 ganhadoras desta

segunda edição da competição comporão um calendário, lembrete cotidiano de que

por trás dos fenômenos e estruturas há ciência e tecnologia, mas também beleza.

FotolAb

Imagens divulgadas pelo Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies Todas as vencedoras e legendas: engenhariadesuperficies.com.br

Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para [email protected], com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

CAPA16 Brasil tem cerca de 20 empresas de pequenas aeronaves, que investemem inovações e na colaboração com universidades para crescer

ENTREVISTA24 Silvio SalinasFísico fala dos trabalhos em estatística, de educação e política nuclear brasileira

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

30 DifusãoGuia mapeia 32 museus científicos itinerantes no Brasil

34 IndicadoresFAPESP preservou investimento em pesquisa, apesar da desaceleração da economia, mostra Relatório de atividades 2014

38 InovaçãoLivros indicam que os vínculos entre universidades e empresas têm impacto em países em desenvolvimento

42 ColaboraçãoEmpresa brasileira licencia molécula com potencial para gerar tratamentos contra câncer

CIÊNCIA

44 Astronomia Bem-sucedida na tarefa de observar o planeta anão, a sonda New Horizons precisou resistir a ameaças de cancelamento da missão

48 AstrofísicaMecanismo proposto por pesquisadores da USP pode explicar a origem de neutrinos de alta energia detectados na Antártida

51 FísicaMateriais especiais ganham novas possibilidades de conduzir corrente elétrica em contato com semicondutores

52 GenéticaAnálises sugerem que humanos chegaram ao continente entre 23 mil e 15 mil anos atrás e que alguns indígenas do Brasil têm DNA oriundo de povos da Oceania

56 PaleobotânicaFósseis em mina de carvão no Rio Grande do Sul revelam paisagem pantanosa sujeita a incêndios frequentes há 290 milhões de anos

58 EcologiaBaía do litoral norte paulista exibe alta diversidade biológica, perde manguezais e sofre ameaça da possível ampliação do porto vizinho

FoTo

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4 TECNOLOGIA

62 ParceriasOito empresas integram-se ao esforço para desenvolver componentes da fonte de luz síncrotron Sirius

67 AgriculturaNovos equipamentos possibilitam aumento na eficiência do uso da água no campo em mais de 30%

70 PecuáriaUso de resíduos da fabricação de acerola na alimentação de suínos diminui teor de gordura da carne

72 Pesquisa empresarialMectron desenvolve soluções tecnológicas avançadas para as áreas militar e espacial

HUMANIDADES

76 ComunicaçãoJúlio Abramczyk e José Hamilton Ribeiro escrevem há 60 anos sobre temas científicos, médicos e ambientais – e nem pensam em parar

82 HistóriaLivro sobre a Justiça em São Paulo na época colonial descreve as raízes dos desmandos públicos no Brasil

SEçÕES3 Fotolab5 Cartas6 on-line7 Carta da editora8 Boas práticas9 Dados e projetos10 Estratégias12 Tecnociência86 resenhas88 memória94 arte96 Carreiras98 Classificados

PESQUISA FAPESP 234 | 5

extensas áreas sobre as quais a silvicul-tura de eucalipto está avançando dentro do domínio geográfico do Cerrado foram, equivocadamente, contabilizadas como “ganhos de cobertura arbórea”, como se servissem para “neutralizar” as perdas. O desafio metodológico de quantificar as formas campestres de vegetação preci-sa ser vencido para que quantificações futuras sejam mais precisas. O segundo desafio a vencer é o reconhecimento de que esses ecossistemas invisíveis são extremamente valiosos pela sua biodi-versidade e, também, pelo seu papel na garantia da segurança hídrica do Brasil e, portanto, precisam ser conservados como são. Giselda Durigan

Laboratório de Ecologia e Hidrologia Florestal do

Instituto Florestal de São Paulo

Assis, SP

VídeosParabéns a todos os envolvidos na pro-dução do vídeo “Teoria em construção”. É muito instrutivo e bem animado. Fico feliz de ver que, mesmo com todos os cortes em educação e pesquisa, as insti-tuições e pessoas ainda conseguem dar nó em pingo d´água e produzir material de tamanha qualidade.Marco Araujo Bonamico

Via Facebook

Muito boa a animação e a explicação do vídeo “O relevo econômico do interior”. Retransmiti para a primeira turma de Geografia do Instituto Federal do Sul de Minas – Campus Poços de Caldas.Jefferson Resende

Via Facebook

Já utilizei o vídeo “O relevo econômico do interior” em sala de aula. É muito elu-cidativo. Parabéns à equipe responsável.Efraim Ferraz

Via Facebook

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar – CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

cARtAS [email protected]

Integridade na ciênciaA respeito da reportagem “Para promo-ver uma cultura de integridade” (edição 233), desde o primeiro ano de graduação as boas práticas científicas já deveriam ser ministradas na academia.Dulcenéa De Paula

Via Facebook

Patrimônio históricoMoro em São Luiz do Paraitinga e enten-do bem os problemas expostos na repor-tagem “Por trás das fachadas” (edição 233). O imóvel ou a área considerado patrimônio histórico é tombado e depois pouco ou nenhum suporte é dado para a manutenção desse mesmo“patrimônio”. Espero que os estudos apresentados no texto mostrem a necessidade e a urgência de políticas para preservar parte de nossa história. Parabéns aos pesquisadores.Vinicius Guimarães

Via Facebook

Boletim eletrônicoMuito bom o boletim eletrônico de 27 de julho com notícias produzidas por Pesquisa FAPESP. As reportagens so-bre o Museu Paulista (“O colecionador”, edição 233) e povoamento das Américas (“A complexa ocupação das Américas”, edição on-line) mostram que o boletim passou para um patamar superior.Antonio Mário

IAG-USP

São Paulo, SP

cerradoApós ler a reportagem “Terra frágil” (edição 231), e em seguida o artigo de autoria de René Beuchle e colaboradores na revista Applied Geography, foi possível deduzir que, infelizmente, as taxas de redução das áreas ocupadas por ecossis-temas naturais do Cerrado são, na reali-dade, bem superiores às mencionadas no texto de Pesquisa FAPESP. Por duas ra-zões: 1) as áreas perdidas das fisionomias campestres do Cerrado – campos limpos, campos cerrados, veredas e campos ru-pestres – não foram contabilizadas; 2) as

cONtAtOS

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6 | agosto DE 2015

youtube.com/user/PesquisaFaPesP

on-linEw w w . r e v i s t a P e s q u i s a . F a P e s P. b r

xum novo material feito de borracha e nanotubos de carbono que pode ser 1000% esticado e, mesmo nessas condições, conduzir eletricidade foi desenvolvido por um grupo coordenado pelo físico norte-americano ray baughman, da universidade do texas. estudo publicado na Science mostra que o material, capaz de abrigar sensores, células solares e outras tecnologias, poderá ser usado em marca-passos, braços robóticos ou cabos que poderiam ser esticados, sem perder a condutividade, até alcançarem 30 vezes o comprimento original.

xuma questão que há muito intriga os biólogos começa a ser esclarecida: qual a relação entre a quantidade de biomassa e a variedade de espécies num ecossistema? em estudo na Science, pesquisadores reforçam a teoria de que a diversidade de plantas tende a ser maior em lugares que não sejam nem tão hostis nem tão hospitaleiros. Num ambiente com altas temperaturas, poucas espécies de plantas sobrevivem. se as condições melhoram, o número de espécies tende a aumentar. mas, quando há abundância de nutrientes, o ambiente é dominado por poucas espécies que captam recursos de modo mais eficaz. essas espécies crescem mais rápido e tendem a vencer as outras na competição por espaço.

Exclusivo no site

Vídeos do mês

Pesquisadores sugerem que combate à dengue exige combinação de estratégias

Seleção natural agrupa características físicas de animais em módulos

confira no registro fotográfico de Léo Ramos como o manguezal de Guaratiba, no rio de Janeiro, reage ao aumento do nível do mar

Assista ao vídeo:

Assista ao vídeo:

Ecóloga fala sobre tradições agrícolas em bairros quilombolas do Vale do Ribeira

Rádio

Galeria de imagens

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CAPA

As novas faces do câncer

38.416 visualizações

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entre 16 e 22 de julho no perfil de Pesquisa FAPESP

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cArtA dA EdItorA

A interação entre universidades e institutos de pesquisa é um te-ma presente em várias reporta-

gens desta edição. A ideia de que essa interação é inexistente ou insuficiente permeia há tempos o debate no Brasil, e reportagem sobre dois livros recente-mente publicados, que comparam o país com outras nações em desenvolvimento, indica que as relações formais entre as instituições de pesquisa e o setor priva-do crescem e se consolidam (página 38). O Brasil ainda está longe do patamar de Coreia do Sul ou China, mas a análise dos resultados apresentados contradiz o sen-so comum de que a pesquisa científica tem pouco impacto no desenvolvimento econômico do país. Considerando-se ain-da que as pesquisas retratadas não con-templam interações como consultorias e contratos individuais de prestação de serviços por pesquisadores, muitos dos quais realizados por meio das fundações universitárias, o cenário é bem diferente do que tem sido propagado.

Duas reportagens exemplificam in-terações bem-sucedidas entre o setor privado e a academia. A que está na capa aponta que uma das origens das empre-sas que compõem a significativa indús-tria nacional de pequenos aviões são as universidades e instituições de pesqui-sa e mostra como muitas trabalham em conjunto com esses organismos no de-senvolvimento de inovações para seus produtos (página 16). Outra reportagem registra o primeiro grande sucesso de uma empresa brasileira de biotecnolo-gia, a Recepta, que licenciou para uma empresa norte-americana a propriedade intelectual para o desenvolvimento de um medicamento contra câncer (página 42). A Recepta desenvolve seus produtos, os anticorpos monoclonais, em parceria com instituições como o Instituto Lud-

wig de Pesquisas contra o Câncer, de Nova York, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e o Instituto Butantan, com o apoio de agências como a FAPESP, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e So-cial (BNDES). Um exemplo de interação em sentido inverso, na qual a instituição pública solicita a contribuição da inicia-tiva privada para executar um projeto, é retratado na reportagem sobre o anel de luz síncrotron Sirius (página 62). O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) selecionou, em parceria com a FAPESP e a Finep, oito empresas para enfrentar 13 desafios científicos e tec-nológicos relacionados à empreitada.

A superação de obstáculos científicos, técnicos e também políticos é contada em reportagem sobre o feito da sonda New Horizons, que chegou a Plutão após nove anos de viagem (página 44). A re-percussão pela mídia internacional do sucesso da missão não exime Pesquisa FAPESP de registrar o feito e discutir o que se pode esperar em termos de avanço do conhecimento sobre os recantos do nosso Sistema Solar com os dados sendo transmitidos pelo equipamento.

O ofício da comunicação da ciência, ou o jornalismo científico, que se pro-põe a discutir e divulgar os resultados das pesquisas científicas e tecnológicas e seus processos de criação, é objeto de uma série que marca os 20 anos do pri-meiro boletim Notícias FAPESP, publi-cação que, após 46 edições, deu origem a esta revista. A primeira reportagem apresenta o perfil de dois pioneiros nessa área, Júlio Abramczyk e José Hamilton Ribeiro (página 76). Aos pesquisadores, cuja produção é o alicerce do nosso tra-balho, e aos leitores da Pesquisa FAPESP, nosso muito obrigada.

Universidades e empresasAlexandra ozorio de Almeida | diretora de redação

Celso laferPresidente

eduardo MoaCyr Kriegervice-Presidente

conSElho SUPErIor

Celso lafer, eduardo MoaCyr Krieger, fernando ferreira Costa, HoráCio lafer Piva, joão grandino rodas, josé goldeMberg, Maria josé soares Mendes giannini, Marilza vieira CunHa rudge, josé de souza Martins, Pedro luiz barreiros Passos, suely vilela saMPaio, yosHiaKi naKano

conSElho técnIco-AdmInIStrAtIvo

Carlos Henrique de brito Cruzdiretor científico

joaquiM j. de CaMargo englerdiretor AdministrAtivo

conSElho EdItorIAlCarlos Henrique de brito Cruz (Presidente), Caio túlio Costa, eugênio bucci, fernando reinach, josé eduardo Krieger, luiz davidovich, Marcelo Knobel, Maria Hermínia tavares de almeida, Marisa lajolo, Maurício tuffani, Mônica teixeira

comItê cIEntíFIcoluiz Henrique lopes dos santos (Presidente), anamaria aranha Camargo, Carlos eduardo negrão, Celso lafer, fabio Kon, francisco antônio bezerra Coutinho, joaquim j. de Camargo engler, josé roberto de frança arruda, josé roberto Postali Parra, lucio angnes, Marie-anne van sluys, Mário josé abdalla saad, Paula Montero, roberto Marcondes Cesar júnior, sérgio robles reis queiroz, Wagner Caradori do amaral, Walter Colli

coordEnAdor cIEntíFIcoluiz Henrique lopes dos santos

dIrEtorA dE rEdAção alexandra ozorio de almeida

EdItor-chEFE neldson Marcolin

EdItorES fabrício Marques (Política), Marcos de oliveira (Tecnologia), ricardo zorzetto (Ciência); Carlos fioravanti e Marcos Pivetta (Editores espe ciais); bruno de Pierro e dinorah ereno (Editores-assistentes)

rEvISão daniel bonomo, Margô negro

ArtE Mayumi okuyama (Editora), ana Paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia felli e alvaro felippe jr. (Assistentes)

FotógrAFoS eduardo Cesar, léo ramos

mídIAS ElEtrônIcAS fabrício Marques (Coordenador) IntErnEt Pesquisa FAPESP onlineMaria guimarães (Editora)rodrigo de oliveira andrade (Repórter)

rádIo Pesquisa Brasilbiancamaria binazzi (Produtora)

colAborAdorES alexandre affonso, bruno feitler, daniel bueno, evanildo da silveira, fabio otubo, igor zolnerkevic, Márcio ferrari, Mauro de barros, rafael garcia, ricardo aguiar, salvador nogueira, sandro Castelli, valter rodrigues, yuri vasconcelos

é ProIbIdA A rEProdUção totAl oU PArcIAl dE tExtoS E FotoS SEm PrévIA AUtorIzAção

PArA FAlAr com A rEdAção (11) [email protected]

PArA AnUncIAr Midia office - júlio César ferreira (11) 99222-4497 [email protected] Classificados: (11) 3087-4212 [email protected]

PArA ASSInAr (11) 3087-4237 [email protected]

tIrAgEm 42.400 exemplaresImPrESSão Plural indústria gráficadIStrIbUIção dinaP

gEStão AdmInIStrAtIvA instituto unieMP

PESQUISA FAPESP rua joaquim antunes, no 727, 10o andar, CeP 05415-012, Pinheiros, são Paulo-sP

FAPESP rua Pio Xi, no 1.500, CeP 05468-901, alto da lapa, são Paulo-sP

seCretaria de desenvolviMento eConôMiCo,

CiênCia e teCnologia govErno do EStAdo dE São PAUlo

issn 1519-8774

fundação de aMParo à Pesquisa do estado de são Paulo

8 | agosto DE 2015

Rigor com imagens científicas

Fraude termina em prisão

Boas práticas

Com a disseminação de programas de edição de imagens, como o Photoshop, tornaram-se mais comuns alterações em fotografias e figuras publicadas em artigos científicos. O Escritório de Integridade de Pesquisa (ORI) dos Estados Unidos, que investiga suspeitas de má conduta em pesquisa financiada pelo governo federal, disponibiliza desde meados dos anos 2000 uma plataforma de ferramentas capazes de detectar falhas em imagens de papers.

Para lidar com o problema, algumas revistas recorrem até a especialistas em imagem forense treinados para detectar indícios de plágio e de adulteração muitas vezes imperceptíveis aos olhos de revisores. Desde 2002, o Journal of Cell Biology tem em sua equipe um profissional desse tipo. Naquele ano, o editor-chefe da revista, Mike Rossner, publicou um artigo com recomendações sobre tratamento de imagens. “É muito tentador usar ferramentas do Photoshop. Não faça isso. Esse tipo de manipulação pode ser detectado”, escreveu Rossner.

A European Molecular Biology Organization (Embo), sediada em Heidelberg, na Alemanha, contratou em 2011 Jana Christopher, uma ex-tradutora e ex-maquiadora da companhia de teatro inglesa English National Opera que se especializou em imagem forense. “Não tenho formação científica e não entendo o que as imagens querem dizer. Não preciso disso para fazer meu trabalho. Apenas verifico se as imagens foram duplicadas, adulteradas, giradas ou emendadas de modo ilícito”, disse à revista Nature.

Só no ano passado, ela averiguou cerca de 2 mil imagens em mais de 350 manuscritos nos quatro periódicos sobre ciências da vida editados pela organização: Embo

Journal, Embo Reports, Embo Molecular Medicine e Molecular Systems Biology. Vinte por cento dos artigos avaliados por Jana apresentavam problemas. Em muitos casos, as alterações eram inofensivas: serviam para destacar uma proteína fluorescente, aprimorar o foco de faixas de DNA ou fazer cortes legítimos. Mas em uma pequena fração, o equivalente a 0,2% dos artigos submetidos, foram detectadas adulterações que comprometiam a integridade da pesquisa e os manuscritos foram rejeitados.

Embora os papers passem pela revisão por pares, dificilmente os deslizes em imagens são identificados na análise dos revisores. Isso não significa, diz Jana, que o trabalho de revisão nos periódicos científicos seja mal executado. “Os problemas em

O biomédico Dong-Pyou Han, ex-pesquisador da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, foi condenado a quatro anos e meio de prisão pela fabricação e falsificação de dados em ensaios clínicos de vacina contra o vírus HIV, causador da Aids. Han, de 58 anos, também terá de ressarcir em US$ 7,2 milhões os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), principal agência de apoio à pesquisa biomédica do país, que financiou seu trabalho nos últimos anos. Em 2013, o cientista foi desligado da universidade após uma investigação concluir que ele falsificou o resultado de vários experimentos com as vacinas. Em um dos casos, misturou amostras de sangue de coelho com anticorpos anti-HIV humanos, dando a entender que os animais

desenvolveram imunidade. As denúncias chegaram ao Escritório de Integridade de Pesquisa (ORI) dos Estados Unidos, responsável por investigar suspeitas de má conduta em pesquisas financiadas pelo governo federal, que proibiu Han de obter apoio de agências durante três anos. Segundo a revista Nature, o caso talvez acabasse aí se não tivesse chamado a atenção do senador republicano Charles Grassley, que tem um histórico no Congresso norte-americano de investigação de episódios de má conduta científica. Grassley denunciou o caso à imprensa e um procurador levou Han à Justiça. “A pena do ORI parece muito leve para alguém que adulterou ensaios clínicos e desperdiçou milhões de dólares dos contribuintes”, disse Grassley.

imagens são menos notados porque os revisores consideram as figuras mais como ilustrações do que de fato representações de dados científicos”, explicou.

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DaDos e projetos

TEmáTIcoS E JovEm PESQUISAdor rEcEnTESProjetos contratados em junho e julho de 2015

marine ferromanganese deposits a major resource of e-tech elements (FAPESP-rcUK nerc mineral S)Pesquisador responsável: Frederico Pereira BrandiniInstituição: IO/USPProcesso: 2014/50820-7vigência: 01/06/2015 a 31/05/2019

Glicosaminoglicanos e proteoglicanos: relação, estrutura e funçãoPesquisadora responsável: Helena Bonciani NaderInstituição: EPM/UnifespProcesso: 2015/03964-6vigência: 01/07/2015 a 30/06/2020

Identificação e caracterização de mecanismos envolvidos no controle de massa e regeneração do músculo estriado esqueléticoPesquisador responsável: Anselmo Sigari MoriscotInstituição: ICB/USPProcesso: 2015/04090-0vigência: 01/07/2015 a 30/06/2020

Elaboração de uma vacina quimérica multicomponente recombinante baseada em epítopos de carrapatos Rhipicephalus microplusPesquisadora responsável: Beatriz Rossetti FerreiraInstituição: EERP/USPProcesso: 2015/09683-9vigência: 01/07/2015 a 30/06/2020

SPEc Iniciativa Global Sustainable Bioenergy (GSB) – Análise ambiental e espacial da intensificação da pastagem para a bioenergiaPesquisador responsável: John SheehanInstituição: FEA/UnicampProcesso: 2014/26767-9vigência: 01/05/2015 a 30/04/2018

JovEm PESQUISAdorUm enfoque demográfico e adaptativo visando à construção de estratégias sustentáveis de manejo de pragas agrícolas para o agroecossistema brasileiroPesquisador responsável: Alberto Soares CorreaInstituição: Esalq/USPProcesso: 2014/11495-3vigência: 01/07/2015 a 30/06/2019

Aplicação das ômicas no entendimento da interação Puccinia psidii x Eucaliptus grandisPesquisadora responsável: Maria Carolina Quecine VerdiInstituição: Esalq/USPProcesso: 2014/16804-4vigência: 01/06/2015 a 31/05/2019

o papel das proteínas ligantes de ácidos graxos na infecção de macrófagos por leishmania: um alvo potencial para novas drogas contra leishmaniosePesquisador responsável: Danilo Ciccone MiguelInstituição: IB/UnicampProcesso: 2014/21129-4vigência: 01/07/2015 a 30/06/2019

Fonte: Geocapes 2013, Capes (http://geocapes.capes.gov.br/geocapes2/) * Dados da avaliação Capes se referem a cursos existentes no triênio 2010-2012 * Os programas com nota 6 e 7 (nota máxima) na avaliação Capes são aqueles considerados de nível internacional

TEmáTIcoSE-Sensing: análise de grandes volumes de dados de observação da terra para informação de mudanças de uso e cobertura da terraPesquisador responsável: Gilberto Câmara NetoInstituição: Inpe/MCTIProcesso: 2014/08398-6vigência: 01/01/2015 a 31/12/2018

Pensando Goa – Uma peculiar biblioteca de língua portuguesaPesquisador responsável: Helder GarmesInstituição: FFLCH/USP

Processo: 2014/15657-8vigência: 01/05/2015 a 30/04/2019

Estudo Sabe: estudo longitudinal de múltiplas coortes sobre as condições de vida e saúde dos idosos do município de São Paulo coorte 2015Pesquisadora responsável: Maria Lúcia LebrãoInstituição: FSP/USPProcesso: 2014/50649-6vigência: 01/05/2015 a 30/04/2019

Estudos bioquímicos, moleculares e funcionais da relação leishmania-macrófago

Pesquisadora responsável: Lucile Maria Floeter WinterInstituição: IB/USPProcesso: 2014/50717-1vigência: 01/06/2015 a 31/05/2018

SoS rare: multidisciplinary research towards a secure and environmentally sustainable suppli of critical rare Earth elements (nS and HrEE). (FAPESP-rcUK nerc mineral S)Pesquisador responsável: Daniel AtencioInstituição: IGC/USPProcesso: 2014/50819-9vigência: 01/06/2015 a 31/05/2019

Total/região UF nº Participação nº Participação nº Participação

Brasil 15.287 100% 1.804 100% 413 100%

norte 257 1,7% 55 3,0% 3 0,7%

Acre

Amapá 5 0,0% 1 0,1%

Amazonas 83 0,5% 19 1,1% 1 0,2%

Pará 155 1,0% 30 1,7% 2 0,5%

Rondônia 9 0,1% 2 0,1%

Roraima

Tocantins 5 0,0% 3 0,2%

nordeste 2.026 13,3% 270 15% 24 5,8%

Alagoas 24 0,2% 7 0,4%

Bahia 467 3,1% 62 3,4% 4 1,0%

Ceará 272 1,8% 46 2,5% 6 1,5%

Maranhão 19 0,1% 8 0,4% 1 0,2%

Paraíba 355 2,3% 35 1,9% 2 0,5%

Pernambuco 555 3,6% 66 3,7% 8 1,9%

Piauí 8 0,1% 3 0,2%

R. G. do Norte 270 1,8% 34 1,9% 3 0,7%

Sergipe 56 0,4% 9 0,5% 0%

Sudeste 9.508 62,2% 998 55,3% 291 70,5%

Esp. Santo 86 0,6% 21 1,2%

Minas Gerais 1.569 10,3% 176 9,8% 53 12,8%

R. de Janeiro 2.099 13,7% 244 13,5% 68 16,5%

São Paulo 5.754 37.6% 557 30,9% 170 41,2%

Sul 2.665 17,4% 358 19,8% 81 19,6%

Paraná 720 4,7% 109 6% 10 2,4%

R. G. do Sul 1.450 9,5% 177 9,8% 53 12,8%

S. Catarina 495 3,2% 72 4% 18 4,4%

centro-oeste 831 5,4% 123 6,8% 14 3,4%

D. Federal 504 3,3% 68 3,8% 12 2,9%

Goiás 229 1,5% 29 1,6% 2 0,5%

Mato Grosso 33 0,2% 17 0,9%

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Formados em programas de doutorado – 2013Número de doutores e programas (total e avaliados com nota Capes 6 e 7)

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EstrAtégiAsfamiliaridade com a ciência

níveis de letramento

científico no brasil em 2015

Percentual de brasileiros que visitaram esPaços de difusão científica e cultural

antonio Carlos robert de moraes: 26 livros

morreu no dia 16 de julho, em São paulo, antonio Carlos robert de moraes, professor titular do departamento de Geografia da faculdade de filosofia, letras e Ciências Humanas (fflCH) da universidade de São paulo (uSp). mineiro de poços de Caldas, tinha 61 anos e era presidente da banca de Geografia do concurso de ingresso na carreira de diplomata do Instituto rio branco. o geógrafo era assessor científico da fapeSp desde 1986 e foi membro da coordenação de Ciências Humanas para a subárea de Geografia Humana na fundação. bacharel em Geografia e em Ciências Sociais pela uSp, no fim da década de 1970 moraes obteve o título de mestre e doutor em Geografia Humana pela mesma universidade.autor de dezenas de artigos, também publicou e organizou 26 livros. o último, intitulado Território na geografia de Milton Santos, foi lançado em 2014. moraes morreu em decorrência de complicações surgidas após um transplante de fígado.

duas pesquisas divulgadas durante a 67ª reunião anual da Sociedade brasileira para o progresso da Ciência (SbpC), realizada em julho no campus da universidade federal de São Carlos (ufSCar), trouxeram um panorama atualizado sobre a relação dos brasileiros com a ciência e a tecnologia. uma delas entrevistou 2.002 pessoas de 15 a 40 anos em nove regiões metropolitanas do país e mostrou que só 5% delas poderiam ser consideradas cientificamente letradas. Isso significa que apenas essa parcela foi capaz de compreender vocabulários e conceitos básicos da ciência, usados no cotidiano, como biodegradável ou megawatt, e refletir de maneira crítica sobre o impacto da ciência na sociedade. Sessenta e quatro por cento dos entrevistados tiveram dificuldade de responder a questões básicas, como, por exemplo, se compreendiam os efeitos de medicamentos que costumam utilizar. “boa parte da população brasileira ainda não consegue fazer uso social da ciência, porque para isso é necessário saber ler e interpretar informações científicas”, explica anderson Stevens leonidas Gomes, professor da

universidade federal de pernambuco (ufpe) e consultor do Instituto abramundo, entidade responsável pelo Indicador de letramento Científico da população brasileira, uma iniciativa feita em parceria com a onG ação educativa e o Instituto paulo montenegro, ligado ao Ibope. uma das recomendações do estudo para elevar o índice de proficiência científica no brasil é considerar o ensino de ciências prioritário nas escolas desde o ensino fundamental. a segunda pesquisa é a de percepção pública da Ciência e Tecnologia no brasil, divulgada na reunião da SbpC pelo Centro de Gestão e estudos estratégicos (CGee) e o ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (mCTI). foram ouvidas 1.962 pessoas com mais de 16 anos de idade em todo o país. o levantamento mostra

que 61% dos brasileiros se declaram interessados ou muito interessados em ciência e tecnologia, percentual maior, por exemplo, que os 53% registrados na união europeia em 2013. dos entrevistados, 73% afirmaram que as atividades científicas e tecnológicas trazem mais benefícios do que malefícios para a população. Comparado com os resultados de enquetes internacionais, o brasil se destaca como um dos países mais otimistas quanto aos benefícios das atividades de pesquisa. a China apresenta índice idêntico ao brasileiro (73%), enquanto os estados unidos registram 67%, a espanha, 64%, seguida de Itália (46%) e frança (43%). apesar disso, apenas 12% dos brasileiros visitaram museus ou centros de ciência e tecnologia nos 12 meses anteriores ao levantamento.

biblioteca Zoológico, parque ambiental ou jardim botânico

museu de ciência e tecnologia

feira ou olimpíada de ciência

museu de arte

Semana nacional de ciência e tecnologia

fonte peSquISa Sobre perCepção públICa da C&T no braSIl (CGee, 2015)

fonte IndICador de leTramenTo CIenTífICo / InSTITuTo abramundo

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Pesquisa faPesP 234 | 11

depois do Hubble

otimismo na pesquisa do Irã

pesquisadores iranianos estão otimistas depois que o país se livrou de sanções econômicas impostas há décadas, graças a um acordo firmado com um conjunto de seis potências liderado pelos estados unidos. a expectativa é que a comunidade científica do país participe agora de modo mais ativo em colaborações com grupos de pesquisa e grandes projetos internacionais. “as parcerias com outros países foram bastante prejudicadas durante o período de sanções nos últimos anos”, disse à revista nature Shahin

rouhani, presidente da Sociedade física do Irã e pesquisador do Instituto para pesquisa em Ciências fundamentais, em Teerã. as restrições econômicas fizeram com que o Irã não tivesse recursos para participar, nas mesmas condições de outros países do oriente médio, do Synchrotron-light for experimental Science and applications in the middle east (Sesame), uma fonte de luz síncrotron que está em construção na Jordânia. “espero que o acordo fortaleça as conexões entre o Irã e a comunidade científica global, permitindo que

O telescópio espacial Hubble deve ganhar um sucessor em 2018, com o lançamen-to do James Webb Space Telescope (JWST), dotado de um espelho de 6,4 metros de diâmetro. A aposentadoria do Hubble ainda não aconteceu, mas cien-tistas ligados à Associação de Universi-dades para a Pesquisa em Astronomia dos Estados Unidos (Aura, na sigla em inglês) já estão preocupados com a cons-trução de um novo telescópio para su-ceder o JWST em algumas décadas. Eles divulgaram um relatório no qual propõem a construção do High-Definition Space Telescope (HDST), que teria um espelho de quase 12 metros de diâmetro, cinco vezes maior do que o do Hubble. “É difí-cil imaginar o quão espetacular ele po-deria ser”, disse à revista Nature Julianne Dalcan, astrônoma da Universidade de Washington e coautora do documento. A proposta foi apresentada em um mo-mento pouco favorável, no qual agências

vinculadas ao governo norte-americano estão reavaliando as prioridades da pes-quisa em astronomia para a próxima década. No relatório, calcula-se que a construção do HDST custe aproximada-mente US$ 10 bilhões. Em 1996, a Aura publicou um relatório semelhante, em que defendia a construção de um teles-cópio para o lugar do Hubble. O docu-mento serviu para pressionar o Congres-so dos EUA e a Nasa a financiar a construção do JWST.

seja possível visitar o país e estreitar a relação com cientistas de lá”, disse Herman Winick, físico da universidade de Stanford, na Califórnia, estados unidos, e membro do conselho consultivo do Sesame.

o secretário de estado norte-americano, John Kerry (esq.), e o chanceler do Irã, mohammad Javad (dir.), trataram do acordo em Viena, na Áustria

Hubble 2,4 m JWST 6,4 m HdST 11,7 m

foi inaugurado no campus de São Carlos da universidade de São paulo (uSp) o cluster computacional euler, do Centro de pesquisa, Inovação e difusão em Ciências matemáticas aplicadas à Indústria (CemeaI),um dos Centros de pesquisa, Inovação e difusão (Cepid) apoiados pela fapeSp. adquirido por r$ 4,5 milhões, o sistema composto por 104 computadores ligados em rede é o mais rápido instalado em universidades de São paulo, de acordo com os coordenadores do centro. enquanto um laptop é capaz de realizar 10 bilhões de operações matemáticas básicas por segundo – chamadas de flops, (da sigla em inglês de floating point operations per second) –, o cluster computacional de São Carlos consegue fazer 47 trilhões de flops por segundo.

Cluster de altodesempenho

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diâmetro dos esPelHos

12 | agosto DE 2015

de insetos pertencem à família Zhangsolvidae, cujos representantes eram antes conhecidos somente por meio de fósseis da China e do Brasil. Uma das espécies de insetos tinha milhares de grãos de pólen de uma gimnosperma já extinta e indica que outros insetos de longos probóscides poderiam ter sido polinizadores. O trabalho é resultado da colaboração entre especialistas do Instituto Geológico e Mineiro da Espanha (IGME) e das universidades de Barcelona e Complutense de Madri, Espanha, Harvard e Cornell e do Museu Americano de História Natural de Nova York, Estados Unidos. Nessa época, as gimnospermas com os pinus dominavam a paisagem terrestre, e o principal agente de polinização, pensava-se até agora, era o vento.

Os aquíferos que se formam nas profundezas de desertos ao redor do mundo podem estar ajudando a estocar mais dióxido de carbono (CO2) do que a metade de todas as plantas da Terra, de acordo com pesquisadores da Corporação Universitária para Pesquisas Atmosféricas, nos Estados Unidos. Sabe-se hoje que 40% do CO2 produzido pelo ser humano por meio dos combustíveis fósseis e desmatamento permanece suspenso na atmosfera, enquanto cerca de 30% vai para os oceanos. Por muito tempo os cientistas acreditaram que os outros 30% seriam absorvidos pelas florestas. Agora se pensa que as plantas podem não sequestrar todo esse CO2 remanescente. Uma nova pesquisa sugere que parte do carbono está se dispersando em aquíferos de desertos, que não

Reservas subterrâneas de CO2

entravam antes nas contas. Ao examinarem o fluxo de água em um deserto na China, os pesquisadores verificaram que o CO2 suspenso na atmosfera era absorvido por plantas, liberado no solo e transportado para os aquíferos no subsolo, de onde não pode escapar de volta para a atmosfera (Geophysical Research Letters, 28 de julho). Eles acreditam que esses aquíferos estejam absorvendo 14 vezes mais CO2 do que se pensava todos os anos. Segundo eles, conhecer a localização dos reservatórios subterrâneos – que cobrem uma área do tamanho da América do Norte – poderia ajudar a aprimorar os modelos climáticos que hoje estimam os efeitos das mudanças climáticas e os cálculos sobre o estoque de carbono na Terra.

Aquíferos de desertos como o Atacama, acima, podem reter carbono

tEcnociênciaHá 100 milhões de anos

Insetos conservados em âmbar descobertos na caverna El Soplao, norte da Espanha, mostraram como ocorria a fertilização das plantas no período Cretáceo, cerca de 105 milhões de anos atrás. Nessa época, os insetos polinizadores hoje mais comuns, como abelhas e borboletas, ainda não existiam e a maioria das plantas era as gimnospermas, sem flores (Current Biology, 20 de julho). As amostras de âmbar encontradas por pesquisadores da Espanha e dos Estados Unidos continham, em perfeito estado de conservação, duas espécies de insetos, ambas já extintas. Os dois insetos tinham um longo probóscide (espécie de tromba), que servia para absorver o néctar das estruturas reprodutivas das plantas em pleno voo, como fazem hoje os beija-flores. As duas espécies

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Raridades: insetos como este sugavam o néctar das plantas sem flores

Recontagem apura o número de Avogadro

Mesmo quem prestou vestibular há mui-to tempo talvez se lembre do número de Avogadro: 6 x 1023. Esse valor é apenas uma aproximação para facilitar as contas nas aulas e nas provas de química. De acordo com a mais recente medida do número de Avogadro, realizada por pes-quisadores da Itália, Japão e Alemanha, o v a l o r e x a t o d e v e e s t a r e n t r e 6,02214071 x 1023 e 6,02214093 x 1023 (Journal of Physical and Chemical Reference Data, julho de 2015). Para de-

terminar esses valores, a equipe liderada por Giovanni Mana, do Instituto Nacional de Pesquisas Metrológicas, em Torino, Itália, desenvolveu um novo método para contar com precisão todos os átomos que formam uma esfera de um quilogra-ma, feita do elemento silício–28. Os químicos usam o número de Avogadro para comparar as massas de substâncias diferentes e acompanhar suas reações químicas, por meio de uma unidade cha-mada mol.

Contas refeitas: esta esfera de silício foi usada para aumentar a precisão de um número básico da química

Pentaquark, enfim, descoberto

Uma classe incomum de partícula estudada por físicos há pelo menos 50 anos foi inesperadamente identificada por pesquisadores da Universidade de Syracuse, nos Estados Unidos, que integram um dos grupos do Grande Colisor de Hádrons (LHC), em Genebra, na Suíça. Prótons e nêutrons – que, junto com os elétrons, formam átomos – são compostos de partículas menores chamadas quarks. Cada próton e nêutron é composto por três quarks. Anunciada em julho pela Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), que abriga o LHC, a partícula recém-descoberta, chamada pentaquark, também forma prótons e nêutrons. A diferença é que ela é constituída por cinco quarks, ou seja, quatro quarks e um antiquark, com carga elétrica oposta à dos quarks — uma combinação desconhecida até agora. Os quarks são partículas que se movimentam

Um sensor no cérebro

Uma nanossonda mais fina que um fio de cabelo que emitia luz e substâncias químicas permitiu a pesquisadores dos Estados Unidos controlar o comportamento de camundongos por meio de um comando sem fio, a partir de um computador (Cell, 16 de julho). No estudo, os pesquisadores fizeram os animais irem para um dos lados de uma gaiola ao emitirem feixes de luz sobre neurônios de uma região do cérebro. Em seguida as substâncias químicas interrompiam a comunicação entre os neurônios e os animais começavam a andar em círculos. Os comandos partiam de uma antena a pouco mais de 1 metro de distância das gaiolas.

O dispositivo era feito de materiais leves e, de acordo com os pesquisadores das universidades de Illinois e de Washington responsáveis por esse trabalho, foi implantado no cérebro dos animais sem causar danos. O sensor era composto por chips com semicondutores que armazenavam diversos tipos de drogas e diodos que emitem luz. Um recipiente continha as drogas e um material expansível. Quando a temperatura de um aquecedor elétrico abaixo do reservatório subia, o material se expandia e liberava as drogas, que levavam os camundongos a agir de determinada maneira.fo

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Após 50 anos de buscas: o pentaquark, com quatro quarks e um antiquark

quase à velocidade da luz. Cientistas procuraram por essa partícula por pelo menos 50 anos, mas não a encontraram, o que os fez pensar que ela pudesse de fato não existir. Curiosamente, os pesquisadores a encontraram em meio a trabalhos com objetivos completamente diferentes. O estudo dos pentaquarks, que agora não são mais apenas uma teoria, poderá ampliar o conhecimento sobre as possibilidades de interação entre as partículas elementares da matéria.

PEsQUIsA fAPEsP 234 | 13

14 | agosto DE 2015

Outra fonte da obesidade

O óleo de soja já não era muito bem visto pelos médicos. Agora talvez seja ainda menos. Uma dieta rica em óleo de soja poderia causar mais obesidade e diabetes que uma dieta rica em frutose, um tipo de açúcar comum em refrigerantes e alimentos processados, de acordo com um estudo realizado na Universidade da Califórnia em Riverside, Estados Unidos (PLoS ONE, 22 de julho). Os pesquisadores chegaram a essa conclusão alimentando quatro grupos de camundongos com diferentes tipos de dietas, cada uma delas contendo 40% de gordura, similar à que os norte-americanos consomem. O primeiro grupo de animais consumiu apenas óleo de coco, que consiste essencialmente de gorduras saturadas. O segundo foi alimentado com óleo de soja, que contém principalmente óleos poli-insaturados – e é bastante consumido também no Brasil. Às outras duas dietas,

cada uma com um tipo de óleo, se acrescentou frutose, na proporção consumida pelos americanos. As quatro dietas continham o mesmo total de calorias. Os animais que consumiram óleo de soja apresentaram um aumento de peso de 25% e de 9%, quando comparados com os que se alimentaram de óleo de coco e com os submetidos à dieta enriquecida com frutose, respectivamente. Além disso, o grupo do óleo de soja exibiu gordura localizada e sinais de danos no fígado, diabetes e resistência à insulina. Os pesquisadores viram também que a dieta com frutose resultou em danos metabólicos menos severos que os observados nos outros grupos. Em um teste complementar, uma dieta rica em óleo de milho resultou em um ganho de peso maior que o da dieta à base de óleo de coco, mas não tão alto quanto o proporcionado pelo óleo de soja.

Hidrogênio a partir de etanol

Os automóveis talvez possam um dia rodar com hidrogênio produzido a partir de cana-de-açúcar. Tudo depende, porém, de tornar mais eficiente a reação química que extrai do etanol o gás hidrogênio, normalmente fabricado a partir de gás natural. A mesma reação também produziria acetaldeído e acetato de etila, dois compostos solventes valorizados por diversas indústrias e normalmente fabricados a partir do petróleo. Os químicos já sabem que essa reação acontece mais rápido e gasta menos energia quando o etanol é colocado em contato com um material poroso feito de alumina (um tipo de óxido de alumínio) e cobre. Agora, um grupo de pesquisadores liderados por Leandro Martins, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, verificou que a reação se passa

de modo ainda mais eficiente quando parte do cobre misturado à alumina é oxidada. Martins e seus colegas de instituto, Sandra Pulcinelli e Celso Santilli, chegaram ao resultado em parte graças às análises da estrutura cristalina de vários tipos de materiais de alumina porosa com cobre, realizadas por Aline Passos, Amélie Rochet e valérie Briois, usando a fonte de luz síncrotron Soleil, na França. “Assim podemos produzir a partir do etanol outros produtos de valor comercial maior que o álcool, usando metais relativamente baratos como o cobre”, explica Wellington Cassinelli, que faz pós-doutorado com Santilli. Cassinelli é o primeiro autor do artigo descrevendo a pesquisa, publicado com destaque de capa pela ChemCatChem, uma das principais publicações da área de catálise química.

Óleo de soja: possível causa de ganho de peso em experimento com animais

Em grande escala: leveduras fermentam o caldo de cana para produzir etanol

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PEsQUIsA fAPEsP 234 | 15

Hidrogel com verme contra uma praga

Uma mistura de água, hidrogel e um verme microscópico, Deladenus siricidicola, tem servido para simplificar o controle biológico da vespa-da-madeira (Sirex noctilio), uma espécie acidentalmente introduzida no Brasil que se tornou uma das principais pragas de plantações de pinus, de acordo com experimentos realizados na Embrapa Florestas, no Paraná. Hoje o verme é misturado a uma gelatina ao ser aplicado em árvores para infectar e esterilizar as fêmeas da vespa (Agência Embrapa, 21 de julho). Quando

perfura o tronco da árvore, a vespa-da- -madeira pode colocar até 500 ovos e, ao mesmo tempo, liberar uma secreção tóxica, um muco, com esporos de um fungo que obstrui os vasos condutores de seiva. Segundo os pesquisadores, o uso de hidrogel poderia ser mais simples que o da gelatina, cujo preparo demanda tempo e exige uma batedeira elétrica e água gelada e quente. O hidrogel poderia ser misturado com o verme e a água em um saco plástico e depois usado ou armazenado em geladeira. A ação

HPV em estudantes

Estudantes universitárias de Belém, no Pará, apresentaram uma alta prevalên-cia de infecções causadas pelo papilo-mavírus humano, o HPV, de acordo com um levantamento realizado por pesqui-sadores das universidades federais do Pará e de Sergipe e do Instituto Evandro Chagas. Nas amostras, os pesquisadores encontraram variedades consideradas de alto risco para o desenvolvimento de câncer de colo do útero que não são combatidas pelas vacinas adotadas atual-mente — dirigidas especificamente aos tipos 16 e 18, de potencial elevado para o surgimento de tumores, e 6 e 11, asso-ciados à formação de verrugas geni-tais. Segundo a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer, 13 variedades de HPV são classificadas como de alto risco para o desenvolvimento de cân-cer. Os pesquisadores analisaram amos-tras de células da camada externa do colo do útero de 265 jovens não fuman-tes com 25 anos de idade, em média, e identificaram trechos do DNA do vírus em 67 delas, uma prevalência de 25,3% (Infectious Agents and Cancer, 22 de ju-

lho). O HPV é conhecido como o princi-pal agente causador de verrugas genitais e de câncer de colo do útero, o terceiro tipo de tumor mais comum em mulheres, depois do de mama e cólon e reto. Exis-tem no mínimo 200 variedades conhe-cidas do vírus. No estudo, os pesquisa-dores identificaram 20 delas, incluindo as 16 e 18, associadas ao surgimento de 70% dos casos de câncer de colo do útero. Apenas 50% das mulheres e 10% dos homens infectados produzem anti-corpos específicos contra o HPV.

HPv: 200 variedades já conhecidas, muitas

inofensivas, outras causadoras de câncer

Luvas para fazer compras

Uma luva equipada com uma microcâmera chamada Third Eye-Iv poderia ajudar deficientes visuais a fazer compras em mercados com mais independência. No supermercado, ao reconhecer um produto que o usuário quer, a luva vibra e dirige a mão para aquele item. A última versão de um protótipo desenvolvido na Universidade Estadual da Pensilvânia, Estados Unidos, reconheceu 87 mercadorias à mostra em prateleiras. A luva é um dos resultados de um projeto de criação de dispositivos que possam ser vestidos e interpretar uma cena complexa como o cérebro humano. O sistema de visão reconhece um objeto como novo e então armazena a informação na memória. A meta é criar um mecanismo que leia rótulos e interprete logotipos e imagens. Especialistas em neurociência e de outros campos participam desse trabalho, que recebeu um financiamento de US$ 10 milhões da National Science Foundation.

combinada do muco e do fungo leva a planta à morte. de acordo com os pesquisadores, esse novo tipo de aplicação reduziu em 46,5% os custos de produção e em 66,7% o tempo de produção da solução usada para conter a praga. No Paraná e em Santa Catarina, as áreas de plantios de pinus somam 145 mil hectares. A árvore é usada como matéria prima na produção de papel, celulose, laminadoras, serraria, movelaria e resinas. desde março de 2015, a Embrapa usa o hidrogel em 6.276 hectares. fo

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Luva óptica: reconhecendo produtos nas prateleiras dos mercados

16 | agosto DE 2015

Yuri Vasconcelos

Berçário de aviões

PESQUISA FAPESP 234 | 17

Túnel de vento para testes na UFMG e desenhos de aeronaves feitos por alunos da universidade

Em maio deste ano, pela primeira vez no Brasil, um avião elétrico tripulado voou, colocando o país no seleto grupo de nações que dominam a tecnologia de fabricação de aeronaves elétricas. O voo aconte-ceu em São José dos Campos, cidade paulista que abriga o maior polo aeronáutico do país e é sede da

Embraer, terceira maior fabricante mundial de jatos comerciais de passageiros. O Sora-e pertence à ACS-Aviation, uma das cer-ca de 20 empresas brasileiras que se dedicam à fabricação de pequenos aviões classificados pela Agência Nacional de Aviação (Anac) como experimentais ou aeronaves leves desportivas. Essas últimas, uma subcategoria dos experimentais criada pela Anac em 2011, são conhecidas pela sigla LSA, de light sport aircraft, e podem ser vendidas completas, enquanto os experimentais de construção amadora são aeronaves leves, não homologadas, que vão para o mercado em forma de kits e precisam ter 51% de sua montagem feita pelo comprador, normalmente um piloto privado.

Metade dos fabricantes desses aviões está localizada no in-terior de São Paulo, enquanto os outros se espalham por Goiás, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Santa Catarina, Paraná e Bahia. O Brasil tem o segundo maior mercado global de aviões experimentais, só superado pelos Estados Unidos. Segundo dados da Anac, existiam no país 4.958 aeronaves desse tipo em 2013. Principalmente destinados a pilotos amadores que querem voar em equipamento próprio, esses aviões são usados para lazer, recreação ou transporte pessoal, e não podem ser empregados em qualquer atividade comercial. “O Brasil é um país com dimensões continentais que comporta essa variação de aviões para atender às mais diversas necessidades”, explica Humbert Peixoto Silvei-ra, presidente da Associação Brasileira de Aviação Experimen-tal (Abraex). Os aviões experimentais custam a partir de R$ 50 mil, enquanto os LSA – os esportivos – saem até por R$ 750 mil.

Apesar do porte pequeno e da capacidade limitada a dois ou quatro ocupantes, segundo Humbert, os experimentais são veí-culos tecnologicamente avançados. “No mundo todo, a aviação experimental funciona como um laboratório para as grandes fábricas de aviões, como Airbus, Boeing e Embraer. Esses apa-relhos nascem de projetos inovadores em termos de estrutura e aerodinâmica, são construídos a partir de técnicas aprimoradas de fabricação, utilizam novos materiais em sua estrutura e são equipados com aviônicos [equipamentos elétricos e eletrônicos dos aviões] digitais e motores potentes, que podem levar alguns modelos a voar a mais de 300 quilômetros por hora [km/h]”, diz.

O voo do Sora-e coroou dois anos de trabalho do engenheiro aeronáutico formado pela Universidade Federal de Minas Ge-

Brasil tem cerca de 20 fábricas de

pequenas aeronaves, que investem

em inovações e na colaboração

com universidades para crescer

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18 | agosto DE 2015

rais (UFMG) Alexandre Zaramella, sócio-diretor da ACS-Aviation, empresa localizada em São José dos Campos (ver Pesquisa FAPESP nº 228). “Existem no mundo meia dúzia de companhias focadas no desenvolvimento de aviões elétricos. E nós somos uma das poucas com um aparelho testado em voo”, diz ele. O desenvolvimento do Sora-e – uma versão do principal modelo da ACS--Aviation, o Sora com motor a combustão – teve a parceria do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Montagem de Veículos Movidos a Eletricidade da Itaipu Binacional e recebeu uma subvenção de R$ 500 mil da Financiadora de Estudos e Pro-jetos (Finep), destinada à criação de um sistema elétrico para aeronaves. O avião tem dois motores elétricos de 35 quilowatts (kW) cada um, alimen-tados por um conjunto de seis baterias de lítio íon polímero de 400 volts, que podem manter a aeronave no ar por até uma hora e 30 minutos.

MAtERIAIS coMPoStoSNa aviação hoje procura-se utilizar compósitos – ou materiais compostos, como metal e polímero, carbono e vidro – na fabricação da estrutura das aeronaves, em substituição ao alumínio aeronáu-tico, em razão do baixo peso e da elevada resistên-cia desses novos materiais. A empresa europeia

Airbus, por exemplo, entregou em janeiro deste ano para a Qatar Airways o primeiro jato da com-panhia com asas e fuselagem feita de polímeros reforçados com fibra de carbono, o A350 XWB, com capacidade para 366 passageiros.

Outro fabricante brasileiro de aviões leves es-portivos que recorreu a compósitos foi a Scoda Aeronáutica. Localizada em Ipeúna, a 195 qui-lômetros de São Paulo, a companhia fabrica o Super Petrel LS, um avião anfíbio (que pousa e decola tanto da água como da terra) que é um sucesso no exterior. “Já produzimos 350 unida-des do Super Petrel LS e do Super Petrel 100, seu antecessor. Eles foram vendidos para 23 países e temos clientes em outros quatro prestes a re-ceber suas encomendas”, conta Rodrigo Scoda, dono da empresa. O Super Petrel custa a partir de R$ 350 mil.

Engenheiro aeronáutico graduado na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), em São Carlos, Scoda ressalta que o sucesso de seu avião se deve, em boa medida, ao fato de ser certificado nos Esta-dos Unidos e em outros países na categoria LSA. “Projetamos o Super Petrel LS com a norma do FAA [Federal Aviation Administration] na mão. Essa foi a maneira que encontramos de fabricar Fo

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1 sora-e, primeiro avião elétrico fabricado no Brasil

2 super Petrel ls: pouso e decolagem na água e na terra

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no arsaiba quais são os modelos de destaque produzidos pelas principais fabricantes de aviões leves do país

AnEQUIMcentro de Estudos Aeronáuticos da UFMgBelo horizonte-MG

avião de corrida com aerodinâmica arrojada

Projetado para ser o mais rápido de sua categoria, pesa 330 kg e atinge 575 km/h

sem preço, não é fabricado

MoDEloEmpresa/Instituiçãolocalização o que é

característica inovadora

Valor de mercado

HoMologADoSsão aeronaves sem nenhuma limitação quanto à quantidade de pilotos, tripulação, tipo, peso, modelos e finalidades, desde que atendam às normas de homologação, como treinamento de pilotos, pulverização, transporte de cargas, transporte pessoal, de passageiros e outras.

lSAsigla em inglês para avião leve esportivo (light sport aircraft), essa subcategoria dos experimentais inclui modelos que podem ser vendidos montados. a anac ainda estuda se esses aparelhos podem ter uso comercial.

ExPERIMEntAISsão aviões leves, não homologados, de construção menos complexa, vendidos em kits ou feitos a partir de projetos. Por lei, 51% de sua fabricação deve ser feita pelo dono do aparelho, normalmente um piloto amador. não podem ser usados para fins comerciais.

t-xcnovaersão José dos campos-sP

avião monomotor de quatro lugares

emprego de fibra de carbono em larga escala na estrutura da aeronave, tornando-a mais leve e com melhor rendimento

r$ 2,5 milhões

QUASARAeroalcool tecnologia Franca-sP

Monomotor para duas pessoas

Uso de corte e furação a laser na fabricação de componentes metálicos complexos, como asas e superfícies

r$ 300 mil

nEw conQUEStInpaersão João da Boa Vista-sP

aeronave leve para dois ocupantes

Pontas de asas com formas mais aerodinâmicas, resultando em melhor desempenho em voo

r$ 300 mil

wEgA 180wega Aircraft Palhoça-sc

Monomotor experimental de dois lugares

construído em compósito, é um avião com características acrobáticas, atingindo 350 km/h

r$ 620 mil

SUPER FlAMIngoAeropeperecife-Pe

Ultraleve avançado de asa alta para duas pessoas

asa com longarina de fibra de carbono, que reduz o arrasto e confere mais velocidade ao avião

r$ 230 mil

P-1Instituto tecnológico de Aeronáutica (ItA)são José dos campos-sP

Planador de dois lugares para treinamento

enflexamento variável das asas (ângulo da asa em relação à fuselagem), conferindo melhor aerodinâmica

r$ 280 mil se fabricado em série

AVIão A PEDAlEscola de Engenharia de São carlos-USPsão carlos-sP

aeronave experimental movida a pedaladas

Feito de fibra de carbono e materiais compostos, foi o primeiro avião do gênero na américa latina

sem preço, não é fabricado

SoRA-EAcS-Aviationsão José dos campos-sP

Primeira aeronave elétrica do país

Motorização composta por propulsores elétricos alimentados por baterias de lítio íon polímero

em teste e sem preço

SUPER PEtREl lSScoda Aeronáuticaipeúna-sP

avião anfíbio para dois ocupantes

Fabricado inteiramente de materiais compostos, constituídos por fibra de carbono e fibra de aramida (kevlar)

r$ 350 mil

20 | agosto DE 2015

1 Monomotor Quasar: 60 aviões vendidos

2 P-1, planador desenvolvido e construído no iTa para instrução de pilotos

um produto global”, afirma. O FAA é o órgão dos Estados Unidos responsável pela regulamentação da aviação civil. Suas normas servem de modelo para vários países, inclusive o Brasil.

Produzido com um compósito constituído de fibra de carbono e fibra de aramida (kevlar), o Su-per Petrel LS foi inspirado no avião anfíbio francês Hydroplum, dos anos 1980. A Scoda é responsá-vel por 81% de seu processo produtivo e apenas as partes mecânicas são importadas. Um aspecto incomum do processo de desenvolvimento e cer-tificação do Super Petrel LS foi o fato de 90% ter sido feito por estagiários do 4o e 5o anos do curso de engenharia aeronáutica da EESC-USP. “Sem-pre que possível, trabalhamos em parceria com universidades. Três de nossos oito engenheiros foram formados na EESC”, diz Scoda. A equipe de colaboradores da empresa é constituída por 100 profissionais, entre técnicos, engenheiros, mecânicos, pilotos e administradores.

MoDEloS cERtIFIcADoSAlém da Scoda, a Indústria Paulista de Aeronaves (Inpaer) também está em busca de certificação de seus aviões para ganhar mercado. Fundada em 2002, a empresa mudou de mãos há dois anos quando foi adquirida pelos empresários Milton Pereira e Helio Gardini. “Desde 2013, já investi-mos R$ 40 milhões na Inpaer. Fizemos mudan-ças importantes no processo de gestão, reformu-lamos nosso portfólio de produtos e o quadro de funcionários passou de 60 para 115 pessoas. Queremos tornar a Inpaer uma companhia glo-balizada, seguindo os passos da Embraer”, diz Milton. O carro-chefe da empresa, o monomotor de dois lugares Conquest 180, foi modernizado e passou a se chamar New Conquest. “O avião está em processo de certificação como LSA. O obje-tivo seguinte é começar a exportar”, diz Milton.

Com 230 aviões entregues desde sua criação, a Inpaer está trabalhando em dois novos modelos, o EZY300A e o EZY300B. Esses aviões terão capa-cidade para quatro pessoas e autonomia para voar 1.950 km sem necessidade de reabastecimento. A diferença entre eles é o posicionamento das asas em relação à fuselagem: quando elevadas, como no modelo 300A, o avião fica mais panorâmico e com velocidade menor; já baixas, como no 300B, ele fica mais veloz. “Nossa intenção é homologar esses aviões segundo a norma 23 do Registro Bra-sileiro de Aviação Civil (RBAC 23). Com isso, eles poderão ser usados para fins comerciais, como treinamento de pilotos e transporte de passagei-ros e cargas”, explica Milton. O primeiro protóti-po do 300A voou no ano passado e agora recebe melhorias, enquanto o 300B ainda está em projeto.

AVIão A PEDAl E MotoR A álcoolGrande parte dos engenheiros aeronáuticos ho-je responsáveis pelo projeto de novos aviões no país foi formada pela EESC-USP, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), instituição de

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ensino superior do Comando da Aeronáutica, e pela UFMG. “Durante os cinco anos da gradua-ção, os estudantes aprendem a fazer um avião completo. O diferencial do nosso curso é a ênfase dada à homologação e à manutenção aeronáu-tica, o que torna nossos alunos cobiçados pelo mercado”, afirma James Waterhouse, professor da EESC-USP. “Fazer um avião que voe é fácil, mas fazer um que siga as normas aeronáuticas e possa ser homologado é 100 vezes mais difícil.”

Um dos projetos mais inovadores da escola foi a construção de uma aeronave tripulada movida a pedal, a primeira do tipo na América Latina. No protótipo, de apenas 42 quilos, feito com estrutura de fibra de carbono e materiais compostos, o piloto aciona a hélice movendo pedais. O voo inaugural, de alguns metros, foi realizado há três anos. “Para conseguir voar, um avião a pedal precisa ter uma aerodinâmica refinadíssima. Nossos alunos es-tão agora aprimorando o projeto para voos mais longos”, diz Waterhouse, que tem doutorado na área de combustíveis alternativos para aeronaves.

Waterhouse, além de lecionar na USP, é dono da Aeroalcool Tecnologia, em sociedade com o engenheiro aeronáutico Omar José Junqueira Pugliesi, mestre em Engenharia na área de mo-tores pela EESC-USP. Instalada em Franca, a 400 quilômetros da capital paulista, a empresa foi criada em 2001 com a finalidade de amadurecer e comercializar a tecnologia do motor a álcool para aviões, projetado no começo dos anos 1980 na USP de São Carlos. “Conseguimos aperfeiçoar a tecnologia, mas, por contingências do mercado, nosso motor aeronáutico a etanol não virou um produto comercial”, conta Waterhouse.

Os sócios decidiram investir no projeto de uma aeronave própria, batizada de Quasar. “Este foi um avião projetado do zero, peça por peça. Fa-bricamos rodas, freios e vários componentes que normalmente são importados. Em 2006, o Qua-

sar fez seu voo inaugural”, lembra o professor. Já foram vendidos 60 aviões, sendo que as oito primeiras unidades foram exportadas para os Estados Unidos.

A Aeroalcool verticalizou a produção de suas peças e conseguiu elevado índice de nacionali-zação. “Entre os componentes importados estão motor, hélice e aviônicos, que não vale a pena fabricar aqui”, diz Waterhouse. “Nossa maior inovação foi o uso de corte e furação a laser na fabricação de componentes metálicos complexos, como asas e superfícies do avião. Essa tecnolo-gia, objeto de estudo durante o meu mestrado, resultou num projeto Pipe FAPESP [Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas], que foi um sucesso. Com essa tecnologia, reduzimos em 80% a mão de obra de fabricação e o espaço físico e conseguimos maior padronização e qua-lidade de manufatura.”

PlAnADoR PIonEIRoO professor do ITA Ekkehard Carlos Fernando Schubert desenhou e construiu um planador de dois lugares voltado à instrução básica e avança-

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3 curso de engenharia aeronáutica da UsP de são carlos tem como foco a manutenção aeronáutica

4 na UFMG a ênfase é dada à construção de protótipos

5 Montagem do anfíbio super Petrel ls

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da de pilotos, batizado de P-1. O desenvolvimen-to do primeiro protótipo teve início em 1995 e foi finalizado em 2002, quando a aeronave fez seu primeiro voo. “Decidi construir um planador com dois lugares para treinamento porque achava que o Brasil precisava se livrar das importações de um produto relativamente simples. Quando comecei o projeto, havia uma possibilidade de o DAC [De-partamento de Aviação Civil, depois transformado na Anac] adquirir um lote grande para os aero-clubes do país, o que não se concretizou”, conta Schubert, brasileiro de pais alemães.

Os planadores são aeronaves que se sustentam em voo livre sem motor. Por isso, precisam ser fabricados com materiais leves e ter uma aerodi-nâmica própria. O P-1 foi feito com um compósito formado por fibra de vidro, resina epóxi e espu-ma de PVC rígido. Uma de suas principais ino-vações tecnológicas é a geometria das asas, com enflechamento (ângulo formado entre a asa e a fuselagem) variável ao longo da semienvergadu-ra. “Esse desenho confere melhor aerodinâmica à asa e torna o voo mais eficiente”, diz o profes-sor do ITA. Sua intenção é conseguir certificar a aeronave como LSA para tentar vendê-la para escolas de aviação no Brasil e no exterior.

Nos anos 1960, os alunos do ITA, sob orien-tação do professor Guido Fontegalant Pessotti, que se tornaria diretor-técnico da Embraer nos anos 1980, já faziam planadores. Eles construí-ram o Urupema, modelo que chegou a ser fabri-cado pela Embraer, e o rebocador de planadores Panelinha. O ITA tem seis cursos de graduação na área e já formou 6 mil engenheiros aeronáu-ticos, aeroespaciais, mecânicos, eletrônicos, civis e de computação desde a sua fundação, em 1950.

nAScEDoURo DE PRoJEtoSA UFMG também tem papel de destaque na for-mação de profissionais para a indústria aeronáu-tica brasileira. Seu curso de engenharia aeroes-pacial forma entre 40 e 45 estudantes por ano. A universidade tem uma unidade, o Centro de

Um projeto ambiciosonovaer planeja fabricar avião homologado para disputar mercado com grandes indústrias internacionais como as norte-americanas cessna, Piper e cirrus

Fabricar mais de 100 aviões por ano a partir do quarto ano de produção e destinar 75% das unidades ao mercado internacional. essa é a meta estabelecida pela novaer, empresa que está desenvolvendo seu primeiro avião, provisoriamente chamado de projeto T-xc. a aeronave fez seu voo inaugural em agosto de 2014 e encontra-se na fase de ensaios de certificação, que devem durar mais um ano. Um diferencial da novaer em relação à maioria dos fabricantes brasileiros é o fato de o T-xc almejar a certificação pela norma 23 do regulamento Brasileiro de aviação civil (rBac 23). essa homologação permite que o avião seja usado como táxi aéreo e para transporte de cargas e treinamento de pilotos civis e militares – o que não é permitido às aeronaves experimentais. “não teremos concorrentes no Brasil. nossos maiores competidores serão os fabricantes internacionais, como cessna, Piper e cirrus”, afirma Graciliano campos, presidente da novaer.

o T-xc será fabricado em duas versões: utilitário e treinador. o primeiro modelo, com quatro lugares, visa ao transporte de passageiros e pequenas cargas. a versão treinador, batizada de

sovi, tem apenas dois lugares e será destinada ao treinamento de pilotos das forças aéreas. os dois aviões são inspirados na aeronave experimental K-51, criada pelo engenheiro húngaro naturalizado brasileiro József Kovács, um dos mais renomados projetistas aeronáuticos do país. a maior inovação do projeto T-xc é a aplicação da fibra de carbono em larga escala. “Vários aviões comerciais já fazem uso desse componente, mas, por enquanto, nenhum possui 100% de suas estruturas em fibras de carbono como a aeronave da novaer”, diz Graciliano.

atualmente sediada em são José dos campos, a novaer tem planos de transferir parte de suas atividades para lages, em santa catarina, onde o governo estadual planeja montar um polo industrial aeronáutico. a intenção da novaer é estruturar a linha de montagem do T-xc e do sovi em solo catarinense. criada em 1998, a empresa também se dedica ao desenvolvimento de componentes para aeronaves. ela é a fornecedora do trem de pouso do T-27 Tucano, avião de treinamento e combate leve fabricado pela embraer e empregado pela Força aérea Brasileira e de mais de 10 países.

n Fibra de carbonon itens de fornecedorn Partes metálicas

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Estudos Aeronáuticos (CEA), focada em proje-to, desenvolvimento e operação de protótipos de aeronaves. “Poucas instituições acadêmicas no mundo têm capacidade para trabalhar na fabri-cação de um avião. Desde o nosso primeiro pro-tótipo, o planador Gaivota, que voou em 1964, já projetamos e construímos 10 aeronaves”, conta o engenheiro aeronáutico e professor da UFMG Paulo Henrique Iscold.

A ênfase dada à construção de protótipos, se-gundo Iscold, é o diferencial do curso da UFMG. “Nossos alunos aprendem, na prática, a construir um avião. Nesse processo, sempre tentamos ino-var e criar algo a mais que possa ser levado para a indústria”, diz o engenheiro. Cada avião demora de cinco a seis anos para ficar pronto e os alu-nos participam dos projetos, fazem desenhos e cálculos e montam a estrutura. O mais recente feito no CEA foi o Anequim, uma aeronave de corrida que pesa 330 quilos e atinge 575 km/h. O Anequim voou pela primeira vez em novembro de 2014 e, neste mês, seus criadores vão tentar quebrar sete recordes mundiais de velocidade. Os voos serão monitorados pela Federação Ae-ronáutica Internacional (FAI), entidade sediada na Suíça e que homologa os recordes em aviação.

O monomotor CEA-308, construído em 2011 pela UFMG, é reconhecido pela FAI como o mais rápido avião leve (abaixo de 300 quilos de peso total, incluindo piloto e combustível) do plane-ta. A aeronave bateu três recordes mundiais de velocidade, nos percursos de 3, 15 e 100 quilôme-tros, e um de razão de subida, até 3 mil metros. Há dois anos, o projeto de um avião para quatro tripulantes criado no CEA venceu um concurso internacional promovido pela fábrica de motores aeronáuticos Price-Induction, da França.

Outro destaque do CEA é o Triathlon, uma aeronave acrobática feita de madeira e materiais compostos que começou a sair da prancheta en-tre 1997 e 2001, durante o doutorado do profes-sor Cláudio de Barros, fundador do CEA, conta Iscold. O modelo serviu de inspiração para dois

aviões que foram construídos em escala indus-trial por empresas privadas – o Sora, aeronave da ACS-Aviation, e o monomotor Wega 180, da Wega Aircraft, de Santa Catarina.

Criada pelo mecânico de aeronaves Jocelito Wildner, a Wega Aircraft fica em Palhoça, na Re-gião Metropolitana de Florianópolis. É a primeira indústria do setor instalada no estado. Além do Wega 180, com motor de 180 hp (horse power), ela também fabrica o Wega 210, com motorização mais potente, de 210 hp. “Nossos aviões são fei-tos de carbono, vidro e resina de alta qualidade, possuem trem de pouso retrátil e seguem normas internacionais de segurança”, afirma Wildner, formado pela escola da extinta companhia aérea Varig. A capacidade de produção da Wega é de duas unidades por ano, sendo que oito aviões já foram vendidos.

Pernambuco também tem sua fábrica de aviões, a Aeropepe, fundada em 1999, em Recife. Quinze unidades do Flamingo e do Super Flamingo, um monomotor de asa alta capaz de voar a 200 km/h, foram vendidos, um deles para Portugal. As ae-ronaves apresentam duas inovações principais: estrutura totalmente construída com materiais compostos e asa equipada com longarina de fi-bra de carbono, o que confere maior resistência estrutural e dispensa o uso de peças de fixação. “A aeronave sofre menos resistência do ar e de-senvolve maior velocidade com menor consumo de combustível”, diz José Rodolfo Garrido An-drade, o Pepe, dono da empresa.

Com base em uma mesma plataforma, o empre-sário quer lançar três novos aviões. O primeiro, um modelo certificado como LSA, contou com a parceria da Aeron, uma spin off nascida no CEA--UFMG. “Os engenheiros da Aeron ficaram res-ponsáveis pelos cálculos aerodinâmicos e pelo design do avião, que ainda não tem nome nem data de lançamento”, diz Pepe. As outras aerona-ves são uma versão do LSA com motor elétrico e um aparelho de alto rendimento, dotado de mo-tor turboélice de passo variável e trem retrátil. n

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1 aeronave movida a pedal desenvolvida na eesc-UsP

2 Painel do monomotor new conquest

3 Monomotor Wega, feito a partir de projeto acadêmico

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entrevista

silvio Salinas gosta de uma boa conversa. Se for sobre sua especialidade, melhor ainda. Mesmo para os que têm pouca familiaridade com a física estatística, segmento da física teórica complicado para os não iniciados, ele

tenta dar alguma noção da área em que trabalha há 45 anos. Entusiasmado, caminha até o quadro branco e anota concei-tos e fórmulas. Depois de algum tempo, senta-se e solta um lamento: “Se tivéssemos mais uma hora, eu seria capaz de fazer vocês entenderem um pouco do que já estudei”, diz o professor titular sênior do Instituto de Física da Universida-de de São Paulo (IF-USP). Para ele, seu trabalho como físico teórico tem como objetivo simplificar modelos complexos da física estatística para torná-los mais acessíveis.

A física está longe de ser o seu único ponto de interesse. Dis-corre sobre política e educação. Sua trajetória acadêmica é sin-gular. Sete dias após o golpe militar de 1964, Salinas foi preso e expulso do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, com outros estudantes e professores, acusados de subversão. “Éramos jovens de esquerda bastante ativos no centro acadêmico, mas ninguém pensava em explodir pontes, como nos acusavam”, conta ele. Libertado quatro meses depois, inscreveu-se em dois cursos, o de engenharia, na Esco-la Politécnica (Poli-USP), e o de física, na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL-USP, atual FFLCH). Passou no vestibular e cursou ambos simultaneamente.

Natural de Araraquara, interior de São Paulo, Salinas optou pela física, área na qual fez mestrado na USP (1967-68) e dou-torado nos Estados Unidos (1969-73). Na volta ao Brasil, par-ticipou dos debates sobre o acordo nuclear Brasil-Alemanha

Silvio Roberto de Azevedo Salinas

idade 72 anos

especialidade Física estatística

formação Bacharelado em Engenharia Elétrica (Poli-USP) e Física (FFLCH-USP), mestrado (FFLCH-USP), doutorado (Universidade Carnegie Mellon)

instituição Instituto de Física da USP

produção científica 118 artigos científicos e sete livros. Orientou 27 mestrados e 17 doutorados

um físico de altas e baixas temperaturasPesquisador fala dos trabalhos em estatística,

de educação e política nuclear brasileira

neldson marcolin e ricardo Zorzetto | REtRAtO Léo Ramos

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e mergulhou nas pesquisas sobre física estatística, interagindo com os físicos experimentais de matéria condensada. Um assalto sofrido há 12 anos o deixou cego do olho direito, mas não diminuiu seu entusiasmo.

Inquieto aos 72 anos, orienta alunos, escreve artigos e se preocupa com ques-tões domésticas e universais. Revela-se frustrado por não conseguir atrair his-toriadores para estudar a trajetória do IF-USP, que começou nos anos 1930 e contém a origem da docência e da pes-quisa em física no país. E tenta vislum-brar uma saída para a física, que estaria num momento de indefinição. Casado, com dois filhos gêmeos – um advogado e outro bioquímico –, Salinas concedeu a entrevista abaixo para Pesquisa FAPESP.

Sua prisão e expulsão do ITA ocorreram sete dias depois do golpe militar de 1964. O senhor participava de algum grupo de esquerda?Eu estava no quarto ano de engenharia elétrica e parti-cipava do centro acadêmico. Antes do golpe, havia um mo-vimento estudantil forte no ITA, mesmo sendo uma es-cola comandada por militares. A vida cultural era intensa e o centro acadêmico recebia apoio da escola e do CTA [atu-al DCTA, Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroes-pacial, vinculado ao Comando da Aeronáutica], de onde vi-nha parte do orçamento. Po-díamos usar esse dinheiro sem ingerência. Aprendi a gostar de cinema no ITA, que tinha uma sessão semanal de filmes de arte, além de apresentações de boas peças de teatro e shows de música. Para alguém de Araraquara, era fantástico. Aliado à cultura, havia o movimento estu-dantil, dividido entre esquerda e direita. Na esquerda estavam aqueles influencia-dos pelo Partido Comunista ou ligados aos movimentos sociais da Igreja Católica.

Sua militância se restringia ao movi-mento estudantil? Sim, e era a mesma que havia em São Pau-lo. Os grêmios fortes eram o da Poli e o da Filosofia. Só com o golpe nos demos conta de que estudávamos numa base militar. No dia 7 de abril foram presos dois pro-

fessores e 12 alunos, eu entre eles, detidos por quatro meses na Base Aérea de Santos, respondendo a um IPM [Inquérito Policial Militar]. Fomos desligados do instituto. Em 2005, fui anistiado com outros expulsos por razões políticas em 1964, 1965 e 1975. A iniciativa foi de um reitor recente, Michal Gartenkraut, morto em 2013. Ele promoveu a reconciliação do ITA com seu passado e achava que o ambiente pré-1964 precisava ser resgatado, do ponto de vista intelectual e de comportamento das pessoas.

De comportamento?É. Havia um ambiente cultural e acadê-mico interessante. O curso básico era excelente e me permitiu mudar para a física, anos depois, sem traumas. Encon-trei no ITA uma prática chamada disci-

plina consciente. Era um conceito em que regras de convivência na instituição e as punições de suas transgressões eram administradas pelos próprios estudantes. Para ficar em um exemplo: o professor dava uma prova e saía da sala. Ninguém colava. Onde se encontra isso hoje?

Como foi o ingresso na USP? Quando saí da cadeia fiz vestibular pa-ra a Politécnica e para o curso de física da FFCL. Passei e, a partir de 1965, fiz os dois cursos em dois anos porque pe-di dispensa das disciplinas já cursadas. Acho que hoje não seria possível. Eu as-sistia às aulas da Poli pela manhã e ia aos laboratórios à tarde. Já a física eu fazia à noite. Tudo era na Cidade Universi-

tária, e, morando no Crusp [Conjunto Residencial da USP], dava para conciliar.

O que o fez pender para a física?Primeiro, alguns cursos interessantes e os desafios intelectuais propostos. Em segundo lugar, não me animava a tra-balhar como engenheiro. Decidi fazer mestrado em física e, para minha sorte, descobri a FAPESP. Fui bolsista já em 1967, quando acabei a graduação. Defendi o mestrado em 1969, mas, antes, já havia sido contratado como professor na Poli.

Rápido assim?Era como acontecia na época. José Gol-demberg, que não me conhecia, contra-tou-me para dar aula em março de 1968, em tempo parcial. A Poli tinha uma ca-

deira de física quase abando-nada porque ninguém fazia pesquisa na área. Goldemberg ganhou a cátedra e queria me-lhorar essa situação. Foi antes da reforma na universidade. A cátedra de Física na Poli era diferente da cátedra de Física na Filosofia. Ele era ligado à FFCL, mas vagou a da Poli. Ninguém parecia interessado, com exceção do Roberto Sal-meron, que estava no exterior e não veio fazer o concurso. Goldemberg ganhou e preci-sava de gente jovem para dar aula e fazer pesquisa. Achou ótimo que eu aparecesse lá.

Qual era sua linha de pes-quisa?Matéria condensada. Inicial-

mente, trabalhei com semicondutores com o professor Luiz Guimarães Ferrei-ra. Ele sugeriu que eu fizesse um estágio no Laboratório de Baixas Temperaturas e cursei meu mestrado lá.

Esse é o laboratório que foi criado por Mario Schenberg nos anos 1960?Sim. Em algum momento, Schenberg percebeu que precisava ampliar as áreas de pesquisa do Departamento de Física da FFCL. A física da USP tinha vivido a época gloriosa dos estudos com raios cósmicos a partir de 1936, quando come-çaram as pesquisas em física. Mais tarde, esse pessoal se voltou para a física nucle-ar. Nos anos 1950 e 1960, despontaram novas áreas e a física do estado sólido,

antes do golpe de 1964 havia um movimento estudantil forte e uma vida cultural intensa no ita

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hoje chamada de matéria condensada, parecia promissora. Schenberg assumiu a construção de um laboratório de físi-ca do estado sólido, instalado em 1961.

Essa não era a área dele.Não. O negócio dele era a física teórica. Schenberg já estava na fase mais abstrata da sua carreira e um tanto isolado. Como não era da área, precisava trazer pesqui-sadores para esse laboratório. Os primei-ros foram Newton Bernardes e Carlos Quadros, que trabalhavam nos Estados Unidos. Quem projetou o laboratório foi um convidado norte-americano.

O que vocês estudavam lá? A temperatura em que vivemos, de 20 e poucos graus Celsius, não é a tempera-tura usada nessas pesquisas. Usamos o Kelvin. Zero Celsius equivale a 273 Kel-vin. Baixas temperaturas é ir abaixo dis-so, mas a segunda lei da termodinâmica impõe um limite: o zero Kelvin. Não se consegue ir abaixo disso, a não ser em situações especiais. Aí há alguns marcos importantes. Um deles é a liquefação do nitrogênio, que ocorre a 90 Kelvin. Es-sa temperatura não é tão difícil conse-guir. Mas, para determinadas pesquisas, é preciso baixar mais. A única substância líquida a temperaturas muito baixas é o hélio. Sua temperatura de liquefação é 4 Kelvin e isso foi conseguido aqui um pouco antes de eu entrar no laborató-rio, em 1967. Com hélio líquido, dá para tomar medidas elétricas e magnéticas precisas e caracterizar materiais.

Qual era seu trabalho?Participei de caracterização de mate-riais magnéticos. Há outros materiais, como os supercondutores, que, quando se quer caracterizar, é preciso trabalhar com temperaturas ainda mais baixas. A 4 Kelvin, o hélio liquefaz; a 1,2 Kelvin, o líquido vira superfluido e tem carac-terísticas notáveis, como a ausência de viscosidade. O hélio foi liquefeito pela primeira vez no mundo pelo holandês Heike Kamerlingh Onnes, em 1906, que descobriu efeitos sensacionais. O mais interessante foi a supercondutividade. Alguns materiais, abaixo de determina-das temperaturas, se transformavam em condutores perfeitos, sem dissipação de energia. Houve um esforço grande para caracterizar supercondutores. No mes-trado trabalhei com uma bobina super-

condutora, sob a supervisão do profes-sor Nei Oliveira, um pouco mais velho do que eu. Acho que essa foi a primeira bobina desse tipo no Brasil, doada por um laboratório de Grenoble, na França.

Quais as possíveis aplicações dessas pesquisas?Embora a supercondutividade não tenha dissipação de energia, ela funciona a até 10 Kelvin. Por exemplo: para construir um trem que flutue nessas condições, se-ria preciso manter tudo a essa tempera-tura, o que é impossível. Há uns 20 anos descobriram materiais supercondutores a 100 Kelvin. Melhorou, mas esse ainda é um problema não solucionado tecno-logicamente. Sabemos explicar a super-condutividade em baixas temperaturas, até 15 Kelvin. Há uma teoria chamada BCS, proposta por [John] Bardeen, [Le-on] Cooper e [Robert] Schrieffer, que é a base da supercondutividade. Eles ga-nharam o Prêmio Nobel de Física graças a essa teoria.

John Bardeen, um dos inventores do transistor?Isso, o único a ganhar duas vezes o No-bel de Física. Uma pelo transistor, com William Shockley e Walter Brattain, em 1956, e outra pela teoria BCS. Newton Bernardes foi aluno de mestrado do Bar-deen, que propôs a ele um problema. Bernardes resolveu muito bem e publi-cou. Mas, no mesmo ano, Schrieffer re-

solveu outro que funcionou melhor para explicar o que Bardeen queria. Junto com Cooper, eles ganharam o Nobel de 1972. Bernardes deu um azar dos diabos. Hoje há uma disputa por uma nova teo-ria para supercondutores e alguns físicos dizem que a teoria BCS é incompleta.

Se estava com a carreira encaminhada, por que saiu do país em 1969?O ano de 1969 foi terrível, com muitas perseguições. Na física saíram o Schen-berg e o Jayme Tiomno. A repressão se tornou brutal e eu tinha um passado político que não ajudava. Decidi tentar ir para o exterior. Na época até estava bem situado, casei em 1968, tinha um Volkswagen e morava em um aparta-mento alugado. Meus amigos usavam essa infraestrutura para ações contra a ditadura e eu, embora não fizesse nada, estava indiretamente envolvido.

Como conseguiu ir embora?O professor Fernando de Souza Barros, hoje no Rio de Janeiro, estava na Univer-sidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, nos Estados Unidos, e me conseguiu uma posição como teaching assistant sem eu ter feito exame nem teste de inglês. Tam-bém fui aceito no doutorado. O convite foi intermediado por amigos físicos, como Amélia e Ernst Hamburger, que estavam na Universidade de Pittsburgh. A intenção era continuar o que estudava aqui, mas, depois de fazer cursos e conhecer as pes-

Silvio Salinas, John Nagle e Carlos Yokoi no Rio de Janeiro (s/d)

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soas, mudei para a física teórica. Lá tinha um pessoal forte nessa área, como Robert Griffiths, James Langer e John Nagle.

O seu orientador era norte-americano?Sim, foi o John Nagle. Inicialmente, eu iria trabalhar com o Fernando de Souza Barros, mas ele pretendia voltar para o Rio. Surgiu essa possibilidade na física te-órica e a colaboração com Nagle me abriu perspectivas de trabalho em modelos de cristais com ligações de nitrogênio, que retomei depois na USP. Para me manter na Carnegie Mellon, ganhei uma bolsa da universidade que me obrigava a dar aulas. Fiz isso por dois anos. No início me pro-tegeram bastante, porque eu falava inglês mal. Tinha que preparar bem as aulas e isso tomava tempo. Até eu descobrir que, com bolsa da FAPESP, poderia pesquisar em tempo integral e escolher o orienta-dor. Pedi e ganhei. Era melhor, em termos de dinheiro, do que a que eu ganhava lá.

Por que não ficou nos Estados Unidos?Na época, os meus amigos mantinham a perspectiva de voltar para o Brasil. Não era uma decisão fácil. Eu tinha problemas aqui, estive envolvido no IPM do Crusp quando descobriram a expulsão do ITA. Quando ia sair do país, pedi para o Gol-demberg me demitir, mas ele sugeriu que eu pedisse uma licença sem vencimen-tos. Quando quisesse voltar, haveria um emprego. Ele manteve minha posição e renovou meu contrato por quatro anos.

Nesse tempo, houve a reforma universi-tária, a cátedra foi extinta e as cadeiras de Física da Poli e da Filosofia viraram uma só no Instituto de Física. Fiquei nos Es-tados Unidos até receber um ultimato do instituto. Se não voltasse, não seria pos-sível renovar o contrato. Voltei em 1974.

Não temeu retornar em plena ditadura?Um tio que era procurador da Justiça aposentado disse que não aconteceria nada. O IPM do Crusp já tinha ido para a auditoria militar e fui absolvido, como aconteceu no inquérito do ITA. Voltei e assumi minha posição de instrutor. O cargo era em tempo parcial e não dava para viver só com ele. Por sorte, existia o BNDE [atual BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e So-cial], que iniciou uma linha de fomento depois assumida pela Finep [Financia-dora de Estudos e Projetos]. Na época, havia um projeto grande do banco que ajudava a complementar o meu salário e o de muita gente da USP. Mais tarde consegui tempo integral na universidade.

O senhor continuou trabalhando com bai-xas temperaturas nos Estados Unidos?Sim, mas em física estatística. A física de sólidos é uma aplicação da mecânica quântica e da física estatística. Trata-se de trabalhar com um número muito gran-de de partículas, o que inviabiliza trata-mentos individuais. Para isso é preciso ter uma visão de estatística. Trabalhei em

problemas de ferroeletricidade e aprendi técnicas de mecânica estatística no dou-torado. Quando voltei, interagi com quem trabalhava com baixas temperaturas. Na época havia interesse em compreender fenômenos físicos chamados de transição de fase, críticos e multicríticos.

Qual foi sua contribuição de maior re-percussão?Algumas das minhas contribuições fo-ram no sentido de entender melhor o funcionamento desses sistemas e as teorias existentes na época. Há um livro de um amigo, Mario Oliveira, comemo-rando os 80 anos da USP, com artigos sobre trabalhos considerados importan-tes. Ali está um estudo que fiz com um aluno que hoje é professor aqui, o Carlos Yokoi, e outro docente de Pernambuco, o Mauricio Coutinho, relacionado a al-go originado de conversas com o pes-soal experimental. É um modelo de um diagrama de fases [gráfico das condi-ções de equilíbrio entre as fases sólida, líquida e gasosa] em que dá para fazer conexões e medidas. Foi um trabalho de física estatística com certa repercussão. Um dos desdobramentos é que consegui-mos fazer uma conexão com uma ideia que tinha surgido na época, na teoria de sistemas dinâmicos, sobre caos e fractais. Foi no início da década de 1980.

O seu trabalho estava dirigido para mo-delos estatísticos desde o doutorado?Minha tese foi sobre um modelo estatís-tico para explicar a transição de fases em um cristal ferroelétrico. No meu perío-do nos Estados Unidos publiquei alguns artigos. Esse relacionado à tese saiu na revista Physical Review B em 1974. O senhor acompanhou de perto a polí-tica nuclear brasileira. Pelo que se de-preende do período, alguns físicos brasi-leiros tinham restrições ao acordo com a Alemanha, mas não se opuseram de forma clara a ele, mesmo o Brasil tendo um enorme potencial hídrico para gerar energia. Quais as razões dessa reação?Não foi bem assim. Eu estava bastante envolvido com a SBF [Sociedade Brasi-leira de Física] na época e o acordo com a Alemanha foi uma surpresa. Quando foi anunciado, em julho de 1975, estáva-mos numa reunião da SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência] em Belo Horizonte. Muitos físicos eram

Com os filhos gêmeos e a esposa, Cristina, em Pittsburgh, Estados Unidos, no começo dos anos 1970

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pesQuisa fapesp 234 | 29

favoráveis ao acordo e alguns até partici-param dele de modo velado, caso do José Israel Vargas. Outros ficaram aturdidos, como o Goldemberg. Ele era favorável ao uso da energia nuclear, mas queria um projeto que garantisse a independência do país e era contra os métodos baseados no enriquecimento do urânio. Havia fí-sicos favoráveis a um programa nuclear brasileiro independente, com resistência às características do programa alemão. Foi um debate importante. Os físicos se abriram para a questão energética como um todo. O potencial hídrico brasileiro era pouco conhecido pelos físicos. O Gol-demberg virou pesquisador de energia depois desses debates e hoje é crítico do uso da energia nuclear. Havia ainda a suspeita de que os militares desejavam produzir a bomba atômica.

E como vê a questão hoje?Sou a favor de ter um rea-tor multipropósito, como o que se deseja construir pa-ra produzir radioisótopos e fazer pesquisas nessa linha. Agora, erguer usinas nuclea-res para gerar eletricidade, não. Há problemas de segu-rança não resolvidos. Além do potencial hídrico, temos a possibilidade de explorar energia eólica e biomassa. Dá para ser um país mais limpo sem tantos riscos.

Certa vez o senhor disse que a física estava num momen-to difícil. Por quê?Um exemplo: recentemente foi descoberto o bóson de Higgs, que con-firma o modelo-padrão da física, um gran-de modelo teórico. O que vem depois? Há avanços observacionais em astronomia e astrofísica. Há 20 anos, a cosmologia era um tema meio metafísico. Hoje tem outro status. Há essas ideias de matéria e energia escura. Como é que fica o mo-delo-padrão da cosmologia? Como vai se ajustar às modernas teorias de campos?

Isso não é estimulante?Por um lado, sim, mas o que tem surgi-do para explicar? Uma das coisas mais interessantes é a teoria de cordas. Mas é muito complicado, porque não há como testá-la experimentalmente nem como construir aceleradores de partículas cada

vez maiores e mais custosos. Para mim, é difícil enxergar uma saída.

E como vê a física brasileira?Começou de uma maneira difícil, sem gente nem recursos, mas chegou a bom termo, graças ao trabalho do grupo ini-cial formado por Gleb Wataghin dos anos 1930 e 1940. Hoje há um bom número de pessoas trabalhando em física no país. Temos de ficar atentos se os trabalhos têm qualidade e geram impacto.

Nos últimos anos, o senhor tem se preo-cupado em preservar o acervo do Insti-tuto de Física. É fato que cedeu sua sala para guardar documentos históricos?Quando fui diretor do instituto, de 1993 a 2002, pediram para usar minha antiga

sala de pesquisador. Ao sair da direção, ganhei outra sala, maior. Em 2012 me aposentei e continuei pesquisando, mas achei que não tinha sentido ocupar todo aquele espaço. Na época existia o projeto de acervo do instituto e os responsáveis estavam desesperados à procura de um lugar. Deixei a minha sala para colocarem a documentação. Quando a Amélia Ham-burger faleceu, ocupei a sala dela, que é pequena. Além disso, sou físico teórico e posso trabalhar em casa. Há um projeto de digitalizar o acervo. Parte já foi feita. É algo difícil: faltam dinheiro e interesse dos historiadores de ciência. Gostaríamos de contar com dois ou três pesquisadores jovens, que se dedicassem a trabalhar com a história da física em São Paulo.

O senhor foi colaborador da Universi-dade do ABC [UFABC] em 2006 e 2007. Por que essa jovem universidade o im-pressionou?No início de 2006 encontrei, por acaso, o Hermano Tavares, meu contempo-râneo no ITA e ex-reitor da Unicamp. Ele tinha acabado de assumir a reito-ria pro tempore da UFABC, em Santo André, e disse que precisava da minha ajuda. Fui conhecer e achei a experi-ência inovadora. Todos os ingressantes faziam um bacharelado único, interdis-ciplinar, em ciência e tecnologia, por três anos. Metade das disciplinas eram optativas e tinham uma base comum: física, química, matemática, compu-tação e ciências sociais. O aluno esco-lhia o que fazer. Depois de três anos,

podia sair como tecnólogo, por exemplo. Ou, tendo in-teresse, desempenho acima de certo nível e uma esco-lha adequada de disciplinas optativas, poderia concluir um dos bacharelados (enge-nharia, física, química, ma-temática ou computação) com mais um ou dois anos suplementares de curso. A ideia era ter uma forte ba-se conceitual e reduzir as distinções entre cientistas e engenheiros ou entre as diversas especializações. A universidade é a única no país que tem 100% dos do-centes com doutorado. Foi uma época peculiar, pois a UFABC recrutou um bom número de doutores, for-

mados nos nossos cursos de pós-gra-duação e às vezes com estágio de pós--doutoramento, que não conseguiam posições em São Paulo. A UFABC não tem departamentos, mas centros co-muns, o que é bom porque agrega. Fui diretor do Centro de Ciências Naturais e Humanas. Achei meio estranho quan-do criaram um bacharelado em huma-nidades. Não seria preciso ter todas as áreas na UFABC, como querem muitas universidades brasileiras. As discipli-nas de humanas são importantes para apoiar a formação do engenheiro, que precisa disso. Os Estados Unidos têm experiências incríveis com o que eles chamam de general studies, em Har-vard inclusive. n

sou a favor de ter reator nuclear para produzir isótopos e fazer pesquisa, mas não para eletricidade

30 z agosto DE 2015

Guia mapeia 32 museus

científicos itinerantes no Brasil

Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pelo Museu da Vida da Fun-dação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A edição anterior do guia, divulgada em 2009, havia registrado ape-nas 20 projetos desse tipo no país. “Os museus itinerantes têm a capacidade de irradiar acervos e exposições científicas, principalmente para po-pulações geográfica ou socialmente sem acesso a equipamentos científicos, como moradores de pequenos e médios municípios e periferias das grandes cidades”, explica José Ribamar Ferreira, presidente da ABCMC.

Em sete anos, a Caravana da Ciência percor-reu bairros e comunidades da cidade do Rio de Janeiro. Esteve também em 40 municípios flu-minenses e recebeu a visita de 260 mil alunos do ensino fundamental e médio das redes pública e privada. Vistos de longe, o caminhão e as duas lonas gigantes armadas para abrigar o acervo lembram um circo. Crianças e jovens, conforme se aproximam, deparam-se com microscópios, espelhos côncavos e convexos, um gerador Van de

Acarga transportada pelo motorista Daniel Batista da Silva é diferente de tudo o que ele já carregou em 25 anos de profissão. “Eu levo um museu de ciência”, disse, apontando

para a carreta estacionada numa grande área a céu aberto. Sobre as rodas do caminhão funcio-na a Caravana da Ciência, um museu itinerante criado em 2007 pela Fundação Centro de Ciên-cias e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj), que entre os dias 12 e 18 de julho foi uma das atrações da 67ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada no campus da Uni-versidade Federal de São Carlos (UFSCar). A ini-ciativa é um dos 32 museus científicos móveis em atividade no país, que promovem atividades em comunidades e municípios distantes dos grandes centros urbanos. Eles estão listados no recém--lançado guia de Centros e museus de ciência do Brasil 2015, publicado pela Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), pela

Bruno de Pierro

Ciência sobre rodas

PolíticA c&t Difusão y

PESQUiSA FAPESP 234 z 31

Graaff, que produz energia eletrostática e deixa os cabelos arrepiados, entre outros experimentos que se tornam fonte de conhecimento, inspiração e diversão. “Muitos moradores de comunidades carentes do Rio não se sentem incluídos nesse tipo de atividade e não frequentam museus de ciência mesmo quando moram perto de um”, diz Jessica Norberto Rocha, coordenadora da Caravana da Ciência. Para alcançar esse públi-co, ela conta que já precisou pedir autorização ao crime organizado para montar a estrutura em morros do Rio de Janeiro. Com a colaboração da prefeitura da cidade, também levou o centro itinerante para o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), onde são mantidos menores que cometeram delitos. “Costumamos ser bem-vindos nesses locais”, observa.

o crescimento do número de museus móveis é resultado da mobilização de universida-des, instituições de pesquisa, secretarias

estaduais e municipais, agências de fomento e do governo federal para ampliar o contato da popu-lação com iniciativas de popularização da ciência no país. Segundo a Pesquisa de Percepção Pública da Ciência e da Tecnologia 2015, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), apenas 12% dos brasileiros com mais de 16 anos visitaram museus ou centros de ciência e tecnologia nos 12 meses anteriores ao levantamento. Embora tenha triplicado em relação a 2006 (4%), o percentual é baixo quando comparado aos padrões europeus e norte-americanos, onde as taxas de visitação anual chegam a 20% da população.

“Muitas prefeituras têm entrado em contato com museus itinerantes para solicitar visitas em

suas cidades”, diz José Luís Schifino Ferraro, coordenador do Projeto de Museu Itinerante (Promusit) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Criado em 2001 pelo biólogo Jeter Bertoletti, o Promusit foi o primeiro museu itinerante do Brasil e se tornou uma referência. Em 14 anos, passou por todas as regiões brasileiras e por cidades próximas à fronteira com outros países, recebendo público de lugares como Argentina e Uruguai. Cerca de 75 experimentos nas áreas de física, química, biologia e matemática são montados na parte externa de uma grande carreta, cujo interior se transforma num auditório de 50 lugares, onde são exibidos documentários em 3D.

O modelo do Promusit foi inspirado no Shell Questacon Science Circus, museu móvel do Cen-tro Nacional de Ciência e Tecnologia do governo da Austrália em parceria com a empresa Shell. O projeto percorreu cerca de 500 cidades daquele país, incluindo 90 comunidades indígenas, desde que foi criado em 1985. Mas o advento dos mu-seus móveis é mais antigo e remonta à década de 1950, quando a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)

Museu itinerante Ponto ufMG: dentro da carreta (alto) há módulos sobre os sentidos humanos (esq.) e uma sala que simula a vida dos bebês no útero Fo

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32 z agosto DE 2015

publicou um manual orientando os responsá-veis por museus de arte e cultura a desenvolver atividades itinerantes, sugerindo inclusive pro-tótipos de carretas adaptadas. Em pouco tempo o conceito foi apropriado também por institui-ções como o Museu de Ciência da Virginia, nos Estados Unidos, e o National Council of Science Museums, da Índia.

A experiência do Promusit inspirou outras ini-ciativas. Em 2004, a Academia Brasileira de Ciên-cias e o MCTI lançaram o edital Ciência Móvel, que contemplou nove projetos e ajudou a forta-lecer o modelo no país. Já a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) destinou em 2007 R$ 490 mil para montar o mu-seu itinerante do Centro Pedagógico da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Com os recursos, compramos o cavalo mecânico e o chassi adaptado”, conta Tânia Margarida Lima Costa, diretora da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG e coordenadora do pro-jeto. O interior da carreta abriga cinco salas in-terativas, que abordam temas como a vida no útero, os sentidos humanos, biomas, cidades e animais que vivem nas zonas abissais. Fora do caminhão, são organizados mais de 40 experi-mentos. “Estimulamos o público a compreender a ciência como um patrimônio de todos”, ressalta Lara Mucci Poenaru, coordenadora pedagógica do museu. Um dos objetivos é descentralizar a divulgação científica e levar pesquisas desenvolvi-das na UFMG para lugares com poucos recursos, dentro e fora de Minas. Desde 2012, a iniciativa esteve no Acre, Brasília, Pernambuco, São Paulo e diversas cidades de Minas Gerais.

D os 27 estados do país, apenas 12 dispõem de museus itinerantes. Das 32 iniciativas, quase metade está concentrada no Sudes-

te. O restante se divide entre o Nordeste (8), o Sul (5), o Centro-Oeste (3) e o Norte (1). “Descentra-lizar atividades de popularização da ciência não é uma tarefa simples”, explica José Ribamar, da ABCMC. Também é necessário lidar com o im-previsto para levar o conhecimento em cima de um caminhão. “Em Recife, nosso caminhão ato-lou na lama e precisamos improvisar uma ponte com tábuas de madeira”, lembra Tânia. “Esse é o lado menos glamoroso da divulgação científica.”

Os responsáveis pelos museus itinerantes ad-vertem, porém, que a experiência vivida pelo público costuma ser mais passageira do que a proporcionada por um museu permanente. As unidades móveis costumam ficar de cinco dias a uma semana nas cidades que visitam. Segundo Ferraro, do Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS, museus com estruturas fixas criam a percepção de que o conhecimento científico está enraizado ali. “Isso é importante para criar uma cultura científica local e uma referência perene para aquela comunidade.” Para o físico Ernesto Kemp, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o museu itinerante é uma boa alternativa enquanto ainda não é possível ter o espaço físico para abrigá-lo. Esse foi o ca-so, por exemplo, da exibição NanoAventura da Unicamp, que em 2005 começou como unidade móvel e, em 2008, estabeleceu-se em uma área do campus da universidade. “Um museu perma-nente é um lugar onde o conhecimento pode ser acessado sempre”, avalia Kemp, que atualmente coordena a Oficina Desafio, um projeto do Mu-seu Exploratório de Ciências da Unicamp, que percorreu mais de 10 municípios do estado de

PESQUiSA FAPESP 234 z 33

São Paulo desde 2008. Trata-se de uma oficina móvel equipada com ferramentas e materiais co-mo madeira e cortiça, entre outros, utilizados na solução de desafios tecnológicos por estudantes do ensino médio.

Para permitir que as marcas deixadas pelos museus itinerantes sejam mais duradouras, al-gumas iniciativas desenvolvem ações de educa-ção com a população local. A Caravana da Ciên-cia, por exemplo, costuma viajar acompanhada de outro projeto criado pela Cecierj: a Praça da Ciência Itinerante. O objetivo é fazer a formação continuada de professores da educação básica. Há mais de 40 oficinas nas áreas de biologia, fí-sica, química, matemática e artes, nas quais os professores são estimulados a ensinar ciências

de forma mais interativa, por meio de kits ex-perimentais. As aulas são ministradas por pro-fessores do próprio Cecierj e de universidades e instituições parceiras, como a UFRJ e o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), entre outros.

ACaravana da Ciência também costuma recrutar cerca de 15 moradores do mu-nicípio visitado para trabalhar como me-

diadores voluntários junto com sua equipe fixa, formada por 20 pessoas. Em geral, participam alunos de graduação, professores do ensino mé-dio e funcionários da prefeitura, que fazem um curso a distância sobre mediação em museus, oferecido pelo Cecierj, e ao final recebem um certificado. “Deixamos um legado na cidade. Há casos de pessoas que montaram grupos de divul-gação científica em escolas públicas depois que passaram pelo nosso treinamento”, diz Jessica. O Museu Itinerante Ponto UFMG também en-volve e qualifica educadores da localidade, por meio de curso a distância, para atuarem como mediadores. “É uma forma de criarmos vínculo com a comunidade”, observa Tânia Margarida.

Outras iniciativas evitam recrutar pessoas des-vinculadas do projeto. O Ciência Móvel da Fun-dação Oswaldo Cruz, por exemplo, monta um cadastro de mediadores, na maioria alunos de graduação de universidades do Rio de Janeiro, e os convoca de acordo com a disponibilidade para viajar. O trabalho é remunerado. “São pes-soas que passaram por cursos na área de divul-gação e educação científica”, conta Marcus Soa-res, coordenador do Ciência Móvel, cujo acervo transportado no caminhão inclui uma bancada de microscopia e jogos interativos sobre vaci-nas, entre outros. A equipe de 26 pessoas, entre motoristas, técnicos, professores e mediadores, ainda conta com atores de circo e de teatro que apresentam esquetes. Ainda neste ano o museu promoverá uma atividade para discutir a relação entre arte e ciência nas obras do pintor Candido Portinari (1903-1962).

Em São Paulo, a Escola Móvel de Nanotecno-logia do Serviço Nacional de Aprendizagem In-dustrial (Senai) se destaca por reproduzir o am-biente de laboratório. No interior da carreta foram instalados equipamentos como um microscópio eletrônico de varredura, um sistema de fabricação de microestruturas, um analisador de partículas e computadores. “Queremos despertar o interesse do aluno pela nanotecnologia, uma área fascinan-te, mas pouco conhecida”, diz Gilderlon Fernan-des Oliveira, coordenador da unidade móvel do Senai. A iniciativa também mostra aos visitantes a aplicação da nanotecnologia na indústria, co-mo a produção de camisetas feitas com tecido bactericida, microprocessadores, suplementos alimentares e medicamentos. n3

2

Caravana da Ciência, da Cecierj, tem

experimentos como um giroscópio (acima, à esq.),

espelhos que criam ilusão de óptica

(acima) e um gerador Van de Graaff (abaixo,

à esq.)

Escola Móvel de Nanotecnologia do senai: interior da carreta foi transformado em laboratório de microscopia

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FAPESP preservou investimento em pesquisa

apesar da desaceleração da economia, segundo

Relatório de atividades 2014

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A FAPESP investiu R$ 1,153 bilhão em fo-mento à pesquisa no ano passado, patamar superior ao R$ 1,103 bilhão desembolsado em 2013. O resultado é um dos destaques

do Relatório de atividades 2014, lançado na sede da Fundação no dia 22 de julho com uma exposição de reproduções de obras da artista plástica Maria Bono-mi, que ilustram a publicação. A receita da Fundação atingiu em 2014 R$ 1,222 bilhão, 5% a mais do que a de 2013, em valores correntes. Desse total, 81,7% vieram de transferências de recursos feitas pelo Tesouro paulista – a FAPESP recebe, conforme previsto pela Constituição estadual, 1% da arrecadação tributária do estado de São Paulo. Outros 12,2% tiveram origem em outras fontes, como convênios com agências de fomento, empresas e instituições de ensino e pesquisa do Brasil e do exterior. Os demais 6,1% se originaram de receitas patrimoniais da Fundação. Como prevê seu estatuto, a FAPESP mantém um patrimônio para investir no apoio a pesquisa em complemento aos recursos recebidos do Tesouro. “Apesar da desacele-ração da atividade econômica no país registrada em 2014, com consequente decréscimo da arrecadação pública paulista, a FAPESP foi capaz de manter seus compromissos e de cumprir com sua missão de apoiar o desenvolvimento da pesquisa em nosso Estado”, afirmou o presidente da FAPESP, Celso Lafer.

A íntegra do relatório de 2014 e as edições de anos anteriores estão disponíveis em www.fapesp.br/pu-blicacoes/. “Facilitar a visibilidade de suas atividades é central para a FAPESP, que deve ser uma das poucas organizações no Brasil que oferece ao contribuinte todos os seus relatórios anuais de atividades desde o ano de sua fundação, 1962, disponíveis pela inter-net”, disse o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz. Nos últimos anos, as prin-cipais modificações no perfil de dispêndios da FA-PESP foram a criação das bolsas Estágio de Pesquisa no Exterior (Bepe), programa destinado a alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado e pesquisa-dores de pós-doutorado de São Paulo para impulsio-nar a internacionalização da pesquisa que aumentou o dispêndio com bolsas no exterior de menos de 1% do total para quase 7%, e o apoio à infraestrutura de pesquisa por meio da Reserva Técnica para Infraes-trutura Institucional de Pesquisa, modalidade de apoio para utilização em reformas de laboratórios, aquisição de equipamentos e organização de cursos para atualização de técnicos, entre outros, que tem estado em torno de 4% do dispêndio total. “Em ambos os casos deseja-se induzir mudanças institucionais no sistema paulista de pesquisa, num caso estimulando a experiência e conexões internacionais e noutro o planejamento das instituições”, afirmou Brito Cruz.

Fabrício Marques

34 z Agosto DE 2015

pESQUISA FApESp 234 z 35

O avanço do investimentoEvolução do desembolso realizado pela FAPESP entre 2009 e 2014 (em r$) e da participação percentual de cada objetivo de fomento

ApOIO à pESQUISA cOM VIStAS A AplIcAçõES

Programa biota-FAPESP; Programa FAPESP de Pesquisa em bioenergia (bioen); Programa FAPESP de Pesquisa sobre mu-danças climáticas Globais (PFPmcG); Programa centros de Pesquisa, Inovação e difusão (cepid); cooperação Interins-titucional de Apoio a Pesquisas sobre o cérebro (cInAPce); Programa de Pesquisas em eScience (eScience); Auxílios e bolsas das áreas de engenharias, saúde, agronomia e vete-rinária; Ensino Público; Jornalismo científico (mídiaciência); Programas de Pesquisas em Políticas Públicas: Pesquisa em Políticas Públicas e Pesquisa em Políticas Públicas para o SUS (PP-SUS); Programas de Apoio à Pesquisa Inovativa em micro e Pequenas Empresas: Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), Programas de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pipe Fase 3: Pappe/Finep); Pesquisa em Parceria para Inovação tecnológica: Pesquisa em Parceria para Inovação tecnológica (Pite), Pesquisa em Parceria para Inovação tecnológica – SUS (Pite-SUS); Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi/nuplitec)

ApOIO AO AVAnçO dO cOnhEcIMEntO

bolsas regulares no País: Iniciação científica, mestrado, doutorado, doutorado direto e Pós-doutorado; bolsas regulares no Exterior: Pesquisa e bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (bepe); Auxílios à Pesquisa – regulares; Auxílios à Pesquisa – Projetos temáticos, com as subdivisões: temá-ticos regulares, temáticos Pronex e temáticos Institutos nacionais de ciência e tecnologia, os dois últimos em convênio com o mctI; Apoio a Jovens Pesquisadores; São Paulo Excellence chairs (Spec); capacitação de recursos humanos para Pesquisa (capacitação técnica)

ApOIO à InFrAEStrUtUrA dE pESQUISA

Apoio à Infraestrutura de Pesquisa; rede AnSP (Academic network at São Paulo); Equipamentos multiusuários; FAP--livros; reserva técnica para Infraestrutura Institucional de Pesquisa; reserva técnica para conectividade à rede AnSP; reserva técnica para coordenação de Programa

679.525.8142009

2010

2011

2012

2013

2014

780.033.468

938.737.449

1.035.207.651

1.103.153.253

1.153.088.45241%7% 52%

10% 37% 53%

9% 39% 52%

6% 38% 56%

9% 37% 54%

19% 32% 49%

rEcUrSOS dESEMbOlSAdOS EM 2014por área de conhecimento (%)

Segundo o vínculo institucional do pesquisador (%)

USP

Unicamp

Unesp

Instituições federais

Inst. estaduais de pesquisa

Inst. part. de ensino e pesquisa

Empresas particulares

Soc. e ass. cient. profissionais

Instituições municipais

Saúde

biologia

ciências humanas e sociais

Engenharia

Agronomia e veterinária

Interdisciplinar

Química

Física

Geociências

Astronomia e ciência espacial

matemática e estatística

ciência e eng. da computação

Arquitetura e urbanismo

Economia e administração

8,21

0,57

2,68

15,87

1,65

10,44

0,58

10,27

4,41

2,75

7,13

1,60

5,27

28,56

14,29

47,55

13,41

5,43

12,14

4,45

0,25

2,39

0,09

36 z Agosto DE 2015

um grande número de pesquisadores e gera muitas solicitações de auxílios e de bolsas, foi a que recebeu mais re-cursos: o equivalente a 28,56% do total (ver quadro). Em seguida, aparecem a biologia (15,8%), as ciências humanas e sociais (10,4%), as engenharias (10,27%) e a agronomia e veterinária (8,2%).

GIAnt MAGEllAn tElEScOpEUm destaque de 2014 foi o aumento no investimento na área de astronomia e ciência espacial. O volume de recursos desembolsados no ano passado chegou a R$ 30,9 milhões, ante R$ 7,9 milhões em 2013. A integração da FAPESP ao consórcio internacional responsável pe-lo Giant Magellan Telescope (GMT), que começará a ser construído neste ano nos Andes chilenos, ajuda a explicar o aumento do investimento. O GMT, que deverá funcionar plenamente em 2021 e se tornará, então, o maior telescópio terrestre em atividade, promete multi-plicar a capacidade de pesquisa da co-munidade de astronomia de São Paulo. “Investimentos na astronomia, princi-palmente os de vanguarda, têm natureza estratégica e maturação de longo prazo”, diz o astrofísico João Steiner, do Institu-to de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, idealizador e coordenador do projeto que alinhavou a entrada no GMT. “As decisões de ho-je terão profundo impacto na próxima geração de cientistas paulistas. É nisso que estamos investindo.” A FAPESP vai investir US$ 40 milhões no projeto, 4% de seu custo total. Isso também garantirá 4% do tempo de operação para a comu-nidade astrofísica paulista, que reúne um terço dos pesquisadores do país e metade da produção científica nacional da área (ver Pesquisa FAPESP nº 231).

O relatório mostra a natureza do in-vestimento em pesquisa feito pela Fun-dação utilizando vários recortes. Quando são analisados, por exemplo, os objetivos do fomento, observa-se que 40,82% dos recursos foram destinados a pesquisas que buscam principalmente o avanço do conhecimento, enquanto 51,77% foram para projetos que combinaram o avanço do conhecimento com suas aplicações, e 7,4% tiveram como fim o aprimoramento da infraestrutura de pesquisa disponí-vel no estado (ver quadro). A categoria cujo objetivo é o de avanço do conheci-mento compreende projetos destinados

à formação de recursos humanos e ao estímulo da pesquisa acadêmica, o que inclui parte significativa das bolsas, dos auxílios regulares e dos projetos temáti-cos, além de programas como o Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes e o São Paulo Excellence Chairs (SPEC), voltado para estabelecer colaborações entre instituições do estado de São Paulo e pesquisadores de alto nível radicados no exterior. Já o grupo das pesquisas com vistas a aplicações contempla iniciativas que, embora também busquem fazer o conhecimento avançar, tem um interesse econômico e social notável. Inclui, por exemplo, os auxílios e bolsas nas áreas de engenharia, saúde, agronomia e vete-rinária, além de programas como o Pes-quisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) e o Pesquisa em Políticas Públicas. A terceira vertente, de apoio à infraes-trutura, busca, entre outros exemplos, recuperar e modernizar laboratórios de universidades e instituições de pesquisa ou atualizar acervos, que resultam indi-retamente em avanços do conhecimento.

Uma outra forma de visualizar o inves-timento é distingui-lo segundo as linhas de fomento, agrupadas em três categorias. A principal delas, com 78,61% dos recur-sos, é a dos programas regulares, aqueles que atendem a demandas espontâneas de pesquisadores. A categoria inclui as diversas modalidades de bolsas, com investimento de R$ 482,49 milhões, ou 41,84% do total, e os auxílios regulares a

rEcUrSOS dESEMbOlSAdOSpor linha de fomento e por programas selecionados – 2014

r$ 1000 %

bolsas regulares 482.490 41,84

bolsas no país 403.781 35,02

bolsas no exterior 78.709 6,82

Auxílios regulares 423.962 36,77

linha regular de auxílio à pesquisa 303.003 26,28

Projetos temáticos 120.958 10,49

programas especiais 129.064 11,19

Programas de apoio à infraestrutura de pesquisa 78.070 6,77

Jovens pesquisadores 38.992 3,38

outros 12.002 1,04

pesquisa para inovação tecnológica 117.571 10,2

centros de pesquisa, inovação e difusão 53.733 4,66

Pesquisa inovativa em pequenas empresas 26.061 2,26

outros 37.776 3,24

Projetos apresentados por pesquisado-res da Universidade de São Paulo (USP), instituição responsável por pouco mais de um quinto de toda a produção cien-tífica brasileira, receberam 47,55% do desembolso da FAPESP em 2014. Em seguida vêm os da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com 14,29%, e os da Universidade Estadual Paulis-ta (Unesp), com 13,41%. Já projetos de-senvolvidos em instituições federais de ensino superior e pesquisa instaladas em São Paulo, tais como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) ou o Ins-tituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre outros, receberam 12,14% do total. A área da saúde, que concentra m

Ar

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I, sa

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98

7

pESQUISA FApESp 234 z 37

projetos de pesquisa, com R$ 423,96 mi-lhões, ou 36,77% do total. Em 2014, foram pagas pela Fundação, em média, 11.197,4 bolsas por mês, divididas entre douto-rado direto (4.068), iniciação científica (2.430), pós-doutorado (1.937), mestrado (1.910), Capacitação Técnica (697), Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes (79,5), Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (46,5), Ensino Público (20,5) e Jornalismo Científico (7).

prOGrAMAS ESpEcIAISTambém foram contratados, em 2014, 3.949 auxílios regulares. O número é li-geiramente superior ao de 2013 (3.844), mas aquém do de 2012 (4.292). Dividem--se em auxílio regular à pesquisa (1.544), participação em reunião no exterior (963), organização de reunião (560), pu-blicação (346), pesquisador visitante do exterior (241), participação em reunião no Brasil (200), projeto temático (76) e pesquisador visitante do Brasil (19).

Uma segunda categoria é a dos progra-mas especiais, com 11,19% do total, ou R$ 129,06 milhões em 2014. Eles buscam in-duzir a pesquisa em determinadas áreas do conhecimento e a superar carências do sistema de ciência e tecnologia pau-lista. Incluem vários programas, entre os quais o de Apoio à Infraestrutura e o de Pesquisa em eScience. A terceira é a dos programas de pesquisa para inovação tecnológica, como o Biota, que estuda a biodiversidade, o de Pesquisa em Bioe-

nergia (Bioen), o de Pesquisa sobre Mu-danças Climáticas Globais (PFPMCG) e os Centros de Pesquisa, Inovação e Di-fusão (Cepid), entre outros.

O relatório também apresenta dados que mostram o funcionamento do siste-ma que avalia o mérito das solicitações de bolsas e de auxílios, baseado na análi-se feita por pares. Cada pedido é exami-nado por um ou mais pesquisadores, sem vínculo formal com a Fundação, ligados à área do conhecimento do projeto em avaliação. Esses assessores emitem pare-ceres sobre a qualidade dos projetos que servem como subsídios para as decisões tomadas pela Fundação. Em 2014, a FA-PESP contou com o apoio de 7.566 asses-sores, que emitiram 22.604 pareceres. A maioria (7.460 ou 98,6% do total) emitiu de um a quatro pareceres, enquanto 25 analisaram cinco ou mais projetos. Os assessores atuam em sua maioria no es-tado de São Paulo (19.524), mas também há a contribuição de pesquisadores do Rio de Janeiro (538 assessores), Minas Gerais (376) e Rio Grande do Sul (262).

Como resultado do esforço de interna-cionalização que a FAPESP realiza nos últimos anos, vem aumentando a por-centagem de bolsas de pós-doutorado no Brasil concedidas a pesquisadores de outros países. Em 2014, pesquisadores do exterior responderam por 17% das concessões, com maior incidência em ciências exatas, da Terra, biológicas e humanas. “Este número é um dado ex-

tremamente positivo, pois a presença de pesquisadores de outras nacionali-dades em São Paulo provoca necessa-riamente a produção de artigos e pes-quisas em cooperação internacional, o que eleva a visibilidade e o impacto da ciência paulista”, afirmou Celso Lafer. Em 2014, foram contratadas 984 novas bolsas de estágio de pesquisa no exte-rior, com as quais bolsistas de gradua-ção e pós-graduação e pesquisadores de pós-doutorado da FAPESP estagiam em centros de pesquisa de outros países. Os cinco destinos mais procurados foram os Estados Unidos, França, Inglaterra, Espanha e Canadá.

Ainda no campo da internacionaliza-ção, 38 novos acordos de cooperação fo-ram assinados em 2014 com agências de fomento e instituições de ensino e pes-quisa estrangeiras. Outros 87 já estavam vigentes, firmados com 78 instituições de 18 países. A FAPESP manteve em 2014 sua série de simpósios FAPESP Week, promovidos desde 2011 com o objetivo de aumentar a projeção da ciência brasileira no exterior e estimular a cooperação com grupos estrangeiros. Pela primeira vez, a China e a Alemanha sediaram o evento, que também foi promovido nos campi de Berkeley e de Davis da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Em Washington, um seminário sobre pes-quisa na Amazônia foi organizado pela FAPESP em cooperação com o Departa-mento de Energia dos Estados Unidos. n

AnálISE pOr pArESnúmero de pareceres por área do conhecimento – 2014

Saúde

ciências humanas e sociais

Engenharia

biologia

Agronomia e veterinária

Química

ciência e eng. da computação

Física

Economia e administração

matemática e estatística

Geociências

Arquitetura e urbanismo

Interdisciplinar

Astronomia e ciência espacial

4.049

2.307

2.273

909

676

665

490

451

427

365

294

85

2.631

6.982

bOlSASnúmero de solicitações e contratações de bolsas no país e no exterior – 2014

Solicitações contratações

bolsas no país 10.370 5.127

Iniciação científica 3.282 2.143

mestrado 2.735 1.006

doutorado 2.337 1.027

doutorado direto 189 113

Pós-doutorado 1.827 838

bolsas no exterior 1.464 1.237

Pós-doutorado 342 253

bepe 1.122 984

total 11.834 6.364

Livros mostram que os

vínculos entre universidades

e empresas têm impacto em

países em desenvolvimento

Inovação y

Interação produtiva

Produtos de origem anim

al e vegetal

Produtos florestais e madeira

Produtos minerais

alimentos e bebidas

Papel e celulose

Derivados de petróleo

Produtos químicos

Produtos farmacêuticos

Plástico e borracha

Produtos de metal

Computadores, eletrônicos, produtos ópticos

Equipamentos elétricosM

áquinas

automóveis

Eletricidade, gás, vapor

Tratamento e abastecim

ento de água

Construção

Telecomunicações e program

ação

Pesquisa e desenvolvimento

Produtos minerais não m

etálicos

outras manufaturas

Metais básicos

Indústria do varejo

Dois livros lançados recentemente apresentam panora-mas complementares sobre a construção de vínculos entre universidades e empresas no Brasil. Ambas as obras comparam o país com nações emergentes ou em desenvolvimento e mostram que o Brasil vem

multiplicando as conexões entre o setor privado, universidades e centros de pesquisa e agências governamentais, tornando mais robusto seu sistema de inovação. Tais ganhos, no entanto, nem de longe foram suficientes para garantir ao país o status já al-cançado, por exemplo, pela Coreia do Sul ou em via de ser alcan-çado pela China, que mobilizaram grupos de pesquisadores de vários campos do conhecimento em torno de desafios de muitos setores da indústria. “O Brasil não ficou parado, mas em termos comparativos continua na mesma colocação na corrida, pois ou-tros países avançaram tanto ou mais do que ele”, diz Eduardo Albuquerque, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Albuquerque e o professor Wilson Suzigan, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), são coorganizadores brasi-leiros de um dos livros, intitulado Developing national systems of innovation – University-industry interactions in the global South, publicado pela editora Edward Elgar. A obra é fruto de um projeto internacional promovido pelo International Deve-lopment Research Centre (IDRC), do Canadá, que comparou as estratégias de 12 nações para desenvolver seus sistemas nacio-nais de inovação: África do Sul, Argentina, Brasil, China, Coreia do Sul, Costa Rica, Índia, Malásia, México, Nigéria, Tailândia e Uganda. Levando-se em conta o desempenho científico desses países, medido em artigos publicados, e o tecnológico, avaliado pelo volume de patentes, observou-se sua distribuição em três grupos. Países como Nigéria e Uganda estão no último pelotão, com baixa produtividade e interação restrita entre a academia e o setor privado. Já latino-americanos como Brasil, México e Argen-tina, assim como a África do Sul, estão num regime tecnológico intermediário, patamar alcançado há quatro décadas, mas nunca superado. No primeiro pelotão, vê-se apenas a Coreia do Sul, que estava no grupo intermediário nos anos 1980, mas multiplicou as conexões entre empresas e institutos de pesquisa, trajetória que a China, ainda no segundo pelotão, está perto de cumprir.

Para Suzigan, é preciso investir em qualidade, quantidade e diversidade na produção científica brasileira, fatores necessários para disseminar novas interações com as empresas. “Ciência e tecnologia caminham juntas: o crescimento de uma depende do crescimento da outra, as duas se reforçam mutuamente. Para que haja desenvolvimento tecnológico é preciso que haja crescimen-to e diversificação da produção científica e, sobretudo, que haja uma relação entre esses dois componentes do sistema nacional de inovação, ou seja, interação, que é a questão-chave tratada pelo nosso livro”, afirmou.

Pesquisadores vinculados ao projeto do IDRC saíram a campo nos 12 países e mapearam conexões entre universidades e empre-

Developing national systems of innovation – University-industry interactions in the global Southorganizadores: Eduardo albuquerque, Wilson Suzigan, Glenda Kruss e Keun LeeEdição: Edward Elgar Publishing, IDRCDisponível em: http://goo.gl/q0iXmp

La transferencia de I+D, la innovación y el emprendimiento en las universidades – Educación superior en Iberoamérica – Informe 2015Coordenador: Senén Barro ameneiroEdição: Centro Interuniversitario de Desarrollo (Cinda), RedEmpreendia e UniversiaDisponível em: http://goo.gl/F7ttF1

pESQUISA FApESp 234 z 39

InFo

gr

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Pa

UL

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Po

S

conexões entre universidades e empresasa matriz baseia-se em avaliação feita por 325 empresas brasileiras de vários setores,

que consideraram “moderadamente importante” e “muito importante” a pesquisa feita em instituições públicas em diversos campos do conhecimento

Produtos de origem anim

al e vegetal

Produtos florestais e madeira

Produtos minerais

alimentos e bebidas

Papel e celulose

Derivados de petróleo

Produtos químicos

Produtos farmacêuticos

Plástico e borracha

Produtos de metal

Computadores, eletrônicos, produtos ópticos

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Tratamento e abastecim

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Construção

Telecomunicações e program

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Pesquisa e desenvolvimento

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outras manufaturas

Metais básicos

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Física

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Química

Pontos de interação entre universidades e empresas*

Conexão tênue entre universidades e empresas **

Sem interação

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cAmpoS D

o conhEcIm

EntoSEtorES DAS Em

prESAS

40 z agosto DE 2015

sas. Encontraram em todos eles exemplos que contrariam o senso comum, segundo o qual, em nações periféricas, a pesquisa científica tem pouco impacto no desem-penho do setor privado. “Ao contrário, as ciências e as engenharias são importantes até para setores de baixa tecnologia. É o caso, por exemplo, da pesquisa na área de mineração no Brasil e no México ou em alimentos na Argentina”, diz Albuquerque.

Nos países estudados, os responsáveis por pesquisa e desenvolvimento em em-presas de diversos setores foram questio-nados sobre a contribuição da pesquisa científica para seu esforço de inovação, seguindo uma metodologia criada e apli-cada nos Estados Unidos nos anos 1980 e 1990. Com o objetivo de adaptar a pes-quisa às realidades locais, campos do co-nhecimento relevantes para a indústria de países latino-americanos, como agro-nomia, engenharia de minas e engenharia de alimentos, foram considerados.

No caso brasileiro, 325 empresas inova-doras de 23 setores da economia manifes-taram-se sobre a importância da pesquisa realizada em universidades e instituições públicas em 16 áreas das ciências e en-genharias. O resultado é visualizável em uma matriz pontuada por conexões, mas também por vazios, que revela o peso da ciência para o desempenho do setor pri-

vado (ver quadro). Sempre que mais da metade das empresas de um determinado setor informava que a pesquisa em uma determinada disciplina era moderada-mente importante ou muito importan-te para seu desempenho, considerou-se que existe ali um ponto de interação en-tre universidades e empresas. Na matriz brasileira foram detectados 29 pontos de interação em 20 setores da economia. O desempenho supera o resultado da pes-quisa aplicada na Argentina (15 pontos de interação em 19 setores) e no México (23 pontos de interação em 15 setores), e, naturalmente, fica aquém do resultado obtido por um estudo realizado anterior-mente nos Estados Unidos e usado como referência, no qual foram identificados 47 pontos de interação em 34 setores.

a lém dos 29 pontos de interação, houve 195 pontos de conexão mais fraca, em que menos da metade

das empresas relatou que a pesquisa na-quela área era pelo menos moderadamen-te importante. E, em 144 pontos da matriz brasileira, o resultado foi igual a zero, ou seja, sem interação entre empresas e uni-versidades. “A pesquisa é importante pelas interações que indica e também por mos-trar a existência de muitos vazios, onde não há interações”, explica Albuquerque.

A pesquisa brasileira na área de engenha-ria metalúrgica, de minas e de materiais revelou-se importante para sete setores; engenharia mecânica e agronomia pa-ra quatro setores; e química, ciência da computação e engenharia elétrica para três setores. Os setores com mais pontos de interação com a universidade foram os de mineração, produção de alimentos, papel, derivados de petróleo, produtos de metal, computadores e eletrônicos, equipamentos elétricos e veículos auto-motores. “Há setores que estão entre os mais importantes da economia brasileira. Os pontos de interação são, na realidade, frutos de um longo processo de constru-ção de vínculos entre instituições,” afirma Albuquerque. “Mas a pesquisa não está suficientemente difundida em todos os setores da economia. E deveria haver mais conexões entre setores da economia já co-nectados à pesquisa com outros campos do conhecimento.” O pesquisador alerta que as interações têm facetas múltiplas e nem todas elas puderam ser captadas. “Conheci um pesquisador na UFMG que tem uma interação direta com uma multi-nacional norte-americana, que não passa pela filial brasileira. A inserção em redes internacionais ainda precisa ser medida.”

O segundo livro, La transferencia de I+D, la innovación y el emprendimiento en las universidades, faz um diagnóstico comparativo dos países ibero-america-nos, que reúnem Espanha e Portugal e as nações da América Latina, enfatizando a evolução da transferência de tecnologia para empresas e organizações da socie-dade na primeira década do século XXI. Guilherme Ary Plonski, coordenador do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da Universidade de São Paulo (USP) e responsável pelo capítulo sobre o Brasil, destaca uma mudança de mentalidade. “Ao longo do período estudado, a ino-vação tornou-se foco das preocupações do governo, das universidades inten-sivas em pesquisa e de alguns setores empresariais”, diz Plonski. “O estímulo ao empreendedorismo se enraizou no discurso das universidades, ainda que nem sempre a intensidade da prática seja consistente com esse discurso.”

Dados do livro mostram que as insti-tuições de ensino superior diversificaram sua estrutura de apoio à transferência de conhecimento. O número de núcleos de inovação tecnológica no Brasil cresceu de 11 no ano 2000 para 127 em 2012. A Lei de

pAtEntES E pUbLIcAçõES nA IbEro-AmérIcAnúmero de patentes de residentes outorgadas em 2011

número de publicações científicas em 2011

Espanha

Brasil

México

argentina

Chile

Cuba

Colômbia

Espanha

Brasil

Portugal

México

argentina

Chile

Colômbia

venezuela

Cuba

Uruguai

2.582

55.209

39.105

12.038

11.069

8.861

5.684

3.167

1.180

931

818

725

245

224

104

53

33 FontE RICyT

FontE SCIEnCE CITaTIon InDEX / RICyT

pESQUISA FApESp 234 z 41

Inovação, aprovada em 2004, compeliu as instituições científicas e tecnológicas a terem tais estruturas para cuidar de sua política de inovação e da gestão de sua propriedade intelectual. Da mesma forma, o número de incubadoras de empresas em instituições de ensino superior aumentou de 39 em 2000 para 134 em 2010 e o de parques científicos e tecnológicos, de 10 para 28 no mesmo período.

Num diagnóstico convergente com o do livro organizado por Albu-querque e Suzigan, Plonski diz

que as interações entre universidades e o setor produtivo precisam se multipli-car e destaca que, apesar dos avanços, o sistema de inovação brasileiro perma-nece bastante heterogêneo. No caso da aplicação dos recursos financeiros, por exemplo, menciona o exemplo de São Paulo, estado no qual, em contraste com o que acontece nas demais unidades da federação, mais da metade do esforço em pesquisa e desenvolvimento é feita pelas empresas, e não pelo governo. “O livro revela a situação de países como um todo, mas procurei mostrar que há reali-dades diferentes na esfera subnacional.” O desempenho de São Paulo também se distingue em outros indicadores. Na lista das universidades de países ibero-ame-ricanos com pesquisas mais menciona-das em pedidos de patente nos Estados Unidos, a USP aparece em primeiro, com 783 documentos citados, seguida pelas universidades de Barcelona (609) e a Au-tônoma de Madri (581). A Unicamp está em 9º lugar (346 documentos citados).

Uma característica dos países ibero--americanos é que a grande maioria dos pedidos de patente é feita por não resi-dentes, geralmente empresas estrangei-ras que buscam proteger seus produtos

nos mercados da região. Na Espanha, por exemplo, 98% dos pedidos de patente em 2011 tiveram origem em não residentes. Em seguida vêm o México (92%), a Ar-gentina (86%) e o Brasil (75%). Em nú-meros absolutos de patentes outorgadas para residentes, que em geral resultam de pesquisa e desenvolvimento nacional, a Espanha aparecia em primeiro lugar em 2011, com 2.582. O Brasil vinha em segun-do, com 725 patentes. Já no ranking de pa-tentes outorgadas (para residentes e não residentes) por milhão de habitantes, o Brasil, com 26, aparece em quinto lugar, diante de 552 da Espanha, 141 do México, 77 do Chile e 40 da Argentina. Embora só perca para a Espanha em número de pu-blicações científicas (39 mil artigos ante 55 mil de espanhóis em 2001, segundo o Science Citation Index), a situação brasi-leira é menos favorável quando se analisa o número de publicações dividido por milhão de habitantes. O Brasil aparece na sétima posição, atrás de Espanha, Portu-gal, Chile, Uruguai e Argentina.

O livro mostra que os países ibero-ame-ricanos estão mal posicionados quando comparados com os países desenvolvidos. “Mas, na América Latina e Caribe, é neces-sário distinguir Brasil, Argentina, México e Chile do restante. Esses países concen-tram em torno de 90% da atividade cien-tífica e tecnológica da região”, diz Senén Ameneiro, pesquisador da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, e presidente da RedEmpreendia, respon-sável pela organização do livro. Para ele, o investimento continuado em educação e pesquisa seria a resposta adequada pa-ra combater essa defasagem, como fez a Coreia do Sul, que mesmo durante a cri-se do fim dos anos 1990 aumentou seus investimentos em educação e hoje se be-neficia disso. n Fabrício marques

ApoIo à InovAçãonúcleos de inovação tecnológica

mantidos por instituições de educação

superior no Brasil

Incubadoras de empresas que as

instituições de educação superior

mantêm em funcionamento

Parques científicos e

tecnológicos que as instituições

de educação superior mantêm

em funcionamento

UnIvErSIDADES InFLUEntESInstituições ibero-americanas mais citadas em patentes mundiais (documentos citados)

2000 2006 2011 2012

11

43

90

2000 2005 2010

39

86

134

2000 2005 2010

1020

28

127

Universidade de São Paulo

Universidade de Barcelona

Universidade autônoma de Madri

Universidade de Lisboa

Universidade Politécnica da Catalunha

Universidade Complutense de Madri

Universidade autônoma de Barcelona

Universidade nacional autônoma do México

Universidade Estadual de Campinas

Universidade Politécnica de valência

783

608

581

456

445

426

414

365

346

343

Apesar dos avanços, sistema de inovação brasileiro permanece bastante heterogêneo, mostra livro

42 z agosto DE 2015

Empresa brasileira licencia

molécula com potencial para gerar

tratamentos contra câncer

Colaboração y

O marco dos anticorpos

vista e também sempre que marcos pre-viamente determinados sejam atingidos no desenvolvimento, na aprovação re-gulatória e na comercialização da dro-ga. Estima-se que esses valores possam alcançar US$ 86 milhões. O acordo co-mercial é inédito no Brasil. “É a primeira vez que uma empresa de biotecnologia brasileira licencia uma propriedade in-telectual para o desenvolvimento de uma possível droga contra câncer”, diz Perez, que foi diretor científico da FAPESP en-tre 1993 e 2005. “Isso mostra que é pos-sível fazer coisas mais ousadas, apesar das dificuldades para realizar pesquisa com fármacos no país.”

Anticorpo é uma molécula de defesa do organismo que se liga especificamente ao seu alvo. Anticorpo monoclonal é de-rivado de um clone celular e, consequen-temente, todas as moléculas são idênticas e dirigidas ao mesmo alvo. A Recepta trabalha no desenvolvimento de vários anticorpos monoclonais, a maioria deles descoberta pelo Instituto Ludwig de Pes-quisa sobre o Câncer, organização sem fins lucrativos com sede em Nova York, com a qual a companhia tem parceria. O nome do anticorpo licenciado para a Mersana só será divulgado no fim do ano. lé

o r

am

os

A empresa brasileira Recepta Biopharma, de São Paulo, fir-mou um acordo com a norte--americana Mersana The-

rapeutics para licenciar um anticorpo monoclonal que poderá ser usado em tratamentos contra câncer. Segundo os termos da parceria, a Recepta cederá à Mersana os direitos fora do Brasil sobre o anticorpo, que será usado pela companhia norte-americana para desenvolver um composto imunoconjugado contra diver-sos alvos tumorais. No Brasil, os direitos permanecerão com a Recepta. A Mersana detém uma tecnologia, conhecida como Fleximer, para criar o chamado ADC (antibody-drug conjugate). “Eles usam um ligante para unir o anticorpo a uma toxina. Esse imunoconjugado entrega de maneira muito específica a toxina às célu-las tumorais”, diz o físico José Fernando Perez, presidente da Recepta. “Estamos animados com o desenvolvimento de um novo imunoconjugado para responder a necessidades ainda não atendidas dos pacientes com câncer”, afirmou, em um comunicado divulgado à imprensa, Anna Protopapas, presidente da Mersana.

Os termos do acordo estabelecem que a Recepta terá direito a pagamentos à

“A Recepta mostrou que é possível ca-minhar para um processo de expansão da inovação radical ao desenvolver no-vas moléculas”, diz o economista Carlos Gadelha, secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvol-vimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Segundo ele, as empresas bra-sileiras de biotecnologia investem quase sempre em inovação de forma incremen-tal, apenas melhorando métodos e tecno-logias conhecidos. “O fato de a Recepta ter transferido conhecimento para uma empresa norte-americana representa um marco no Brasil”, afirma Gadelha, que entre 2011 e 2014 foi secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estraté-gicos do Ministério da Saúde.

José Fernando Perez explica que o trabalho da Recepta foi facilitado por um ambiente favorável de oferta de re-

pESQUISA FApESp 234 z 43

no país. “Será necessário percorrer um longo caminho até este produto chegar ao mercado. E quando isso for atingi-do, a questão central será disponibili-zar essa nova tecnologia para todos os brasileiros, sem restrições, por meio do SUS”, diz.

Ruy de Quadros Carvalho, pesquisador do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que o exemplo da Recep-ta demonstra a viabilidade de distribuir o processo de inovação numa rede ex-terna de parceiros, onde há lugar para universidades e parceiros próximos ou de outros países, cada qual ajudando de acordo com sua expertise. “Ao licenciar o uso dos anticorpos monoclonais, a Re-cepta possibilita que uma outra empresa acelere o desenvolvimento de um novo

medicamento, uma vez que a Mersana já domina uma tecnologia necessária para esse processo”, diz Quadros.

lInhAgEnSNo caso dos anticorpos monoclonais de-senvolvidos pela Recepta, a associação com organizações de pesquisa do esta-do de São Paulo tem sido decisiva (ver Pesquisa FAPESP nº 223). Com apoio da FAPESP, a Recepta mobilizou insti-tuições como o Instituto Butantan e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), que participa-ram de forma colaborativa em diversas etapas desses estudos. Assim, entre ou-tros avanços, foi possível dominar um dos estágios da produção de anticorpos monoclonais: a obtenção de linhagens de células capazes de produzir em grande quantidade e com o mesmo padrão de qualidade e estabilidade anticorpos para serem usados em seres humanos. “Pro-duzimos anticorpos monoclonais para fins terapêuticos há mais de 20 anos. Já desenvolvemos, por exemplo, um trata-mento contra a rejeição de órgãos trans-plantados”, explica Jorge Kalil, diretor do Instituto Butantan. Segundo ele, a parceria com a Recepta trouxe ganhos à pesquisa da instituição. “Pretendemos utilizar a técnica de anticorpos mono-clonais humanos em outras frentes, co-mo anticorpos contra o tétano ou contra alguns venenos de aranhas”, diz Kalil.

Perez, da Recepta, também destaca a importância da atividade de pesquisa translacional da empresa em colaboração com grupos de pesquisa, como o de pato-logia clínica liderado por Venâncio Alves e o de oncologia experimental coordenado por Roger Chammas, ambos professores da FM-USP. “Além dos frutos tecnoló-gicos, foram geradas também publica-ções científicas em revistas referenciais da área”, afirmou. n Bruno de pierro

Projetos

1. linhagens celulares de alta produtividade e estabi-lidade de anticorpos monoclonais humanizados para a terapia de câncer (nº 2005/60816-8); Modalidade Programa de apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Pesquisadora responsável ana maria moro (Instituto butantan); Investimento r$ 377.708,00 e Us$ 810.616,85 (FaPEsP), r$ 1.793.198,00 (recepta).

2. anticorpos monoclonais para tratamento de tumo-res do sistema nervoso central (nº 2008/57914-6 e 2011/50526-3); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável maria Carolina braga Tuma (recepta); Investimento r$ 124.788,20 (Fase 1) e r$ 456.631,34 (Fase 2).

análise clínica e produção de

anticorpos monoclonais em

laboratório

cursos governamentais. A compra de equipamentos e o trabalho de grupos em instituições de pesquisa receberam apoio da FAPESP e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A empre-sa contou também com investimento do Banco Nacional de Desenvolvimen-to Econômico e Social (BNDES), que desde 2012 é um dos seus sócios. “Es-se é um exemplo de como é possível consolidar uma aliança estratégica, de longo prazo, entre iniciativa privada e governos federal e estadual”, salienta Gadelha. Para José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde e atual diretor do Instituto Sul-americano de Governo em Saúde da União de Nações Sul-ameri-canas (Unasul), o desenvolvimento de anticorpos monoclonais pela Recepta pode também representar um avanço para o complexo industrial de saúde

Bem-sucedida na tarefa de observar o planeta

anão, a sonda New Horizons precisou resistir

a ameaças de cancelamento da missão

ciência astroNomia y

Uma jornada até Plutão

Glen Fountain, gerente de projeto da New Hori-zons, era como dar uma tacada de golfe em No-va York e acertar o buraco em Los Angeles – na primeira tentativa.

E o que aconteceria se a sonda não passasse por essa área imaginária, em sua aproximação final a Plutão? Basicamente, ela apontaria os instrumen-tos para o espaço vazio, uma vez que seus objetos de estudo não estariam nos locais previstos. Toda a programação de observações tinha de ser au-tomatizada e armazenada nos computadores da sonda dias antes da aproximação máxima, sem margem para correções de última hora.

Em certo sentido, a New Horizons reproduziu o sucesso obtido pelas sondas Voyager 1 e 2, que nos anos 1970 e 1980 visitaram os quatro maiores planetas do Sistema Solar – Júpiter, Saturno, Urano e Netuno –, antes de deixar para sempre o Sistema Solar. Ocorre que o nível de precisão requerido pa-ra uma missão a Plutão é maior. Não só ele estava mais distante que qualquer dos alvos visitados pela Voyager como se move mais devagar, o que torna

a conclusão bem-sucedida da primei-ra missão a Plutão foi amplamente noticiada, mas quase nada se dis-se do trabalho que deu chegar até lá – tanto os desafios tecnológicos

quanto os políticos. A sonda New Horizons foi um dos projetos mais arrojados – e ameaçados – já levados a cabo pela Nasa, a agência espacial norte-americana. A espiadela no planeta (ou ex--planeta, conforme decisão da União Astronômica Internacional) sobre o qual se sabia muito pouco já revelou traços de uma geografia e uma compo-sição surpreendentes e promete muito mais para os próximos tempos. Os resultados devem deixar cientistas do mundo todo bastante ocupados por pelo menos uma década.

O desafio técnico, por si só, já foi extraordi-nário. Partindo da Terra, a sonda precisava ser conduzida pelo espaço de forma a atravessar um retângulo imaginário de 150 por 100 quilômetros (km) localizado a quase 5 bilhões de km daqui. Numa comparação ilustrativa apresentada por

Salvador nogueira

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mais difícil determinar com precisão a órbita em torno do Sol e, com isso, sua posição a cada mo-mento. O sistema plutoniano era tão desconheci-do que, quando a sonda começou a ser preparada, em 2001, só a maior de suas luas, Caronte, era co-nhecida. Em 2005, por ocasião de observações de reconhecimento feitas com o Telescópio Espacial Hubble, os astrônomos encontraram mais duas: Nix e Hidra. E somente em 2011 e 2012, quase na reta de chegada da New Horizons, as duas últimas conhecidas – Cérbero e Estige – foram achadas. É bem possível que as imagens da New Horizons revelem mais objetos nas redondezas. “Acredito que, com as imagens que ainda serão enviadas, há grandes chances de se descobrir novos satélites”, diz a especialista em dinâmica orbital Silvia Giu-liatti Winter, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Guaratinguetá.

Modelos computacionais elaborados por ela ajudaram a equipe da New Horizons a planejar a travessia mais segura da região du-rante o sobrevoo, conforme a sonda se apro-

ximou a apenas 12,5 mil km da superfície do planeta anão (ver Pesquisa FAPESP nº 210).

Durante os anos que antecederam o lançamen-to, contudo, a maior ameaça à missão foi bem mais prosaica: cortes no orçamento da agência feitos pelo governo norte-americano. Em 2000, a Nasa decidiu cancelar o projeto então em andamento, chamado Pluto Kuiper Express, conduzido pelo Laboratório de Propulsão a Jato (JPL). Mas os congressistas americanos, que historicamente se mobilizam em favor de expedições de ciência planetária, restituíram a missão, e a Nasa lan-çou um anúncio de oportunidade solicitando ideias com custo mais baixo. Daí nasceu a New Horizons, operada pelo Laboratório de Física Aplicada (APL) da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Foi a chance de Alan Stern, cientista-chefe da missão, pôr em prática planos que ele já elaborava desde 1989.

Ainda que a etiqueta de preço tenha ficado mais barata que a antiga Pluto Kuiper Express, foram gastos respeitáveis US$ 720 milhões. E N

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Primeira imagem da atmosfera plutoniana, obtida sete horas depois da aproximação máxima: mais nebulosa e mais alta do que o previsto

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mesmo depois da oficialização da missão, em 2001, ela passou por apuros. Em 2002, a Casa Branca (então ocupada por George W. Bush) ten-tou mais uma vez cancelar a missão. O Congresso, novamente, não deixou. Os resultados científicos, e por que não dizer midiáticos, observados a par-tir de julho de 2014 foram fruto direto daquelas intervenções providenciais dos parlamentares americanos.

a TERcEiRa ZOnaA exploração de Plutão marca a primeira visi-ta de uma espaçonave a um território até então inexplorado do Sistema Solar. Nas regiões mais internas ficam os planetas rochosos, dos quais a Terra é o maior representante. Indo mais longe, há os planetas gigantes gasosos, dos quais Júpi-ter é o maior. E, cruzando a órbita de Netuno, temos um agregado com centenas de milhares de objetos, o chamado cinturão de Kuiper, do qual Plutão é o maior representante.

“A passagem da sonda é um marco no conhe-cimento da chamada Terceira Zona do Sistema Solar”, diz Silvia. “Acredito que os dados enviados pela sonda New Horizons nos trarão surpresas de Plutão e do próprio cinturão de Kuiper. Prova-velmente teremos de rever e adequar os modelos dinâmicos de formação e evolução dos objetos do Sistema Solar.”

Num trabalho recente, publicado no iní-cio de 2015, a pesquisadora da Unesp e seus colegas sugeriram que Plutão poderia ter se formado numa região mais interna do Sistema Solar e só depois teria migrado para o cinturão de Kuiper, sem que isso acarretasse a perda de seus satélites. Há razões para desconfiar que o planeta anão não seja mesmo nativo do cinturão de Kuiper, pois faltaria massa para

produzir um objeto daqueles por ali, há 4,5 bilhões de anos. A questão ainda é controversa.

Controvérsias e surpresas é que não faltaram já nas primeiras imagens colhidas durante a aproxi-mação final. Elas revelaram um cenário geológico bastante inesperado. Cadeias de montanhas de gelo de água e terrenos geologicamente jovens, com menos de 100 milhões de anos, contrastam com regiões mais escuras e cheias de crateras, representando terrenos intocados por bilhões de anos. Tudo indica que ainda há processos movi-dos por calor interno em Plutão, algo difícil de explicar pelos atuais modelos geofísicos. O que se vê na superfície desse pequeno mundo com 2.372 km de diâmetro, que deveria estar geolo-gicamente morto, pode até sinalizar a existência de um oceano de água líquida sob as profunde-zas de sua enorme crosta de gelo. “Parece que o Sistema Solar resolveu guardar o melhor para o final”, brincou Alan Stern em uma das muitas en-trevistas coletivas concedidas para apresentar os primeiros resultados científicos da New Horizons.

Quanto à superfície, ela parece conter gelos de diversas substâncias – água no caso das monta-nhas, mas sobretudo metano e outros compostos orgânicos, nitrogênio e monóxido de carbono. Aparentemente, este último é um componente importante da área mais brilhante e lisa de Plu-tão, batizada pela equipe da sonda de Tombaugh Regio, em homenagem ao descobridor do planeta anão, o astrônomo americano Clyde Tombaugh.

retrato oficial: área em forma de coração ganhou o nome de tombaugh regio

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Os pesquisadores também encontraram algu-mas surpresas na atmosfera de Plutão. Alguns dos modelos atmosféricos sugerem que o ar plutonia-no poderia ser um fenômeno apenas temporário, que se congela e colapsa quando se aproxima do afélio (ponto mais distante do Sol), voltando a se vaporizar no periélio (ponto mais próximo do Sol). Verificar essa hipótese foi um dos argumen-tos que salvaram a missão do cancelamento em 2002. Agora, 25 anos depois do último periélio, é um bom momento para analisar a atmosfera e tes-tar os modelos. Com os da-dos colhidos, ainda não foi possível determinar se isso realmente ocorre. Mas já sabemos que ela é um pou-co mais fria e menos espes-sa do que se imaginava.

Um dos cientistas bra-sileiros mais interessados nesses resultados em par-ticular é Felipe Braga-Ri-bas, da Universidade Tec-nológica Federal do Para-ná (UTFPR), em Curitiba. Ele estuda fenômenos co-nhecidos como ocultações estelares – momentos em que objetos do cinturão de Kuiper, como Plu-tão, passam à frente de uma estrela mais distante, com relação ao campo de visada aqui na Terra. Ao observar o padrão de obscurecimento da es-trela conforme ela se esconde primeiro atrás da atmosfera, depois atrás da superfície de Plutão, é possível inferir propriedades atmosféricas como pressão ou temperatura.

“Os dados das ocultações estelares complemen-tam aqueles obtidos pelo instrumento Alice da New Horizons, de ultravioleta”, diz Braga-Ribas.

“O Alice consegue medir a atmosfera até uns 170 km de altitude, e com ocultações conseguimos ir o resto do caminho, até próximo à superfície.”

O brasileiro espera que a incrível fonte de da-dos que será a New Horizons servirá para de-cifrar o estado atual da atmosfera de Plutão. A partir daí, com novas ocultações estelares, será possível investigar como ela evolui com o passar do tempo, para então verificar processos como o hipotético colapso temporário da atmosfera.

Caronte, a maior das luas, também se revelou especialmente intrigante. A superfície não é tão re-novada quanto a de Plutão, mas ainda assim é mais jo-vem do que o esperado, e uma região escura no po-lo é um mistério completo para os cientistas.

O FUTUROO nível de empolgação dos cientistas com os da-dos produzidos pela son-da lembra o de uma torci-da em final de campeona-

to. Literalmente. “Na semana do sobrevoo, após a última conferência da Nasa, eu e o pessoal da equi-pe de que faço parte fomos com todos os mem-bros do time da New Horizons assistir a um jogo de beisebol do Nationals, em Washington”, conta André Amarante, pesquisador do grupo da Unesp de Guaratinguetá e que no momento faz uma parte do doutorado na Universidade de Maryland, em Laurel (mesma cidade que sedia o APL).

“O jogo teve de ser paralisado algumas vezes por falta de energia, e enquanto isso o Alan Stern começou a mostrar para as pessoas imagens de Plutão, diretamente do seu celular. Foi demais! Agora sabemos onde chega o sinal da New Ho-rizons”, brinca Amarante.

O interesse específico de Amarante é encon-trar objetos em regiões estáveis ao redor das luas conhecidas. “Nas simulações computacionais que fizemos, descobrimos que existe uma pos-sibilidade real de que em algumas dessas regiões estáveis possa existir uma população de objetos denominados troianos, que compartilham a mes-ma órbita de uma dada lua”, diz. “Por isso estamos bastante ansiosos pelos dados da New Horizons.”

A ansiedade ainda deve durar por um bom tem-po. Transmitindo dos confins do Sistema Solar, a taxa de envio de dados é inferior à das antigas conexões de internet discada. Até baixar com-pletamente os 5 gigabytes produzidos durante a passagem por Plutão, será preciso esperar 16 meses. A julgar pelo que chegou até agora, vai valer a pena. n

Clyde tombaugh no observatório Lowell (esq.), onde em 1930 descobriu o planeta batizado por sugestão de Venetia Burney, 11 anos, transmitida por telegrama do astrônomo H. H. turner

tudo indica que ainda há processos movidos por calor interno em Plutão

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Mecanismo proposto por

pesquisadores da USP pode

explicar a origem de

neutrinos de alta energia

detectados na Antártida

AStrofíSicA y

Armadilha para fantasmas

Dois astrofísicos da Universi-dade de São Paulo (USP) pro-puseram um mecanismo para explicar onde e como surgem

as partículas altamente energéticas que vêm sendo identificadas por um obser-vatório imerso no manto de gelo da An-tártida. Composto por 5.160 detectores que formam um cubo de 1 quilômetro de lado, o IceCube registra todos os anos dezenas de milhares de neutrinos, par-tículas elementares neutras e quase sem massa, vindas de diferentes regiões da Terra. Desde que começou a funcionar, em 2010, o IceCube já coletou informa-ções de uma montanha de neutrinos. De todos, 54 foram considerados especiais. Eram partículas vindas provavelmente de fora da galáxia, com um nível de energia muito elevado, milhões de vezes superior ao dos neutrinos emitidos pelo Sol.

Os astrofísicos imaginam que somente fenômenos de proporções cataclísmicas, como a morte explosiva de uma estrela de massa elevada ou um buraco negro de massa gigantesca se alimentando, são ca-

Ricardo Zorzetto

pazes de produzir partículas com níveis tão altos de energia. Até o momento, no entanto, não se havia encontrado um me-canismo capaz de gerar neutrinos como esses que chegaram à Terra.

Elisabete de Gouveia Dal Pino, profes-sora do Instituto de Astronomia, Geofísi-ca e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, e seu aluno de doutorado Behrouz Khiali parecem ter identificado um fenômeno que poderia originar esses neutrinos su-perenergéticos. Para eles, essas partícu-las fugidias, que já foram chamadas de partículas fantasmas por interagirem raramente com a matéria, poderiam sur-gir como subproduto de um mecanismo físico chamado reconexão magnética.

Nesse fenômeno, linhas de campos magnéticos de sentido contrário, ao se encontrarem, aniquilam-se e liberam energia magnética, responsável por ace-lerar as partículas eletricamente carrega-das que estejam por perto. É o que acon-tece no Sol, quando linhas magnéticas produzidas pelo gás aquecido da coroa aproximam-se e se anulam, liberando

a energia que impulsiona as partículas do vento solar – esses eventos geram gi-gantescas alças ou loops que podem ser observados por telescópios na Terra. Na opinião de Elisabete e Khiali, esse mesmo fenômeno deve ocorrer na vizinhança de buracos negros com massa elevada. Afinal, esses poderosos devoradores de matéria reuniriam todas as condições necessárias para que isso acontecesse.

Esses buracos negros acumulam uma massa dezenas de milhões de vezes maior que a do Sol em uma região com dezenas a centenas de quilômetros de diâmetro. Objetos tão densos apresentam uma gra-vidade absurdamente elevada e atraem toda a matéria ao redor, que em geral se encontra na forma de gás. Essa matéria passa a se mover em torno do buraco ne-gro e cair em sua direção, como a água que corre para o ralo da pia. A rotação dessa camada de gás quente contendo partículas eletricamente carregadas – é o chamado disco de acreção – gera campos magnéticos em constante movimento. Por vezes, as linhas desses campos se en-

pESQUISA FApESp 234 z 49

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Flashs raros: dos inúmeros

neutrinos que chegam

ao icecube, alguns poucos

interagem com moléculas

de água e produzem elétrons

que viajam a velocidades

altíssimas e emitem uma luz

azulada, captada pelos

sensores. A passagem

dos neutrinos ativa uma

sequência de detectores,

permitindo reconstituir

sua trajetória (acima)

contram com as que existem ao redor do buraco negro. Quando elas têm sentidos (polaridade) opostos, aniquilam-se libe-rando calor e energia e impulsionando as partículas carregadas, como os prótons. Os prótons ficam aprisionados entre as linhas do campo magnético e ganham cada vez mais energia. “Imaginamos que aconteça algo parecido com o que ocorre com uma bola de tênis rebatida por joga-dores correndo um de encontro ao ou-tro”, explica Khiali, astrofísico iraniano que veio para o Brasil estudar reconexão magnética com Elisabete. “A cada reba-tida, a bola ganha mais velocidade.” De modo semelhante, os prótons acumulam energia até que conseguem escapar dos campos magnéticos a velocidades pró-ximas à da luz.

No caminho em direção ao espaço, es-ses prótons acelerados podem se chocar com outros prótons ou com partículas de luz (fótons), ambos abundantes em uma vasta região em torno do buraco negro chamada coroa. O choque entre as partículas as destrói e gera outras.

Deserto gelado: vista aérea do

observatório icecube, instalado

na Antártida próximo ao polo Sul

torre eiffel

Detectores de superfície

rede de 5.160 detectores imersos no gelo

2.450 m de profundidade

trajetória deixada por neutrino

trajetória do neutrino

icecUbe

324 m

50 z agosto DE 2015

Funchal, da USP, que estuda os neutrinos com o objetivo de entender como po-deriam interagir com outras partículas. “Esse modelo pode vir a ser testado em pouco tempo, caso ocorra a ampliação do IceCube”, conta Renata. Há o plano de dobrar o número de detectores e aumen-tar o tamanho do observatório para um cubo com 10 quilômetros de lado. Isso aumentaria a probabilidade de registrar partículas fantasmas tão energéticas. Como eles não interagem com pratica-mente nada na viagem até a Terra, sua trajetória pode revelar de onde vêm. A identificação da origem desses neutrinos pode permitir verificar se esse objeto também emite fótons de raios gama e raios cósmicos. “Isso poderia confirmar o modelo de Elisabete e Khiali e levar a uma era de astronomia de neutrinos, que permitiria estudar objetos sem o uso de telescópios de luz”, diz Peres. “Mas ainda estamos engatinhando nisso.” nDa colisão entre prótons ou entre um

próton e um fóton, surgem partículas menos energéticas e mais instáveis, os píons, que liberam fótons de raios gama e neutrinos (ver infográfico).

Os cálculos de Khiali e Elisabete suge-rem que, ao redor de buracos negros com massa variando de 10 milhões a 1 bilhão de sóis, a reconexão magnética seria capaz de gerar prótons energéticos o suficiente para produzir os neutrinos superenergéticos do IceCube – antes, Elisabete, Luis Kadowaki e Chandra Singh já haviam verificado que esse mecanismo pode originar os raios ga-

ma produzidos próximo a buracos negros e sistemas binários de estrelas.

A reconexão magnética não é o único modelo para explicar os prótons acelera-dos. Em 2014, os astrofísicos italianos Fa-brizio Tavecchio e Gabriele Ghisellini ha-viam sugerido que essas partículas pode-riam ser geradas pelos jatos que emanam próximo aos polos dos buracos negros.

“Hoje, o mecanismo mais aceito para a produção de neutrinos superenergéticos é o choque na região dos jatos, mas ele não explica os eventos de tão alta ener-gia como os detectados no IceCube”, diz o físico Orlando Peres, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Pode ser que isso ocorra por meio da recone-xão magnética ou de outro mecanismo que ainda não conhecemos.”

Elisabete lembra de outra vantagem de seu modelo em relação aos demais. “Além dos neutrinos, nosso mecanismo explica a produção de fótons de raios gama altamente energéticos e de raios cósmicos que poderiam ser produzidos na vizinhança desses buracos negros”, afirma a astrofísica, uma das coordena-doras da participação brasileira no Che-renkov Telescope Array (CTA), que vai montar dois conjuntos de telescópios para estudar raios gama de alta energia.

“A proposta da equipe do IAG é inte-ressante, mas é cedo para saber se está correta porque o número de neutrinos detectados é pequeno e não permite sa-ber de onde vêm”, diz a física Renata

Projetoinvestigação de fenômenos de altas energias e plasmas astrofísicos: teorias, simulações numéricas, observações e desenvolvimento de instrumentação para o cherenkov telescope Array (ctA) (nº 2013-10559-5); Modalidade Projeto temático; Pesquisadora responsável elisabe-te Maria de Gouveia Dal Pino (USP); Investimento r$ 9.451.122,83 (para todo o projeto – fAPeSP).

Artigo científicoKHiALi, b. e De GoUVeiA DAL PiNo, e. M. Very high energy neutrino emission from the core of low luminosity AGNs triggered by magnetic reconnection acceleration. mon-thly notices of the Royal Astronomical Society. No prelo.

Acelerador naturalAniquilação de linhas magnéticas próximas a buraco negro pode fornecer energia a partículas e gerar neutrinos

FontE beHroUz KHiALi e eLiSAbete De GoUVeiA DAL PiNo/USP

Grande devorador: concepção artística de buraco negro com massa equilavente à de milhões de sóis

Antártida

icecube

AcElERAção Ao se aproximarem, linhas magnéticas de polaridades opostas se aniquilam e liberam energia para os prótons da atmosfera (coroa) ao redor do buraco negro

colISão

Prótons acelerados colidem com fótons e outros prótons. os choques geram píons, que produzem raios gama e neutrinos superenergéticos

DEtEcção Após viajar longas

distâncias sem sofrer desvios,

os neutrinos de altas energias são

detectados no icecube

Neutrino superenergético

Disco de acreção

buraco negro

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coroa

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Disco de acreção

pESQUISA FApESp 234 z 51

Materiais especiais ganham novas possibilidades de conduzir

corrente elétrica em contato com semicondutores

FÍSICA y

Eletricidade de muitas formas

Um novo tipo de ma-terial especial, capaz de conduzir eletrici-

dade em sua superfície, não em seu interior, poderia ga-nhar versatilidade – e conduzir eletricidade em várias direções e com níveis de energia diferentes – após ser colocado em contato com um material semicondutor de eletricidade usado há décadas em computadores, de acordo com simulações realizadas por físicos da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos.

Resultado de um estudo que usou mo-delagem computacional, essa conclusão surpreendeu por indicar a possibilidade de reorganização dos elétrons respon-sáveis pela condução da eletricidade. Outro achado inesperado foi a indicação de que a corrente elétrica poderia ser criada e controlada por meio de feixes de laser aplicados na área de contato entre os materiais.

Os pesquisadores chegaram a esses re-sultados ao analisar o que poderia acon-tecer quando o arseneto de gálio, mate-rial semicondutor usado na fabricação de computadores, LEDs e lasers, encostasse em um material de propriedades eletrôni-cas completamente diferentes, o seleneto de bismuto, capaz de conduzir correntes elétricas especiais. No seleneto de bismu-

to, uma propriedade dos elé-trons semelhante à rotação, o spin, está sempre apontando

em uma mesma direção, para-lela à superfície do material. As

simulações em computador indi-caram que o contato entre os materiais diferentes aumentaria as possibilidades de organizar os spins das correntes elétricas na camada entre os materiais.

“Ao entrarem em contato, o ar-seneto de gálio e o seleneto de bismuto modificam suas propriedades eletrônicas”, observou o físico brasilei-ro Leandro Seixas, um dos autores do estudo e hoje pesquisador na Universida-de Nacional de Cingapura. Ele começou a investigar as interações entre os materiais durante um estágio no Instituto Rensselaer feito ainda em seu doutorado, concluído em 2014 sob a orientação de Adalberto Fazzio, do Ins-tituto de Física da USP (ver Pesquisa FAPESP no 192).

Os cálculos indicaram que, quando o seleneto de bismuto encosta no arseneto de gálio, os elétrons mantêm a capacida-de de se movimentarem de forma orde-nada pela área de contato entre os dois materiais. Além disso, alterações no nível de energia e na velocidade dos elétrons parecem permitir mudar o sentido de rotação (spins) e, ainda assim, mantê--los ordenados.

Se for confirmada em medições expe-rimentais, essa propriedade torna pos-sível codificar e manipular informações nos spins, criando a base de uma nova tecnologia de computação chamada spintrônica. Nos computadores atuais, Fo

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ProjetoPropriedades eletrônicas, magnéticas e de transporte em nanoestruturas (nº 2010/16202-3); Modalidade Projeto temático; Pesquisador responsável Adalberto Fazzio (IF--uSP); Investimento r$ 1.327.201,88 (FAPeSP).

Artigo científicoSeIxAS, L. et al. Vertical twinning of the Dirac cone at the interface between topological insulators and semiconduc-tors. nature Communications. v. 6, n. 7630. 3 jul. 2015.

DIrEçõES poSSívEIS DoS spins DA CorrEntE ElétrICA As setas indicam os vários sentidos dos spins na superfície de contato entre o arseneto de gálio e o seleneto de bismuto, como resultado da interação entre os materiais. Cada círculo representa níveis diferentes de energia dos elétrons. os spins da corrente elétrica podem variar no sentido horário (círculos azuis) ou anti-horário (rosas).

o processamento da infor-mação é realizado por meio de transistores de silício, um

material semicondutor. Os transistores de silício contro-

lam a passagem de correntes, feitas de multidões de elétrons, sem considerar seus spins, que nesses materiais semicon-dutores apontam em direções aleatórias. Para os físicos, materiais como o seleneto de bismuto, chamados de isolantes topo-lógicos por conduzirem a corrente elétri-ca apenas em sua superfície, tornariam possível criar um novo tipo de transis-tor que processaria informação usando correntes elétricas de spins ordenados, o que pode, em princípio, ser mais rápido e gerar menor perda de energia. n

Igor Zolnerkevic

Análises sugerem que

humanos chegaram ao

continente entre 23 mil e

15 mil anos atrás e que alguns

indígenas do Brasil têm DNA

oriundo de povos da Oceania

GENÉTICA y

A disputada conquista das Américas

Um tema controverso voltou à cena no final de julho: a chegada dos seres humanos às Américas. No dia 21, duas equipes independentes publicaram estudos em duas revistas concorrentes, a Science e a Nature,

comparando as características genéticas de populações nativas americanas com as de povos de outras regiões do mundo. Os trabalhos analisaram o mais amplo conjunto de informações genéticas disponíveis de povos do Novo Mundo para tentar reconstruir a história da ocupação do último continente, exceto a Antártida, em que o Homo sapiens se estabeleceu. Os artigos chegaram a conclusões aparentemente distintas, mas ambos indicam que alguns grupos indígenas atuais do Brasil apresentam algum grau de parentesco com povos da Oceania.

No estudo da Science, o grupo do biólogo Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, afirma que os primeiros humanos chegaram às Américas em uma única leva migratória. Eles teriam partido do leste da Ásia em algum mo-

pESQUISA FApESp 234 z 53

mento nos últimos 23 mil anos e alcançado o Novo Mundo depois de ter permanecido quase 8 mil anos na Beríngia, uma vasta extensão de terras (hoje submersa) que conectava a Sibéria, na Ásia, ao Alasca, na América do Norte.

Willerslev e seus colaboradores – en-tre eles a arqueóloga Niède Guidon, da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), no Piauí – chegaram a essa conclusão depois de sequenciar o genoma de 31 indivíduos de 11 populações atuais nativas das Américas, da Sibéria e da Ocea-nia e de comparar esses dados com os do genoma de 23 indivíduos de povos extintos das Américas do Norte e do Sul e com va-riações genéticas de outras 28 populações.Il

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Os resultados sugerem que, uma vez no Novo Mundo, essa população ances-tral teria se separado em duas, por vol-ta de 13 mil anos atrás. Uma delas teria permanecido no norte do continente e originado o povo Atabascano, do Alasca, e os grupos indígenas Chipewyan, Cree e Ojibwa, do Canadá. A outra teria se es-palhado pelo sul da América do Norte e pelo restante do continente, gerando a maior parte das demais etnias.

Mesmo com mais dados à disposição, Willerslev não propõe algo totalmente novo. Nos últimos 15 anos, outros grupos, brasileiros inclusive, já haviam sugerido que os primeiros humanos a chegar às Américas poderiam ter vindo do leste

Estudos discutem as afinidades genéticas entre grupos indígenas da oceania e da Ásia (página ao lado) e das Américas (acima)

54 z agosto DE 2015

da Ásia em um único deslocamento, até mesmo com uma parada na Beríngia (ver Pesquisa FAPESP nº 77 e nº 149). Tanto a proposta apresentada na Science como suas versões anteriores confrontam ideias mais antigas, segundo as quais duas, três ou até mais levas teriam sido necessárias para originar a diversidade genética e de feições de crânio encontrada nas Améri-cas (ver infográfico acima).

Como a maior parte dos trabalhos que falam de uma só entrada no continente americano, o modelo de Willerslev fun-ciona bem para explicar como surgiram os povos nativos das Américas geneti-camente mais próximos dos asiáticos atuais, com os quais compartilham algu-mas características anatômicas, como a face mais plana e o crânio arredondado. Mas falha em outros pontos. A ideia de uma só viagem torna difícil justificar, por exemplo, a semelhança genética encon-trada entre os índios Suruí, da Amazônia brasileira, os Atabascanos e os nativos das ilhas Aleutas, no Alasca, e os povos nativos da Oceania, no Pacífico Sul.

DIFErEntE, mAS QUAntO?Para Willerslev e seus colegas, esses da-dos podem indicar que houve um in-tercâmbio genético posterior ao povoa-mento inicial. Uma leva mais modesta de indivíduos aparentados dos aborígines da Austrália e da Melanésia teria se mis-cigenado com populações asiáticas que, mais tarde, teriam entrado nas Américas, possivelmente a partir das ilhas Aleutas.

Enquanto Willerslev e seus colaborado-res falam em uma chegada, talvez comple-mentada por uma segunda, o geneticista David Reich, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e seus colegas di-zem ter evidências de que foi necessária a entrada de duas populações distintas em momentos diferentes para explicar a diversidade genética dos nativos ameri-canos. Não estariam os dois grupos fazen-do a mesma afirmação? Bem, sim e não.

No artigo da Nature, Reich e seus co-laboradores, quatro deles brasileiros, ar-gumentam que só a vinda de duas levas com características distintas ajudaria a entender por que os Suruí e outros gru-pos indígenas brasileiros guardam uma afinidade genética com povos do Pací-fico Sul. Mas essa não é toda a história.

O estudo deste ano é um refinamento de um trabalho anterior. Em 2012, Reich e os pesquisadores Maria Cátira Bortoli-ni e Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maria Lui-za Petzl-Erler, da Universidade Federal do Paraná, e Tábita Hünemeier, da Uni-versidade de São Paulo (USP), além de outros colaboradores, compararam cerca de 365 mil trechos do genoma de 493 indivíduos de 52 populações nativas das Américas com os de 245 integrantes de 17 povos da Sibéria e os de 1.613 pessoas de 52 populações do restante do mundo. Na época, em artigo também publicado na Nature, concluíram que as Améri-cas haviam sido povoadas por três levas migratórias diferentes: uma primeira e

mais densa, com indivíduos de caracte-rísticas genéticas e traços asiáticos, que teria chegado às Américas, via Beríngia, há pelo menos 15 mil anos e originado a maior parte das populações americanas extintas e atuais; uma segunda, que, ao se miscigenar com a inicial, contribuiu para gerar os esquimós, na Groenlân-dia, e os habitantes das ilhas Aleutas, no Alasca; e uma terceira, que, ao chegar, misturou-se com os primeiros habitantes do continente e levou ao surgimento dos grupos indígenas canadenses.

Agora, ao analisar mais trechos (cerca de 600 mil) do genoma de mais popula-ções nativas (25) das Américas Central e do Sul e comparar com os dados de 197 populações de outras partes do mundo, eles encontraram algo semelhante ao que Willerslev observou e propuseram mais uma migração – a quarta, que teria alcançado a América do Sul há mais de 6 mil anos – para justificar a diversidade étnica do continente.

Além dos Suruí, que vivem na floresta amazônica em Rondônia, essa migração mais recente teria originado também o povo Karitiana, de Rondônia, e os índios Xavante, do Cerrado do Mato Grosso. Esses três grupos compartilham de 1% a 2% do seu genoma com os povos da Oceania. “Essa proporção parece ser pe-quena, mas é importante”, afirma Tábita. “Temos de imaginar que ela era muito mais elevada na população ancestral que chegou às Américas e depois se diluiu ao longo de centenas de gerações”, explica.

Uma ocupação cheia de idas e vindasmodelos baseados em dados culturais e biológicos tentam explicar o povoamento das Américas

mODElO trIpArtItE — Evidências

linguísticas e morfológicas e dados genéticos

levam Joseph Greenberg e colaboradores a

propor que três ondas migratórias vindas do

leste da Ásia chegaram às Américas

DUAS OnDAS — A partir da análise de

crânios, Walter Neves e Héctor Pucciarelli

afirmam que duas levas de morfologia

distinta entraram no continente: uma vinda

do sudeste e outra do leste asiático

OnDA únIcA — A partir de 1995, vários

grupos usam dados genéticos para

reconstituir o parentesco entre populações e

defendem a vinda de uma só população, que

teria passado algum tempo na beríngia

1986 1991 1995

pESQUISA FApESp 234 z 55

Artigos científicosSKoGlUND, P. et al. Genetic evidence for two founding populations of the Americas. Nature. 21 jul. 2015RAGHAVAN, m. et al. Genomic evidence for the Pleisto-cene and recent population history of Native Americans. Science. 21 jul. 2015.

FIlhOS DE YpYkUérAEssa leva migratória mais recente – a quarta segundo o artigo de 2012 ou se-gunda no de 2015 – não seria composta por indivíduos com características ge-néticas exclusivas dos povos do Pacífico Sul. Esses viajantes seriam descendentes de uma população mestiça, resultante do cruzamento de nativos da Oceania com asiáticos. Os pesquisadores deram a esse grupo o nome de população Y, inicial da palavra Ypykuéra, que significa ancestral em tupi. Para Reich e seus colaboradores brasileiros, os Suruí, os Karitiana e os Xa-vante atuais seriam descendentes da tal população Y, que ainda não se sabe dizer como teria chegado por aqui.

“O fato de que os Suruí, os Karitiana e os Xavante compartilharem caracte-rísticas genéticas com povos do Pacífico Sul sugere que houve uma miscigenação em uma área menos restrita do que se pensava”, explica Tábita, coautora dos artigos da Nature. Afinal, os dois pri-meiros vivem em Rondônia, na Floresta Amazônica, a centenas de quilômetros dos Xavante, que são do Cerrado, em Mato Grosso. Além da distância física,

há também uma divergência cultural. Os Karitiana e os Suruí falam tupi; os Xavante, jê. “Essa miscigenação tem de ter acontecido antes de 6 mil anos atrás, quando esses troncos linguísticos se se-pararam”, diz Tábita.

A possível existência de uma popula-ção Y não surpreendeu alguns antropó-logos físicos que estudam a ocupação das Américas. “Indiretamente esses resulta-dos publicados na Nature são favoráveis à ideia que defendo, há 25 anos, da vinda de duas migrações para as Américas”, afirma o bioantropólogo Walter Neves, da USP. Com base na análise da morfologia de crânios de populações atuais e extintas de diferentes regiões das Américas – entre elas a do povo que viveu entre 12 mil e 7 mil anos atrás na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais –, Neves e o arqueólogo argentino Héctor Pucciarelli propuseram que as Américas foram colonizadas por duas levas migratórias: a primeira, há 14 mil anos, integrada por indivíduos com morfologia semelhante à dos nativos da África e da Austrália, seguida por outra com traços asiáticos, que teria substituí-do o grupo inicial.

Para Rolando González-José, antro-pólogo físico e diretor do Centro Na-cional Patagônico, em Puerto Madryn, Argentina, as evidências apresentadas nos artigos da Science e da Nature são de certo modo semelhantes. “O paren-tesco com os australo-melanésios que eles encontraram já era esperado ha-via anos, pois indica que as populações das Américas compartilharam ances-trais comuns”, afirma. “Os dados são interessantes, mas, nesses artigos, são pouco discutidos e não levam em conta todos os cenários possíveis.” Em 2008, González e colegas brasileiros apresen-taram a hipótese de que as Américas teriam sido colonizadas por uma po-pulação inicial de indivíduos com alta diversidade genética e de morfologia de crânio, seguida de outra menor, que deu origem aos esquimós. Segundo essa versão, contestada há cerca de três anos por Walter Neves, durante os milhares de anos que existiu a Beríngia teria ha-vido contato entre populações da Ásia e das Américas. n ricardo Zorzetto

FlUxO gênIcO rEcOrrEntE — Para

Rolando González, uma leva com indivíduos

com alta diversidade genética e de

morfologia de crânio, seguida de outra menor,

explica a diversidade dos povos americanos

trêS OnDAS — David Reich e colegas

sugerem o povoamento em três levas: a

primeira gerou maior parte dos povos

americanos; a segunda, os grupos do Ártico;

e a terceira, os indígenas canadenses rElEItUrAS — Com mais dados genéticos,

Eske Willerslev e equipe propõem a vinda de

uma onda principal e talvez uma segunda

(no alto); o grupo de Reich acrescenta uma

leva de mestiços (acima)

FOntES TÁbITA HüNEmEIER /USP; DE AzEVEDo, S. et al. AJPA. 2011; SKoGlUND, P. et al. NATURE. 2015; RAGHAVAN, m. et al. SCIENCE. 2015

2008

2015

2012

Estudo na Nature mostra que três grupos indígenas do Brasil compartilham de 1% a 2% do seu genoma com povos da Oceania

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Troca gênica

56 z agosto DE 2015

Fósseis em mina de carvão no

Rio Grande do Sul revelam paisagem

pantanosa sujeita a incêndios

frequentes há 290 milhões de anos

paleobotânica y

A da água e

Maria Guimarães

Muito mudou na paisagem da região Sul do Brasil nos últi-mos 290 milhões de anos. A América do Sul se separou da

África e ergueu-se a serra Geral, cujas montanhas acompanham de perto o que hoje é a costa dos estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Registros preservados nas rochas su-gerem que, antes disso, a região tinha áreas alagadas onde brotavam árvores de cerca de 15 metros de altura do grupo das pteridospermas, coníferas ancestrais que dominavam o que hoje são ambientes geradores de carvão no hemisfério Sul. O grupo da paleobotânica Margot Guerra--Sommer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), obteve mais do que fósseis em expedições à mina de carvão de Faxinal, no município gaúcho de Arroio dos Ratos. As rochas dali pre-servaram informações paleoecológicas que contam uma história de incêndios recorrentes em um ambiente onde se imaginava uma umidade constante.

“No meio do carvão mineral encon-tramos fragmentos de troncos com cerca de 20 centímetros de diâmetro”, con-ta a bióloga Isabela Degani-Schmidt, doutoranda no laboratório de Margot. O achado é incomum porque a matéria orgânica vegetal queimada é extrema-mente delicada e costuma quebrar-se em fragmentos de no máximo 4 a 5 centíme-tros no caminho até o local no qual fica acumulada e encontra condições de ser preservada para a posteridade. Não foi

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pESQUISA FApESp 234 z 57

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o que aconteceu na região estudada pelo grupo de Margot. Os fósseis de dimen-sões incomuns indicam que as árvores da região foram queimadas em pé. Os troncos, depois de caídos, permaneceram no mesmo lugar em que seriam encon-trados bem mais tarde por mineradores e pesquisadores.

O material guarda registros importan-tes do ambiente da época (início do pe-ríodo geológico conhecido como Permia-no) naquela região, que agora podem ser interpretados. A fossilização dos troncos e das folhas indica que eram florestas em ambiente pantanoso. “São condições propícias à fossilização porque o mate-rial vegetal que cai na água acumula--se em um ambiente ácido inóspito para as bactérias e fungos responsáveis pela decomposição”, explica Isabela. Por is-so, a ideia até agora era de um pântano permanente na região. “Nessa turfei-ra alagada em todas as estações, não se imaginaria que ocorressem incêndios.”

Os achados recentes, publicados na edição de julho da revista International Journal of Coal Geology, pintam, porém, um quadro mais complexo. “O ambiente provavelmente nunca ficava seco”, pro-põe a pesquisadora, “mas haveria um pe-ríodo suficientemente seco para permitir incêndios naturais, que indicam nessas ocasiões uma atmosfera muito mais rica em oxigênio do que a atual”.

O estudo de amostras de troncos e pó-len por microscopia de fluorescência e eletrônica de varredura revelou também

que não eram incêndios avassaladores. A medula dos troncos e os pólens não foram carbonizados, revelando tempe-raturas relativamente baixas. Isabela interpreta o achado como indicação de que as estações secas nunca eliminavam por completo a umidade e o solo prova-velmente ficava sempre recoberto por um filme d’água, favorecendo a fossi-lização no próprio local e pela queima incompleta.

FlorA ESpEcIAlIzAdAA hipótese mais plausível para a origem dos incêndios, segundo Isabela, é que seriam causados por raios. Outra pos-sibilidade aventada seria vulcanismo, reforçada pela presença de uma camada de rocha de cor branca, rica em folhas fossilizadas, em meio ao carvão, interpre-tada como cinza vulcânica. Examinando essa camada de rocha, o grupo de Margot concluiu que as cinzas já teriam caído frias sobre a região e devem ter vindo de longe. Ainda não se sabe de onde. “Não há indícios de fontes de atividade vul-cânica por ali”, afirma Isabela.

Mais do que uma flora carbonizada, os achados revelam uma dinâmica ecológi-ca. A pesquisadora defende que a mata

artigo científicodeGani-SchMidt, i., et al. charcoalified logs as evidence of hypautochthonous/autochthonous wildfire events in a peat-forming environment from the permian of southern paraná basin (brazil). International Journal of coal Geology, v. 146, p. 55-67. 1º jul. 2015.

era adaptada ao fogo. “Encontramos a deposição de fósseis de pteridospermas em camadas diferentes, indicando que essas plantas permaneciam ali ao longo do tempo”, explica. Falta determinar se tinham recursos para subsistir nessas condições. “Estamos analisando estru-turas nas folhas para ver se tinham es-pecializações nesse sentido.”

Os fósseis encontrados, assim como as condições ambientais que eles per-mitem inferir, podem ser uma pista de que a diversidade vegetal era um tanto limitada por ali, determinada pela ca-pacidade de resistir aos incêndios cons-tantes. São estudos curiosos porque re-velam uma paisagem da qual já não há vestígios vivos, com protagonistas com-pletamente extintos. Antes vistas como um elo evolutivo entre as samambaias e as coníferas, as pteridospermas per-tenciam a um grupo de gimnospermas ancestrais cujos parentes mais próximos atuais são, provavelmente, as cicas e o ginkgo. “Não há nada parecido hoje no local”, conta a pesquisadora, que não conhece nenhuma paisagem como a que vê desenhar-se a partir dos fósseis. “Só analisando as rochas para extrair o que está preservado.” n

1 possível estrutura produtora de pólen ao microscópio de fluorescência

2 brilho indica que pólen não foi queimado

3 e 4 vistas a olho nu: folhas carbonificadas

3

4

58 z agosto DE 2015

Ecologia y

Na lama e Na areia do araçá

Quando a maré baixa, a baía do Araçá se transforma. As águas se recolhem e a praia de areia e cascalho se abre em um lamaçal com cente-

nas de metros de extensão. Adiante, po-dem-se ver os navios que chegam e saem do porto de São Sebastião, construído ao lado, e as canoas dos pescadores próxi-mas à saída da baía, cercada por matas, casas e paredões de pedra. Essa enseada de cerca de 500 mil metros quadrados no município de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, tem revelado uma di-versidade inesperada de formas de vida, algumas delas alimentadas pela poluição dos esgotos das casas e do porto.

Os detritos despejados na baía pelo córrego Mãe Isabel parecem beneficiar alguns grupos de animais, como os poli-quetas Heteromastus filiformis e Laeo-nereis culveri e o microcrustáceo Mo-nokalliapseudes schubarti. Mas podem prejudicar outros, de importância ecoló-gica ou ameaçados de extinção, como as espécies de poliquetas Eunice sebastiani

e Diopatra cuprea — semelhantes a mi-nhocas espinhudas. Desde 2012, os 170 pesquisadores coordenados pela bióloga Cecília Amaral, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), investigam os fatores físicos, químicos, geológicos e socioeconômicos que influenciam a dinâmica do Araçá. O levantamento da diversidade biológica dessa baía levou à identificação de 1.368 espécies de organismos.

A maioria faz parte do bentos, grupo de organismos que vivem em costões rocho-sos, manguezais e entre grãos de areia. Do total, 56 espécies foram encontradas pela primeira vez, como a Jebramella angusta, um verme transparente com tentáculos esbranquiçados, que vive sobre rochas ou em fragmentos de conchas. Com base nos trabalhos iniciados nessa baía em 1950, Cecília considera o Araçá a região costeira com uma das mais altas biodiversidades do país. Muitos dados do projeto coorde-nado por ela estão apresentados no livro A vida na Baía do Araçá, lançado no dia 5 de agosto em São Paulo.

pESQUISA FApESp 234 z 59

Mesmo com a perda de manguezais nas últimas décadas, baía do litoral

norte paulista exibe alta diversidade biológica

Rodrigo de Oliveira Andrade, de São Sebastião, SP

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tamente qualificados, composta por bió-logos, geólogos, geógrafos, oceanógrafos, economistas, engenheiros de pesca, am-bientais, civis, florestais e agrônomicos.

De acordo com o comunicado, a ver-são mais recente do projeto possibilita-ria a preservação das áreas de rocha que cercam a baía, as duas pequenas ilhas e as quatro praias que a compõem. Ainda segundo a Docas, “ao longo do processo de licenciamento, iniciado em 2008, o projeto inicial foi aprimorado justamente para contemplar a alternativa ambiental-mente mais viável, considerando os fa-tores técnicos, de avaliação de impactos, engenharia e econômicos. A evolução do projeto possibilitou enormes ganhos am-bientais, dos quais pode-se citar a drásti-ca redução da área de ocupação da baía do Araçá, que passou de 84% para 34%”.

Segundo Antonio Carlos Marques, di-retor do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP), esse valor refere-se apenas às duas etapas iniciais de ampliação do porto, e não a todo o projeto.

a praia descoberta: quando a maré baixa, a baía

se transforma em um banco de lama. ao fundo, o porto de São Sebastião

Em 2014, os dados sobre a diversidade biológica da baía foram usados pelo Mi-nistério Público Estadual para contestar, do ponto de vista ambiental, o pedido de outra ampliação do porto, considerada essencial para receber navios maiores pela Companhia Docas de São Sebastião, estatal responsável por sua administra-ção. A proposta de ampliação, apresenta-da em 2011 pelo governo do estado, pre-vê a duplicação do porto, hoje com 400 mil metros quadrados. Em dezembro de 2013, ao avaliar o relatório de impacto ambiental feito pela Companhia Docas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambien-te e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu licença prévia para o início de duas das quatro fases da obra.

Em comunicado à Pesquisa FAPESP, a Companhia Docas informou que a obten-ção da Licença Ambiental Prévia, conce-dida pelo Ibama em dezembro de 2013, foi embasada no Estudo e Relatório de Impacto Ambiental do projeto, elaborado por uma equipe técnica multidisciplinar de aproximadamente 80 profissionais al-

60 z agosto DE 2015

Se aprovada integralmente, a amplia-ção do porto implicaria a construção de uma laje de concreto apoiada sobre 17 mil estacas fincadas no fundo do mar, como alternativa ao aterro da baía, pro-posta considerada inicialmente.

Marques considera que a fixação das estacas comprometeria a troca de água na baía, prejudicando as comunidades de or-ganismos e o estoque de peixes da região. Poderia haver também outros efeitos. “A perfuração do leito da baía para a insta-lação das estacas implicaria mover cerca de 140 mil metros cúbicos de sedimento do fundo da baía”, diz ele. “Isso liberaria substâncias contaminantes para a super-fície e alteraria a constituição física atual da área.” Já, segundo a Companhia Do-cas, o uso de estacas “permitirá a troca de água e de nutrientes com o mangue, contribuindo com a preservação da vida no local e a fixação de fauna aquática, fundamentais para a manutenção e for-talecimento da cadeia trófica”.

Cecília aponta outro possível efeito da ampliação do porto: a laje prevista sobre a baía causaria uma grande área de sombra sobre suas águas. “Sem a luz do sol, as algas não conseguiriam fazer fo-tossíntese e morreriam”, diz ela. “Como consequência, a região se tornaria uma zona morta”, conclui o biólogo Alexan-der Turra, do Instituto Oceanográfico da

USP e um dos membros da equipe de Ce-cília, que, como ele e Marques, questiona o processo de licenciamento ambiental aprovado pelo Ibama.

O debate continua. O Ministério Pú-blico Estadual usou os argumentos dos pesquisadores que estudam a região pa-ra constestar a licença prévia concedida pelo Ibama. Em julho de 2014, a licença

foi suspensa, por meio de decisão judicial provisória (liminar), até que o processo seja julgado.

MANGUEZAL MENORA redução da área de manguezal do Ara-çá vem ocorrendo há pelo menos cinco décadas. “Estima-se que os manguezais da baía do Araçá tenham diminuído 70%

FONtE: AdAptAdO dO LIvRO VIDA NA BAíA Do ArAçÁ

Ilhabela

São Sebastião

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Uma baía ao lado de um porto

BAíA dO ARAçá

Ponta do araçá

ilha Pedroso

Praia do germano

córrego Mãe isabel

Praia de Pernambuco

ilha Pernambuco

canal de São Sebastiã

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Porto de São Sebastião

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pESQUISA FApESp 234 z 61

ProjetoBiodiversidade e funcionamento de um ecossistema costeiro subtropical: subsídios para gestão integrada (nº 2011/50317-5); Modalidade auxílio à Pesquisa - Temáti-co; pesquisadora responsável antonia cecília Zagagnini amaral (iB-unicamp); Investimento r$ 2.986.800,0 (FaPESP).

artigos científicosViEira, l. M., MigoTTo, a. E. & WiNSToN, J. E. ctenos-tomatous Bryozoa from São Paulo, Brazil, with descrip-tions of twelve new species. Zootaxa. v. 3889, n. 4, p. 485-524. dez. 2014.aMaral, a. c. Z. et al. araçá: biodiversidade, impac-tos e ameaças. Biota Neotropica. v. 10, n. 1, p. 219-64. mar. 2010.

livroaMaral, a. c. Z. et al. A vida na Baía do Araçá – Diversi-dade e importância. São Paulo: lume, 2015.

desde a década de 1960”, diz Caiuá Mani Peres, oceanógrafo da equipe de Turra, do IO-USP. Com base em fotos históri-cas e imagens de satélite, Peres concluiu que a redução da área de manguezal po-de ter sido efeito de uma combinação de impactos ambientais, como o acúmulo de lixo e óleo trazidos pelas águas que banham a baía e alterações do sedimento do Araçá decorrentes da construção do emissário submarino e de outras obras de ampliação do porto, inaugurado em 1955.

“Muita coisa mudou nos últimos tem-pos”, testemunha Teotônio Nobre de Je-sus, pescador nascido em São Sebastião. Aos 69 anos, a pele rachada pelo sol, seu Teotônio, como é chamado, passa o dia agachado na praia, remexendo a mistura de lama e areia com as mãos à procura de berbigões, um molusco com conchas

cobertas de nervuras brancas, pequenas estrias pardas e negras, cientificamente chamado de Anomalocardia brasiliana. “Olha só o tanto que já peguei hoje”, ele diz, na tarde do dia 20 de julho, mostran-do um balde com dezenas de berbigões apanhados desde a manhã. Em quatro horas, ele coleta cerca de 30 quilogramas. Uma parte vai para sua família e outra é vendida aos restaurantes locais que os preparam refogados. Em seguida ele se levanta, limpa o suor da testa com as cos-tas da mão e aponta para uma das ilhas, a Ilha de Pernambuco, formada por duas das três espécies de mangue encontradas no Araçá. “Vê lá aquele monte de árvore? É o que sobrou do mangue. Antes tinha muito mais, tudo ligado um ao outro.”

Apesar das mudanças, o Araçá abriga um dos últimos remanescentes de man-FO

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guezais do litoral norte de São Paulo, com um emaranhado de raízes expostas que mantêm as árvores altas em pé. Ao todo, a baía mantém três espécies de árvores típicas de manguezais: o mangue-preto, o mangue-branco e o mangue-vermelho.

Os pesquisadores têm procurado mos-trar as conclusões de seus estudos ao moradores da região e conversar com eles — o livro lançado em agosto foi mais uma forma de disseminar informações e valorizar a riqueza biológica da baía. “Vamos às escolas, passamos nas casas e falamos com os pescadores na praia para que compareçam às reuniões”, comenta Turra. Seu Teotônio disse que conhece os pesquisadores e já ouviu falar das re-uniões, mas ainda não se motivou a ir. n

3

Habitantes da baía: Teotônio Jesus escava a praia em busca de berbigões. ao lado, a minhoca-do-mar Diopatra aciculata e o microcrustáceo Monokalliapseudes schubarti, abundantes na região. abaixo, vista geral da baía

62 z agosto DE 2015

Oito empresas integram-se ao esforço

para desenvolver componentes da fonte

de luz síncrotron Sirius

a FAPESP e a Financiadora de Es-tudos e Projetos (Finep) anuncia-ram o resultado de uma seleção pública para o desenvolvimento de componentes do Sirius, a nova fonte de luz síncrotron do Brasil

que deve começar a operar em 2018. Oito empre-sas foram selecionadas para superar 13 desafios científicos e tecnológicos relacionados à cons-trução do anel, que será quase seis vezes maior que o atual, em operação desde 1997. Com 518,4 metros de circunferência, a fonte será instalada num prédio de 68 mil metros quadrados cuja estrutura lembra, nas dimensões e no formato, um estádio de futebol. Caso consigam cumprir os desafios, as empresas se qualificarão como fornecedoras do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), responsável pela construção e pela operação da fonte. “A intenção do edital não é apenas a de ajudar a desenvolver o Sirius, mas permitir que empresas inovadoras do estado de São Paulo e suas equipes de pesquisa ampliem

Fabrício Marques

Desafios compartilhados

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Desafios compartilhados

tecnologia parceriaS y

seu leque de produtos tecnológicos, criando uma cadeia de fornecedores em condição de atuar no mercado global”, afirma Douglas Zampieri, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador de área de pesquisa para inovação da FAPESP.

Fontes de luz síncrotron são equipamentos planejados para produzir um tipo de radiação de alto brilho e amplo espectro, que abrange o infravermelho, o ultravioleta e os raios X. Capaz de penetrar a matéria e revelar características sobre sua estrutura molecular e atômica, é usa-da para compreender a natureza microscópica de materiais. A radiação é gerada por elétrons produzidos num acelerador, que ficam circulando em um grande anel perto da velocidade da luz e, quando passam por ímãs, sofrem uma deflexão provocada pelo campo magnético. Fótons são emi-tidos, resultando na luz síncrotron. As ondas ele-tromagnéticas serão utilizadas por pesquisadores em estações de trabalho espalhadas em pontos do anel, para estudos sobre a estrutura de materiais

peSQUiSa FapeSp 234 z 63

como polímeros, rochas, metais, além de proteínas, moléculas para medicamentos e cosméticos, ou imagens tridimensionais de fósseis ou de células. A fonte Sirius terá 40 dessas estações.

Com um custo estimado em R$ 1,5 bilhão, será uma das primeiras fontes de quarta geração no mundo. O brilho da luz emitida será, em algumas frequências, mais de 1 bilhão de vezes superior à atual. No anel hoje em operação, a energia do feixe de luz permite analisar apenas a camada superficial de materiais duros e densos, já que os raios X produzidos penetram esses materiais com profundidade de alguns micrômetros. “A al-ta energia do Sirius permitirá que esses mesmos

materiais sejam analisados em profundidades de alguns centímetros”, diz o físico Antônio José Roque da Silva, professor da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do LNLS.

As fontes de luz síncrotron são compostas por três estruturas de aceleração: um acelerador li-near, um acelerador injetor e um anel de arma-zenamento (ver quadro). As especificações dos componentes são muito precisas não apenas pela intensidade da energia, mas porque oscilações até mesmo abaixo da casa dos micrômetros (1 milionésimo de metro) podem atrapalhar o po-sicionamento dos feixes de elétrons e de fótons. Parte significativa desse esforço de pesquisa e

maquete em tamanho real de um trecho equivalente a um vigésimo do túnel do Sirius: uma das primeiras fontes de luz de quarta geração do mundo

64 z agosto DE 2015

a estrutura do SiriusO funcionamento da nova fonte de luz síncrotron

Fonte lNlS

desenvolvimento está sendo feita pela equipe de 240 pesquisadores e técnicos do LNLS, a exem-plo do que aconteceu nos anos 1990 com a cons-trução da fonte em operação. “Cerca de 70% dos componentes do anel serão desenvolvidos no Brasil”, diz José Roque.

Para cumprir o cronograma de construção, a participação de empresas nacionais tornou-se importante. Algumas engajaram-se há mais tem-po, como a Termomecânica, de São Bernardo do Campo, que desenvolveu o processo para a fabri-cação das câmaras de vácuo, feitas de uma liga de cobre e prata, e dos fios de cobre ocos para os eletroímãs, que permitem circulação de água para refrigeração. Outro exemplo é a WEg, de Santa Catarina, que deverá fornecer 1.350 eletroímãs para os aceleradores.

trajetória Do FeixePara as empresas selecionadas pelo edital da FAPESP e da Finep, o interesse não se limita à possibilidade de fornecer os componentes da fonte. A Equatorial Sistemas, de São José dos Campos, é responsável por três projetos apro-vados. Em um deles vai fornecer monitores fluorescentes de feixes de elétrons, dispositivos que permitem a determinação das dimensões e da posição dos feixes nos aceleradores. Os monitores são compostos por uma tela que pode ser inter-posta no caminho dos elétrons e serão úteis para ajustar a trajetória do feixe. Um segundo projeto prevê o fornecimento de bloqueadores de fótons, dispositivos de segurança das linhas de luz que bloqueiam o feixe emitido pelo acelerador de par-tículas, interpondo um bloco de metal refrigerado no seu caminho. “Cada linha de luz terá pelo menos um desses obturadores. Queremos nos tornar for-necedores internacionais desses equipamentos”, afirma César ghizoni, presidente da Equatorial.

O principal interesse da empresa é o terceiro projeto, de produção de detectores de raios X se-guindo uma tecnologia, a Medipix, desenvolvida em colaboração internacional por 20 laboratórios, sob coordenação da Organização Europeia para Pesquisas Nucleares (Cern). O LNLS integrou-se a esse consórcio em 2013. “Nos experimentos, os raios X gerados pelo acelerador interagem com o material estudado e se espalham ao redor. Esses detectores mostram de onde a radiação saiu, sua direção e intensidade, tudo em tempo real”, diz ghizoni. “Essa tecnologia tem um grande poten-cial para a área médica, pois permite fazer ima-gens de raios X em tempo real. Temos interesse em desenvolver aplicações”, afirma. A empresa já desenvolveu dispositivos para o telescópio Soar, no Chile, e para o detector de raios cósmicos Pier-re Auger, na Argentina, projetos que envolvem pesquisadores de São Paulo e foram apoiados pela FAPESP. Criada em 1996, a Equatorial tem

165 m

canhão De elétronS O equipamento emite o feixe de elétrons, que é impulsionado até chegar ao acelerador linear

aceleraDor linear O feixe de elétrons começa a ganhar energia, acelerado a uma velocidade próxima à da luz

aceleraDor circUlar Sua função é aumentar a energia do feixe. Os elétrons giram até atingir a energia máxima projetada para a máquina

anel De arMazenaMento O feixe é mantido em órbitas estáveis com o auxílio de ímãs. a trajetória dos elétrons, então, é curvada para a produção da luz síncrotron

lUz Síncrotron Uma radiação de amplo espectro magnético e alto brilho é produzida quando os elétrons com alta energia e em alta velocidade têm a trajetória desviada

linhaS De lUz a radiação de alto brilho é guiada para estações experimentais instaladas ao redor do acelerador e conduzida até as amostras, de forma a revelar informações sobre o material analisado

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uma equipe de pesquisa e desenvolvimento com 12 técnicos e engenheiros e desde 2006 é contro-lada pela Airbus Defence & Space.

A Atmos Sistemas, de São Paulo, assumiu o desenvolvimento de um dispositivo eletrônico que mede a posição do feixe de elétrons. O fei-xe precisa ser posicionado com grande precisão no centro do anel, com a utilização de campos magnéticos. “O monitor mede a posição do fei-xe em duas dimensões, através da digitalização, filtragem e processamento de sinais provenien-tes de sondas colocadas ao longo do anel”, diz Fábio Fukuda, responsável pelo projeto. “O dis-positivo medirá a posição do feixe com precisão submicrométrica.” Um dos objetivos da Atmos é se capacitar para fornecer sistemas similares para fontes de luz síncrotron de outros países. “Há a possibilidade de aproveitamento da tec-nologia de tratamento de sinais e processamen-to em outros produtos da nossa empresa, como radares”, afirma.

A Engecer, empresa de base tecnológica de São Carlos (SP) que atua no segmento de cerâ-micas técnicas há mais de 20 anos, propôs-se a desenvolver e produzir peças para os monitores de posição do feixe de elétrons. “São cerâmicas com propriedades elétricas muito específicas”, diz Tatiani Falvo, pesquisadora da Engecer. Na fonte de luz síncrotron atual, elas foram produ-zidas com alumina. Já na fonte Sirius, devem ser fabricadas com outros materiais, o nitreto de boro e o nitreto de alumínio. O processo de prensagem exige temperaturas entre 1.600 e 2.000ºC e não é feito no Brasil. “Será necessário adquirir uma prensa a quente para a fabricação da cerâmica. A empresa tem interesse no conhecimento desse novo processo para eventualmente incorporá-lo à sua linha de produção”, diz Tatiani. A Engecer comprometeu-se a entregar alguns protótipos feitos com os dois materiais, para que o LNLS avalie qual é o melhor. A FCA Brasil, de Campinas, vai fornecer protótipos de câmaras de ultra-alto vácuo e outros componentes para a fonte Sirius, que serão utilizados em vários pontos do anel e nas estações experimentais.

WORKSHOPA ideia de atrair empresas inovadoras para au-xiliar na construção da fonte foi estimulada pe-la FAPESP, que sugeriu a utilização de progra-mas como o de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe). Há dois anos, foi realizado um workshop no LNLS, em Campinas, do qual partici-param mais de 50 empresas. Elas conheceram um conjunto de desafios tecnológicos envolvidos na construção e as possibilidades de financiamento disponíveis. Mas as conversas esbarraram em um obstáculo. Várias empresas afirmaram que par-te substancial de seus custos corresponderia ao

Teste em protótipo de sistema de regulação digital das fontes: duas empresas estão debruçadas sobre desafio tecnológico

tempo trabalhado por seus pesquisadores. Mas entre os itens financiáveis por projetos do Pipe não está previsto o pagamento de salários, apenas de bolsas. A solução foi recorrer a um convênio existente entre a FAPESP e a Finep, que mantém o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe). “Após alguns meses de negociação com a Finep lançamos o edital”, diz Douglas Zampie-ri. “A qualidade dos projetos para a construção do Sirius foi muito boa.” Das 13 empresas que apresentaram propostas, oito foram selecionadas.

O envolvimento de empresas na construção de grandes instalações científicas é prática comum na Europa e nos Estados Unidos. “Seria ótimo se, depois da fonte Sirius, conseguíssemos mobili-zar empresas para lidar com desafios de outros projetos científicos, criando um mercado como o que existe na Europa e nos Estados Unidos”, diz José Roque. A Omnisys, empresa com sede em São Bernardo do Campo (SP) que desenvolve componentes eletrônicos de armamentos, saté-lites e radares, é responsável por quatro projetos aprovados. Fundada em 1997 por três engenhei-ros eletrônicos, a empresa passou, em 2006, para o controle da multinacional francesa Thales, da área de defesa, aeroespacial e de transportes. Seus 70 técnicos e engenheiros no Brasil vão se dedicar a desafios como a fabricação, a monta-gem e os testes de três tipos de placas eletrônicas, utilizadas pelo sistema de medida de posição de feixe de elétrons. O projeto prevê o fornecimento de 12 protótipos de cada tipo de placa. Outra me-ta é desenvolver componentes eletrônicos para os detectores de posição de fótons nas estações experimentais. A empresa também se propôs a desenvolver fontes de corrente de alta potência, usadas na alimentação dos ímãs.Fo

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A Omnisys busca ainda criar módulos de regu-lação digital de fonte. Trata-se do único desafio que foi assumido por duas empresas. A Macnica DHW, distribuidora de componentes eletrôni-cos, também está debruçada sobre essa tarefa. Uma fonte de luz síncrotron necessita de campos magnéticos estáveis, que dependem de fontes de corrente altamente confiáveis. O desafio é subs-tituir o sistema analógico usado pela fonte em operação por outro, digital. A Omnisys e a Mac-nica DHW vão usar componentes diferentes e se comprometeram a entregar algumas dezenas de protótipos para testes. A equipe do LNLS também desenvolveu a tecnologia necessária, mas acre-dita que as empresas podem fornecer um pro-duto melhor. “Serão mais de 1,3 mil reguladores que precisarão trabalhar em harmonia. É algo tão crítico para o desempenho da fonte que se-lecionamos duas empresas para o desafio”, diz Regis Neuenschwander, vice-gerente da Divisão de Engenharia do LNLS.

Parte dos desafios envolve tecnologias no campo da óptica. A Luxtec Sistemas Ópticos, de Campinas, vai desenvolver protótipos de com-ponentes para reflexão de raios X. “Não se trata de uma lente convencional, mas de um tubo de vidro em forma elíptica capaz de direcionar os raios X”, explica Cícero Omegna de Souza Filho, responsável pelo projeto. A Luxtec montará um conjunto de três máquinas para produzir esse tipo de tubo. Sua experiência com fibras ópticas

habilitou-a a participar do desafio. “As lentes têm o tamanho de uma caneta, com 1 centímetro de diâmetro por 25 centímetros de comprimento, e se assemelham à fibra óptica antes de ser afi-nada”, explica.

eSpelhoA Opto Eletrônica, de São Carlos, pretende de-senvolver o processo de fabricação e caracte-rização de espelhos de altíssima qualidade, de rugosidade na ordem de poucos nanômetros, para aplicação em sistemas de focalização de luz síncrotron. “Poucos países do mundo dominam o processo de polimento para gerar esse tipo de espelho”, diz Rafael Alves de Souza Ribeiro, fí-sico responsável pelo projeto. “O domínio dessa técnica e o posicionamento estratégico do Brasil como fornecedor de componentes ópticos para aplicação em luz síncrotron geraria demandas nos mercados interno e externo. Se conseguirmos dominar a técnica, abriremos portas enormes em frentes de pesquisa fundamental e aplicada, como desenvolvimentos de equipamentos para raios X, sistemas ópticos para câmeras de saté-lites e aplicações em astronomia.” A empresa, que fornece lasers para a área médica, equipa-mentos para a defesa e câmeras para satélites,

promete entregar para o LNLS oito protótipos de espelhos planos com formato retangular, com cerca de 40 centímetros de dimensão cada um.

A FAPESP e a Finep planejam uti-lizar o mesmo formato de edital para envolver empresas em outros desa-fios tecnológicos. Uma nova chama-da para o desenvolvimento de tec-nologias para a fonte Sirius e uma seleção de propostas para empre-sas de tecnologia nas áreas aeroes-pacial e de defesa devem ser lança-dos em breve. No caso do Sirius, os desafios propostos relacionam-se a tecnologias e processos dos quais o início de operação da fonte de luz não depende diretamente. Um deles é criar softwares para robôs que de-terminem os pontos no solo em que equipamentos deverão ser fixados. Outro é criar a eletrônica para um

trem de monitoramento, dotado de sensores e câmeras, que percorrerá o anel para detectar eventuais problemas de funcionamento. “Pode-mos começar a funcionar sem esse sistema de monitoramento operando plenamente, mas uma hora teremos de instalá-lo”, diz Regis Neuens-chwander, do LNLS. Ele acredita que empresas brasileiras que fabricam drones poderão ter in-teresse em desenvolver softwares para o trem de monitoramento. n lé

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“Seria ótimo se, depois do Sirius, pudéssemos mobilizar empresas para desafios de outros projetos científicos”, diz josé roque, do lnlS

Sala de metrologia do lNlS: análise de protótipos dos magnetos que serão utilizados na nova fonte de luz

Novos equipamentos possibilitam aumento na

eficiência do uso da água no campo em mais de 30%

AgriculturA y

Combate ao desperdício

Apreocupação com o alto consumo de água para irrigação no Brasil – cálculos da Agência Nacional de Águas (ANA) apontam que essa técnica, muito utili-

zada na agricultura, responde por 72% do gasto total – tem incentivado pesquisadores a procurar alternativas para reduzir o desperdício. Grupos de pesquisa de diferentes instituições desenvol-veram tecnologias que podem diminuir o consu-mo atual em mais de 30%. Em diferentes fases de desenvolvimento, alguns projetos já resultaram em depósitos de patentes e caminham para se tornar diferentes tipos de produtos comerciais.

Duas dessas tecnologias foram desenvolvidas na Embrapa Instrumentação, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em São Carlos (SP). Uma delas é o chamado sensor diédrico, que pode ser instalado entre as raízes da planta, para medir a tensão da água na terra, isto é, a força com que a umidade é retida pelas partículas do solo. O instrumento é formado por duas placas, que po-dem ser de vidro ou cerâmica, de dimensões ajus-táveis – medem, por exemplo, 5 centímetros (cm) de comprimento por 3 cm de largura –, instaladas de modo a formar um diedro. Com as laterais e a abertura vedadas, a água presente no solo penetra no equipamento através de uma placa de cerâmica

Sistema de irrigaçao agrícola em Sud Mennucci, interior de São Paulo

porosa e preenche um volume de face retangular escurecida em seu interior. O comprimento des-se retângulo, medido a partir do vértice, permite o cálculo da tensão da água, que por sua vez indi-ca a necessidade ou não de irrigação. Trabalhos anteriores estabeleceram as tensões críticas da água – momento em que se deve irrigar – para uma série de culturas. Assim, basta comparar a tensão detectada pelo sensor diédrico com o que está na literatura para aquela cultura e o tipo de terreno para saber se a lavoura precisa ou não ser irrigada. Segundo o pesquisador Adonai Gimenez Calbo, líder do grupo de pesquisa que desenvolve o equipamento, a área com líquido no interior do sensor diédrico é facilmente percebida porque fica mais escura. “A leitura pode ser visual ou com um dispositivo óptico”, diz.

De acordo com o pesquisador, em comparação com outros tensiômetros e sensores de umidade convencionais, o sensor diédrico se destaca pelo uso de materiai s de baixo custo, como vidro e cerâmica, pela simplicidade e por não sofrer interferência de fatores como temperatura, salinidade, densidade do solo e presença de substâncias ferromagnéticas. Outras vantagens em relação aos produtos concor-rentes são a leitura direta e a medição de ampla fai-xa de tensão da água no solo. “Com isso, o sensor fo

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os dados são coletados no

solo da lavoura

automatizar a irrigação. As aplicações das duas tecnologias são semelhantes, embora o sensor IG seja o mais adequado para o manejo da irrigação.

Atualmente no Instituto de Química do campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a pesquisa-dora Sonia M. Zanetti desenvolveu um tipo de sensor baseado em uma mistura – que ela preferiu não revelar – de óxidos semicondutores. “Pelo método de sínte-se que usamos, esses óxidos geram um pó com partículas nanométricas que é prensado, formando um sensor cerâmico nanoestruturado e poroso”, explica. Suas propriedades elétricas são alteradas pela presença da água e, dessa forma, é possível medir a umidade pelo monitoramento da resistência elétrica do sensor. Quanto mais água tiver no solo, menor a resistência.

O trabalho foi feito em parceria com o Centro de Desenvolvimento de Mate-riais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP, e desenvolvido na empresa Sencer, de São Carlos. O projeto coordenado por Sonia começou em 2007 e foi concluído no ano passado. “O resultado não foi só o desenvolvimento do sensor, mas sim de um sistema completo”, diz a pesquisadora. “Ele é composto por son-das instaladas na plantação [hastes com os sensores integrados] conectadas a uma unidade de transmissão wireless, que envia os dados para um computador, além de uma plataforma on-line para a visualiza-ção e o tratamento dos dados coletados.”

As sondas monitoram a temperatura e a umidade da terra simultaneamente em até três níveis de profundidade. O produ-tor pode acessar esses dados por meio de smartphones e tablets, facilitando a toma-da de decisões relacionadas ao manejo da irrigação da cultura. O sistema possibilita a integração com dados climáticos públi-cos, como previsão do tempo, índices plu-viométricos, temperatura e umidade do ar, velocidade e direção do vento. Com isso, é possível fazer análises avançadas do solo e do plantio com base em históricos de da-dos, tendências e estatísticas, resultando na otimização do uso de água. A economia desse recurso pode chegar a 30%.

Em Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais, quatro jovens engenhei-ros desenvolveram um algoritmo (pro-grama de computador) que automatiza a irrigação da plantação. Chamado de SMPIn (Sistema de Monitoramento de

diédrico pode atender variadas demandas, dentre elas a definição de tensão de água no solo muito baixa ou muito alta, o que outros equipamentos não fazem.”

Chamado de IG, que em tupi significa água, o outro sensor criado por Calbo e colaboradores é formado por um bloco de cerâmica porosa contendo, em seu inte-rior, partículas de pequenas dimensões, como esferas de vidro. Instalado entre as raízes das plantas, o equipamento também mede a tensão da água no solo e pode ser usado para automatizar a irrigação. Quan-do a terra está seca, o ar atravessa o sen-sor, acionando os dispositivos de irrigação em gotejamento, por exemplo. Quando o solo está úmido, a água retida entre as esferas restringe a passagem do ar, inter-rompendo o escoamento da água. Os dois sensores desenvolvidos na Embrapa não dependem de manutenção frequente para a operação e por isso são adequados para

A agricultura consome 72% do total de água e as novas tecnologias poderão ajudar a evitar o gasto excessivo no campo

Lavoura monitorada Sistema criado no inatel, em Minas gerais, avalia solo e ar para determinar a necessidade de irrigação

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estação meteorológica capta informações do ambiente

os dados do solo e da atmosfera são enviados para a unidade de transmissão

Alertas são enviados para dispositivos

móveis do produtor

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um software faz a leitura dos dados coletados pelos sensores

As informações vão para um banco de dados

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uma perda de 80% da produção em de-corrência de problemas climáticos. Na época, os alunos do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) Luiz Cláudio de Andrade Junior, Vitor Ivan D’Angelo, Wellington Faria e Leone decidiram criar um projeto voltado para o agronegócio e fundaram a empresa, incubada no Inatel. O sistema ainda se encontra em fase de teste e validação. Segundo D’Angelo, o diferencial em relação aos existentes no mercado é que a maioria deles só oferece o controle de irrigação. “O nosso sistema disponibiliza também uma avaliação mi-crorregional do clima, com informações mais precisas para o agricultor”, diz ele. Outra vantagem, de acordo com ele, é que o sistema não requer instalação em com-putador do produtor rural, reduzindo os custos na implementação.

pAtEntES E LICEnçASSegundo o engenheiro agrícola Everar-do Chartuni Mantovani, professor da Universidade Federal de Viçosa e sócio da empresa de consultoria Irriger, essas quatro tecnologias – da Embrapa, Unesp e Inatel – vão se juntar a outras já exis-tentes no mercado. “Isso não inviabiliza a necessidade de desenvolver novas me-todologias ou melhorar as disponíveis”, diz. Para Mantovani, dos quatro, o de-senvolvido pela parceria Unesp, CDMF e empresa Sencer, de São Carlos, é o mais promissor. “Trata-se de um sistema ainda não existente”, avalia.

Plantações Inteligentes), ele pode gerar uma economia de 40% da água usada na lavoura e 28% no consumo de energia.

Além do programa de computador, o sistema é composto por estação de coleta de dados, instalada na plantação, equipada com sensores de temperatura e umidade do ar e do solo, velocidade e direção do vento, pluviômetros e GPS. “Essa estação coleta os dados e os envia, por wi-fi ou pela rede de telefonia celular, para o nos-so banco de dados”, explica Pedro Lúcio Leone, um dos quatro sócios da empresa SPIn, responsável pelo projeto. “Com o nosso algoritmo, fizemos os cálculos sobre a necessidade de irrigação. Tudo depende da plantação, do clima, da evapotranspira-ção da planta e da terra. Assim, pega-se a variante meteorológica, calcula-se o que evaporou, e o agricultor irá saber quanto precisa irrigar.” O sistema, que se adapta a diferentes tipos de plantio, funciona em qualquer método de irrigação controlado, como a aspersão ou o gotejamento. Os dados podem ser acessados por disposi-tivos móveis, como smartphone ou tablet.

O projeto do SMPIn começou em 2013, depois que produtores de morango da região do sul de Minas Gerais sofreram

1 Sensor de umidade em plantação de café desenvolvido em parceria pela unesp, cDMF e Sencer

2 Sistema de gotejamento com sensor ig, criado pela embrapa

No caso dos sensores desenvolvidos por Calbo e colaboradores, a Embra-pa depositou pedido de patente para os dois tipos de tecnologia, que foram licenciados para empresas brasileiras e dos Estados Unidos para transformá-los em produto. No Brasil, o diédrico foi licenciado para a Tecnicer Tecnologia Cerâmica, de São Carlos, e no mercado americano para a Irrometer, da Cali-fórnia. O direito de exploração comer-cial do IG também foi concedido a essas duas companhias e ainda para a Hidro-sense, de Jundiaí, a Acqua Vitta Floral, de Bauru, e a R4F, de Campinas. Com essas duas tecnologias, diferentes tipos de equipamentos poderão ser fabricados em versões fixa e portátil. Estima-se que cheguem ao mercado com preços entre R$ 10 e R$ 150. A Sencer depositou pe-dido de patente de Modelo de Utilidade para a haste com os sensores integra-dos. O sensor desenvolvido por Sonia, da Unesp, está em fase final de testes. “Temos o produto em demonstração e avaliação em alguns lugares e estamos negociando as primeiras vendas”, diz a pesquisadora. n

ProjetoAperfeiçoamento do dispositivo sensor para determi-nação da umidade do solo: aplicação em agricultura de precisão (nº 2012/50132-8); Modalidade Programa Pesquisa inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pes-quisadora responsável Sonia Maria zanetti (Sencer); Investimento r$ 181.302,71 (FAPeSP). fo

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Uso de resíduos

da fabricação

de acerola na

alimentação de

suínos diminui

teor de gordura

da carne

Porco magro

Todo ano são processadas no Brasil 32 mil toneladas de ace-rola (Malpighia punicifolia) para a fabricação de suco, polpa e

extrato. Desse total, sobram cerca de 6,5 mil toneladas de resíduo, composto por casca, sementes, restos de polpa e algumas folhas, que tem pouco apro-veitamento. Segundo pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), esse material poderá ser usado, na for-ma de farelo, na alimentação de suínos, tornando a carne dos animais mais light, com menor teor de gorduras que con-tribuem para aumentar o colesterol de quem a consome. A acerola aumenta os níveis de ômega 3 na carne, substância que ajuda a prevenir doenças cardiovas-culares. As conclusões são de um estudo desenvolvido pelo zootecnista Fabrício Rogerio Castelini no seu doutorado na Faculdade de Ciências Agrárias e Ve-terinárias, do campus de Jaboticabal, da Unesp, sob orientação da professora Maria Cristina Thomaz.

O projeto de pesquisa tinha como principal objetivo a busca de alimentos alternativos, ricos em fibra, para serem fornecidos aos suínos durante a fase de terminação – quando seu peso vai de 70 a 130 quilos (kg). Nesse período o ani-mal não pode consumir uma dieta muito energética porque o excesso resulta no acúmulo de gordura, o que prejudica a carne. “Normalmente, o fornecimento de alimentos ricos em fibra, no caso o farelo de acerola, faz os animais come-rem apenas o necessário para encher seu estômago e saciar a fome”, explica Castelini. “Esse processo é chamado de restrição alimentar qualitativa.” Ele rea-lizou dois experimentos para avaliar os resultados da inclusão do farelo de ace-rola na dieta dos suínos. Inicialmente, determinou-se a composição química e os valores nutricionais do ingrediente. Depois, procurou-se estimar o efeito da inclusão da acerola em diferentes teores

PecUária y

– em 9%, 18% e 27% do total da dieta for-mada normalmente por milho e farelo de soja – sobre o desempenho, a digestibi-lidade das dietas e as características das carcaças. “Nesse experimento, também avaliamos a qualidade da carne, os pesos dos órgãos do sistema digestivo e os indi-cadores de retorno econômico”, afirma.

O resultado mais importante, segundo Castelini, foi a melhora qualitativa do lombo suíno em relação à composição dos ácidos graxos. O ácido graxo ôme-ga 3, que possui ação preventiva contra problemas cardíacos, teve seus níveis aumentados em 21,74% nos animais que consumiram os maiores teores de farelo de acerola. Já os ácidos graxos satura-dos são considerados hipercolestero-lêmicos, ou seja, aumentam o coleste-rol, dos quais os mais perigosos são o mirístico, o palmítico e o láurico. “Com a inclusão de 27% de farelo de acerola na dieta, observamos redução de 7,63% do primeiro e de 5,02% do segundo, e o láurico permaneceu no mesmo nível”, informa o pesquisador. “Esses ácidos estão relacionados com o desenvolvi-mento de mudanças degenerativas nas paredes das artérias e seu consumo em demasia pode provocar doenças cardio-vasculares.”

oporTunidade de mercado“Em relação às outras variáveis analisa-das, observou-se menor ganho de peso (-39,92%) nos animais alimentados com acerola, menor espessura média de touci-nho (-37,13%) e redução da área de gordu-ra nas carcaças (-39,84%)”, diz Castelini. Esses dados sugerem ganhos à saúde do consumidor, mas a redução do peso e do toucinho pode diminuir o lucro do pro-dutor. Segundo o pesquisador da Unesp, em São Paulo os frigoríficos não possuem um programa de pagamento pela quali-dade da carcaça. Por isso, como os ani-mais alimentados com farelo de acerola pesam menos, o valor deles é menor. “No fo

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evanildo da silveira

pesQuisa fapesp 234 z 71

estado de São Paulo, o porco é abatido com 90 quilos; se fosse com 120 quilos, o ganho do produtor poderia ser maior com o animal light. Acreditamos que esse cenário possa ser revertido com a criação de um nicho de mercado que valorize a excelente qualidade das carcaças apre-sentadas pelos animais”, diz. Para o ge-rente comercial Renato Celso Cavichioli, do Frigorífico Suíno Leve, de São Carlos (SP), que abate 1.200 porcos por semana, animais com menores teores de gordura fariam sucesso no mercado brasileiro. “O consumidor procura hoje produtos mais light e um suíno com menos gordura por certo venderia bem”, diz Cavichioli. De acordo com ele, embora o melhoramento genético já tenha levado ao desenvolvi-

mento de suínos mais magros, a carne de porco ainda sofre preconceito.

O economista Júlio Eduardo Rohenkohl, da Universidade Fe-deral de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, especialista em

suinocultura, também acredita em uma possível oportunidade de merca-

do. “Certamente existe espaço no Brasil e no mundo para carnes mais magras, com diminuição da gordura e aumento do ômega 3, por exemplo, desde que ela mantenha a suculência, a cor e a textu-ra. Empresas no estrangeiro exploram variações qualitativas e satisfazem mer-cados específicos.” Para o economista, é possível segmentar o mercado da carne de porco in natura. Isso aconteceria com a garantia de procedência do produtor, a devida identificação de insumos utiliza-dos, como a ração de acerola, e um selo na carne com a inscrição light ou porco magro no ponto final de venda. Outro

Projetos1. Farelo de acerola em programa de restrição alimentar para suínos pesados (nº 2011/22906-6); modalidade auxílio à Pesquisa – regular; pesquisadora responsá-vel maria cristina thomaz (Unesp); investimento r$ 64.989,45 (FaPesP).2. Farelo de acerola em programa de restrição alimentar para suínos pesados (nº 2011/22563-1); modalidade Bolsa de doutorado; pesquisadora responsável maria cristina thomaz (Unesp); Bolsista Fabrício rogerio cas-telini; investimento r$ 93.940,52 (FaPesP).

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redução do colesterol palmístico

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de acerola na dieta

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aspecto, segundo Júlio, é verificar como fica o custo do animal com a adição da acerola e a diminuição de ingredientes como milho, soja e sorgo, por exemplo.

“Em relação à qualidade da carne, fi-zemos testes sensoriais e não detectamos diferença no sabor ou na maciez”, diz Castelini. As amostras de carne foram testadas por 100 pessoas, escolhidas alea-toriamente. “Em relação ao conteúdo nu-tricional e à qualidade da carne, podemos recomendar a inclusão do resíduo da fru-ta nas dietas de suínos em terminação, até o nível de 27% da ração.” Quanto ao valor da dieta dos suínos, o pesquisador aponta que, à época da pesquisa (2012), com o milho custando R$ 0,60 o quilo, o farelo de acerola, a R$ 0,10 o quilo, mostrou-se econômico. Castelini lembra, no entan-to, que um eventual aumento na procura por resíduos de acerola pode mudar essa relação. “Acredito que as regiões mais propícias para esse tipo de alimentação dos suínos seriam o noroeste paulista e a região Nordeste brasileira, onde existem mais plantações de acerola. Mas isso vai depender do custo e do preço do frete.”

De acordo com Teresinha Marisa Ber-tol, pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, localizada em Concórdia (SC), no Brasil há poucos grupos envolvidos em pesquisas com ali-mentação de suínos visando melhorias na qualidade da carne. “Na Embrapa estão sendo desenvolvidos experimen-tos com o intuito de elevar o conteú-do de ômega 3 na gordura associada à carne suína, com resultados positivos. Também estamos estudando o efeito de antioxidantes naturais via dieta, co-mo, por exemplo, o bagaço de uva, com o objetivo de melhorar a qualidade da carne de suínos. Embora a carne pro-duzida em larga escala, nos sistemas industriais, já seja de ótima qualidade nutricional, nosso objetivo é torná-la ainda mais saudável e atrativa.” n

sobras do processamento da

acerola usadas para alimentar suínos

melhoraram composição de ácidos graxos

72 | agosto DE 2015

A Mectron desenvolve soluções

tecnológicas avançadas

para as áreas militar e espacial

Desde o ano passado, os jatos de combate JF-17 Thunder, de fabricação sino-paquis-tanesa, e os franceses Das-sault Mirage III e IV da For-

ça Aérea do Paquistão voam equipados com um armamento inteligente, o míssil antirradiação MAR-1. Lançado de aero-naves, o míssil é usado contra defesas antiaéreas e tem como alvo radares no solo, essenciais para identificação da po-sição de aviões hostis. Considerado uma arma sofisticada, o MAR-1 foi projetado e desenvolvido pela brasileira Mectron, uma das quatro empresas do mundo que dominam a tecnologia de fabricação do armamento – as outras três são as norte--americanas Raytheon e Alliant Techsys-tems e a russa Zvesdat.

“Somos a única empresa brasileira com capacidade para projetar mísseis.

Inovação na defesa

tanto para aplicações militares como ci-vis. Fundada no início dos anos 1990 por cinco engenheiros formados pelo Insti-tuto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a empresa foi adquirida em 2011 pela Odebrecht Defesa e Tecnologia (ODT), braço da Organização Odebrecht voltado ao desenvolvimento de soluções tecnoló-gicas para as Forças Armadas do Brasil.

EQUIPE QUALIFICADACom um faturamento de R$ 124,7 mi-lhões em 2014, a Mectron possui uma bem estruturada área de pesquisa e de-senvolvimento (P&D). No ano passado, 52% da receita da empresa, equivalente a R$ 65,5 milhões, foi direcionada para as atividades de P&D e inovação. Nessa conta, não entram as subvenções de pro-jetos da Financiadora de Estudos e Pro-jetos (Finep) no valor de R$ 6,2 milhões.

pesquisA eMpresAriAl y

Yuri Vasconcelos

O desenvolvimento do MAR-1 represen-tou um grande desafio para a indústria bélica nacional e foi conquistado com o capital intelectual multidisciplinar que temos na Mectron”, afirma o engenheiro aeronáutico Wagner Campos do Amaral Silva, de 57 anos, diretor e um dos funda-dores da empresa. “O míssil também será instalado futuramente em caças AMX da Força Aérea Brasileira (FAB), recente-mente modernizados pela Embraer.” O projeto MAR-1 remonta a 1998, quando a Mectron começou a desenvolver o ar-mamento para a FAB. Dez anos depois, foi assinado o contrato de exportação para o Paquistão.

A empresa tem sede em São José dos Campos, polo da indústria aeroespacial do país, e atua nos mercados de defesa, aeronáutico e espacial, desenvolvendo e fabricando produtos de alta tecnologia

A partir da esquerda, Henrique Mohallem, Aristóteles Carvalho, Marta suarez e Cesar Buonomo, da equipe de p&D, e Wagner silva, diretor da Mectron

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Para projetar e construir equipamentos como armamentos inteligentes, radares, sistemas de comunicação e aviônicos, a empresa dispõe de um especializado corpo de colaboradores. Do seu quadro de 405 empregados, cerca de 300 inte-gram os setores de P&D – dos quais 178 são engenheiros. Aproximadamente 70% dos funcionários têm diploma superior, sendo que 22% são pós-graduados. O engenheiro da computação Henrique Mohallem Paiva, de 36 anos, faz parte desse grupo. Após obter os títulos de ba-charelado, mestrado e doutorado no ITA, ele fez um pós-doutorado na Universi-dade Concórdia, em Montreal, Canadá.

“Nos meus estudos de pós-graduação, dediquei-me às áreas de processamento de sinais e de sistemas de controle au-tomático. Continuo estudando e publi-cando artigos científicos, como bolsista

de produtividade em pesquisa do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e como pesqui-sador no ITA. O conhecimento acadêmi-co adquirido tem aplicação direta nas mi-nhas atividades como engenheiro porque trabalho numa área que requer sólidos conhecimentos teóricos”, diz Mohallem. Funcionário da Mectron desde 2010, ele atua no projeto MAR-1, sendo respon-sável pela simulação computacional do míssil e de seus subsistemas e pelo pro-jeto de sistemas de controle automático.

A engenheira Marta Cristina Suarez Garcia, de 28 anos, também se dedica ao programa MAR-1. Ela é coordenadora da etapa de certificação do atuador, o sub-sistema responsável pela deflexão inde-pendente das superfícies aerodinâmicas utilizadas para controlar as manobras em voo do míssil. Formada em engenharia lé

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EmPrESA

mECtron

Centro de P&D são José dos Campos,

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Nº de funcionários 405

Principais produtos Armamentos

inteligentes, radares,

sistemas de

comunicação

e equipamentos

para satélites

74 | agosto DE 2015

elétrica pela Faculdade de Engenharia de São Paulo (Fesp) e com mestrado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), ela ingressou na Mectron como trainee em 2012. “Atuei inicialmente na engenharia industrial, implantando melhorias nas áreas pro-dutivas e nos processos de manufatura. Depois, fui convidada para integrar a equipe do MAR-1”, diz Marta.

ArmAS IntELIGEntESOrçado em R$ 500 milhões, o MAR-1 é o maior projeto em desenvolvimento nos laboratórios da Mectron, mas não o único. Na área de armamentos inteli-gentes, a principal da empresa, também estão em construção dois mísseis do tipo ar-ar (lançados de uma aeronave contra

1 Montagem de subsistema mecatrônico de míssil

2 placa eletrônica de míssil

3 simulação operacional de sistema de comunicação por enlace de dados para uso militar

Wagner Campos do Amaral Silva, engenheiro aeronáutico, diretor da Mectron

instituto Tecnológico de Aeronáutica (iTA): graduação

Henrique Mohallem Paiva, engenheiro de computação, dedicado ao Programa MAR-1

iTA: graduação, mestrado e doutoradoConcordia university (Montreal, Canadá): pós-doutorado

Aristóteles de Sousa Carvalho, engenheiro eletrônico, dedicado ao Programa MAN-SUP

universidade Federal do rio de Janeiro (uFrJ): graduaçãoinstituto Militar de engenharia (iMe): mestradouniversity of sheffield (inglaterra): doutorado

Marta Cristina Suarez Garcia, engenheira elétrica, dedicada ao Programa MAR-1

Faculdade de engenharia de são paulo (Fesp): graduaçãoescola politécnica da universidade de são paulo (usp): mestrado

Cesar Augusto Buonomo, engenheiro aeronáutico, coordenador técnico do Programa MAN-SUP

iTA: graduação e mestrado

outra aeronave), os modelos MAA-1B e A-Darter. O primeiro deles é uma versão atualizada do míssil Piranha, fabricado pela Mectron na década de 1990. “O pro-jeto Piranha foi iniciado nos anos 1970 na FAB, mas sofreu interrupções por falta de recursos, embargos de componentes importados e o fracasso de empresas pri-vadas que não resistiram à crise do setor nos anos 1980. Coube a nós concluir o de-senvolvimento, modernizar e realizar a certificação e homologação nos caças F-5 e F-5M, e fabricar os lotes encomenda-dos pela FAB”, recorda-se Wagner Silva.

O A-Darter é um desenvolvimento conjunto com a empresa sul-africana Denel Dynamics e as brasileiras Opto e Avibras. O míssil é dotado de múltiplos sensores de infravermelho para ima-

geamento térmico do cenário aéreo, o que eleva sua capacidade de detecção e rastreio de alvos. Em fase de industria-lização, o A-Darter irá equipar os jatos multifuncionais de última geração Gri-pen NG, adquiridos em 2013 pela FAB da empresa sueca Saab.

Assim como a FAB, a Marinha do Bra-sil é um cliente importante da Mectron. Para a força naval, a empresa desenvolve projetos de um míssil antinavio, batizado de MAN-SUP, e de um torpedo pesado, conhecido no segmento de defesa pela sigla TPNer. Feito em parceria com a ale-mã Atlas Elektronik, o TPNer é empre-gado por submarinos contra esquadras. “Nosso forte é engenharia de sistemas. Desenvolvemos e produzimos a eletrô-nica embarcada dos armamentos, que incluem os sistemas de computação de bordo, os sensores e os atuadores de co-mando”, explica Wagner Silva. O prazo para fabricação do TPNer é de oito anos. Os orçamentos de todos esses projetos não são divulgados.

O objetivo do MAN-SUP é o desenvol-vimento de um míssil antinavio nacional para ser lançado de uma embarcação con-

InStItUIÇÕES QUE FormArAm PESQUISADorES DA EmPrESA

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Além de mísseis e torpedos de últi-ma geração, os engenheiros e técnicos da Mectron também estão envolvidos no projeto de um sistema de comuni-cação por enlace de dados (data-link) para emprego militar, chamado de Link BR-2. Projetado para a FAB, o sistema vai integrar e processar em tempo real informações entre aeronaves e centros de comando e controle com criptogra-fia de dados, voz e imagens. O projeto, orçado em R$ 250 milhões, está na fase final de desenvolvimento.

Outro campo de atuação da Mectron é o setor espacial. A empresa fez parte do consórcio responsável pela construção do Cbers-4, o Satélite Sino-Brasileiro

tra outra, para combates em mar aberto, explica o engenheiro aeronáutico Cesar Augusto Buonomo, de 40 anos, coorde-nador técnico do programa na Mectron. Ele, que tem mestrado em aerodinâmica, explica que cabe à sua equipe o desen-volvimento do subsistema de guiamen-to, navegação e controle do míssil. Várias tecnologias utilizadas, como o radar altí-metro para medir a distância do míssil até a superfície do mar, o sistema de atuação das superfícies aerodinâmicas de controle para a realização de manobras e os com-putadores para a realização dos cálculos de trajetória, são soluções desenvolvidas pelos pesquisadores da Mectron. Os de-mais subsistemas estão sob responsabi-lidade de outras companhias brasileiras do setor de defesa, entre elas Avibras e Omnisys.

míSSEIS rEVItALIzADoSO engenheiro eletrônico Aristóteles de Sousa Carvalho, de 56 anos, lidera a área de radiofrequência do programa MAN--SUP, coordenando quatro pessoas. “Os conhecimentos que adquiri na pós-gra-duação, na Universidade de Sheffield, na Inglaterra, foram fundamentais para en-frentar os desafios do desenvolvimento dos subsistemas de radiofrequência do MAN-SUP”, diz. O programa, que tem previsão de conclusão para 2017, deve prover independência à Marinha brasi-leira no que tange a essa arma. Enquanto isso, a Marinha revitalizou os seus anti-gos mísseis Exocet, de fabricação fran-cesa, e a Aeronáutica optou por comprar mísseis Harpoon, da Boeing.

de Recursos Terrestres, lançado com sucesso do Centro de Lançamentos de Taiwan, na China, em dezembro do ano passado. Couberam aos pesquisadores da companhia o projeto e a fabricação do Gravador Digital de Dados (DDR), equipamento que faz o armazenamento das imagens terrestres captadas pelas câ-meras do satélite. O Cbers-4 é dotado de quatro câmeras de alta definição, proje-tadas para coletar imagens do território brasileiro, especialmente da Amazônia, auxiliando no combate ao desmatamento ilegal e queimadas.

Os pesquisadores da Mectron estão envolvidos no desenvolvimento de uma Plataforma Multimissão (PMM) para sa-télites de baixa altitude do Programa Es-pacial Brasileiro. A PMM é um arcabouço básico para ser utilizado na construção de diferentes tipos de satélite e a empre-sa está fabricando dois subsistemas da PMM: o de suprimento de energia, que contempla painéis solares e seus servo--posicionadores, baterias e unidades de condicionamento e distribuição; e o de rastreamento, telemetria e telecomando, que inclui transponders e antenas.

Com uma área de 37 mil metros qua-drados situada ao lado da Embraer e do Instituto Nacional de Pesquisas Espa-ciais (Inpe), as instalações da Mectron incluem uma sala limpa para montagem de componentes críticos, laboratórios eletrônicos, de sistemas aviônicos, de radiofrequência e de comunicação, além de áreas de montagem mecânica, de in-tegração mecatrônica e de ensaios am-bientais. Em 2007, a empresa depositou sua única patente, relacionada ao de-senvolvimento de uma antena de ban-da larga do míssil MAR-1. “No mercado de defesa, não é prática trabalhar com registro de patentes”, explica Wagner.

Uma dificuldade recorrente enfren-tada por outras empresas do setor de defesa também atingiu a Mectron. “Tí-nhamos ideia de adquirir a antena de um fornecedor norte-americano, mas o De-partamento de Defesa dos Estados Uni-dos impediu a concretização do negócio por se tratar de um componente crítico e não autorizou o Brasil a ter acesso a essa tecnologia”, recorda-se Wagner. “A saída que encontramos foi fazer o desenvolvi-mento desse componente com o nosso pessoal. Esse é apenas um exemplo de muitas outras situações enfrentadas no nosso dia a dia.” nFo

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Gravador digital de dados do satélite Cbers-4, que armazena imagens captadas pelas câmeras, foi construído pelos pesquisadores da companhia

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Júlio Abramczyk e José Hamilton Ribeiro

escrevem há 60 anos sobre temas científicos,

médicos e ambientais – e nem pensam em parar

humanidades comunicAção y

Carlos Fioravanti

o jornalismo dedicado à cobertura da pesquisa científica em todas as áreas de conhecimento tem suas particularidades, ao mesmo tempo que faz parte do ofício jornalístico em geral. O aniversário de 20 anos da primeira edição do boletim Notícias FAPESP, em agosto de

1995 – transformado em Pesquisa FAPESP na 47ª edição, em outubro de 1999 –, motivou a publicação de uma série de reportagens, da qual esta é a primeira, sobre as origens, o estado da arte e o futuro dessa atividade.

As origens mais remotas do chamado jornalismo científico no Brasil remetem aos jornais O Correio Braziliense e O Pa-triota no início do século XIX e foram tratadas na edição nº 100 de Pesquisa FAPESP (“Primórdios da divulgação cientí-fica”), e cientistas que escreveram para jornais no início do século XX são apresentados na versão on-line desta edição.

Dois precursores, a seguir perfilados, retratam um passa-do mais recente: Júlio Abramczyk e José Hamilton Ribeiro. Ambos, hoje com mais de 60 anos nessa área, começaram a trabalhar como repórteres quando as páginas dos jornais eram montadas com chumbo quente derretido em máquinas chamadas linotipos (ao lado) e seguem em plena atividade.

pesQuisa Fapesp 234 z 77

oficina de linotipia do jornal

Estado de S.Paulo : processo artesanal

as mesas de trabalho eram ocupadas quase inteira-mente por monumentais

máquinas de escrever – os telefo-nes ainda eram raros – quando Jú-lio Abramczyk, aos 17 anos, come-çou a trabalhar no jornal paulistano O Tempo, em 1949. Como revisor, apurou a gramática, depois, como repórter, aprendeu a escrever rápi-do – pelo menos três reportagens por dia. Hoje silenciosas, as reda-ções eram então lugares barulhentos por causa das máquinas de escrever e das conversas entre os jornalis-tas, que, além de falar alto, em geral fumavam. “Era bom, sempre havia alguém por perto para tirar dúvi-das”, contou Doutor Júlio, como é conhecido, aos 82 anos, na sala de sua casa, no bairro de Higienópolis, em São Paulo.

Cardiologista que trabalhou no Hospital Santa Catarina durante 47 anos, até 2013, Abramczyk é um dos precursores do chamado jorna-lismo científico no Brasil, quando ainda nem existia esse termo, que ele ajudou a implantar, cooperan-do na criação ou fortalecendo as-sociações e promovendo debates, congressos e cursos para jornalistas. Em 2009 ele completou 50 anos de trabalho contínuo como jornalista escrevendo para a Folha de S.Paulo e nem pensou em parar com sua co-luna Plantão médico, publicada aos sábados, que hoje escreve em casa e envia por computador.

Todo dia ele passa algumas horas procurando artigos para apresentar em sua coluna de 200 a 300 palavras. Um dos que examinava na tarde do dia 14 de julho tratava dos danos à

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anos, até pouco antes de sua morte, em 2002. Reis exercitara seu talento em escrever de mo-do simples na revista O Biológico, que publicava artigos dos próprios pesquisadores, sobre suas especialidades, para os produtores rurais (ele era especialista em doenças de aves).

Abramczyk começou a se interessar por ciência quando era adolescente, ao ler um livro escrito por Rômulo Argentieri, físico nuclear paulis-ta e prolífico divulgador científico. Argentieri escreveu cerca de 30 livros sobre astronomia e trabalhou como redator de ciência para vários jornais de São Paulo de 1939 a 1967. Outro divul-gador de amplo alcance foi o agrônomo carioca Eurico Santos, que escreveu para jornais, criou quatro revistas de agronomia e publicou cerca de 50 livros sobre animais e plantas do Brasil de 1910 até o fim da década de 1960 (ver Pesquisa

Boas fontes: Walter Leser (esq.), Abrahão

Rotberg (centro), ambos da unifesp, e Abramczyk

em 1962. Abaixo, Abramczyk em 2013

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saúde causados pela prática de skate. Como bom jornalista, ele adora entrar em assuntos inexplo-rados. “Olhe aqui”, disse ele, abrindo uma pasta com os recortes de reportagens publicadas em 1972 e lendo os títulos: “‘Crianças espancadas’, ‘A preocupação com os velhos’. Acho que apenas entrei nos assuntos antes de virarem moda”. O entusiasmo do aprendiz convive com a maturi-dade profissional de quem sabe que tem de che-car, sempre, qualquer informação e reconhece os próprios limites: “Nunca escrevi como se eu mesmo soubesse. Até hoje escrevo o que o outro sabe. Não sou eu que vou pontificar”.

Abramczyk saiu de O Tempo no fim do ter-ceiro ano do colegial (hoje ensino médio) para estudar para as provas de medicina, mas, no se-gundo ano do curso da Escola Paulista de Me-dicina, hoje Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), voltou ao jornal, dessa vez para a Folha, que procurava um redator médico. O chefe de reportagem, que queria um médico já formado, torceu o nariz ao saber que ele era apenas estu-dante, mas lhe deu um tempo de experiência. Abramczyk aproveitou para mostrar que era um bom repórter. Várias de suas reportagens ganha-ram destaque na primeira página. Uma delas tra-tava da cultura de células do bacilo de Hansen, causador da então chamada lepra, ainda bastante desconhecida e sem tratamento. “Os repórteres eram mais ousados naquela época.”

Abramczyk lembrou-se de que a pesquisa so-bre o bacilo de Hansen que motivou sua repor-tagem tinha sido vista inicialmente com indife-rença por José Reis, médico e pesquisador do Instituto Biológico, que escrevia desde 1947 na Folha – ele contribuiu para o jornal durante 55

2

pesQuisa Fapesp 234 z 79

FAPESP no 229). Os especialistas é que escre-viam sobre os assuntos mais complicados, mas um colega de Abramczyk na Folha, o jornalista José Hamilton Ribeiro, começava nessa época a escrever sobre ciência e mais tarde fez história com suas reportagens na revista Realidade e no programa Globo Rural.

“Tínhamos prazer em noticiar as novidades da ciência”, recorda Abramczyk. “Hoje talvez falte um pouco de joie de vivre [alegria de viver], como diriam os franceses.” Havia, é certo, uma liber-dade maior que a de hoje, como na manchete de 9 de março de 1948 do jornal A Noite, já extinto, assim como O Tempo: “Sensacional descoberta de um cientista brasileiro”, ao noticiar a identi-ficação do físico Cesar Lattes de uma nova par-tícula atômica.

na selvaContratado na Folha em janeiro de 1960, Abramczyk era o responsável pela seção de me-dicina e biologia. Para saber das novidades, lia as revistas médicas e ia muito a congressos no Bra-sil e em outros países. “Olhe só quanto espaço eu tinha”, disse ele, mostrando um recorte de 1972 de uma reportagem sua sobre um congresso de imunologia em Lisboa, que saiu em três colunas de alto a baixo de página do jornal.

No início ele estudava durante o dia, chegava no jornal no final da tarde e trabalhava até o iní-cio da madrugada, mas às vezes os dois mundos se cruzavam. Foi em uma reunião da Associação Paulista de Medicina que Abramczyk ouviu os colegas médicos falarem de uma pesquisa sobre uma doença transmitida na Amazônia. Ele foi até lá e relatou na edição do dia 9 de fevereiro de 1961: “Os mosquitos são apanhados por uma pessoa que, de braços e pernas descobertas, fica à espera de que os insetos venham picá-la. Antes mesmo de atingir o corpo da isca humana, os mos-quitos são apanhados em redomas individuais”. Ele também fez a foto do pesquisador na mata fechada com o vidro na mão, pronto para pegar o mosquito, e com esse trabalho ganhou o Prêmio Governador do Estado em 1961.

“Boas fontes são fundamentais”, disse ele, in-dicando uma foto amarelada de três homens em uma das estantes. O ano é 1962. À esquerda está Walter Leser, professor de medicina preventiva da Unifesp e secretário da Saúde por duas ve-zes, ao centro está Abrahão Rotberg, professor de dermatologia também na Unifesp, e à direita Abramczyk. “Eram as minhas fontes. Jantei com os dois durante mais de 30 anos, uma vez por mês. E cada um pagava a conta.”

Ele também se dispunha a avaliar e fortalecer o jornalismo científico. Em 1974, ao cobrir o 1º Congresso Ibero-americano de Periodismo Cien-tífico, realizado em Caracas, ele escreveu sobre

a finalidade do profissional que se dedica a essa área: “Informar sem deformar e quando possí-vel interpretar. Assumir uma posição decidida em benefício da ciência e da cultura”. Depois, ele próprio ajudou a organizar o 4º Congresso Ibero-americano e o 1º Brasileiro de Jornalismo Científico, em 1982, em São Paulo. Seus artigos sobre jornalismo científico constituem um dos blocos de seu livro Médico e repórter, ao lado de outros, sobre saúde pública, doenças do cora-ção, saúde pessoal e doenças de personalidades.

Como presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), que ele ajudou a fundar em 1978, Abramczyk tentou criar núcleos de jornalismo nos estados. Nem tudo saiu como ele esperava. Poucos núcleos se formaram de fato e avançaram. Para falar sobre jornalismo científico em uma das reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ele convidou um colega da Folha, Claudio Abramo, que, no entan-to, disse que o jornalismo científico não deveria existir e que jornalista não deveria ser especiali-zado. Uma de suas ideias era promover estágios de estudantes de jornalismo em laboratórios de pesquisa, de modo que os pesquisadores perdes-sem o medo de falar com jornalistas e os futuros jornalistas deixassem de ver os cientistas como inacessíveis. De certo modo, essa ideia tomou forma nos cursos promovidos pelo Laboratório de Jornalismo (LabJor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que reúne os dois gru-pos, pesquisadores e jornalistas, para debaterem problemas comuns. n

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ESS Em sua fase de maior vitalidade, de 1966 a

1969, a revista Realidade conquistou oito prêmios Esso, o mais importante do jorna-

lismo brasileiro, em reconhecimento a reporta-gens tão bem-feitas que ainda hoje podem ser lidas com gosto. Dos oito prêmios, quatro foram para reportagens de ciência. Das quatro, três fo-ram escritas por José Hamilton Ribeiro, que diz ter sentido o prazer de ser repórter aos 9 ou 10 anos de idade ao saber que um avião monomo-tor tinha caído perto de sua cidade, Santa Rosa do Viterbo, perto de Ribeirão Preto, correr para lá com outros meninos, ver a cena, falar com o piloto e depois relatar o acontecimento para os familiares e vizinhos que o aguardavam em sua

80 z agosto DE 2015

mergulho na reportagem:

José Hamilton no pantanal do

rio paraguai em 2006

casa. Aos 80, completados neste mês de agosto, José Hamilton, como é chamado, diz que agora vive “um ritmo muito manso”. Não precisa mais seguir a rotina acelerada de produção do pro-grama Globo Rural – onde começou há 33 anos, imaginando que passaria lá apenas alguns meses, antes de voltar para o Globo Repórter, ambos da TV Globo –, mas ainda viaja e faz reportagens. No final de julho ele estava trabalhando em duas, uma sobre São Gonçalo, um santo português pou-co conhecido no Brasil, e outra sobre uma nova raça de boi criada no Pantanal.

José Hamilton Ribeiro começou a trabalhar como jornalista em 1955 no jornal O Tempo e no ano seguinte se mudou para a Folha de S.Paulo. Era repórter da editoria de geral, cobrindo o dia a dia e às vezes ciência. “Naquela época havia um preconceito de que os jornalistas comuns eram mal preparados e não conseguiriam entender e escrever sobre os assuntos de ciência”, conta ele, ao repassar sua trajetória, no escritório de sua casa, no bairro da Aclimação, em São Paulo. “Do outro lado, o cientista não acreditava que um re-pórter geralmente novo seria capaz de entender um fenômeno com tal profundidade que pudesse escrever sobre aquilo para as pessoas comuns.” Por esse motivo, havia os especialistas – em agro-nomia, medicina ou engenharia – que escreviam sobre suas respectivas áreas nos jornais. Um de-les, na Folha, era o médico carioca José Reis, que um dia aconselhou o jovem repórter a ler as re-vistas especializadas para se preparar melhor para as reportagens.

Sua prática nessa área intensificou-se depois que ele saiu da Folha e, após uma temporada na revista Quatro Rodas – nessa época ele cursou e concluiu Direito –, entrou para a Realidade em

1966. Ali ele apurou o olhar e a habilidade de descrever pessoas, lugares e situações. Nos pri-meiros anos, até ser bloqueada pela censura à imprensa, a revista publicava reportagens longas, muito bem escritas, sobre temas surpreendentes, como a vida difícil, cercada de preconceitos, das mulheres desquitadas.

“A chave da história da Realidade, em todas as áreas, era o tratamento de texto. Em jornal o cha-mado copidesque corrigia e às vezes reescrevia o texto do repórter”, disse ele. “Na Realidade, o editor de texto trabalhava o texto com o repórter, levantava problemas, dizia ‘o começo não está bom’, ‘está acabando por morte súbita’ e pedia para o repórter construir melhor os personagens e as situações, para a história deslizar melhor. Porque, em um texto longo, se eu não entendo alguma coisa, deixo de ler o resto.”

Aos poucos ele e os outros repórteres que es-creviam sobre ciência, como Marcos de Castro, que ganhou um Prêmio Esso com uma repor-tagem sobre ciência na fase inicial da revista, aperfeiçoaram o método de lidar com assuntos complicados e com os cientistas. “Quando me cabe fazer reportagem sobre medicina, enge-nharia ou agronomia, tenho uma fonte básica, de preferência mais de uma, e peço ao entrevistado principal uma leitura do copião, a primeira ver-são, antes da edição do texto, para corrigir qual-quer erro técnico. Não era para a fonte avaliar a estrutura, se o texto estava bonito ou feio, mas apenas dizer ‘esse conceito não é assim, vamos explicar melhor’.”

Na Realidade, essa prática, que depois se tor-nou habitual, nasceu com uma reportagem sobre o primeiro transplante de rim no Brasil, realiza-do em São Paulo. Os médicos tinham evitado a

pesQuisa Fapesp 234 z 81

Em portugal: José Hamilton percorre os campos para mostrar os usos da casca da árvore sobreiro, em 2013

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imprensa com medo do sensacionalismo, mas concordaram em atender a equipe da revista. “Foi uma negociação, um pacto de confiança. Um assistente do médico leria o material bruto, para evitar qualquer erro. Fora isso, o trabalho seguia o ritmo de sempre, com as mesmas preocupações da edição de texto.” A reportagem, publicada em dezembro de 1966, começa com uma descrição do homem que ganharia um rim – “Valter Men-des de Oliveira, 41 anos, três filhos, sócio de uma torrefação em São Paulo, é bastante cuidadoso com a saúde. Ele já andou bem ruim e agora tem suas cautelas. Logo cedo, na hora do café, toma sua pílula diária. É um remédio caro, que vem do exterior e que só seis pessoas no Brasil usam.” – e só depois apresenta os médicos.

viver, antes de esCreverA construção da reportagem, que rendeu a José Hamilton o primeiro de seus sete Esso, constitui um dos capítulos do livro Jornalismo científico: teoria e prática, lançado em 2014 em coautoria com Jose Marques de Melo, professor da Univer-sidade de São Paulo e da Universidade Metodista. Sua preferida, porém, é uma que apresenta Chico Heráclio, um autêntico coronel do Nordeste, foi publicada em novembro de 1966 e republicada no livro recém-lançado O jornalista mais premiado do Brasil, resultado de 10 anos de pesquisas do jornalista Arnon Gomes.

Dos tempos da Realidade, José Hamilton lem-bra de outra lição importante, o que chamou de vivência. “Nenhum repórter escrevia sem ter um mínimo de conhecimento prático sobre o assunto. Se fosse escrever sobre uma colônia de pescado-res, teria de passar alguns dias lá, conviver com os pescadores, comer a mesma comida que eles. Quando fosse escrever, escrevia sobre o que co-nhecia, não era só de ouvir dizer e só o que outras pessoas observavam.” Ele sabe que hoje às vezes é preciso dar uma notícia com base apenas em um

artigo científico, “um voo de pássaro”, como ele chamou, mas, ponderou, pode-se também “falar com o autor, ver o laboratório, ver com quem in-terage e as condições em que trabalha. Depende do que se quer fazer”.

Enquanto estava na Realidade, José Hamilton deu aulas de jornalismo na Faculdade Casper Líbero (onde estudou, mas não terminou o curso), na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e nas Faculdades Objetivo. Uma das aulas foi em um anfiteatro, com uma porta de cada lado da mesa do professor, em frente ao auditório com os alunos sentados. De repente uma mulher entrou gritando: “Socorro! Ele quer me matar!”, e em seguida, pela outra porta, entrou um homem com o que parecia ser uma faca na mão, também gritando: “Vou te matar!”. Eram apenas dois atores amadores, que saíram logo da cena. O professor pediu para os alunos escreverem sobre o que tinham visto. Na aula seguinte, supreendeu a todos mostrando que a cor da roupa do homem e da mulher variava de um relato para outro, e o homem, em vez do cani-vete que de fato segurava, teria um punhal ou até mesmo uma pequena espada. “Se vocês, futuros jornalistas, em uma condição privilegiada, sen-tados e com uma visão ampla da cena, viram com tantas distorções, imaginem a pessoa comum”, ele comentou. “Vocês não podem confiar demais ape-nas em sua observação.” Ainda preocupado com a formação de profissionais nesse campo, José Ha-milton foi presidente da Associação de Jornalismo Científico (ABJC) de 1999 a 2001, em uma época de perda contínua de sócios, e ajudou a organizar um congresso em Florianópolis.

Depois de alguns anos dirigindo jornais de Ri-beirão Preto, São José do Rio Preto e Campinas, José Hamilton voltou a São Paulo no início dos anos 1980 para trabalhar no Globo Repórter – sua primeira reportagem foi sobre os garimpeiros de Serra Pelada, então o maior garimpo a céu aber-to do mundo. Em caráter temporário, enquanto a equipe do Globo Repórter se reorganizava, foi para o Globo Rural e não saiu mais. Sabendo ou-vir e contar, mostrou os cupinzeiros luminosos de Goiás, ao lado do químico da USP Etelvino Bechara, acompanhou pesquisadores pelo Pan-tanal, correu o Brasil e conquistou o respeito dos entrevistados e do público a ponto de ser home-nageado tornando-se parte do nome científico do antúrio-mirim (Anthurium hamiltonii nadruz), descoberto em 2009 em uma reserva de Mata Atlântica do Espírito Santo. n

LivrosABRAmcZYK, J. Médico e repórter. São paulo: publifolha, 2012.GomES, A. O Repórter mais premiado do Brasil. Araçatuba: Editora Eko, 2015.mELo, J. m. e RiBEiRo, J. H. Jornalismo científico: teoria e prática. São paulo: intercom, 2014.

Livro sobre a Justiça em

São Paulo na época colonial

descreve as raízes dos

desmandos públicos no Brasil

Privilégios

reconstituir o funcionamento da Justiça no Brasil colonial é, ao mesmo tempo, mapear as estruturas de poder do

período, reconhecer arraigados maus costumes e observar a formação de uma elite que se manteria dominante até as primeiras décadas do século XX. Esse recorte define o livro Direito e justiça em terras d’el rei na São Paulo colonial 1709-1822, de Adelto gonçalves, lançado em julho pela imprensa oficial do go-verno do Estado de são Paulo. verificar e descrever as atribuições dos membros de uma rede de poder que ocupava cargos de ouvidores, juízes de fora, provedo-res, corregedores, juízes ordinários e vereadores foi um dos objetivos primor-diais de gonçalves, que procurou seguir uma tendência recente na historiografia brasileira, “que procura privilegiar as pesquisas sobre as formas de governar”.

o autor, no entanto, não é da área de história e adquiriu familiaridade com o período que estudou pela porta da litera-tura. Jornalista aposentado, gonçalves é doutor em letras – literatura Portuguesa pela Universidade de são Paulo (UsP) e

até 2014 lecionou língua portuguesa no curso de direito da Universidade Paulis-ta (Unip), em santos, que financiou sua pesquisa sobre a Justiça colonial em são Paulo. seu interesse pelo assunto foi des-pertado por suas pesquisas de doutorado sobre o poeta e inconfidente Tomás Antô-nio gonzaga (1744-1810) e pós-doutorado sobre o poeta português Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805), esta realizada com apoio da FAPEsP. gonzaga foi ouvidor em vila rica e o pai de Boca-ge fez carreira no Judiciário em Portu-gal até ser acusado de desvios e cair em desgraça política. As suas pesquisas no Arquivo Histórico Ultramarino e no Ar-quivo Nacional da Torre do Tombo, em lisboa – complementadas no acervo do Arquivo do Estado de são Paulo –, per-mitiram estabelecer as atribuições dos altos funcionários do estado, começando pela relação completa dos governadores e capitães-generais (cargos concomitantes) no período estudado, corrigindo erros de listas anteriores.

“Fui levantando a nobreza da terra, as pessoas que mandavam e recorriam à Jus-tiça para conseguir privilégios, como car-

HISTÓRIA y

Márcio Ferrari

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charge de Manuel de Araújo Porto-Alegre satirizava, no século XIX, as relações corruptas na colônia

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Na prática, apenas os pobres eram con-denados pela Justiça colonial. segundo um regimento de 1669, o ouvidor tinha autoridade para executar a pena de mor-te, sem apelação, para os crimes come-tidos por escravos e índios. Mas, se um juiz ou ouvidor pretendesse punir um grande proprietário de terra, estava cor-rendo risco. “os que tinham prestígio ou haviam prestado favores à coroa eram intocáveis.”

o ouvidor não podia ser preso ou sus-penso por nenhuma autoridade local, nem mesmo o capitão-general. suas decisões não se baseavam propriamente em leis formalizadas. somente com o regimen-to dos ouvidores-gerais do rio de janeiro, de 1669, e o regimento dos ouvidores de São Paulo, de 1770, surgiram referências explícitas para aplicação geral de princí-

gos e títulos”, diz o pesquisador. Eram os chamados “homens bons”, “que usufruíam tanto quanto podiam de suas relações com os representantes do poder”. Dessa casta saíam os camaristas ou vereadores – mem-bros das câmaras municipais –, que, até fins do século Xvii, acumulavam funções administrativas com o exercício da Justi-ça ordinária. Em geral, as vilas, tanto de Portugal quanto das colônias, mantinham apenas um juiz ordinário e um juiz de ór-fãos. No Brasil os casos criminais ficavam a cargo dos primeiros, que se baseavam, para julgá-los, apenas nos usos e costumes. Mui-tas vezes as câmaras nem sequer tinham sede apropriada. “os julgamentos eram feitos embaixo de árvores por autoridades que não tinham formação em direito nem a quem recorrer, porque raramente havia nas colônias alguém formado em leis”, diz gonçalves. Essas autoridades eram chamadas de “juízes pedâneos” porque julgavam de pé.

Já havia nessa época a figura do ouvi-dor-geral, criada por um regimento de 1628 que revogava a atribuição concedida aos titulares das capitanias hereditárias (capitães donatários) a fazer justiça nas terras de seu domínio. o envio regular de ouvidores e juízes de fora por Portugal, no entanto, só se deu no século Xviii. “Eram, pela primeira vez, especialistas em direito vindos da Universidade de coimbra e tinham a missão de disciplinar e uniformizar a execução da Justiça”, diz gonçalves. como medida moralizante, os ouvidores não podiam se casar com mu-lheres residentes no Brasil sem autoriza-ção da coroa, para não se envolver com as famílias poderosas e seus interesses econômicos. “Mas acabavam se envol-vendo mesmo assim”, diz o pesquisador. “E, com o tempo, as famílias abastadas começaram a mandar seus filhos estudar em coimbra e voltar aptos a ocuparem o cargo de juiz de fora.”

Reproduções de documentos relativos a processos de feitiçaria que estão sendo transcritos e estudados na uSP

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foram identificados como desbravado-res, os lavradores que ocupassem terras eram “invasores” ou “intrusos”. “como mostram os documentos, os juízes quase sempre usaram o direito para interpretar cartas de doação, revogação de sesma-rias, sucessões e desmembramentos de terras de acordo com os interesses dos poderosos locais”, diz o pesquisador.

 JUStIçA EclESIáStIcAoutro aspecto da Justiça em são Paulo no mesmo período histórico é tema de um projeto de pesquisa em andamento no Departamento de letras clássicas e vernáculas da Faculdade de Filosofia letras e ciências Humanas (FFlcH) da UsP. Um grupo de pesquisadores coor-denado pelo professor Marcelo Módo-lo está às voltas com documentos que registram processos relativos à suposta prática de feitiçaria. A pesquisa intitu-lada Bruxas paulistas: edição filológica de documentação sobre feitiçaria con-siste no estudo e na transcrição dos 12 processos desse tipo abertos entre 1739 e 1771 pela Justiça eclesiástica, braço do Tribunal do santo ofício (inquisição) no Brasil, depositados no Arquivo da cúria Metropolitana de são Paulo.

Na prática, apenas pobres eram condenados pela Justiça colonial. O ouvidor tinha autoridade para executar a pena de morte paraescravos e índios

pios. Foi também com esses decretos que o ouvidor-geral passou a ter o cargo civil mais alto das possessões portuguesas de ultramar. As apelações tinham duas ins-tâncias, o Tribunal de relação da Bahia e a casa da suplicação, em lisboa, mas ra-ramente os processos passavam da instância primária.

os ouvidores ti-nham enorme poder econômico em mãos, uma vez que cabia a eles a fiscalização do recolhimento de tri-butos e outras fontes de receita. Desde o sé-culo anterior, a maior parte dos ingressos fi-nanceiros de Portugal vinha das colônias ou das alfândegas. Tam-bém cabia ao ouvidor fiscalizar os gastos e a atuação de vereadores e juízes ordinários – embora não pudesse se imiscuir nas fun-ções da câmara, que, a essa altura, tinha suas atribuições autô-nomas reduzidas à execução de pequenas obras. o poder das câmaras, ocupado por filhos e netos das primeiras elites, mante-ve-se de modo mais ou menos simbólico. “Eram ocupados por aqueles potentados que viriam décadas depois a ser chamados de ‘coronéis’”, diz gonçalves.

o poder nas mãos dos prepostos da coroa era tal que, para obter e manter privilégios e recursos indevidos, jogavam com a possibilidade de estimular a se-cessão da colônia. “Portugal era, a rigor, um país pobre nessa época”, diz gonçal-ves. “Não tinha Exército ou outros meios para reprimir rebeliões pela força.” Foi assim que proliferaram as figuras dos “grossos devedores”, autoridades locais que desviavam tributos até que a coroa, para recuperar essa “dívida”, entrava em acordo com vistas a um ressarcimento parcial. segundo gonçalves, “a questão fundamental residia na própria fragilida-de do reino, que, para sobreviver, sempre permitia brechas para ações praticadas sob a proteção do próprio Estado”.

A própria narrativa histórica domi-nante até há poucas décadas traz sinais desse modelo – enquanto os posseiros ricos e, até certo ponto, aliados da coroa

LivroGonçALveS, Adelto. Direito e Justiça em terras d’El Rei na São Paulo colonial 1709-1822. Imprensa oficial. São Paulo, 2015

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A Justiça eclesiástica corria paralela-mente à Justiça comum, que, no entanto, acatava as decisões da primeira, uma vez que o Estado assumia para si a fé cató-lica. Promotores e juízes eclesiásticos eram membros da igreja que avaliavam denúncias, procediam às investigações e proferiam a sentença. A execução cabia à Justiça comum. “Eram procedimentos parecidos com o atual inquérito poli-cial”,  explica a doutoranda em letras Nathalia reis Fernandes, graduada em letras e Direito, integrante do grupo de pesquisa. Entre as penas possíveis esta-vam a morte e a perda de bens – nesses casos, o processo era enviado para a sede do Tribunal do santo ofício em Portugal. Foi o que aconteceu com dois dos casos estudados, mas não é possível, pela do-cumentação acessível no Brasil, saber se eles resultaram em execuções.

os réus eram quase sempre negros e muitas das acusações estavam ligadas a práticas das religiões de origem africana. Há desde processos supostamente re-lacionados a mortes, como a da escrava Páscoa, acusada de “uso de magia” para causar pelo menos quatro mortes numa mesma família, até casos banais, como o do escravo Pascoal José de Moura (um dos poucos réus identificados por nome e sobrenome nos documentos), processado por confeccionar patuás. “Há também o caso de um grupo de homens negros que foram presos por participar de um batuque em que havia uma cabra e um casco de cágado”, conta Módolo.

o estudo coordenado por Módolo está na fase do estudo filológico e linguístico, começando pela transcrição “semidiplo-mática” dos documentos – aquela que pro-cura manter a ortografia e a sintaxe origi-nais. o trabalho é dificultado por lacunas causadas pela deterioração do material, caligrafia particularmente complicada e ortografia desafiadora numa época em que as pessoas letradas eram minoria e não havia padronização rígida da língua escrita. Uma segunda fase deverá se de-bruçar sobre os reflexos historiográficos dos processos relatados nos documentos. n

 > Leia resenha “Ações do santo ofício no Brasil” na página 86.

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portuguesa, usando como base principal de análi-se o centro-sul da colônia. A partir de um conhe-cimento profundo da documentação, Rodrigues mostra como esses cargos entravam claramente na economia da mercê (a retribuição por servi-ços por meio de honras e/ou ofícios), tanto régia quanto episcopal, e como eram essenciais para a reprodução das elites locais, que rapidamente os monopolizaram, servindo também às famílias em busca de ascensão social. Isso não impediu que a Coroa continuamente afirmasse, mais ainda no final do período estudado, que o duplo padroado sob o qual o clero do Brasil existia (o régio e o da Ordem de Cristo) dava-lhe primazia na escolha e nomeação dos benefícios locais, podendo assim passar por cima das escolhas dos bispos. Já as nomeações ao cargo de comissário inquisitorial eram um elemento a mais de distinção para essa elite, confirmando sua limpeza de sangue. Como afirma Rodrigues, tanto a Igreja quanto a Inqui-sição dispunham, desse modo, “de instrumentos eficazes de intervenção no campo social, gerindo recursos simbólicos que exerciam forte impacto na estruturação e reiteração das hierarquias so-ciais”. Apesar disso, a intervenção de Lisboa na escolha dos cônegos, dignidades e outros bene-ficiados foi pequena.

No que concerne ao funcionamento e aos meios de ação da Inquisição, uma das conclusões mais importantes do trabalho é de que a formação da rede de comissários não significou uma auto-nomia do Santo Ofício em relação às estruturas da Igreja. Muito pelo contrário, fica claro que os inquisidores se corresponderam preferen-cialmente com um pequeno grupo de comissá-rios que não por acaso faziam parte da cúspide da hierarquia eclesiástica local. Não se tratava, como lembra Rodrigues, de uma exclusividade do caso brasileiro, mas, tendo em vista a falta de um tribunal local da Inquisição, essas conexões sem dúvida hipertrofiavam-se.

Fica ao leitor, com esse importante trabalho, a descoberta dos detalhes dessas carreiras epísco-po-inquisitoriais e dos meios de ação do tribunal do Santo Ofício no Brasil.

Há não muito tempo, a menção da Inqui-sição no título de um livro, mesmo acadê-mico, remetia inapelavelmente às foguei-

ras ou em todo caso à perseguição de hereges e à repressão de minorias. A historiografia brasilei-ra, a partir dos anos 1960, produziu então textos importantes para um melhor entendimento das mentalidades e dos matizes da religiosidade dos moradores da América portuguesa. Há cerca de duas décadas começaram a surgir estudos que, impulsionados por esses primeiros, se interes-saram cada vez mais pela estrutura que per-mitiu com que essas perseguições ocorressem. De lá para cá, o conhecimento das estruturas e do funcionamento da Inquisição portuguesa aprofundou-se, graças à influência da produção italiana e portuguesa. Pelo que toca esta últi-ma, foram fundamentais os trabalhos de José Pedro Paiva e de Fernanda Olival sobre as ló-gicas institucionais e sociais do Antigo Regime português e sobre a influência do Santo Ofício sobre a sociedade.

O presente livro de Aldair Carlos Rodrigues, Igreja e Inquisição no Brasil, origina-se dessas várias correntes historiográficas, mas oferece um conhecimento mais detalhado e profundo de algumas das questões tratadas pela produção anterior sobre a Inquisição (com a qual poderia sem dúvida ter dialogado um pouco mais do que fez). A obra é, assim, uma grande e durável con-tribuição para a área, além de explorar e esclare-cer pontos importantes e inéditos da história das instituições religiosas do Brasil Colônia.

Quem eram os agentes da Inquisição no Brasil? Quais as ligações entre Inquisição e clero local? Qual o seu impacto social? Defendido como te-se de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) em 2012 e agraciado com o Prêmio Capes de História e com o Grande Prêmio Capes de Te-se Darcy Ribeiro, ambos em 2013, o trabalho de Rodrigues busca entender a Inquisição a partir de uma ótica relacional. Ou seja, não se pode responder às questões acima sem inserir o Santo Ofício de modo pleno no contexto eclesiástico e social locais.

Partindo desse postulado metodológico, foi-lhe necessário conhecer em detalhe o sistema de pro-visões e as carreiras do clero secular da América

ações do santo ofício no Brasil

resenHas

Igreja e Inquisição no BrasilAldair Carlos RodriguesAlameda 406 páginas | R$ 60

Bruno Feitler

Bruno Feitler é professor de História Moderna na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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municação teria que ocorrer em uma velocidade superior à da luz, o que ia contra as ideias de Eins-tein. Entretanto, esse fenômeno se demonstrou real e ficou conhecido como emaranhamento.

Outro atrativo do livro de Vieira é discutir as implicações e as aplicações práticas de desco-bertas da física teórica. O emaranhamento, por exemplo, pode ser utilizado no futuro para crip-tografar dados, aumentando a segurança e a pri-vacidade de informações. Mesmo a descoberta do bóson de Higgs, que o autor reconhece como não tendo nenhum impacto direto em nossas vi-das, teve consequências indiretas – a tecnologia necessária para fazer a sua descoberta levou à criação do sistema World Wide Web, uma das linguagens usadas na internet.

A obra traz também a história dos principais nomes da física brasileira. Desde a geração de cien-tistas que surgiu em nosso país na primeira metade do século XIX, como Mario Schenberg, Joaquim Costa Ribeiro, Marcelo Damy de Souza Santos e Sonja Ashauer, até a geração atual, incluindo o matemático Artur Ávila, laureado em 2014 com a Medalha Fields, o “Nobel” da matemática.

Entre diversas histórias, o autor narra como Cesar Lattes, talvez o mais conhecido dos físicos brasileiros, esteve envolvido na descoberta e na primeira produção artificial de partículas suba-tômicas chamadas mésons-pi – responsáveis por mediar a força que mantém prótons e nêutrons unidos no núcleo de um átomo – e como seu pa-pel foi fundamental para o desenvolvimento da física experimental brasileira. Demais nomes, como o de José Leite Lopes e Jayme Tiomno, também são lembrados e discutidos com maior aprofundamento por Vieira.

Além disso, histórias menos conhecidas da física brasileira são contadas. Por exemplo, a de como uma comunidade de físicos japoneses, no Brasil, ajudou o desenvolvimento da física de par-tículas no Japão após a Segunda Guerra Mundial.

História da física: artigos, ensaios e resenhas está disponível gratuitamente e pode ser baixado pela internet. Boa notícia para todos os interes-sados em aprender mais sobre física.

explicar para um público amplo como algumas das maiores descobertas da física foram feitas não é tarefa simples. Em História da física:

artigos, ensaios e resenhas, editado e publicado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o jornalista Cássio Leite Vieira faz justamente isso. A obra traz uma coletânea de reportagens escri-tas pelo autor ao longo das últimas décadas. São textos que fornecem um panorama dos grandes avanços científicos da física nos séculos XIX e XX. Dividido em três partes, o livro aborda primeiro a física internacional, depois a física no Brasil e, por último, apresenta resenhas de livros sobre grandes cientistas da área. Os textos são escritos em linguagem simples e são acessíveis mesmo a quem não possui conhecimentos de física.

Além de contar como a física evoluiu e a his-tória das grandes descobertas, Vieira fala sobre a vida dos cientistas por trás delas e fornece o contexto histórico de cada avanço. Assim, o leitor pode compreender melhor não apenas como uma nova teoria pode mudar a forma de se enxergar a física, mas também como as ideologias de uma época influenciaram a mente de seus criadores. Algumas das teorias de John Bell sobre mecâni-ca quântica, consideradas filosóficas, ganharam força com o movimento hippie dos Estados Uni-dos do fim da década de 1960. A frase do físico norte-americano John Clauser ilustra a relação entre história e ciência: ‘‘A guerra do Vietnã do-minava os pensamentos políticos da minha ge-ração. Sendo um jovem físico naquele período de pensamento revolucionário, eu naturalmente queria ‘chacoalhar o mundo’”.

Esses bastidores da ciência continuam com his-tórias sobre relações e debates entre pesquisado-res. Exemplo disso são as discussões entre o físico alemão Albert Einstein e o dinamarquês Niels Bohr, classificadas por alguns como “o maior de-bate filosófico do século passado”. Einstein buscou provar que a mecânica quântica, teoria defendida por Bohr para explicar fenômenos em escala mi-croscópica, estava equivocada por indicar apenas as probabilidades de um fenômeno ocorrer, e não a “certeza”. Einstein também criticava o fato de que, segundo a teoria, depois de duas partículas interagirem, surgiria uma “comunicação instan-tânea” entre elas. Em algumas situações, essa co-

Um panorama dos avanços da física

História da física: artigos, ensaios e resenhasCássio Leite VieiraCBPF198 páginasDisponível em http://goo.gl/xGle79,ou baixe o livro pelo QR-code

ricardo aguiar

ricardo aguiar é biólogo com especialização em Divulgação Científica pelo Labjor/Unicamp.Fo

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memória

“A região torna-se cada vez mais montanhosa. O caminho é margeado por mata virgem muito cerrada; em alguns lugares torna-se muito duro e difícil vencê-lo”Saint-Hilaire, 25 de abril de 1822

NA trilhA DE sAiNt-hilAirE

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Botânicos veem perda de biodiversidade, mas também lugares preservados,

ao refazerem expedição de 1822

omerciante em Bananal, Vilmar da Silva estra-nhou ao passar com seu carro e ver um cinquen-tão grisalho com jeito de estrangeiro trepado em um barranco, segurando-se em um arbusto, na entrada de seu sítio, ao lado da rodovia dos tropeiros, antiga estrada Rio-São Paulo. Logo a tensão se desfez. O botânico francês Marc Pignal, do Museu Nacional de História Natural, de Paris, tinha subido no barranco apenas para coletar uma amostra de planta que havia lhe interessado. Eram 9 horas da manhã de 9 de junho de 2015, primeiro dia da expedição que refez o trecho paulista de uma viagem do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire à região em março e abril de 1822.

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Carlos Fioravanti (texto) e eduardo Cesar (fotos), de Bananal

as marcas do tempo: ao lado, matas e serras de pindamonhangaba em 1827. acima, eucaliptos e morro erodido nos arredores de Bananal em 2015

NA trilhA DE sAiNt-hilAirE

C Durante cinco dias, quatro botânicos obser-varam lugares bastante modificados e outros preservados desde a região de Bananal, na divisa de São Paulo com o Rio de Janeiro, até Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, quando compara-dos com os registros de Saint-Hilaire, publica-dos no livro Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo. Em muitos casos as mudanças eram grandes, mas nem Saint-Hilaire nem os botânicos da expedição de junho cede-ram à nostalgia. Ainda que fascinado pela flora tropical, o naturalista francês previa que as flo-restas poderiam desaparecer para ceder lugar ao progresso e à civilização. “Ele pensava em

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alternativas de desenvolvimento para o Brasil, com base nos ideais da Revolução Francesa, e tinha uma visão utilitarista do espaço”, disse Sérgio Romaniuc Neto, pesquisador do Instituto de Botânica de São Paulo e coordenador da expedição.

Financiada pelo instituto e pelo gover-no francês, a viagem integra um plano de resgate do trabalho de Saint-Hilaire no Brasil, coordenado por Romaniuc e Pig-nal. Romaniuc conheceu os cadernos de campo e a coleção de plantas brasileiras de Saint-Hilaire no Museu de História Natural de Paris, onde fez o doutorado, de 1996 a 1999. Para repatriar as imagens desse material, ele formalizou um acordo de cooperação entre o museu, o Instituto de Botânica e o Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), de Cam-pinas, e foi um dos coordenadores da montagem de um herbário virtual (hvsh.cria.org.br), com os cadernos e cerca de 9 mil registros de plantas coletadas por Saint-Hilaire (ver Pesquisa FAPESP nº 229). Quando o herbário virtual entrou em operação, em 2009, Romaniuc e Pig-nal, coordenador dos acervos virtuais do museu, começaram a planejar as viagens para refazer os trajetos do naturalista francês. Esta foi a primeira. A próxima está prevista para outubro, partindo de Franca, norte paulista, até Itapeva, ao sul.

Pouco antes de chegar à entrada do sítio Joana D’Arc, no início do trabalho de campo, Romaniuc parou ao lado da ro-

dovia para examinar a paisagem. “É uma mata bonita, mas não é mais primária”, explicou, apontando para um dos blocos de árvores em meio às pastagens e áreas de eucaliptos e bambus. “Não tem mais árvores de grande porte. Tem guapuru-vu, uma árvore de porte, mas que tam-bém faz parte da vegetação secundária, porque cresce rápido e morre rápido.”

“Parece que não existe mais nenhuma espécie nativa”, disse Pignal ao descer do barranco. “Talvez esta não seja intro-duzida”, comentou Marc Jeanson, coor-denador do herbário nacional francês, mantido no museu de Paris, colhendo um ramo de um arbusto do gênero Mimosa.

Espalhadas pelas margens da estrada e das matas havia muitas flores amarelas do melão-de-são-caetano (Momordica charantia), singelas, mas desimportan-tes para os botânicos, “um sinal da glo-balização das plantas”, definiu Jeanson. A mata que examinavam ocupou a área de um hoje extinto cafezal, informou Sil-va, o dono do sítio. Segundo ele, a mata tem pelo menos 60 anos, pois já existia na década de 1950, quando sua família comprou as terras. “O que havia continua preservado”, ele acrescentou.

DiverSiDaDeAntes de seguir para a cidade, Silva cami-nhou até um sítio vizinho e mostrou um rio transformado em córrego, que pas-sava sob a rodovia, quase todo coberto pelo capim braquiária, espécie exótica adotada como alimento para o gado por causa do baixo custo. “É o rio Carioca, tinha peixe, hoje não tem mais nada.” Nesse dia e no seguinte, Romaniuc viu rios que Saint-Hilaire descrevia como generosos transformados em córregos tímidos cobertos pela terra que desce dos morros, mais suscetíveis à erosão por causa das pastagens.

Em 25 de abril de 1822, ao se aproxi-mar da então aldeia de Bananal, vindo de Minas Gerais em direção ao Rio, an-sioso por voltar a Paris porque soubera que a mãe estava doente, Saint-Hilaire anotou em seu diário: “A região torna-se

em campo: gaglioti coleta ramos de uma árvore (esquerda); prensagem das amostras; pignal, no barranco, e jeanson (ao lado); e gaglioti e jeanson colhendo plantas à beira de um lago (acima)

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cada vez mais montanhosa. O caminho é margeado por mata virgem muito cer-rada”. Quase 200 anos depois, os botâ-nicos verificaram que as montanhas evi-dentemente continuam e as matas mais antigas escassearam, principalmente às margens das estradas.

“Perdemos biodiversidade por causa do avanço descontrolado da agropecuá-ria, que deixou de lado as preocupações com o equilíbrio do ambiente”, reco-nheceu Romaniuc no final da manhã do primeiro dia. “Não podemos imaginar Saint-Hilaire no tempo zero”, observou Pignal, que viaja ao Brasil desde 1993 e na semana anterior estava em Salvador. “Quando ele andou por aqui, já havia des-matamento, cana e pasto.” Ao chegar à vila de Areias, hoje uma cidade com 4 mil habitantes, Saint-Hilaire notou a di-versidade da paisagem: “Esta alternativa de cafezais e matas virgens, roças de mi-lho, capoeiras, vales e montanhas, esses ranchos, essas vendas, essas pequenas habitações rodeadas das choças dos ne-gros e as caravanas que vão e vêm, dão aos aspectos da região grande variedade”.

Saint-Hilaire chegou ao Rio de Janeiro em 1816 acompanhando o embaixador francês e, antes da viagem a essa região, já tinha viajado pelo Rio, Minas Gerais, norte e sul de São Paulo, Mato Grosso, Espírito Santo e pelos estados do Sul, além de Uruguai, Argentina e Paraguai. Nessa época outros europeus percorriam

o Brasil com suas próprias expedições. O botânico Carl Friedrich von Martius e o zoólogo Johann von Spix, ambos ale-mães, exploraram uma vasta área, de São Paulo ao Amazonas, de 1817 a 1820. Pou-co depois, de 1822 a 1829, o barão russo--alemão Georg Heinrich von Langsdorff , com uma equipe de 39 pessoas, incluindo botânico, médico, astrônomo e artistas, percorreu vários estados. Saint-Hilaire andou pelo interior de Minas com Langs-dorff e depois escreveu: “Na companhia de Langsdorff, o homem mais ativo e mais infatigável que jamais conheci em minha vida, aprendi a viajar sem perder um só instante, a me condenar a todas as privações, e a sofrer alegremente todos os gêneros de incômodos”.

Viajando com uma equipe de apenas sete auxiliares, o naturalista francês notou a expansão da cultura do café na região. Sobre Bananal, então com uma única rua, ele registrou: “É provável que adquira logo importância, pois se acha no meio de uma região onde se cultiva muito café e cujos habitantes, por conse-guinte, possuem rendas consideráveis”. Com os cafezais, que ocuparam o espa-ço das florestas, Bananal e as cidades vizinhas foram ricas durante algumas décadas, depois encolheram, quando os cafezais ocuparam outras áreas férteis, e hoje vivem uma vida modesta, à base do turismo. Como disse uma moradora de Bananal, os mais novos saem para

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Visão históricaBotânicos paulistas e franceses refazem expedição de 1822 a partir de Bananal

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pelas vilas do Vale do paraíba, mogi das cruzes e são paulo antes de retornar ao rio de janeiro pela

rodovia dos tropeiros, passando por Bananal11 de junho de 2015

Chegada 12 de junho de 2015

Saída9 de junho de 2015

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estudar, os mais velhos para trabalhar e algumas mulheres ainda ficam para dar aulas às crianças. Dos tempos do café, restaram algumas construções históri-cas (ver Pesquisa FAPESP nº 233) e raras florestas, uma parte delas protegida pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina.

Uma loBeira graNDeO botânico André Luiz Gaglioti, que es-tuda alguns grupos de plantas da coleção de Saint-Hilaire em seu pós-doutora-do na Universidade Estadual Paulista (Unesp), aproveitou uma parada do gru-po para investigar uma pastagem atrás do hotel-fazenda em que se hospedavam. “Pelo Google Earth vi que tem uma mata mais adiante”, disse. No início ele se de-cepcionou ao achar que a mata que tinha visto era uma composta essencialmente de bambu, sem relevância científica, mas depois de meia hora de caminhada che-garam a uma faixa de mata que seguia da margem de um tanque de água para gado ao alto de um morro. “Era esta. Peque-na, mas deve ter coisas interessantes.”

Ali eles encontraram uma árvore da família botânica Anacardiaceae, a mesma da manga e do caju, que parecia típica da região – portanto, finalmente, uma provável espécie nativa – e da qual cole-taram um ramo para uma identificação mais apurada em laboratório. Ao lado de um pasto coletaram partes de um ar-busto conhecido como lobeira (Solanum

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lycocarpum), inexplicavelmente bem mais alta e com frutos maiores que os da mesma espécie encontrados no Cerrado da região central do país.

As plantas coletadas foram organi-zadas no fim de cada dia entre folhas de jornal e prensadas entre folhas de papelão. Depois elas seriam identifica-das em laboratório e comparadas com as coletadas por Saint-Hilaire, tendo-se assim uma visão comparativa das espé-cies da região há 193 anos e hoje. No fim de julho, em uma análise preliminar, os botânicos verificaram que, como o na-turalista francês em 1822, encontraram timburi (Enterolobium contortisiliquum), candeia (Moquiniastrum polymorphum) e figueira-branca (Ficus guaranitica), mas não encontraram jequitibá (Cariniana estrellensis), araçá (Psidium cattleianum) e canela-sassarás (Ocotea odorífera), tí-picas de Mata Atlântica, relatadas por Saint-Hilaire, reforçando a hipótese de perda de biodiversidade.

Em seis anos no Brasil, o naturalista francês reuniu cerca de 2 mil espécies de pássaros, 16 mil insetos, 120 mamíferos, 35 répteis e 76 mil plantas, das quais 4 mil ainda não haviam sido descritas. O naturalista francês foi o primeiro a des-crever, em 1816, logo depois de chegar ao Brasil, a erva-mate (Ilex paraguariensis), de uma fazenda próxima a Curitiba, e o pequizeiro (Caryocar brasiliense), em Minas Gerais. De volta à França, publi-cou o Flora Brasiliae Meredionalis, em três volumes, descrevendo as plantas que havia coletado no Brasil.

Uma mata iNeSperaDaNo fim do primeiro dia, inesperadamen-te, os botânicos identificaram uma faixa de mata preservada em um morro ao la-do da rodovia de Bananal à cidade vizi-nha de São José do Barreiro. “É similar às que cobriam os morros e vales desta região há 200 anos”, afirmou Romaniuc. “Ali no meio está uma Cecropia hololeu-

ca, árvore que só cresce em matas om-brófilas maduras, e aqui embaixo, perto da estrada, uma Cecropia pachystachya, típica de áreas mais alteradas.” A primei-ra espécie é também chamada, por causa da cor das folhas, de embaúba-prateada, naquele momento com flores vermelhas, e a outra de embaúba branca, ambas se destacando da mata por causa do tronco fino e das folhas em forma de mão aberta.

De Bananal, Saint-Hilaire foi para o Rio, cuja paisagem o deslumbrava. “Nada no mundo, talvez, haja tão belo quanto os arredores do Rio de Janeiro”, ele escre-veu. “Florestas virgens, tão antigas quanto o mundo, ostentam sua majestade às por-tas da capital brasileira.” Por praticidade, os botânicos da expedição de junho ado-taram o sentido oposto. Na quarta, dia 10, saíram de Bananal, passaram por São José do Barreiro, Areias e Silveiras, cruzaram a via Dutra, chegaram a Cruzeiro e segui-ram até um vale da serra da Mantiqueira, chamado Garganta do Embaú, já na divisa

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projetoherbário Virtual saint-hilaire (nº 2006/57363-4); mo-dalidade auxílio à pesquisa; pesquisador responsá-vel sérgio romaniuc neto (instituto de Botânica-sp); investimento r$ 160.123,56 (fapesp).

livrosaint-hilaire, a. Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo. Belo horizonte: editora ita-tiaia, 1976, ou pela Brasiliana eletrônica, www.brasiliana.com.br.

que atingiram 12 a 15 anos já a perderam; são magras, de ar enfermiço, cor cadavé-rica e terrosa, o que provém, sem dúvida, do mau regime e da alimentação insalubre ou insuficiente que tiveram”.

A botânica Renata Scabbia, professora da Universidade de Mogi das Cruzes, uniu--se ao grupo em Mogi no dia 11. Juntos, exploraram a serra de Itapeti, uma área de mata com 5,3 mil hectares (53 quilô-metros quadrados), parcialmente ocupada por agricultores e moradores de bairros periféricos. Na manhã do dia seguinte, o último da viagem, sob uma chuva miú-da eles percorreram a periferia de Mogi das Cruzes. “Ainda existem por aqui mui-tos elementos da biodiversidade original,

que vão se perdendo com a expansão dos bairros periféricos”, observou Romaniuc.

A parada seguinte foi na igreja Nos-sa Senhora da Escada, em uma praça de Guararema, que tinha sido uma aldeia de índios antes de Saint-Hilaire a visitar. “Existem tão poucos hoje que não percebi um único nem na cidade nem nos arredo-res”, ele anotou, impressionado também com a pobreza do lugar: “A maioria das casas cerca uma grande praça e pode-se avaliar quanto é pobre pelo fato de que inutilmente pedi aguardente de cana em várias vendas”. A grande praça ainda es-tá lá, com uma ampla figueira, cercada de casas que não parecem mais pobres.

Ao chegar, Romaniuc perguntou para várias pessoas se conheciam o rio atrás da igreja. Nenhuma tinha ouvido falar do rio, que tinha sido coberto e ocupado por algumas casas. “Saint-Hilaire disse que tinha uma imensa dificuldade em obter informação dos moradores dos lugares que ele encontrava”, disse ele. “Não mu-dou muito.” Em seguida os botânicos voltaram a São Paulo por um caminho bucólico e arborizado nos tempos de Saint-Hilaire e hoje totalmente urba-nizado – uma longa avenida cortando a periferia de Mogi, Suzano, Poá e Itaqua-quecetuba, abrindo-se em uma ampla favela à direita ao chegar a Guaianazes, o primeiro bairro de São Paulo para quem chega daquela direção. n

com Minas (ver mapa). Mais adiante, já em Minas, chegaram às matas bastante preservadas do município de Pouso Alto, onde Gaglioti encontrou uma espécie rara de árvore da família Urticacea, Myriocar-pa stipitata, com flores mais simples que as das espécies próximas.

Chegando a Pouso Alto em 12 de março de 1822, Saint-Hilaire havia enviado um assistente à frente, para se apresentar à autoridade máxima da vila, o comandan-te, e conseguir onde dormir aquela noite. Como o comandante não estava, o vigário é que examinou seus documentos, afas-tando-se sem oferecer o pouso desejado. “Fomos então obrigados a procurar um canto, em pequena venda, onde me deram uma sala imunda e cheia de pulgas. À noite fomos testemunhas de grande rixa entre mulatos”, relatou. As crianças também não escaparam de seu olhar etnológico, e ao passar pela vila de Taubaté, em 26 de março, anotou: “Em quase todas as casas veem-se crianças de grande beleza, mas as

um espaço preservado: a igreja de nossa senhora da escada, em guararema. ao lado, plantas coletadas: flor e fruto da lobeira (Solanum lycocarpum); assa-peixe (Vernonanthura westiniana) e embaúba-vermelha (Cecropia glaziovii)

94 agosto DE 2015

Filme confronta

sobreviventes da luta

armada e documentos

dos arquivos de

órgãos de segurança

Acima, a foto em que Guarany

figura entre os presos trocados

pelo embaixadorsuíço em 1970

Por mais que hoje isso pareça intrigante, os órgãos de repressão da ditadura militar cos-tumeiramente documentavam e guardavam

registros de boa parte das ações violentas ocor-ridas em quartéis e delegacias. Durante quatro anos, Anita Leandro, professora da Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cineasta e editora de imagens, vasculhou os acervos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do antigo esta-do da Guanabara, do Serviço Nacional de Infor-mação (SNI) e do Superior Tribunal Militar. Do grande volume de material que passou por suas mãos, ela escolheu quatro vidas para narrar no documentário Retratos de identificação – histó-rias entrecruzadas de militantes de grupos que pretendiam combater o regime pela luta armada.

Os personagens são Antônio Roberto Espi-nosa, Maria Auxiliadora (Dora) Lara Barcelos e Chael Charles Schreier, do grupo Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palma-res), e Reinaldo Guarany, da Aliança Libertado-ra Nacional (ALN). Schreier foi morto durante tortura (segundo a versão aceita atualmente) e

Márcio Ferrari

Arte

Imagens para a história

Foto

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PesQUIsA FAPesP 234 | 95

Acima, o retrato de Dora nos arquivos do Dops; ao lado, Chael Schreier, cuja morte o filme investiga

Dora se suicidou em 1976, jogando-se em fren-te a um trem de metrô em Berlim. No filme, os dois sobreviventes são confrontados com do-cumentos e fotos que não conheciam, colhidos pela cineasta. Anita não fez perguntas, deixando a câmera registrar as reações e os depoimentos espontâneos. “O encontro com as fotografias é a base do método de trabalho que desenvolvi”, diz. “O personagem principal é a imagem, o arquivo, que desencadeia a fala.”

Diante das fotos, Guarany, companheiro de Dora no exílio, emociona-se e conta que preferiu não guardar imagens dela (com uma exceção). Espinosa constata que, no seu retrato de identi-ficação no Dops, o pescoço aparece fartamente ensanguentado – marca de tortura. Guarany vê pela primeira vez uma foto de 1970, no aeropor-to do Galeão (Rio), em que ele aparece no grupo de presos políticos trocados pela libertação do embaixador suíço no Brasil, Giovanni Bucher, sequestrado por guerrilheiros.

Tão rico e revelador é o material colhido por Anita que foi possível mostrar o caminho percor-rido por Dora ao sair de casa, numa manhã no Rio de Janeiro, pela sequência de fotos tiradas por um policial que vigiava seus passos. Entretanto, a ideia de que os arquivos podem por si mesmos reconstituir a história com exatidão é questiona-da pela própria diretora, em parte porque muitos documentos estão em estado de decomposição. “A prática corrente dos documentaristas, ao li-dar com montagem de arquivo, é criar um texto que unifique o discurso e usar as imagens como ilustração”, diz Anita. “Mas essas imagens que sobraram criam vazios irremediáveis, e procurei mostrar que as lacunas fazem parte da narrativa.” O recurso usado foram intervalos em que a tela aparece totalmente negra. “Essa opção valorizou a singularidade de cada imagem e seu valor do-cumental específico.”

Para Anita, os filmes podem ser documentos históricos, embora não necessitem ter a forma

“acabada” de um compêndio ou de uma tese deri-vada de arquivos textuais. “As imagens não trazem informação tão imediata e exigem um olhar mais atento e prolongado”, diz. Uma demonstração da validade do cinema para esclarecer o passado é o fato de o filme ter comprovado que a morte de Chael Schreier não foi, como sustentava a versão oficial, consequência de ferimentos ocorridos em um confronto com a polícia, uma vez que docu-mentos dos arquivos do Instituto Médico Legal (IML) não evidenciam lesão alguma. No filme, Espinosa descreve as sessões de tortura de que foi vítima ao lado de Schreier e Dora (de quem era companheiro na época). Também fazem parte do filme trechos de entrevistas da ex-guerrilheira no exílio, para um documentário chileno e outro americano, em que fala de Schreier. O material que Anita reuniu sobre o guerrilheiro morto foi solicitado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) instituída pela presidente Dilma Rousseff. O capitão do Exército Celso Lauria, que assinou o relatório do Inquérito Policial Militar sobre a morte do guerrilheiro, foi convocado a depor na CNV, mas não compareceu.

Anita iniciou a pesquisa que resultou no filme – e em uma exposição realizada no Rio em 2014 – no programa de pós-graduação da ECO-UFRJ, para um estudo sobre a palavra filmada e a edi-ção de material de arquivo em filmes documen-tários. O foco na ditadura militar e nas violações de direitos humanos do período foi escolhido por seu interesse em uma época que considera mal conhecida ou mesmo ignorada pela maior parte dos brasileiros. Realizado com recursos próprios, o filme obteve verba de finalização (cerca de um terço do orçamento total) de uma parceria da Co-missão de Anistia do Ministério da Justiça com a UFRJ. Retratos de identificação vem participando de mostras no Brasil e no exterior e não tem data de estreia no circuito comercial. n

carreiras

96 | agosto DE 2015

O aporte de capital de investidores-anjo é responsável pela transformação de vários projetos inovadores de startups em casos de sucesso comercial. No Brasil, um dos mais emblemáticos e antigos é o da Bematech, de Curitiba. Em 1991, um grupo de oito empresários investiu US$ 150 mil na ideia de dois estudantes de engenharia eletrônica que haviam desenvolvido sistemas para impressoras matriciais, em troca de 50% de participação na empresa. O projeto desenvolvido pelos estudantes tinha sido aceito, em 1989, como o primeiro empreendimento da então recém-fundada Incubadora Tecnológica de Curitiba. Hoje a empresa atua como provedora de soluções para automação comercial em várias áreas, possui quatro

centros de P&D e atuação no Brasil, China, Taiwan, Estados Unidos, Argentina, Chile, Portugal e México. “Antes de buscar o investimento de anjos, o pesquisador que quer se tornar um empreendedor precisa prospectar o mercado e entender a necessidade do cliente, além de fazer um protótipo do produto desenvolvido”, diz o engenheiro eletrônico Cassio Spina, fundador e presidente da Anjos do Brasil, organização que faz a aproximação entre empreendedores e investidores. Ele ressalta que a primeira questão avaliada pelos investidores antes da decisão de investir é o grau de inovação da pesquisa ou produto. Entre os setores mais procurados hoje pelos anjos estão os de biotecnologia,

educacional, agronegócio e tecnologia da informação. “É preciso que o negócio tenha escala e possa crescer sem exigir grande soma de capital, além de potencial de abrangência de mercado no mínimo nacional.”

O HBS Alumni Angels of Brazil, um grupo de investidores formado por ex-alunos da Universidade Harvard, dos Estados Unidos, também tem como objetivo promover o encontro entre empreendedores e investidores. “No nosso caso, alguns desses investidores são os próprios membros do grupo”, diz o engenheiro mecânico com mestrado em administração Magnus Arantes, presidente do grupo e responsável pela sua

Inovação

Cresce aporte de investidores-anjoTecnologia da informação, biotecnologia, educação e agronegócio são as áreas mais procuradas

PESQUISA FAPESP 234 | 97

InTerdIscIplInar

Estatística aplicada à neurociênciaJoão ricardo sato utiliza ferramentas matemáticas, estatísticas e computacionais para estudar o funcionamento do cérebro

O estatístico e neurocientista João Ricardo Sato, de 34 anos, desde criança gostava de ciências, principalmente física, biologia e computação. A proximidade com a área de exatas

ocorreu naturalmente, já que sua mãe é professora no Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). A aptidão para a área ficou mais patente durante o ensino médio, o que o levou a prestar vestibular para o bacharelado em Estatística no Instituto de Matemática e estatística (IME) da USP. A escolha teve como motivação o seu desejo de trabalhar no mercado financeiro. “Desde o primeiro ano da faculdade comecei a fazer iniciação científica nessa área e procurei um especialista em séries temporais, o professor Pedro Alberto Morettin”, relata. As séries temporais envolvem o estudo de observações feitas sequencialmente ao longo do tempo, com aplicações em vários setores. “Gostei tanto do tema que fiz três projetos de iniciação científica nessa área e realizei meu estágio no mercado financeiro.” Após terminar a faculdade em 2002, trabalhou no ramo de investimentos e ações, época em que começou a cursar o mestrado no IME.

Nesse período ele conheceu Daniel Takahashi, médico formado que estava cursando uma segunda graduação em matemática. “Nas nossas conversas de café, ele me

mostrou que métodos de séries temporais e estatística poderiam ser aplicados à área médica, não somente em epidemiologia, mas também em neurociências, para entender melhor o cérebro”, conta. “Decidi que era isso o que queria fazer, aplicar e desenvolver métodos quantitativos para entender melhor como o cérebro funciona em uma pesquisa interdisciplinar”, explica Sato. Começou o doutorado em 2004 com um projeto voltado para o desenvolvimento de métodos estatísticos e neuroimagem para responder a questões sobre a conectividade cerebral. Em 2006 fez doutorado-sanduíche no Instituto de Psiquiatria do King’s College, de Londres, na área de aprendizado de máquinas, e em 2009 passou em concurso para o Centro de Matemática, Computação e Cognição da Universidade Federal do ABC (UFABC). “A minha contratação e de outros cinco docentes deu início às atividades do Núcleo de Cognição e Sistemas Complexos, unidade vinculada à reitoria”, diz Sato. “O grupo conta atualmente com 30 docentes associados e incubou o primeiro bacharelado em neurociência do Brasil e também o programa de pós-graduação em neurociência e cognição da universidade.” Entre 2009 e 2014, Sato foi coordenador da equipe desse núcleo, que hoje abriga a infraestrutura laboratorial em neurociências e promove atividades de pesquisa, ensino e extensão na área. Atualmente, seu foco de pesquisa se concentra no estudo do neurodesenvolvimento, envelhecimento e bases neurais dos transtornos mentais.Fo

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implementação no país. Convidado pela Harvard Angels Global para formar o grupo brasileiro, ele conversou inicialmente com 30 ex-alunos para avaliar o interesse na iniciativa e, no primeiro semestre de 2012, foi feito o lançamento oficial. Hoje são 96 participantes. “O Brasil faz parte de um grupo global com 15 organizações em oito diferentes países”, diz Magnus.

A apresentação dos projetos que receberão investimento se dá por três caminhos: conhecer um ex-aluno de Harvard; ser indicado por uma instituição que os anjos conheçam, como fundos de investimento e universidades; ou se inscrever pelo site do grupo. Entre os critérios de seleção estão que o produto ou serviço esteja no mercado e seja rentável, que seja altamente escalável e tenha alguma barreira de entrada, como patente, por exemplo. O grupo tem em seu portfólio quatro empresas – de tecnologia aplicada à educação, tecnologia de assinatura digital de documentos, aplicativo para automação de vendas e agência de intercâmbio digital –, nas quais foram investidos R$ 5 milhões no total. “Já analisamos mais de 250 empresas, das quais 12 continuam nos apoiando, mas não com investimento financeiro.”

O investimento-anjo não é empréstimo. “É investimento em troca de participação na empresa”, ressalta Spina. A relação entre o empreendedor e o investidor se dá por meio de um contrato societário. O investidor tem participação minoritária e atua como conselheiro dos fundadores da startup. “Um dos grandes desafios desse modelo no Brasil é a falta de mecanismos legais de proteção”, relata. “Aqui não existe distinção entre investidor e sócio da empresa.” Por isso, só ao fim do contrato é feita a conversão do valor aplicado em participação na empresa.

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