O Discurso - Michel Pêcheux

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8/2/2019 O Discurso - Michel Pêcheux http://slidepdf.com/reader/full/o-discurso-michel-pecheux 1/36 O quesepoJedepreenderdo nArI'lIPc:ft de Michel Picheux na erabora~o da Analise de Disc~rso, e queele propos uma forma dereflexio sobre a linguagem ,que aceita 0 desconforto denio se ajeitar nas evidenciasenolugarja·leita.Eleexerceu com sofis~iCa~aoe esmero a arte de refle· tir nos entremeios. I / 9 788571 130432 MichelPecheux ·0DISCURSO ESTRUTURA au ACONTECIMENID Tradu~ao: Eni Puccinelli Orlandi 4 a ED I C; A 0 fbntes

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Oq u e s e p o J e d e p re e n d e r d o nArI'lIPc:ft

d e M i c h e l P i c h e u x n a e r a b o r a ~ o d aA n a l is e d e D i s c ~ rs o , e q u e e le p ro p o s u m a

f o rm a d e r e fle x io s o b re a l in g u a g em ,q u e

a c e i t a 0 d e s c o n fo r t o d e n io s e a je it a r n a s

e v id e n c i a s e n o l u g a r j a · l e i t a . E l e e x e rc e uc o m s o fis ~ iC a ~ a o e e s m e ro a a r t e d e r e fle ·

t ir n o s e n t r e m e i o s .I

/

9 788571 130432

M ic h e l P e c h e u x

· 0 D I S C U R S O

E S T R U T U R Aa u A C O N T E C I M E N I D

T ra d u~ a o: E n i P u cc in e lli O r la n di

4aED I C ; A 0

fbntes

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o D I S C U R S O

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Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP)

(Camara Brasileira do Livre, SP, BIl~Sil)

Pecheux, Michel, 1938- J 983 -r

o discurso :esn;utura ou aeontecimento! Mic~£1Pecheux ;

traducao Eni P.Orlandi, -4' edicao - Carnpinas, ¥': I

Pontes Editores, 2006.

Bibliografia.

I SBN 85-7113-043-4

1.Analise do discurso 2.Lingi.iistiea 3. Semantica l.Titulo

90-1931 CDD - 410

indices para catalogo sistematico:

I. Analise do discurso :Linguistica 410

I 2. Analise estrutural : Lingiiistiea 410

3. Analise semantica : Linguistica 410

4. Discurso :Analise: Lingii istica 410

M i c h e l P e c h e u x

o D I S C U R S O

E S T R U T U R A

O U A C O N T E C IM E N T O

' I t aducae : E n i P u c c i n e l l i O r la n d i

Pontes2006

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Copyright © 1988 Illinois University Press

Titulo Original: Discourse: Structure or Event?

Direitos cedidos para publicacao em lingua portuguesa

para a Pontes Editores

Coordenacdo Editorial: Emesto Guimaraes

Capa: Joao Baptista da Costa Aguiar

Revisiio, Emesto Guimaraes

Vania Aparecida da Silva

I

INDICE~I

J

i

PONTES EDlTORES /Av. Dr. Arlindo Joaquim de Lemos, 1333 ? ,Jardim Proenca

13100-451 CampinasrSP Brasil

Fone 3252.6011Fax 3253.0769 l

Nota ao Leitor 7

ponte [email protected] - Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 15

II - Ciencia, Estrutura e Escolastica 29

www.ponteseditores.com.brIII - Ler, Descrever, Interpretar 43

Notas 59

/ Bibliografia 67

2006

Impressa no Brasil

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NOTA AO LEITOR

o que se pode depreender do percurso de Michel

Pecheux na elaboracao da Analise de Discurso e que

ele propos uma forma de reflexao sobre a linguagem

que aceita 0 desconforto de nao se ajeitar nas eviden-

cias e no lugar ja-feito, Ele exerceu com sofisticacao e

esmero a arte de refletir nos entremeios.

Assim, os princfpios teoricos que e1e estabelece se

alojam nao em regices ja categorizadas do conhecimento

mas em intersticios disciplinares, nos vaos que as dis-

ciplinas deixam vel' em sua articulacao contraditoria.

Ai ele faz trabalharem os procedimentos da Analise de

Discurso na (desiconstrucao e compreensao incessante

de seu objeto: 0 discurso.

Em seu domfnio especifico de reflexao, a Analise

de Discurso vai colocar questoes para essas disciplinas,

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sistematicamente. E, em seu trabalho, percorre menos

o aciimulo de conhecimentos positivos e mais os efeitos

de certeza que esses conhecimentos produzem, fazendo

a hist6ria de suas ciencias,

A Analise de Discurso - quer se a considere como

urn dispositivo de analise ou como a instauracao de

novos gestos de Ieitura - se apresenta com efeito como

uma forma de conhecimento que se faz no entremeio

e que leva em conta 0 confronto, a contradicao entre

sua teoria e sua pratica de analise. E isto compreen-

dendo-se 0 entremeio seja no campo das disciplinas, no

da desconstrucao, ou mais precisamente no contato do

historico com 0 linguistico, que constitai a materiali-dade especffica do discurso.

Nesse seu presente trabalho, M. Pecheux fala da

relacao entre os universos logicamente estabilizados e

o das forrnulacoes irremediavelmente e9ulvocas, inves-

tigando as relaC;§es do descritivel e do iMterpretavel ao

mesmo tempo em que percorre as formas de se fazer

ciencia: as sobredeterminantes e as de )hterprytac;ao.

Observando 0 entrecruzamento e a dessemelhanca entreos objetos discursivos de talhe estavel e os que tern seu

modo de existepcia' regido aparentemente pela propria

maneira como falamos deles, contorna a Meclaradio de

que uns sao fuais reais que outros, reconhecendo, ao

inves disso, a existencia de varies tipos de "real".

IRefletindo entao sobre a questao da hist6ria e do

marxismo, nao vai negar

ahist6ria seu carater de inter-

pretacao, a 6 contra rio, aprofunda esse seu modo de

existencia para poder compreende-Ia teorica e critica-

8

mente, ou melhor, para compreender as formas de exis-

tencia possfvel de uma ciencia da hist6ria. Desse modo

da uma funcao vheurist ica ao fato de que a hist6ria

uaparenta" 0 movimento da interpretacao do homem

diante dos "fates" .. POl' isto a hist6ria esta "colocada",

E a Analise de Discurso trabalha justamente no lugar

desse Ii aparentar", criando urn espaco teorico em que

se pode produzir 0 "descolamento" dessa relacao, des-

territorializando-a.

Paralelamente, sem negar 0 percurso pelo marxis-

mo, ele no entanto experimenta seus limites e se apre-

senta na sua responsabilidade como teorico da lingua-

gem: 0 de quem nao protege e nao se protege em Marx.

Ao contrario, aceita seu desafio entrecruzando tres

caminhos: 0 do acontecimento, 0 da estrutura e 0 da

tensao entre descricao e interpretacao na Analise de

Discurso. Sem confundir suas criticas, como ele mesmo

diz, com 0 "covarde alfvio de numerosos intelectuais

franceses(?) que reagem descobrindo, afinal, que a

"Teoria" os havia "intimidado"."

Ainda uma vez, M. Pecheux avanca peIos entre-meios, nao deixando de levar em conta a presenca forte

da reflexao sobre a materialidade da linguagem e da

hist6ria, mesmo percorrendo agora esse espaco das

"multi plas urgencias do cotidiano ", interrogando essa

necessidade de urn "mundo semanticamente normal" do

sujeito pragmatico, Regiao de equivoco e em que se

ligam materialmente 0 inconsciente e a ideologia.

Campinas, setembro de 1990

En i Pu lc in el li O r la nd i

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II

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Este texto foi apresentado na Conferencia "Marxismo

e Interpretacao da Cultura: Limites, Fronteiras, Restri-

(foes" na Universidade de Illinois Urbana-Champaign.

de 8 a 12 de julho de 1983.

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I. INTRODUCAO

Voces conhecem a hist6ria daquele velho te6rico/

erudito/marxista que queria fabricar sua biblioteca 50-

zinho?

Era naqueles longinquos tempos em que os mar-

xistas pensavam poder construir tudo por si mesmos:a economia, a historia, a Iilosofia, a psicologia, a lin-

giifstica, a literatura, a sociologia, a arte ... e as biblio-

t e cas ,

As dificuldades tinham comecado com a confusao

entre parafuso, rosca e porca. Todos sabem, entretanto,

que 0 sistema de base generico-sexual da tecnologia

elementar implica, como princfpio estrutural, que as

roscas e as porcas se casam. Mas reinava a esse respeitouma estranha confusao no marxismo: assim, 0 velho

marxista tinha absoluta conviccao de estar equipado de

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parafusos celibatarios rnarxistas, quando na verdade n a odispunha senao de roscas ... sem porcas.

E toda vez que ele se punha a trabalhar, era a

mesma coisa: ele juntava duas pecas de madeira, cada

uma com urn buraco, em perfeita coincidencia. Colocava

a rosca no buraco e girava, girava, girava ... no vazio,

sem nenhum resultado, de forma que sua construcao

estava sempre se desfazendo.

Chegou gente de todo tipo, com" toda especie de

porca, cada urn lhe dizendo: "olha isto! Isto tern talvez

algo a ver com 0 que voce esta fazendo, nao?" (com

efeito, havia toda uma serie de porcas~,1porcas fenome-nologicas, estruturalistas, hermeneutic1'8, existenciais,

discursivas, lingufsticas, psicanaliticasJ/epistemologicas,

desconstrutivistas, feministas, p6s-modernas, etc ... ).

Durante muito tempo, 0 velho p;tarxista lhes res-

pondia: "deixem-me tranqiiilo, deixem-~e Iazer meu tra-

balho, sem me complicar ainda mais as coisas com suas

porcas!". Mas agpra nenhum marxistaj (ao ll1e~os ne-

nhum marxista tiiniversitario que se preze) dana umaresposta parecida: hoje 0 marxismo /procura casar-se,

1 .. /

au contrair relacdes extraconjugars ..., . r

Para entrar na reflexao que empreendo aqui com

voces, sobre a discurso como estrutura e como aconte-

cimento in/agino varies caminhos muito diferentes., {

Urn Iprimeiro caminho seria tamar como tema

urn em/nciado e trabalhar a partir dele; par exemplo, 0

16

enunciado "On a gagne" ["Ganhamos"J tal como ele

atravessou a Franca no dia 10 de maio de 1981, as

20 horas e alguns minutes (0 acontecimento, no ponto

de encontro de uma atualidade e uma memoria).

Urn outro caminho, mais classico, na aparencia

(mas 0 que e classico hoje?), consistiria em partir de

utna questdo filosofica: par exemplo, a da relacao entre

Marx e Aristoteles, a proposito da ideia de uma ciencia

da estrutura.

Mas rmiltiplos saberes competentes logo me amea-

'(am, surgindo com a espessura de suas referencias de

todos as horizontes da filosofia e das ciencias humanas

e sociais; e1es me lembram que nfio sou urn especialista,

nem de Marx, nem de Arist6teles, nem da hist6ria da

filosofia. E que nao disponho mais (ao menos por en-

quanta) de via de aces so especialmente preparada para

a interior do imenso arquivo, oral e escrito, que se des-

dobra ha dois anos em torno do 10 de maio de 1981.

E entfio? Nao seria melhor (terceiro caminho P O S S l -

vel) eu me ater sabiamente ao dominio "profissional"

no qual encontro, bern ou mal, minha referencia: a da

tradicao francesa de analise de discurso? 1. Par exem-

plo, levantando, na configuracao dos problemas te6ricos

e de procedimentos que se colocam hoje para essa dis-

ciplina, 0 da relacao entre a analise como descricdo e a

analise como interpretaciio?

Mas se me refugio nesta tatica de intervencao, como

evitar as muitas e longas consideracoes previas, neces-sarias a uma regulagem, urn "tuning" minimo entre a

que eu gostaria de dizer e 0 que sera entendido?

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A evocacao de alguns nomes proprios (Saussure,

Wittgenstein, Althusser, Foucault, Lacan: .. ) ou a men-

c;:aoa campos do real (a hist6ria, a Iingua, 0 incons-

ciente ... ) nao sao suficientes para caracterizar uma

posicao de trabalho ...

Nao serei eu obrigado a comecar por uma sene

de "chamadas" incidindo sobre pontos de definicao que

nada prova que nao VaG funcionar senao como signos

de reconhecimento opacos, fetiches te6ricos?I

AU entao vou eu tentar empurrar voces nesta -

ultra rapida, por necessidade - visitar a urn deposito

de procedimentos tecnicos, proprios tanalise de dis-

curse? iau ainda: devo tentar, pela apresentacao de alguns

resultados desses procedimentos, convenes-los de sua

pertinencia e de seu interesse - enqu~to as pesquisas

atuais tendem, antes de tudo, a produzir questoes, mais

do que a fazer valer a qualidade sunesta das IIres-postas "? .., I

Dizemos em frances que nao se "pede ir por qua-

tro caminhos" quando se vai direto ito essencial. ..

Mas qual seria, no caso, essa via maravilhosa do essen-

cial, pela qual 0 "negocio" do qual pretendo lhes falar

colocar-se-ia sob seus olhos como urn filme sem volta

nem retoque?

Considerando essa via como urn mite religioso,prefiro me esforcar em avancar entrecruzando os tres

caminhes que acabo de evocar (0 do acontecimento, 0

18

da estrutura e 0 da tensao entre descricao e interpreta-

c;:aono interior da analise do discurso), retocando cada

urn deles pela efetivacao parcial dos outros dois.

1. "On a gagne" ["Ganhamos."]

Paris, 10 de maio de 1981, 20 horas (hora local):

a imagem, simplificada e recomposta eletronicamente,

do futuro presidente da Republica Francesa aparece nos

televisores ... Estupor (de maravilhamento ou de ter-

ror): e a de Francois Mitterand!

Simultaneamente, as apresentadores de TV fazemestimativas calculadas por varias equipes de informatica

eleitoraI: todas dao F. Mitterand como "vencedor", No

"especial-eleicoes" desta noite,as tabelas de porcenta-

gem poem-se a desfilar. As primeiras reacoes dos res-

ponsaveis politicos dos dois campos ja sao anunciadas,

assim como as comentarios ainda quentes dos especia-

listas de politicologia: uns e outros vao comecar a "Iazer

trabalhar" 0 acontecimento (0 £ato novo, as cifras, as

primeiras declaracoes) em seu contexto de atualidade e

no espaco de memoria que ele convoca e que ja comeca

a reorganizar: 0 socialismo frances de Guesde a Iaures,

o Congresso de Tours, 0 Front Popular, a Liberacao ...

Esse acontecimento que aparece como 0 IIglobal" *da grande maquina televisiva, este resultado de uma

super-copa de futebol politico ou de urn jogo de re-

percussao mundial (F. Mitterand ganha0

campeonatode Presidenciaveis da Franca) e 0 acontecimento jorna-

listico e da mass-media que remete a urn conteudo s6-

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cio-politico ao mesmo tempo perfeitamente transparente

(0 veredito das cifras, a evidencia das tabelas) e profun-

damente opaco. 0 confronto discursivo sobre a deno-

minacao desse acontecimento improvavel tinha come-

gada bern antes do dia 10 de maio, por urn imensotrabalho de formulacoes (retomadas, deslocadas, inver-

tidas, de urn lade a outro do campo politico) tendendo

a prefigurar discursivamente 0 acontecimento, a dar-lhe

forma e figura, na esperanca de apressar sua vinda ...

ou de impedi-Ia: todo esse processo vai continuar, mar-

cado pela novidade do dia 10 de maio! Mas esta novi-

dade nao tira a opacidade do acqntecimento, inscrita no

jogo oblique de suas denominacoes: os ..enunciadosI

J

"F. Mitterand e eleito pr~sidentej da Republica

Francesa" 1 /

"A esquerda frances a leva a vit6ria eleitoral dos

presidenciaveis" 1 / ,

ou

I '"A coalizacao socialista-comunista se apodera da

Franca"

, rnao estao evidentemente em relacao iriterparafrastica;

esses enunciados remetern (Bedeutung) ao mesmo fato,

mas eles nao constroem as mesmas significacoes (Sinn).

o confronto /discursivo prossegue atraves do aconteci-

mento ...

/

20

E depois, no meio dessa circulacao-confronto de

forrnulacoes, que nao VaG parar de atravessar a tela da

TV durante toda a noite, surge um flash que e ao rnes-

mo tempo uma constatacao e urn apelo: todos os pari-

sienses para quem esse acontecimento e uma vit6ria se

reunem em massa na Praca da Bastilha, para gritar sua

alegria (os outros nao serao vistos nessa noite). E aeon-

tecera 0 mesmo na maior parte das outras cidades. Ora,

entre esses gritos de vitoria, ha urn que vai "pegar" corn

uma intensidade particular: eo enunciado "On a gagne"

[" Ganhamos! "] repetido sem fim como urn eco ines-

gotavel, apegado ao acontecimento.

A materialidade discursiva desse enuneiado cole-

tivo e absolutarnente particular: ela nao tern nem 0

conteiido nem a forma nem a estrutura enunciativa de

uma palavra de ordem de uma manifestacao ou de urn

comfcio politico 2. "On a gagne" l"Ganhamos "], cantado

com um ritmo e uma melodia determinados (on-a-ga-

gne/do-do-sol-do) constitui a retomada direta, no espaco

do acontecimento politico, do grito coletivo dos torce-

dores de uma partida esportiva cuja equipe acaba de

ganhar, Este grito marca 0 momento em que a partici-pagao pass iva 3 do espectador-torcedor se converte em

atividade coletiva gestual e vocal, materializando a festa

da vitoria da equipe, tanto mais intensamente quanto

ela era mais improvavel.

o £ato de que 0 esporte tenha aparecido assim pela

primeira vez em maio de 1981, com esta limpidez, como

a metafora popular adequada ao campo politico frances,

convida a aprofundar a critica das relacoes entre 0 fun-cionamento da midia e aquele da "classe politica",

sobretudo depois dos anos 704•

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Em todo caso, 0 que podemos dizer e que este

jogo metaf6rico em torno do enunciado It On a gagne"

[ I t Ganhamos"] veio sobredeterminar 0 acontecimento,

sublinhando sua equivocidade: no domfnio esportivo, a

evidencia dos resultados e sustentada pela sua apresen-tacfio em urn quadro logico (a equipe X, classificada

na enesima divisao, derrotou a equipe, Y; a equipe X

esta, pois, qualificada para se confrontar com a equipe

Z, etc). a "resultado" de urn jogo e, evidentemente,

objeto de comentarios e de reflex6es estrategicas poste-

riores (da parte dos capitaes de equipe, de comentadores

esportivos, 'de porta-vozes de interesses comerciais, etc)j

pois sempre ha outros jogos no horizogte ... , mas en-

quanto tal, seu resultado deriva de umkniverso Iogica-mente estabilizado (construido por urn .9onjunto relati-

varnente simples de argumentos, de ~fedicados e de

relacdes) que se pode descrever exaustivamente atraves

de uma serie de respostas unfvocas a quest6es factuais

(sendo a principal, evidentemente: "d~ fato, quem ga-

nhou, X ou Y?"). l

Ouestoes do fipo "quem ganhou I l ' verdade? em

realidade? alem das aparencias? face it hist6ria?" j etcaparecem como questoes que nao seriam pertinentes, e,

no lin:ite, ate. abJu1'das, a prop6sito dp Urn resultado

esportrvo.

Provavelmente, isso se prende ao fato de que a

questao do jogo e logicamente definida como estando

contida em ~eu resultado: "tal equipe ganhou" significa

"tal equipe ganhou 0 jogo em questao contra tal outra",

ponto, acabou. As marcas e objetos simb6licos susce-

tiveis de se associarem a esta vit6ria (e, logo, de serem

22

/j

"apropriados" pelos torcedores que se identificarn it

equipe) sao apenas conotacoes secundarias do resultado:

nao e certo que se possa mostrar ou descrever 0 que a

equipe vencedora ganhou.

Tornados pelo angulo em que aparecem atraves da

midia, os resultados eleitorais apresentam a mesma uni-

vocidade l6gica. a universo das porcentagens de resul-

tados, munidos de regras para determinar 0 vencedor eele proprio urn espaco de predicados, de argumentos e

relacoes logicamente estabilizado. desse ponto de vista,

dir-se-a que no dia 10 de maio, depois de 20 horas, a

proposicao "F. Mitterand foi eleito presidente da Repu-

blica" tornou-se urna proposicao verdadeira; ponto final.

Mas, simultaneamente, 0 enunciado "On a gagne"

["Ganhamos"] e profundamente opaco: sua materiali-

dade Iexico-sintatica (urn pronome "indefinido" em po-

si~ao de sujeito, a marca temporal-aspectual de reali-

zado, 0 lexema verbal" gagner" [ I t ganhar"], Ii ausencia

de cornplementos) imerge esse enunciado em.'uma rede

de relacoes associativas implicitas - parafrases, impli-

cacces, comentarios, alusoes, etc - isto e , em uma serieheterogenea de enunciados; funcionando sob diferentes

registros discursivos, e com/uma estabilidade Iogica va-

riavel ~.

1

Assim, a interpretacao politico-esportiva que acaba

de ser evocada nao funciona como proposicao estabili-

zada (designando urn acontecimento localizado como urn

ponto em urn espaco de disjuncoes logicas " senao com

a condicao de nao se interrogar a referencia do sujeitodo verbo "gagner" [ It ganhar"], nem a de seus comple-

mentos elididos.

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Dois anos depois, a questao reaparece no circuito

do debate politico:

"On a gagne!" ["Ganhamos!"] ... nos nos havia-

mos regozijado do mesmo modo em cada vitoria daesquerda, em maio de 36, na Liberacao. Outros, antes

de nos, tinham feito os mesmos discursos, "On a gagne!"

["Ganhamos! "]. E a cada vez era uma II experiencia"

que nao tinha durado muito, no atoleiro das abnegacoes,

dos entusiasmos, brilho subito e fogo de palha, antes

da recaida, do desmoronamento e da derrota consen-

tida. "On a gagne!" ["Ganhamos!"J. Ganhamos 0 que,

como, e por que? 7'1

J

a. Sobre 0 sujeito do enunciado: quem anhou?

A sintaxe da lingua francesa permite atraves do on

indefinido, deixar em suspenso enuncilivo a designa-

\!ao da identidade de quem ganhou: tnita-se do "nos"

des militantes dos partidos de esquerda? JOu do. "povo

da Franca"? ou daqueles que sempre apd'iaram a pets-

pectiva do Programa Comum? AU daqueles que, nao

mais se reconhecendo na categorizacao parlamentar di-

reita/esquerda, se sentem, no entanto, lihfrados subita-

mente pel a partida de Giscard d'Estaing e de tudo 0

que ele representa? au daqueles que; "nunca tendo

feito politica", estiio surpresos e entusiasmados com a

ideia de que enfim "vai mudar"? ..

I

a apagamento do agente induz urn complexo efeitode retorno, 'misturando diversas posicoes militantes com

a posicao de participacao passiva do espectador eleito-

24

ral, torcedor hesitante e' cetico ate 0 ultimo minuto ...

em que 0 inimaginavel acontece: 0 gol decisivo e mar-

cado e 0 torcedor voa em apoio a vitoria. a enunciado"0 '" I"G h It] f dilla gagne an amos un e aque es que ainda

acreditavam nisso" com "aqueles que ja nao acredi-tavam" 8.

b. Sobre 0 complemento do enunciado: ganhou 0 que,

como, por que?

Uma espiada no dicionario nos ensina que 0 verbo

gagner [ganharJ se constr6i:

com urn "sujeito animado" (urn agente dotado de

vontade, de sentimento, de intencao, etc): ganhar

a vida, ganhar tanto par mes:

- ganhar em uma competicao, ser ° vencedor;

- ganhar em urn jogo de azar, ser 0 vencedor do

grande premio:

- ganhar terreno, espaco, tempo (sobre 0 adver-sario);

- ganhar galardoes, uma medalha ...

- ganhar urn lugar, urn posto, urn Iugar (cf. vol-tar para seu posto);

- ganhar a simpatia de alguem, ganhar alguem

(hornens, aliados, simpatizantes ... );

25

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ou com urn "sujeito inanimado" (uma coisa, urn

processo despro vi do de vontade propria, de' senti-

mento, de intencao): sao entflo "agentes" que se

tornam objetos:

- 0 calor, 0 frio, 0 entusiasmo, a sono, a doenca,a alegria, a tristeza ... me, 0, nos ganham (se apo-

deram de mim, dele, de nos ... ).

I t

Que parte, cada urn desses funcionamentos Iexico-

sintaticos subjacentes, tomou na unidade equivoca desse

grito coletivo que repercutiu?"On a g~gne" ["Ganha-

mos"]. .. A alegria da vitoria se enuncia sem comple-

mento, mas os complementos nao estao Im tge: ganhamosIIo jogo, a partida, a primeira rodada (antes das legisla-

tivas): mas tambem (em funcao do que precede) ganha-

mas p ar so rte , como se ganha 0 grande .p r emio quando

nem se acredita; e, claro, ganhamos ~f?rreno sobre °adversdrio, ja com a promessa de ocupar posicoes neste

terreno e, antes de tudo, ocupar com tocVt legitimidade

o lugar do qual se 'governa a Franca, 0 fugar d b poder

governamental e do poder do Estado; "A esquerda tom a

o poder na Franca" e uma parafrase plausfvel do enun-

ciado-formula "on a gagne" [I<ganhamof'l, no prolon-

gamento do acontecimento.

o poder a tomar: enfim, alguma coisa que se pode-

ria mostrar, a titulo de complemento do verbo gagner

[ganhar], N a o e ce r to que se possa mostrar de forma, /'1 d 9 0 I< d "

umvaca aqui a e que se trata. po er aparece,efetivamente, ora como urn objeto adquirido (justo

resultado de urn grande esforco, au efeito inesperado

26

da sorte; de toda forma, a bern supremo que va i admi-

nistrar 0 melhor para 0 bern de todos), ora como urn

espaco resistente a conquista, no confronto continuo

contra as feodalidades de tada ordem (que tudo fizeram

para que "isto - jamais acontecesse" e que continuama resistir) ora como urn ate performativo a se sustentar

(fazer 0 'que se diz), ora como novas relacoes sociais

a serem construidas.

"On a gagne" ["Ganhamos"]: ha dois anos 0 equf-

voco da formula trabalha a esquerda nos postos go-

vernamentais, tanto quanta nas diferentes camadas da

populacao: ela trabalha aqueles que "acreditam nisto"

e aqueles que estao em falta quanta a crenca: aqueles

que esperam urn "grande movimento popular" l; : aqueles

que se resignarn ao a-politismo generalizado; os "res-

ponsave is" e .o s outros, o s homens de aparelhos e o s

IIsimples particulares" . .. De onde resulta urn doloroso

estiramento entre duas tentacoes para escapar a questao:

- a tentacao de negar oequivoco do aconteci-

mento do dia 10 de maio, por exemplo, fazendo-o

coincidir completamente com 0 plano logicamente

estabilizado das instituicoes polfticas (" sim ou nao,

a esquerda esta no poder na Franca? se sim, tire-

mos as conseqiiencias , , . ")

- ou entao a de negar 0 proprio acontecimento,

fazendo como se, finalmente, nada tendo aconte-

cido (" 0 que ganhamos?"), os problemas seriamestritamente os mesmos se a direita estivesse no

poder 10.

27

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Ceder a uma au outra dessas duas tentacoes sepa-

raria definitivamente as "duas esquerdas" u~a .da o~tra,

entregando as duas ao adversario (E se a direita vle~se" ,'" muitoa retomar a poder na Franca nos venamos-

tarde - 0 que "nos" teriamos perdido).

A partir do exemplo de urn acontecimento, 0 do

dia lOde maio de 1981, a questao te6rica que coloco

e, pois, a do estatuto das discursividades ~u: trabalham

urn acontecimento, entrecruzando proposicoes de ap~-

rencia logicamente estavel, suscetiveis de resposta urn-

voca (e sim ou nao, e x ou y, etc)' e formulacoes

irremediavelmente equivocas.

1/

Objetos discursivos de talhe estave1, detendo 0

aparente privilegio de serem, ate cert)j ponto, larga-

mente independentes dos enunciados qu~ produzim?s a

seu respeito, vern trocar seus trajetos com outro~ tipos

de objetos, cujo modo de existencia pa~ece regido pela

pr6pria maneira com que falamos delest!; .

_ uns devem ser dec1arados rnais re~is que outros?

I

' I_ ha urn espaco subjacente cornum ao desdobra-

mento de objetos tao dessemelhantes?

/ tSao essas-as questoes que gostaria ~e abordar agora.

I

/28

II. elENCIA, ESTRUTURA E

ESCOLASTICA

Supor que, pelo menos em certas circunstancias,

ha independencia do objeto face a qualquer discurso

feito a seu respeito, significa colocar que, no interior

do que se apresenta como 0 universo fisico-humano

(coisas, seres vivos, pessoas, acontecimentos, proces-

sos . .. ), "ha real", isto e, pontos de impossfvel, deter-minando aquilo que nao pode nao ser "assim", (0 real

eo impossivel. .. que seja de outro modo).

Nao descobrimos, pois, 0 real: a gente se depara

coni ele, da de encontro com ele, 0 encontra.

Assim, 0 dominic das matematicas e das ciencias

da natureza lidam com a real na medida em que se

pode dizer de urn matematico au de urn ffsico que ele

encontrou a solucao de uma questao ate entao nfio

29

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resolvida; e 'ciz-se tambem que urn aluno, face a urn

exercicio de matematica ou de fisica "encontrou" tal

parte do problema (ele "acertou" tal O U tal questao),

enquanto se "perde" no resto.

U r n grande mimero de tecnicas materiais (todas as

que visam produzir transformaljoes ffsicas ou biofisi-

.cas) por oposicao as tecnicas de adivinhacao e de inter-

pretacao de que falaremos mais adiante, tern que vzr

com 0 real: trata-se de encontrar, com ou sem a ajuda

das ciencias da natureza, os meios de obter urn resultado

que tire partido da forma a mais eficaz possivel (isto

e, levando em conta a esgotabilidade da natureza) dos

processos naturais, para instrumentaljza-Ios, dirigi-losem direcao aos efeitos procurados. /

A esta serie vern se [untar a nlt!ltiplicidade das

"tecnicas" de gestae social dos individuos: mares-los,

identifica-los, classifies-los, compara-lce, coloca-los em

ordem, em colunas, em tabelas, reu~-los e separa-los

segundo criterios definidos, a fim de ~oloca-los no tra-

balho, a fim de instrut-los. de faze-los ponhar ou deli-

rar, de protege-lo~ e de vigia-Ios, de Ida-los a l guerra e

de lhes Iazer filhos .. _ Este espaco administrativo (juri-

dico, economico e politico) apresenta ele tambem as

aparencias da coercao logics disjuntivy e "impossfvel"

que tal pessGa seja solteira e casada, que tenha diploma

e que nao 0 tenha, 'que esteja trabalhando e que esteja

desempregado, que ganhe menos de tanto por mes e

que ganhe rnais, que seja civil e que seja militar, que

tenha side eleito para tal Iuncao e que nao 0 tenha

sido, etc, ..Esses espacos - atraves dos quais se encontram

estabelecidos (enquanto agentes e garantia dessas iilti-

30

mas operacoes) detentores de saber, especlalietas e res-

P?nsaveis de diversas ordens - repousam, em seu fun-

?lOnamento discursivo interno, sobre uma proibicao de

1~t~rpreta9ao, im~licando 0 uso regulado de proposicoes

~ogl:as (Verdadeiro ou Falso) com interrogacoes dis-

Ju~t1Vas ("0 estado de coisas" e A au nao-A'Z) e, corre-

l~t1vamente,a recusa de certas marcas de distancia

discursiva 11 do tipo "em certo sentido", "se se desejar"

" d dizer" If 'se P£) emos lzer, em urn grau extreme", "dizendo

mai~ propriamente", etc (e, em particular, a recusa de

quals.quer aspas de natureza interpretativa, que des-

~?canam ,as c~teg?,rizac;:oes; yor exemplo, ° enunciado:

~~lano e muito militar" no civil", enunciado que e ,

ahas, perfeitamente dotado de sentido).

Nesses e~?a9?S discursivos (que mais acima desig-

namos como Iogicamente 'estabilizados") supoe-se que

todo ~ujeito falante sabe do que se fala, porque todo

enunciado produzido nesses espacos reflete proprieda-

des e~truturais i~dependentes de sua enunciacao: essas

propr.le~ades se mscrevem, transparentemente, em uma

descricao adequada do universo (tal que este universe

e tornado discursivamente nesses espacos).

.E ° que unifica aparentemente. esses espaeos dis·

c~rslvos . e uma serie de evidencias Iogico-praticas, de

myel mutto geral, tais como:

~ urn mesmo objeto X nao pode estar ao mesmo

tempo em duas Iocalizacoes diferentes: ,,

- urn mesmo objeto X nao pode ter aver aomesmo tempo com a propriedade Pea proprie-

dade nao-P;

31

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_ urn mesmo acontecimento A nao pode ao mes-

mo tempo acontecer e nao acontecer, etc.

Ora, esta homogeneidade logica, que condiciona 0

logicamente representavel como conjunto de proposicoessuscetiveis de serem verdadeiras ou falsas, e atravessado

por uma serie de equfvocos, em particular termos como

lei, rigor, ordem, principia, etc que "cobrem" aomesmo

tempo, como urn patchwork heter6clito, 0 dominio das

ciencias exatas, 0 das tecnologias e 0 das adrninistra-

c;:oes12

Esta "cobertura" 16gica de "regioes;,heterogeneas do

real e urn fenomeno bern mais maci~o e sistematicopara que possamos ai vet uma simplesf~ostur~ ~~ns-

truida na sua totalidade por algum Pffncipe rnistifica-

dor: tudo se passa como se, face' a essa falsa-aparencia

de urn teal natural-social·hist6rico homogeneo coberto

por uma rede de proposicoes 16gicasApenhuma pessoa

tivesse 0 poder de escapar totalmente, mesmo, e talvez

sobretudo, aqueles que se a?reditam "njio-sim~16rios.":

como se esta adesao de conjunto deves/e, por 'impeno-

sas razoes, vir a se realizar de um modo ou de outro.

,

Se descattamos todas as explicacoes' que nfio 0 sao

_ na medida em que elas sao apenas comentarios dessa

mesma adesao --:-ha talvez urn ponto crucial a consi-

derar, do lado das multiplas urgencias do cotidiano;

mas colocar em jogo este ponto supoe suspender a posi-

gao do espectador universal como fonte da homogenei-

dade 16g~c'a e interrogar 0 sujeito pragmatico, nosentido Kantiano 13 e tambem no sentido contempora-

I

neo do. termo,

32

A ideia de que os espacos estabilizados seriam

impostos do exterior, como coercoes, a este sujeito

pragmatico, apenas pelo poder dos cientistas, dos espe-

cialistas e responsaveis administrativos, se mostra in-

sustentavel desde que se a considere urn pouco mais

seriamente.

a sujeito pragmatico - isto €, cada um de nos,

os "simples particulates" face a s diversas urgencias de

sua vida - tern por si mesmo uma imperiosa necessi-

dade de homogeneidade 16gica: isto se marca pela exis-

tencia dessa multiplicidade de pequenos sistemas Idgi-

cos portateis que VaG .da gestae cotidiana da existencia

(por exernplc, em nossa civilizacao, 0 porta-notas, aschaves, a agenda, os papeis, etc) ate as "grandee deci-

sdes" da vida social e afetiva (eu decido fazer isto e

nfio aquilo, de responder. a X e nao a Y, etc ... ) pas-

sando por todo 0 contexte socio-tecnico dos "aparelhos

domesticos" (isto €, a serie dos objetos que adquirimos

e que aprendernos a fazer funcionar, que jogamos e que

perdemos, que quebramcs, que consertamos e que subs-

titufmos) ...

Nesse espaco de necessidade equfvoca, misturando

coisas e pessoas, processos tecnicos e decisoes morais,

modo de emprego e escolhas politicas, tada conversa

(desde 0 simples pedido de informacao ate a discussac,

o debate, 0 confronto) e suscetfvel de colocar em jogo

uma bipolarizacao 16gica das proposicoes enunciaveis

- com, de vez em quando. 0 sentimento insidioso deuma simplificacao univoca, eventualmente mortal, para

si-mesmo e/ou para os outros.

33

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De nada serve negar essa necessidade (desejo) de

aparencia, veiculo de disjuncoes e categorizacoes 16gi-

cas: essa necessidade universal de urn "mundo seman-

ticamente normal", isto e , normatjzado, comeca com a

relacao de cada urn com seu pr6prio corpo e seus arre-dares irnediatos (e antes de tudo com a distribuicao de

bons e maus objetos, arcaicamente figurados pela dis-

junyao entre aIimento e excremento),

E tambem nao serve de nada negar' que esta neces-

sidade de Ironteiras coincide com/ a construcao de laces

de dependencia face as multiplas coisas-a-saber, conside-

radas como reservas de conhecimento acumuladas, rna-quinas-de-sab~r 14. c~n~ra as a~eas:as de~~~a esp~=ie: 0

Estado e as instituicoes funcionam 0 ~als freqiiente-

mente - pelo menos em nossa sociedade - como palos

privilegiados de resposta a esta necessidade ou a essa

demanda. 1 ( ;

As "coisas-a-saber" representam assifn tudo a queI , I

arrisca faltar it felicidade (e no limite a simples sobre-vida biologica) do "sujeito pragmatico": isto e , tudo

o que a ameaca pelo fato mesmo que isto exista (0

fato de que seja "teal". qualquer que se~ a tomada que

o sujeito em questao tenha ou nao sobre a estrutura do

real); nao e necessario ter uma intuicao Ienomenolo-

gica, uma pegada hermeneutica ou uma apreensao es-

pontanea da essencia do tifo para ser afetado par essa

doenca 15;!~ mesmo a contrario: htl "coisas-a-saber"

(conhecimentos a gerir e a transmitir socialmente), isto

e , descricces de situacoes, de sintomas e de atos (a efe-

34

tuar ou evitar) associados as ameacas multiformes de

um real do qual "ninguem pode ignorar a lei" - por-

que esse real e impiedoso.

o projeto de urn saber que unificaria esta multi-

plicidade heteroclita das coisas-a-saber em uma estrutura

representavel homogenea, a ideia de uma possivel cien-

cia da estrutura desse real, capaz de explicita-lo fora

de toda falsa-aparencia e de the assegurar 0 controle

sem risco de interpretacao (logo uma auto-leitura cien-

tifica, sem falha, do real) responde, com toda evidencia,

a uma urgencia tao viva, tao universalmente "humana",

ele amana Hio bem, em torno do mesmo jogo domina-

s:ao./resistencia, os interesses. dos sucessivos mestres

desse mundo e as de todos os condenados da terra ...

que 0 fantasm a desse saber, eficaz, administravel e

transmissfvel, nao podia deixar de tender historicamente

a se materializar por todos as meios.

1

A promessa de uma ciencia regia conceptualmente

tao rigorosa quanta as matematicas, concretamente Hio

eficaz quanta as tecnologias materiais, e tao onipresente

quanta a filosofia e a politica! ... como a humanidade

poderia ter resistido a semelhante pechincha?

- Houve 0 momenta da esco lds ti ca ar is to te li ca ,

procurando desenvolver as categorias que estruturam a

linguagem e 0 pensamento para fazer delas a modelo e

o organon de toda sistematizacao: quest6es disjuntivas

em utrum (au... ou) sabre a divindade, 0 sexo dos

anjos, os corpos celestes e terrestres, as plantas e as

animais, e todas as coisas conhecidas e desconhecidas ...Quantos catecismos nao estruturaram redes de questoes-

-respostas escolasticas?

35

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- Ha 0momenta moderno contemporaneo do rigor

positivo, aparecido no contexto historico da constitui-

c;:ao,enquanto ciencias, da fisica, da quimica e da bio-

logia, associado a emergencia de uma nova forma de

Direito (organizado em corpo de proposicoes) e tambem

em urn novo lance do pensamento rnatematico: urn novo

organon, construido contra 0 aristotelismo e apoiado na

referencia as '''ciencias exatas", procura por sua vez

homogeneizar 0 real, desde a 16gica rnatematica ate os

espacos administrativos e socials, atraves do metodo

hipotetico-dedutivo experimental, e as tecnicas de

"adminis tracao de prova".

'I

- E, last but not least, ha 0 memento da onto-logia marxista, que pretende de seu Iado produzir as

"leis dialeticas" da historiae da materi/' outro organon

parcialmente semelhante aos dois precedentes, partilhan-

do de qualquer modo com eles 0 desejo de onipotencia

- "a teoria de Marx e todo poderosazporque e verda-

deira" (Lenin). No seu conjunto, os rtlovimentos ope-

rarios nao puderam visivelmente resistirp, este presente

extraordinario de pma nova filosofia uf1ificada, capaz

de se ' instituciorializar eficazmente, enquanto compo-nente crftico/organizador do Estado (0 Estado existen-

te/o Estado futuro): 0 dispositivo de bape da ontologia

dialetica marxista (com 0 Capital como' arma absoluta,

"0 missil mais poderoso lancado na cabeca da burgue-

sia ") se mostrou tambem capaz - do mesmo· modo

que todos os .saberes de aparencia unificada e homoge-

nea - de ju~tificar tudo, em nome da urgencia 16.I .

o neo-positivismo e 0 marxismo formam assim as

"eoisternes" maiores de nOS50tempo, tomadas em urn

36

encavalamento parcialmente contraditorio em torno . a

questao das ciencias humanas e sociais; tendo, no centro,

a questao da hist6ria, isto e , a questao das formas de

existencia possivel de uma ciencia da historia,

A questao aqui nao e de saber se a Capital e as

pesquisas que dele derivaram produziram 0 que chamei

.(coisas-a-saber": mesmo para os adversaries, as niais

ferozes, do marxismo, 0 processo de exploracao capita-

lista, par exempIo, constitui incontestavelmente uma

coisa-a-saber, da qual as detentores de capitais aprende-

ram a se servir tanto, e, as vezes, melhor que aqueles

que e1es exploram 17. 0 mesma. acontece, para a luta

de classes e varias outras ..coisas-a-saber".

A questao e sobretudo a. de determinar se as coi-

sas-a-saber saidas do marxismo sao, ou nao, stiscetiveis

de se organizar em urn espaco cientffico coerente, inte-

grado em uma montagem sistematica de conceitos -

tais como forcas produtivas, relacoes de producao, for-

macae socio-economica, formacao social, infraestrutura

e superestruturas juridico-politica e ideologica, poder

de Estado, etc ... - do m e s m o modo que, por exem-plo, a descoberta gaIileana pode constituir a matriz

cientifica coerente da fisica, no sentido atual desse ter-mo 18.

o momento da ruptura galileana abriu a possihi-

lidade de uma construcao do real fisico enquanto pro-

cesso, delimitando 0 impossivel proprio a este real,

atraves de relacoes reguladas combinando a construcaode escritas conceptuais e a de montagens experimentais

(colocando assim em jogo uma parte do registro das

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tecnicas materiais evocadas mais acima). Desse modo, os

primeiros instrumentos (planos inclinados, guindastes,

etc ... ) utilizados pela fisica galileana eram inevitaveI-

mente antecipados no espaco tecnologico pre-galileano;

e e no proprio desenvolvimento da Iisica que tais ins-

trumentos se transformaram para se adaptar as necessi-

dades intrinsecas desta, com, em efeito de retorno; a

producao de objetos tecnicos industrializados indefini-

damente alargada, associada a uma nova divisao tecni-

co-social do trabalho ("eruditos", engenheiros e tecni-

cos) que faz tambem a ffsica aparecer como uma

"ciencia social" 19.

il

As consequencias intelectuais da descontinuidadegalileana se maream pelo fato que, panl nao importa

que fisieo hoje, Aristoteles nao e nem & I n colega, nem

o primeiro fisico: Arist6teles e simplesmente Urn grande

filosofo. Uma outra marea desta descontinuidadee que

a ffsica galileana e pos-galileana nao Uj,terpreta 0 real

- mesmo se, bern entendido, 0 movl~ento que ela

inicia, 0 da construcao do real fisico e<],moprocesso,

nao deixa de ser objeto de multiplas int'erpreta((oes.

A questao que coloco aqui e a de saber se Marx

pode, au nao, ser considerado como 0 G,lileu do "con-

tinente historia" '20. Ha 'um impossivel especffico a his-

toria, marcando estruturalmente 0 que constituiria 0

real? Ha uma relacao regulada entre a formulacao de

conceitos e a rnontagem de instrumentos suscetiveis de

aprisionarem /esse real? E podemos discernir, com o

advento d;,h,ensamento de Marx, uma descontinuidadetal que 0 real historico deixasse de ser objeto de inter-

pretacdes divergentes, ou contraditorias, para ser cons-

38

tituido, per sua vez, em processo (por exemplo, em

"processo sem sujeito nem fim(ns), segundo a celebre

formula de L. Althusser)?

A constatacao da "crise do marxismo" e'hoje sufi-

cientemente admitida para que eu seja direto, dizendo:

tudo leva a pensar que a descontinuidade epistemologica

associada a descoberta de Marx se mostre extremamente

precaria e problematica. Marx nao e nem 0 primeiro

historiador, nem 0 primeiro economista, no sentido em

que Galileu seria 0 primeiro ffsico: Tucidides, que nfio

e aparentemente urn colega para as atuais praticantes de

historiografia 21, e seguramente urn historiador tanto

antes como depois de Marx. Tudo que podemos supor

e eventuaimente que Tucidides nfio sera lido da mesma

maneira, se esta leitura levar ou nfio em conta a "ob'ra

de Marx" (quer dizer, de fato, tal ou tal leitura de tal

ou tal texto assinado por Marx ou Marx-Engels. etc).

Mas nao podemos dizer exatamente 0 mesmo de todo

grande pensamento que 'surge na historia? Na falta de

ser 0 fundador da ciencia da hist6ria, Marx seria urn

grande filosofo: urn pensamento da importancia da de

Aristoteles ...

o que poderia acontecer - 0 que, de certo modo

aconteceu - € que Marx foi considerado como, .. 0

primeiro te6rico marxista, a despeito da famosa frase

pela qual ele rejeitdu este adjetivo categorizante, que

certos companheiros seus ja haviam forjado enquanto

ele vivia, por derivacao a partir de seu proprio nome.

o fato de que Marx tenha assim recusado se reeo-

nhecer nos efeitos iniciais associados a "recepeao" so-

39

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cio-historica de sua obra foi quase sempre entendida

como uma denegacao, significando de fato: "Eu, Karl

Marx, sou efetivamente marxista ... mas nao no sentido

em que se entende comumente". Nesse ponto precise

'comeca, me parece, a tematica aristocratica da "boa"

leitura oposta as mas leituras (banais e falaciosas), da

interpretaeao justa, sempre em reserva quanta as inter-

pretacoes erroneas, da verdade como t610s de urn pro-

cesso de retificacao potencialmente infinito.

A fantastica serie de efeitos escolasticos de desdo-

bramentos da leitura (exotericc/esoterico, Marx lido por

X/Marx lido por Y, etc) ao qual "0 matxismo" deu

lugar desde 0 comeco, com urn adiameyto qua,se Inde-

finido do momenta da experiencia decisyva, nao seria

entao tao espantosa: 0 impossivel prop,' 0 a estrutura

do real historico - isto e , o real visado especificamente

pela teoria marxista - seria literalmente inapreensivel

n~~ "aplicacoes" da dita teoria. 0 me~mo ponto apo-

retico surge por urn outro vies, 0 da qHestao dos "ins-

trumentos": se consideramos (como e 0 caso, ha urn

seculc,~,.~para uma parte ,nao negligenciavll da humani-

dade) 6 marxismo domo a ciencia da historia posta em

pratica pelo proletariadc, devemos admitir que as pra-

ticantes da ciepcia em questao foram constrangidos a

"emprestar" do mundo social-historieo ixistente, logo

pre-marxista, ,tOda uma serie de instrumentos (institui-

C;6es ou "aparelhos", formas de organizacao, de prati-

cas, etc) para que esta ciencia-pratica pudesse se cons-. . /tituir - ao mesmo tempo como espaco de conhecimento

e como forca de intervencao na historia.

INa medida em que se trata de intervir na historia

obedecendo suas leis (0 que pressup6e que as IIcoisas-a-

40

saber" que concern em a hist6ria, a sociedade, a poli-

tic a . .. tern a estrutura das leis do tipo cientffico-gali-

leano) e absolutamente compreensivel que, como os pla-

nos inclinados e os guindastes de Galileu, os primeiros

"instrumentos" utilizados tenham sido tao dessemelhan-tes de suas novas finalidades "cientfficas", tao inade-

quados a sua funcao transformadora, em uma palavra ...

tao grosseiros, (So as utopistas inveterados podem crer

que e possivel construir ex nihilo tais instrumentos s6-

cio-politicos negando magicamente "0 peso do passa-

do").

Mas 0 problema crucial, 6 que, a medida em que

se deserivolvem as ." aplicacoes" do marxismo comociencia-pratica, os novos instrumentos, orgaos ou apa-

relhos (re)construidos sob sua responsabilidade "cienti-

fica" continuam a se :parecer, grosso modo, com as

estruturas anteriores - as vezes com agravantes que

sao mais do que deslizes acidentais: ·em particular 0

mesmo patchwork, a mesma falsa-aparencia da .homoge-

neidade logica - encaixando a estabilidade discursiva

propria as ciencias da natureza, a s tecnicas materiais e

aos procedimentos de gestao-controle administrativo -

nao deixou de reinar nas diferentes variantes do marxis-

mo. Em outros termos, e para dizer a coisa brutalmente,

as instrumentos nao seguiram a teoria nas suas "apli-

cacoes" . .. 0 que pode tambem se entender como 0

indfcio que a ciencia-pratica em questao niio foi jamais

(ainda?) aplicada verdadeiramente ...

Mas falar assim, e ainda supor urn "verdadeiro"

marxismo de reserva, utn marxismo "inincontra-

vel" 22. .• E, no fundo, repetir a denegacao do proprio

41

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Marx a proposito da interpretacao de sua obra; e ainda

identificar-se ao gesto de Marx, no que ele tinha de mais

autoprotetor.

Vamos parar de proteger Marx e de nos proteger

nele. Vamos parar de supor que lias coisas-a-saber" que

concernem 0 real s6cio-hist6rico formam um sistema

estrutural, analogo a coerencia conceptual-experimental

galileana 23. E procuremos medir 0 que este fantasma

sisternico implica, 0 tipo de ligacao face aos "especia-

listas" de todas as especies e instituicoes e aparelhos

de Estado que os empregam, nf io para se colocar a si

mesmo fora do jogo ou fora do Estago(!), mas paraI

tentar pensar os problemas fora da negat;:ao marxistada interpretacao: isto e , encarando 0 Lato de que a

hist6ria e uma disciplina de interpretdr,:ao e nfio uma

fisica de tipo novo.

j )

/42

I

!III. LER, DESCREVER, INTERPRET AR

)Interrogar-se sobre a existencia de urn real proprio

a s disciplinas de interpretacao exige que 0 nao-logica-

mente-estavel nao seja considerado a priori como urn

defeito, urn simples fura no real.

E supor que - entendendo-se 0 "real" em vanossentidos - possa existir urn outro tipo de real diferente

dos que acabam de ser evocados, e tambem urn outre

tipo de saber, que nao se reduz a ordem das "coisas-

a-saber" ou a urn tecido de tais coisas. Logo: um real

constitutivamente estranho a univocidade 16gica, e urn

saber que nao se transmite, nao se aprende, nao se en-

sina, e que, no entanto, existe produzindo efeitos.

o movimento intelectual que recebeu 0 nome de

41 estruturalismo" (tal como se desenvolveu particular-

43

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mente na Franca dos anos 60, em torno da lingiiistica,

da antropologia, da filosofia, da politica e da psicana-

lise) pode ser considerado, desse ponto de vista, como

uma tentativa anti-positivista visando a levar em conta

este tipo de real, sobre 0 qual a pensamento vern dar,

no entrecruzamento da linguagem e da historia.

Novas praticas de leitura (sintomaticas, arqueologi-

cas, etc ... ) aplicadas aos monumentos textuais, e de

inicio aos Grandes Textos (cf . Ler 0 Capital), surgiram

desse movimento: 0 principio dessas leituras consiste,

como se sabe, em multiplicar as r e l a c o e s entre 0 que edito aqui (em tal lugar), e dito assim ~J nao de outro

jeito, com 0 que e dito em outro lugar e de outro modo,a fim de se colocar em posicao de "entinder" a pre-

senca de nao-ditos no interior do que e elito.

Colocando .que "todo fate ja e uma interpretacao"

(referencia antipositivista a Nietzsche)ljas abordagens

estruturalistas tomavam 0 partido de des' rever os arran-

jos textuais discursivos na sua intrinca9~ material e,

paradoxalmente, colocavam assim em suspenso a.produ-

~o de interpretacoes (de representacoes de conteiidos,Vorstellungen) em, proveito de uma pura descricao

(Darstellung) desses arranjos. As aborda~ens estrutura-

listas manifestavam assim sua recusa de se constituir

em "ciencia regia" da estrutura do real. No entanto,

veremos daq ui Ia pouco como elas puderam ceder por

sua vez a este fantasma e acabar por aparentar umaU • '" • I. ,j

nova clencl~ regia

Mas e preciso antessublinhar que ern nome de

Marx, de Freud, e de Saussure, uma base te6rica nova,

44

politicamente muito heterogenea, tomava forma e de-

sembocava em uma construcao critic a que abalava as

evidencias literarias da autenticidade do "vivido ", assim

como as certezas "cientfficas" do funcionalismo positi-

vista. Lembro como, no infcio de Ler 0 Capital, A I-

thusser marca 0 encontro desses tres campos:

"Foi a partir de Freud que comecamos a suspeitar

do que escutar, logo do que falar (e calar) quer dizer:

que este "quer dizer" do falar e do escutar descobre,

sob a inocencia da fala e da escuta, a profundeza deter-

min ada de um fundo duplo, 0 "quer dizer" do discurso

do inconsciente - este fundo duplo do qual a l ingi i fs-

tica rnoderna, nos mecanismos da linguagem, pensa osefeitos e condicoes formals" (p. 14-15).

o efeito subversivo da trilogia Marx-Freud-Sans-

sure foi urn desafio intelectual engajando a promessa

de uma revolucao cultural, que coloca em causa as evi-

dencias da ordem humana como estritamente bio-social.

Restituir alga do trabalho especffico da letra, do

sfrnbolo, do vestigia, era comecar a abrir uma Ialha no

bloco compacto das pedagogias, das tecnologias (indus-

triais e bio-medicas), dos humanismos moralizantes ou

religiosos: era colocar ern questao essa articulacao dual

do biol6gico como social (excluindo 0 simbolico e 0

significante). Era urn ataque dando urn golpe no narci-

sismo (indiv idual e coletivo) da consciencia human a (cf.

Spinoza e seu tempo), urn ataque contra a eterna nego-

ciacao de "si" (como mestrejescravo de seus gestos,

palavras e pensamentos) em sua relacao com 0 outro-si.

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Em uma palavra: a revolucao cultural estruturalista

nao deixou de fazer pesar uma suspeita absolutamente

explicita sobre 0 registro 'do psicologico (e sobre as psi-

cologias do "ego",' da "consciencia", do "comporta-

mento " ou do "sujeito epistemico"). Esta suspeita nao

e, pois, engendrada pelo odio a humanidade que fre-

qiientemente se emprestou ao estruturaJismo; ela traduz

o reconhecimento de urn fato estrutural proprio a ordemhumana: 0 da castracao simbolica.

Mas ao mesmo tempo, esse movimento anti-nar-

cfsico (cujos efeitos politicos e culturais nao estao, vi-

sivelmente, esgotados) balancava em uJ}1anova forma

de narcisismo teorico, Digamos: em um narcisismo daestrutura. i

Esse narcisismo teorico se marca, na inclinacao es-

truturalista, pela reinscricao de suas "leituras" no espaco

unificado de uma logica conceptual. I I } suspensao da

interpretacao (associada aos gestos de'~critivos da lei-

tura das montagens textuais) oscila assilllJem uma espe-

cie de sobre-interpretacao estrutural da ~ontagem como

efeito de conjunto: esta sobre-interpretacao faz valer 0

"te6rico" como umaespecie de metalfngua, organizada, I

ao modo de uma rede de paradigmas. Aysobre-interpre-

ta<;ao estruturalista funciona a partir 'de entao como

um dispositive de traducao, transpondo "enunciados em-

pfricos vulgares" em "enunciados estruturais concep-

tuais"; esse funcionamento das analises estruturais (e

em particular do que poderfamos chamar 0 materialismot .

estrutural ou 0 estruturalismo politico) permanece assim

secretamente regido pelo modelo geral da equivalencia

interpretativa. Para esquematizar:

46

Seja 0 enunciado empmco Pl (por exemplo: "0

rosto do socialismo existente esta desfigurado ")

Pl nao significa defato outra coisa que ...

e 0 mesmo em termos teoricos que dizer

que ...

dito de outro modo ...

quer dizer ...

o enunciado teorico P2 (por exemplo "a ideo-

logia burguesa domina a teoria marxista").

E antes de tudo esta posicao de desvio teorico,

seus ares de discurso 'sem sujeito, simulando os proces-

sos matematicos, que eonferiu as abordagens estruturais

esta aparencia de nova "ciencia regia", negando como

de habito sua propria posicao de interpretacao,

o paradoxo desse inicio dos anos 80, e que 0

deslizamento do estruturalismo politico frances, seu des-

moronamento enquanto "ciencia regia" (que no entanto

continua a produzir efeitos notadamente no espaco la-

tino-americano) coincide com um crescimento da recep-

9ao dos trabalhos de Laean, Barthes, Derrida e Fou-

cault no dominio anglo-saxao, tanto na Inglaterra quanto

na Alemanha, assim como nos EUA. Assim, por urn

estranho efeito de oscilacao, no 'memento preciso em

que a America descobre 0 estruturalismo, a intelectua-

lidade frances a "vira a pagina", desenvolvendo um res-

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sentimento rnacico face a teorias, suspeitas de terem

pretendido Ialar em nome das massas, produzindo uma

longa serie de gestos simb6licos ineficazes e performa-

tivos politicos infelizes.

. Esse ressentimento e urn efeito de massa, vindo

"de baixo ": uma especie de contra-golpe ideol6gico que

forca a refletir, e que niio poderia ser confundido com

o covarde alfvio de numerosos intelectuais franceses

que reagem descobrindo, afinal, que a "Teoria" os ha-

via "intimidado tI ! t

A grande forca dessa revisao crftica, e colocar im-

piedosamente em causa as alturas te6ritas no nfvel dasquais 0 estruturalismo politico tinha ~Jetendido cons-

truir sua relacao com 0 Estado (eventuafmente sua iden-

tificacao ao Estado - e especialmente com 0 Partido-

Estado da revolucao). Este choque em, retorno, obriga

os olhares a se voltarem para 0 que sB,passa realmente

"em baixo tI , nos espacos infraestatais que constituem a

ordinario das massfs, especialmente em j#riodo fIe crise.I

Em historia, em sociologia e mesmo nos estudos

Iiterarios, aparece cada vez mais explicitamente a preo-.' y

cupacao de §e colocar em posicao de entender esse

discurso, a maior parte das vezes silencioso, da urgencia

as voltas com os mecanismos da sobrevivencia: trata-se,

para alem da leitura dos Grandes Textos (da Ciencia,

do Direito, ,do Estado), de se por na escuta das circula-

coes cotidianas, tomadas no ordinario do sentido (cf.,, f

por exemplo, De Certeau, A Invenciio do Cotidiano,

1980). I

48

Simultaneamente, 0 risco que comporta esse mes-

mo movimento e bastante evidente: e 0 que consiste

em seguir a linha de maior .inclinacao ideologica e se

conceber esse registro do ordinaria do sentido como urn

fato de natureza psico-bio16gica, inscrito em u m a dis-

cursividade logicamente estabilizada. Logo, 0 risco de

urn retorno fantastico para as positivismos e filosofias

da consciencia.

Uma reuniao como esta poderia ser a ocasiao para

desmanchar alguns desses riscos, situando as modos e

os pontos de encontro maiores. De meu lado, (mas

exprimo af urn ponto de vista que nao me e pessoal:e uma posicao de trabalho que se desenvolve na Franca

atualmente 24) eu sublinharia 0 extrema interesse de

uma aproximacso, te6rica e de procedimentos, entre

as praticas da "analise da linguagem ordinaria" (na

perspectiva anti-positivista que se pode tirar da obra

de Wittgenstein) e as praticas de "leitura" de arranjos

discursivo-textuais (oriundas de abordagens estruturais).

Encarada seriamente (isto e , de outre modo que

apenas uma simples "troca cultural") essa aproximacao

engaja concretamente maneiras de trabalhar sobre as

materiaIidades discursivas, implicadas em rituais ideo-

logicos, nos discursos filosoficos, em enunciados poli-

ticos, nas formas culturais e esteticas, atraves de suas

relacoes com 0 cotidiano, com 0 ordinario do sentido.

Esse projeto s6 pode tomar consistencia se ele perma-

necer prudentemente distanciado de qualquer ciencia

regia presente au futura (que se trate de positivismos

ou de ontologias marxistas).

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Esta maneira de trabalhar imp6e urn certo mimero

de exigencias que e precise explicitar em detalhe, e

que nao posso evocar aqui senao rapidamente, para

acabar:

1. A primeira exigencia.consiste em dar 0 primado

aos gestos de descricao das materialidades discursivas,

Uma descricao, nesta perspectiva, nfio e uma apreensao

fenomenologica ou hermeneutica na qual descrever se

torna indiscernfvel de interpretar: essa concepcao da

descricao sup6e ao contrario 0 reconhecimento de urn

real especffico sobre 0 qual ela se insiala: 0 real da

lingua (d. J . Milner, especialmente em flAmour de la

Langue). Eu disse bern: a lingua. Isto e , tkm linguagem,

nem fala, nem discurso, nem texto, nem interacao con-

versacional, mas aquilo que e colocado pelos lingiiistas

como a condicao de existencia (de prin~io), sob a for-

ma da existencia do simbolico, no sentido de J akobson

e de Lacan.

lCertas tendencies recentes da lingiifstica sao bas-

tante encorajadoras desse ponto de vista. Aparecem

tentativas, a16Il}' do distribucionalismo h~risiano e do

gerativismo chomskiano para recolocar efu causa 0 pri-

made da 'proposicao logica e os limites impostos a ana-

lise como analise da sentenca (frase). A pesquisa lin-

giiistica comecaria assim a se descolar da obsessao da

ambigtiidade (entendida como l6gica do "ou... ou")

para abordar 0 proprio da lingua atraves do papel do

equivoco, d'a ·elipse, da falta, etc. .. Esse jogo de di-

ferencas, alteracoes, contradicoes nao pode ser conce-,

50

bido como 0 amolecimento de um micleo duro Ioglco:

a equivocidade, a "heterogeneidade constitutiva" (A

expressao e de T . Authier) da lingua corresponde a esses

IIartigos de fe" enunciados por J . Milner em "A Roman

Iakobson ou Ie Bonheur par la Symetrie" (in Ordre etRaisons de Langue, Seuil, Paris, 1982, p. 336):

"- nada da poesia e estranho a lingua

- nenhuma lingua pode ser pensada cornpleta-

mente, se af nao se integra a possibiIidade de sua

poesia".

Isto obriga a pesquisa lingiiistica a se construir

procedimentos (modos de interrogacao de dados e for-

mas de raciocinio) capazes de abordar explicitamente

o fato lingiiistico do equfvoco como fato estrutural im-

plicado pela ordem do simbolico. Isto e , a necessidade

de trabalhar no ponto em que cessa a consistencia da

representacao Iogica inscrita no espaco dos "mundos

normals". :E tambem 0 argumento que desenvolvemos,

F. Gadet e eu, no texto La Langue Introuvable (Mas-perc, Paris, 1981).

o objeto da Iingufstica (0 propria da lingua) apa-

rece assim atravessado por uma divisao discursiva entre

dois espacos: 0 da manipulacao de significacoes estabi-

lizadas, normatizadas por uma higiene pedag6gica do

pensamento, e 0 de transformacoes do sentido, esca-

pando a qualquer norma estabelecida a priori, de urn

trabalho do sentido sobre 0 sentido, tornados no relan-

car indefinido das interpretacoes,

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Esta fronteira entre os dois espacos e tanto mais

dificil de determinar na rnedida em que existe toda

uma zona intermediaria de processos discursivos (deri-

vando do [urfdico, do administrative e das convencoes

cia vida cotidiana) que oscilam em torno dela, r a nesta

regiao discursiva intermediaria, as propriedades 16gicas

dos objetos deixam de funcionar: os objetos tern e nao

tern esta ou aque1a propriedade, os acontecimentos tern

e nao tern lugar, segundo as construcces discursi vas

nas quais se encontram inscritos os enunciados que sus-

Itentam esses objetos e acontecimentos 25.

Este carater oscilante e pa:radoxal'ldo registro do

ordinaria do senti do parece ter escapade' cornpletamentea ~ntui9ao do movi~ent~ ~struturalista/este nIVe1.'foi

objeto de uma aversao teonca, "que 0 fee-bou totalmente

no inferno da ideologia dominante e do empirismo pra-

tico, considerados como ponto-cego, lugar de pura re-

producao do sentido 26. 1 / ;

De passagem, os estruturalistas acreditavam assim

na ideia de que 0 1 processo de transfolifnac;ao <interior

aos espacos do simbolico e do ideologico e urn processoEXCEPCIONAE: p momento heroico solitario do teo-

rico e do poetico (Marx/Mallarme), c0rr' trabalho ex-

traordinario de significante.

Esta concepcao aristocratica, se atribuindo de fa cto

o monopolio ,do segundo espaco (0 das discursividades

nao-estabilizadas Icgicamente) permanecia presa, mesmo

atraves de/sua inversao "proletaria",

avelhacerteza

elitista que pretende que as classes dominadas nao in-

ventam [amais nada, porque e1as estao muito absorvidas

52

peIas logicas do cotidiano: no limite, os proletarios, as

massas, 0 povo. .. teriam tal necessidade vital de uni-

versos logicamente estabilizados que os jogos de" ordem

simbolica nao os concerniriam! Neste ponto preciso, a

posicao teorico poetica do movimento estruturalista einsuportavel 27. Por nso ter discernido em que 0 humore 0 trace poetico nao sao 0 "domingo do pensamento",

mas pertencem aos meios fundamentais de que dispoe

a inteligencia politica e teorica, ela tinha cedido, ante-

cipadamente, diante do argumento populista de urgen-

cia, ja que ela partilhava com ele implicitamente 0

pressuposto essencial: os proletarios nao tern (0 tempo

de se pagar urn luxo de) urn inconscientel

2. A ccnseqiiencia do que precede e que toda

descricao - quer se trate da descricao de objetos ou

de acontecirnentos ou de urn arranjo discursive-textual

nao muda nada, a partir do momenta em que nos pren-

demos firmemente ao fato de que "nao ha metalingua-

gem" - esta intrinsecamente exposta ao equfvoco dalingua: todo enunciado e intrinsecamente suscetivel de

tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar dis-

cursivamente de seu sentido para derivar para urn outro

(a nao ser que a proibicao da interpretacao propria ao

logicamente estavel se exerca sobre ele explicitamente).

Todo enunciado, toda sequencia de enunciados e , pois,

linguisticamente descritivel como uma serie (Iexico-sin-

taticamente determinada) de pontos de deriva possfveis,

oferecendo lugar a interpretacao, E nesse espaco que

pretende trabalhar a analise de discurso.

53

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E e neste ponto que se encontra a,questao das dis-

cipIinas de interpretacao: e porque hi0 Dutro nas sccie-

dades e na historia, correspondente a esse outro proprio

ao linguajeiro discursivo, que af pode haver ligac;:ao,

identificacao ou transferencia, isto e, existencia de urna

relacao abrindo a possibilidade de interpretar. E e por-

que ha essa ligacao que as filiacoes historicas podern-se

organizar em memorias, e as relacoes sociais em redes

de significantes.

Ii • Ib "De onde 0 fato que as coisas-a-sa er que ques-

tionarnos mais acima nao sao jamais visfveis em desvio,

como transcendentais historicos ou episjemes no sentido

de Foucault, mas sempre tomadas em redes de memoriadando lugar a filiacoes identifieadoras nao a apren-

dizagens por interacao: a transferenci nao e uma "in-

teracao ", e as filiacoes historicas nas quais se inscre-

vern as individuos nao sao "maquinas de aprender".

I iDesse ponto de vista, I) problemf principal e de-

terminar nas praticas de analise de dis~furso0 lugar .e

o momento da iqt,~rpretac;ao, em relac;a5 aos da desert-

C;ao:dizer que nfio se trata de duas fases sucessivas,mas de uma alternancia ou de urn batimento, ~ao im-

plica que' a - d e s c r i c a o e a interpretac;:~ sejam conde-

nadas a se entremisturar no indiscernivel.

Por outro lado, dizer que toda descricao abre sobre

a interpretacao nao e necessariamente supor que ela

abre sobre; "nao importa 0 que": a descricao de urn

er.anciado' au de uma sequencia coloca necessariarnente- I

em jogo (atraves da deteccao de lugares vazios, de elip-

ses, de negacoes e interrogacoes, mtiltiplas formas de

54

discursa relatado ... ) 0 discurso-outro como espaco vir.

tual de leitura desse enunciado ou dessa sequencla.

Esse discurso-outro, enquanto presenca virtual na

materialidade descritfvel da sequencia, marea, do inte-rior desta materialidade, a insistencia do outro como

lei do espaco social e da memoria historica, logo como

o pr6prio principio do real soeio-historico. E e nisto

que se justifica 0 termo de disciplina de interpretaeao,

empregado aqui a proposito das discipIinas que traba-lharn neste registro.

o ponte crucial e que, nos espacos transferenciais

da identifieac;:ao, constituindo uma pluralidade eontra-ditoria de filiac;6es hist6rieas (atraves das palavras, das

imagens, das narrativas, dos discursos, dos textos,

et y . . . ) , as "coisas-a-saber" coexistemassim com' obje-

tos a proposito dos quais ninguem pode estar seguro

de "saber do que se fala", porque esses objetos estao

inscritos em uma filiacaoe nao sao a produto de urna

aprendizagem: isto aconteee tanto nos segredos da es-

fera familiar "privada" quanta no nivel "publico." das

instituic;6es e dos aparelhos de Estado. 0 fantasma daciencia regia e justamente a que vern, em todos as

nfveis, negar esse equfvoco, dando a Husao. que sempre

se pode saber do que se fala, isto e, se me compreen-

dem bern, negando a ato de interpretat;:ao no propriomemento em que ele aparece.

3. Este ponto desemboca sobre a questao final da

discursividade como estrutura au como. econteclmento.

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A partir do que precede, diremos que 0 gesto que

consiste em inscrever tal discurso dado em tal serie, a

incorpora-lo a urn "corpus", corre sempre 0 risco de

absorver 0 acontecimento desse discurso na estrutura da

serie na m~dida em que esta tende a funcionar como

transcendental hist6rico, grade de leitura ou mem6riaantecipadora do discurso em questao, A nocao de "for-

macao discursiva" emprestada a Foucault pela analise

de 'discurso derivou muitas vezes para a ideia de uma

maquina discursiva de assujeitamento dotada de uma

estrutura semi6tica interna e por isso mesmo voltada

a repeticao: no limite, esta concepcao estrutural da

discursividade desembocaria em urn ~apagamento do

acontecimento, atraves de sua absort;:ad em uma sobre-

interpretacao antecipadora. iNao se trata de pretender aqui que todo discurso

seria como urn aerolite miraculoso, 'independente das

redes de mem6ria e dos trajetos s o c i 4 j s nos quais ele

irrompe, mas de sublinhar que, s6 por sua existencia,

todo discurso. marca a possibilidade d t uma desestru-

turat;:ao-reestrutmJt;:1iodessas redes e trajetos: todo dis-

CUl:SO e 0 fndice potencial de uma agitacao nas filia-

~oes socio-historicas de identificacao, na medida em

que ele constitui ao mesmo tempo uiil efeito dessas

filiacoes e ti~ trabalho (mais ou menos consciente, de-

liberado, construido au nao, mas de todo modo atra-

vessado pelas determinacoes inconscientes) de desloca-

menta no siu espaco: nao ha identificacao plenamente

bern sucedida isto s, ligat;:ao socio-historica que naoI ' .

seja afetada, de uma maneira ou de outra, por uma"Infelicidade" no sentido performativo do termo -

56

isto e ; no caso, par urn "erro de pessoa", isto e , sabreo outro, objeto da identificacao.

E mesmo talvez uma das razoes que fazem que

exista alga como sociedades e hist6ria, e nao apenasuma [ustaposicao ca6tica (au uma integracao supra-or-

ganica perfeita) de .animais humanos em Interacao ...

A posicao de trabalho que aqui evoco em referen-

cia a analise de discurso nao supce de forma alguma

a possibilidade de algum calculo dos deslocamentos de

filiacao e das condicoes de felicidade ou de infelicidade

evenemenciais. Ela sup5e somente que, atraves das des-

cricoes regulares de montagens discursivas, se possadetectar os momentos de interpretacoes enquanto atos

que surgem como tomadas de posicao, reconhecidas

como tais, isto e , como efeitos de identificacgo assumi-dos e nfio negados.

Face as interpretacoes sem margens nas quais 0

interprete se coloca como urn ponto absolute, sem Dutro

nem real, trata-se ai, para mim, de uma questao de

etica e politica: uma questao de responsabilidade.

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I

I

/

NOTAS

1. Esta tradi~lio e referivel bibliograficamente por uma sene

de publicacoes, em particular dos mimeros da revista Lan-

gages (11, 13, 23, 24, 37, 41, 52, 55, 62 ... ). Cf. igual-

mente a recente coletanea Mauirialites Discursives, PUL,

Lille, 1981.

* N. do T. - Em frances " a la une" que [oga com 0 sentido

de unico (une), ao mesmo tempo em que evoca 0 canal

"[chaine] frances" de televislio mais importante (Une). Ten-

tamos aqui reproduzir 0 efeito de sentido: global (0 que

pega tudo, e a Globo),

2. Cf., por oposicao, os slogans politicos "classicos" dos anos

60-70, construidos sobre os ritmos de marcha: "ce n'est/

qu'un debut/continuous le/combatl" ["6 so/urn comeco/

continuemos o/combate"] ou "nous voulons/nous aurons/

sa/-tisfaction!" ["n6s queremos/nos teremos/sa/tisfacao"].

3. Apesar dos gritos, trombetadas e agita~ao que acompanham

a a"ao dos jogadores, a nlio-participa"ao direta dos espec-tadores nesta a~ao permanece como condicao do aconteci-

mente esportivo.

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4. Trata-se antes de tudo do "vedetariado" politico, volun-

tario ou nao, determinado pela bipolarizacao eleitoral,

feita pela mass-media, dos confrontos parlamentares em

regime presidencialista: a psicologizacao dos conflitos,

atraves da ret6rica do suspense, da reconciliacao e da

disputa, vai de par com uma informacao das "bases" que

passa agora mais rapids pelo canal de TV que pelos canaishierarquicos internos das organizacces sindicais e poll-

ticas. 0 todo se coloca no contexte de uma crise profunda

da esquerda a qual a "crise do marxismo" faz eco de

modo especifico. Da "Nova Filosofia" ao "Tudo foi por

agua abaixo" aparecido em 1978 ("Franc;a, tua filosofia,

tua politica, etc estao se mandando!") ePlerge uma derisiio

objetiva e subjetiva da "politica" suscetlvel de desembocar

na "carnavalizacao": cf. por exemplo 0 papel do comico

popular frances Coluche, fazendo pose j}e lancar sua can-

didatura nas eleicoes presidenciais de 11981, com 0 apoio

desesperado e ironico de uma parte da jnteligentsia. Estaevolucao da alta inteligentsia frances" se efetuou POf

etapas: os intelectuais dos anos 60 se engajaram em seus

trabalhos como a gente se engaja em uma guerra (even-

tualmente uma guerra civil). Pouco a pouco, a figura cen-

tral passou da luta "politica" para 0 cogfronto com 0 anio

do espaco solitario da "escritura", Hojei!a nova forma que

tende a se impor e a da performance (rnais freqiientemente

em solo, mais r.,aramente em equipe): J ' I significacao es-

portiva do termb se junta, lateralmente a conotacao do

espetaculo, induzida pelo usa anglo-americano do termo

"performance" .

Essa evolucrlio 'nao arrisca melhorar a rela9ao bastante

doentia que uma parte da inteligentsia a(rlericana entretem

tradicionalmente com os "incompreensiveis" produtos inte-

lectuais franceses, relac;:ao rnarcada por uma oscilacao equi-

voca entre a fascinacao dos grandes-padres e 0 cornico

(deliberado ou nao)" dos clowns da cultura.

5. A analise de discurso, tal como ela se desenvolve atual-

mente ,£obre as bases evocadas mais acima, se da precisa-

mente como objeto explicitar e descrever montagens, arran-

ios socio-historlcos de ccnstelacoes de enunciados.

60

6. Observamos aqui urn efeito impIfcito de traducao para-

frastica cia forma "F. Mitterand foi eleito presldente. auseja: "on a gagne" ["ganhamos"J. Na passagem, "on" se

identifica a F . . Mitterand ...

7. Jacques Mandrin, Le Socialisme en France, p. 19.

8. Nas rnanifestacoes de nascimento do acontecimento do

dia 10 de maio de 1981, ha (entre outros presentes estra-

nhos) 0 paradoxo do papel involuntariamente facilitador

desempenhado pela direcao do P'CF: como se, desenca-

deando uma subita polemica anti-PS, os dirigentes comu-

nistas tivessem, eles proprios, acentuado a perda da· influen-

cia global da corrente cornunista (e de suas capacidades

mobilizadoras) e Iivrado a esquerda da hipoteca de uma

tomada de poder dorninada por urn pro-sovietismo mais

ou menos confesso (a referenda ao "balance globalmente

positivo" do "socialismo existente"):De on de se segue: urn governo de esquerda que engaja

uma politica audaciosa de reformas estruturais profundas

(as nacionalizacoes, por exemplo) mas sem a mobilizacao

popular que deveria (em boa analise marxista classica)

sustentar e controlar 0 estabelecimento dessas reformas.

Como se 0 PCF e a CGT tivessern perdido totalmente sua

capacidade historica de mobilizacao, e como se essa capa-

cidade mobilizadora permanecesse irrecuperavel para as

outras organizacdes e movimentos de esquerda. Ainda que

hoje, na Franca, e sobretudo a oposicao (as forcas de

direita, "novas direitas" e extrerna-direita) que se mobi-liza ...

9. Cf. Jacques Mandrin: "Nos tomamos 0 poder no sentido

exato do termo?", op. cit. p. 119.

A. vitoria da Esquerda em maio de 81, advinda do fundo

de mais de 29 anos de fracassos eleitorais, evoca esta

situacao chapliniana do infeliz que se esforca, -sem des-

canco, em lancar uma bola numa cesta e que, a cada

vez, erra 0 lance. Ate 0 momento em que, exausto, ele

se volta e se vai, jogando negligentemente a bola por cimado ombro: e ai que, suprema facecia da historia... a

bola cai direitinho dentro da cesta! Este deslocamento in-

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coerente nao apaga 0 trabalho obstinado da paciencia

infeliz. Mas tampouco nao a transfigura, em urn longo

projeto finalmente concluido: a politica francesa e tomada

inteiramente nesse deslocamento,

10. Deixo de lado as posicoes da direita, bern ilustradas inte-

lectualmente pelos escritos recentes de Baudrillard sabre 0"extase do socialismo". "On a gagne" ["Ganhamos"J e

interpretado como "a esquerda,. a gente esta pagando"

(para ver, para rir?) e, em seguida, a gente e ganho pela

esquerda como par urn processo, uma doenca: "Isso ger-

min a, germina, incuba, explode e invade tudo de uma so

vez. E exatamente como em Alien. A es~uerda, eo monstro

de Alien". A l'Ombre des: Majorites Silencieuses, p. 97.

11. Eu me refiro aqui a n09ao de. "marcas de distancia" que

foi objeto de pesquisas recentes: cf.~ em particular 1.

Authier "Paroles Tenues it Distance", i Materialites Dis-

cursives (op. ci t.), cf. igualmente as an~IJses desenvolvidas

por D. Sperber sobre as nocdes de repMldur;ao, de descri-

r;ao e de interpretacao em Le Savoir des Anthropologues,

Hermann, Paris, 1982.

Oreal das ciencias da natureza e lWreendido por elas

atraves do impossivel que surge no 'ebtrecruzamento de

escritas conceptuais reguladas e montagens experimentais

tecnicamente controladas. Desse ponto 4e vista, e trivial

lembrar que a matematicas sao tamlfem uma ciencia

experimental, tUjas montagens sao as escrituras elas pro-- Iprras.

Oreal das tecnologias materiais recobre parcialmente a

das ciencias da natureza, na medida em ftiue as tecnologias

constituem urn elemento indispensavel a s experimentacoes

destas, mas que vao largamente alem, atraves do usa de

uma massa de objetos tecnicos: a relar;ao com a disjunr;ao

logica vira do lado magico (com seus ritos eficazes, seus

tabus e sJas proibicoes).

Quanto lao real das gestoes administrativas, que se apre-

senta, tern nossos dias, de boa vontade,. como urn real

tecnico de tipo particular (cf. as "tecnologias socials"),

ele .esta fundamentalrnente do lado do proibido, mesmo

12.

62

se ele se estabelece - em nossas sociedades industrials

em particular - sobre 0 real das tecnologias e sobre 0

das cicncias da natureza, nele encontrando os meios de

gerir 0 imenso registro da producao, e igualmente 0 da

destruicao,

13. Kant: "Chama pragmatica (regra de prudencia) a lei pra-tica que tern como motiv.o a felicidade" (Grrtlea da RaziioPura) .

14. Cf. os trabalhos sobre as "artes de memoria". Em particular

A. Yate The Art of Memory, Londres 1966; tr, fr. L'Art

de la Memoire, Paris, Gall imard, 1975.

15. Uma vez que foi posto fogo em uma granja,' a propagacao

do incendio depende da estrutura do madeiramento e das

aberturas, da natureza e da disposicao dos materials e dos

objetos que ela contem, da direcao do vento, etc e niio

da vontade expressa pelo incendiario (de suas :impreca-

9ges, palavras de vinganca, etc).

16. "Justificar" nao equivale a "produzir", A escolastica : nao

produziu a inquisicao, 0 marxismo nao engendrou 0 Gulag,

o neo-positivismo nao inventou a servidao voluntaria, nem

o desejo de urn controle cientifico universal. Mas a cap a -

cidade justificadora desses sistemas filosoficos e , no en-

tanto, absolutamente incontestavel.

17. Pouco importa, no caso, que esses saberes sejam negados.

Todo mundo os leva em conta praticamente, como urn pe-destre leva em conta os carros para nao se deixar afro-

pelar, mesmo se professa, por outro lado, 0 idealismofilosoficol

18. Cf. a perspectiva discontinuista engajada pelos trabalhos

de A. Koyre face ao continuismo de Duhern, '

19. Cf. 0 recente livro de 1.-M. Levy-Leblond, L'Esprit du sel,Fayard, 1981.

20. Esta questao recebeu uma rcsposta afirmativa explfcita no

quadro do "estruturalismo historico" dos primeiros traba-lhos althusserianos, colocando 0 material ismo historico co-mo "ciencia da historian.

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21. Faco alusao aqui a urn artigo recente de N. Loraux, his-

toriadora, intitulado "Thucydide n'Est pas un Collegue".

Esta expressao retoma 0 titulo de urn Iivro de D. Lin-

denberg Le Marxisme lntrouvable, (Calmann-Levy, Paris,

1975) percorrendo alguns dos avatares historicos desse

joga de esconde-esconde entre as "marxismos eruditos"

(da catedra universitaria ) e as "marxismos vulgares" (as

"catecismos para 0 usa das massas"); 0 neo-marxismo

anglo-americana e amplamente, nos seus desenvolvimentos

atuais, urn efeito universitario (Iigado em grande parte a srecaidas do estruturalismo politico europeu), isto e , urn

marxismo sem "orgaos". .. que nao sejam intelectuais. 0

que nao quer, alias, dizer que, cam alajuda do espirito

"pragmatico" da cultura anglo-americana, este efeito nao

tenha repercussoes sobre 0 campo cultural, ideol6gico e

polltico, e que ele nao reserve algumaJsurpresa aos que

celebram "0 fim do marxismo"! ,

Uma expressao como "a Iogica do capi~al" remete a urn

real a proposito do qual hi "coisas-a-saber", Mas seria

concebivel responder cam urn sim ou nao quest5es totais

do tipo "a governo frances atual opoe-se a 16gica do capi-

tal?", ou entao, "N6s tomamos, no senti4,o exato do termo,

o poder"? (J. Mandrin, op. cit., p. 119)!

24. Para maiores detalhes sabre 0 desenvol'fmento atual da

analise de disCU1;SOna Franca, ver as nfuneros 4 e 6 da

revista Mots, e ,0 conjunto da coletanea ja citada, Mate-rialites Discussives (em particular os artigos de 1. 1. Cour-

tine e I.-M. 'Marandin "Quel Objet pour l'Analyse de Dis-

cours?" e 'de A. Lecomte "La Frontiert Absente"). Ver

igualmente" J.-M. Marandin "Approches Morphologiques

en Analyse de Discours".

22.

23.

25, Cf. as observacoes anteriores a proposito dos referenciais

possiveis associaveis ao enunciado "On a gagne!" ["Ganha-

most"]. Poderlamos evidenternente desenvolver observacoes

de mesma ordem sabre expressoes como "a vontade do

povo", "a liberdade" (de pensar/de precos), "a austeridade"

vs "p rigor", etc.

64

26. Este problema constitui urn dos pontos fracos da reflexao

aithusseriana sobre os Aparelhos Ideologicos de Estado, e

das primeiras aplicacoes desta reflexao no dominio da

analise de discurso na Franca.

27. 0 odio ao ordinaria nutre 0 culto anti-intelectualista desse

mesmo ordinario: urn certo estruturalismo esoterico ali-

mentou a odio anti-filosofico, expresso, por exemplo, pela

sociologia de P. Bourdieu,

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