Entreosdoisportaisdotempo 15

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Essa coletânea reúne alguns poemas, contos, crônicas e peça de teatro de Cacilda Franco Ribeiro. Todos os personagens dos contos são fictícios. As crônicas “A Faixa de Gaza”, “A Cordilheira Iluminada”, “Viagem à Terra dos Faraós” narram fatos reais, que baseiam-se em viagens da autora pelo mundo. Os contos apresentam narrativas que podem acontecer em qualquer época. Na cidade de Gabiroba, no conto “O Apito do Linguiça”, todos são conhecidos por apelidos...

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Entr E os Dois porta is Do tEMpo

C a c i l d a F r a n c o R i b e i r o

Existem dois portais:O primeiro é quando nascemos.O segundo é quando morremos.

Entre os dois, está a vida que a gente leva.

São Paulo 2015

Entr E os Dois porta is Do tEMpo

Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa Jacilene Moraes

Diagramação Camila C. Morais

Revisão Mariana M. Benicá

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

________________________________________________________________R368e

Ribeiro, Cacilda Franco Entre os dois portais do tempo/Cacilda Franco Ribeiroa. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2015. il.

ISBN 978-85-437-0158-5

1. Poesia brasileira. I. Título.

15-19432 CDD: 869.91 CDU: 821.134.3(81)-1________________________________________________________________22/01/2015 22/01/2015

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 – 3º andarCEP 01012-010 – Centro – São Paulo - SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

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o Enigma "sauDa DE"

A saudade se apresenta... às vezes,como se fosse uma chuva, fininha...Dessas que molham as floresgentilmente na primavera.Ou, de repente...Como uma tempestade,com trovões, relâmpagos eventos a cento e vinte por hora.Ela faz com que nossos olhosvertam água aos borbotões.Nossos corações e mentesquerem correr para algum lugar,não se sabe para onde.Nossas almas se apertam,e o nó na garganta,muitas vezes nos sufoca.

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A imagem daquilo que se apresentaem nossa imaginação,às vezes se aviva como se estivéssemosvivendo isso agora.Outras vezes, se apaga comoum relâmpago rasgando o céude nossas almas iluminadas.Quando a saudade é boa,sorrimos sem notar.Quando é uma saudade doída,Nos traz sofrimento.Dizem que saudade não tem plural.Ela é única em cada ser.“É um enigma saudade.”

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"o tilintar Da s moEDa s DE ouro"

Parte I

a prometida

Em uma aldeia do povo Essênio, tudo corria bem. Muitos anos antes de Cristo vir ao mundo, as

mulheres teciam suas vestimentas, agasalhos e rou-pas em geral para a casa.

Quanto aos homens, tosquiavam seus carneiros e cuidavam de seus rebanhos. Elas que se encarregas-sem de fiar e dividir as tarefas do dia a dia. A comida era parca. Nada do que se come hoje era conhecido.

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Esse povo foi praticamente um dos primeiros se-res que andou pelas terras de Jericó, lá pelas bandas de Israel que conhecemos hoje! Era um povo muito unido, mas sabe como é...

Sempre tem um ou outro, que hoje chamamos de ovelha negra, dentro de qualquer rebanho.

Quino, um lindo rapaz, mas muito pobre, pos-suía só a sua barraca coberta com lã de carneiro negro.

Sua pretensão, desde garoto, era se casar com Maires, a prometida de outro homem da tribo.

Laméque era o noivo escolhido pela tribo e pela família da noiva. Ele era um homem de melhores posses para a época, claro. Podia pagar o que a noiva exigia de dote: dez carneiros fornidos de boa pelagem e que tivessem boas parideiras. Era essencial para o aumento do rebanho, sem dúvida.

Maires era observada pelos dois pretendentes com avidez. Só que o dote de Laméque já estava mais do que garantido. Dez ovelhas que deveriam ser en-tregues alguns dias antes do casamento. O noivo não podia nem demonstrar seu interesse. A noiva tinha que ter um recato acima de tudo!

Quino estava tão desesperado que até pensou em matar Laméque, para tirá-lo de seu caminho.

As olhadelas de Maires para ele demonstravam que ela estava a fim dele também. Ele nem dormia mais com a aproximação das bodas. As lindas tranças da menina roçavam seu rosto em sonhos!

Um dia lindo, em que a natureza capricha, Qui-no resolveu esperá-la como quem não quer nada, na

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fonte em que ela, em seu cântaro, apanhava água para sua família. Era sempre a mulher que mais trabalhava também naquelas remotas eras. Abordou-a com todo o respeito dizendo:

“Agora que já completou quinze anos, já pode se casar. Quer se casar comigo?”

Ela envergonhada, mas feliz, respondeu:“Sou a prometida pelos meus pais e pela tribo

para Laméque, não posso fazer nada, Quino!!!”“Mas só para tirar uma dúvida: se eu fosse rico e

pudesse pagar seu dote, ficaria feliz?”Perguntou sem tirar os olhos da linda morena

azeitonada e de olhos negros, de corpo bem feito.As roupas de Maires eram bem estruturadas e

limpas. Lenço na cabeça, sandálias de couro e saia lon-ga de cores claras, como a blusa. Não usava adereço nenhum. A moda era por dezenas de anos a mesma. Não se preocupavam com isso! Ela, olhando-o nos olhos pela primeira vez, disse:

— Tenho uma certa inclinação pelo senhor, sim! Mas longe de mim causar problemas para mi-nha família e tribo. Desculpe-me, mas preciso levar esta água para que seja providenciado nosso almoço! E depois de dizer isso, se foi pelo caminho, que era bem distante de sua casa.

Nossa! Quino estava tão desesperado em arru-mar uma solução que deu um pulo para trás quando um tilintar de moedas jogadas ao ar o surpreendeu! O silêncio do lugar o fez estremecer.

Soltou seu cajado ao chão, e apanhou as três moedas com muito medo.

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Se haviam caído aos seus pés, é porque deve-riam ser suas. Pensou: agora sim posso pagar o dote de minha amada. Por que será que justo a ele foram oferecidas? Não sabia o que estava escrito nelas.

Resolveu mostrá-la ao chefe da tribo, um velho barbudo e sábio. Foi assim, conjecturando, até che-gar ao destino. Como era sempre antes de marcar uma, digamos, audiência com este sábio, ele não sa-bia como abordar um assunto desses. Não tinha o menor traquejo social, o pobre. Será que o senhor Lino o atenderia? Corajosamente, bateu palmas em frente à porta de madeira. A cabana era de pedras e bem simples, mas, pelo menos, ele tinha um teto, pensou Quino, gritando, e gritando:

“Senhor Lino. Senhor Lino, desculpe-me inco-modá-lo, mas é caso de vida e morte!

Sou Quino, e preciso dar uma palavrinha com o senhor.”

O velho abriu a porta, colocou a mão direita so-bre os olhos, devido à claridade. Observou o belo ra-paz de cerca de dezenove anos, moreno claro e de be-los dentes, convidou-o a entrar com uma reverência.

“Entre, se me faz favor, o que o traz com tanto afogueamento? Algum crime ou coisa parecida?”

Não! Meu senhor, falei vida ou morte por causa de minha paixão por Maires, que é minha vida, e de mor-te porque se não me casar com ela, morrerei de amor!

Ela está prometida a outro rapaz, que pode pagar o dote. Só que eu, por um acaso do destino, fui presentea-do com essas moedas de ouro, que apareceram aos meus

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pés. Juro que não as furtei de lugar algum. Nem sei ler o que nelas está escrito, veja com seus próprios olhos.”

Estendeu a mão direita e deu ao senhor Lino as moedas.

Surpreso de arregalar os olhos, Lino disse:“Nunca vi nada mais belo! Isso pagará o dote e

ainda sobrará muito, garanto. Só resta enfrentar o noivo e a família da noiva. Por mim: tudo bem...” Quino respondeu tremulamente:

“Por favor, senhor Lino, me ajude. Não sei falar coisas bonitas e nem bajular as pessoas, estou com o coração em suas mãos!”

Lino devolveu as moedas ao jovem, pediu para esperar enquanto ele se aprumava um pouco, e lá se foram procurar uma solução para o grande problema.

A intenção do velho e do moço eram as mesmas. Dar um final feliz para uma história de amor!

Chegando à tenda de Maires, o pai dela os atendeu, surpreso e feliz. Nunca pensou que o se-nhor Lino entrasse em sua humilde morada. Não estava preparado para tal honra... Convidou-os para adentrar sua tenda.

Foi então que Quino estendeu a mão e mostrou as moedas de ouro. Os olhos do senhor Mélquior, pai da menina Maires, se encheram de cobiça. Con-cordou em fazer uma reunião com toda a tribo, e o noivo, Laméque, teria que comparecer, sem dúvida!

Tudo acertado, lá se foi o apaixonado rapaz, para a lida. Era pastor, mas pobre. Estava disposto até a matar para conseguir sua amada. Depositava

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toda sua confiança naquela reunião. Daria até sua vida para conseguir seu intento.

Como as mulheres daquela era não eram con-sultadas para nada, só ficavam escutando através das finas paredes de tecido, onde eram feitas as reuni-ões. Maires nem suspeitava que todo aquele reboliço era por sua causa. Mas se arrumou muito bem assim mesmo. E se postou no lugar de costume.

Todos os que estavam sentados em volta de uma fogueira, ouviram o seguinte:

“Eu, o ancião da tribo e, portanto, com minhas atribuições de resolver problemas insolúveis, venho defender um caso de amor” disse o senhor Lino.

“Primeiro quero convocar o rapaz - Laméque, que venha e sente-se perto de mim...”

O velho, com todo o cuidado de sua sabedoria, explicou perante todos os desejos de Quino, e não queria em absoluto contrariar os desejos de Lamé-que. A preferência era dele, uma vez que estava tudo combinado desde muito tempo...

Laméque quis conhecer as moedas de perto. Ficou boquiaberto. Mesmo sem conhecer as pala-vras que elas continham, viu que não eram falsas. Resolveu dizer:

“Não parecem deste mundo, têm uma imagem de um homem vestido com elegância e com um caja-do de um lado. Do outro uma linda jovem de longos cabelos. O que será que isto significa?”

“Isto não importa, o que eu quero saber é se você, Laméque, ama a menina em questão!”

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“Senhor Lino, eu não a amo, mas nunca me passou pela cabeça que outro rapaz a queria. Cru-zo algumas vezes com o pastor Quino por aí, e ele nunca demonstrou nada para mim. É muito discreto e honesto, pelo que vejo! Na verdade verdadeira, te-nho amor por outra mulher. Agora não é hora para tratarmos de minhas pretensões quanto a ela, e sim o de Maires. Será que ela o ama também?

Se assim for, fica o prometido desfeito. Se todos estiverem de acordo.”

“Mas o que quer em troca?” — perguntou o pai da noiva.

“Ofereço os meus dez carneiros, em troca das moedas de ouro. Assim Quino pode saldar o dote, sem ficar envergonhado, e eu sem ficar com culpa na consciência...”

Os dois rapazes nem sabem do que se livraram... Da morte certa de um deles, ou dos dois quem sabe?

O senhor Mélquior, pai de Maires, teve que dar a última palavra:

“Já que o amor é que move o mundo, acho que devo convocar minha filha, apesar de notar que ela andava triste com o casamento próximo. Venha, Maires, sei que está atrás da cortina...”

Maires entrou de cabeça baixa, e disse em voz alta para todos ouvirem:

“Sim, aceito ser a esposa de Quino, amamos um ao outro, mesmo sem trocar juras de amor!”

E foi assim que as três moedas de ouro resolve-ram esta contenda.

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O casamento foi feito. O outro lado ficou satis-feito. A tribo ficou em paz.

Isto tudo sem saberem que o escrito cunhado nas moedas significava: VIDA E MORTE!!!

Naquela época muito antes de Cristo, nunca mais se soube das benditas moedas de presságio!

Quino não se tornou um assassino, Laméque não foi egoísta e o ancião soube usar de sua grande sabedoria para enxergar um amor sem limites!!!

Ainda bem que este costume idiota, de vender as mulheres, está caindo em desuso. Muitos povos ainda praticam esta maneira desumana de tratar suas mulheres, ainda que já estejamos vivendo em pleno século XXI. Vá entender o ser humano!

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pEEling DE a lma

A dor de amor perdido,é tão grandeQue não se sabe pra onde ir, ou ter ido.E é aí que se aprende, que tudo que se Acredita, vem como um filme, que Depende, em sua mente, como na fita.Não é real, não é normal.A gente se sente, na montanha russadespencando e, de repente,cai na real...