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21 | Janeiro | 2011

OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião28

Iniciado na loja maçónica Fra-ternidade, de Óbidos, com onome simbólico de Galeno, sá-bio da antiguidade com vastaobra sobre medicamentos, Cus-tódio Maldonado Freitas, farma-cêutico, republicano, emergecomo uma das figuras mais po-derosas da região após o triun-fo da revolução de 1910.

Entre os cargos que ocupa,destacam-se a presidência dacomissão administrativa doHospital, a presidência da co-missão administrativa da câma-ra, e as funções de administra-dor do concelho.

Na primeira nomeação paraeste último cargo, enfrenta crí-ticas implacáveis na imprensaregional, particularmente em OCírculo das Caldas, de 20 de Fe-vereiro e de 2 de Abril de 1911,afirmando o semanário calden-se, sob a epígrafe «Uma infâ-mia», ter prescindido de se ma-nifestar contra a nomeação «[…]pela convicção em que estáva-mos e estamos, de que a novaauctoridade tem qualidades de

sobra para cair, sem dar grandetrabalho aos seus inimigos».

O protesto leva ao encera-mento do comércio da vila, comose conclui do manifesto publi-cado na edição de 1 de Abril dojornal Leiria Ilustrada, subscritopor 26 comerciantes e seis in-dustriais caldenses, com a se-guinte declaração: «[…] foi li-vremente e como sinal de pro-testo contra a desastrada no-meação do novo administradordeste concelho, que encerrámosos nossos estabelecimentos[…]».

Apesar da polémica, assumeas funções de administrador doconcelho, em 21 de Março de1911, como nos dá conta o se-manário leiriense O Radical naedição de 23 de Março: «Custo-dio Freitas. Perante o cidadãoGovernador Civil do Districto,tomou antehontem posse do lu-gar de administrador do conce-lho das Caldas da Rainha, estenosso amigo e bom republica-no, a quem felicitamos, apete-cendo-lhe que consiga harmo-

nisar as divergencias ali existen-tes, para o que não lhe faltacompetencia».

Permanece em funções até aomês de Julho, mas regressa doisanos depois com o apoio incon-dicional de O Defensor, que naedição de 22 de Fevereiro de 1914lamenta o seu pedido de exone-ração: «Administrador do con-celho. Segundo informações quetemos, o cidadão MaldonadoFreitas vai pedir a sua exonera-ção d’este cargo que tão profi-ciente e imparcialmente temexercido com satisfação para oscorreligionarios e admiraçãopara os adversarios politicos[…]»

Custódio Maldonado Freitasesteve ligado a três publicaçõescaldenses republicanas, tendosido administrador do Direito doPovo (publicado entre 20 de No-vembro de 1910 e 22 de Janeirode 1911)1, colaborador assíduode O Defensor (publicado entre1913 e 1925), director, proprietá-rio e editor de O Regionalista(publicado entre 1920 e 1925),para além de intervenções es-porádicas em periódicos da re-gião, como aconteceu sob opseudónimo de Galeno, em vá-rios números do Leiria Ilustrada(edições de 14 e 28 de Outubro e11 de Novembro).

Face à brevidade da vida doDireito do Povo, é nas páginasde O Defensor, que CustódioMaldonado Freitas encontraapoio indefectível e solidário,desde o primeiro número até àsuspensão da publicação em 17de Julho de 1923.

Neste semanário caldensetransparece por vezes enormeadmiração pelo chefe republi-cano, traduzida em prosa des-lumbrada, como esta que se co-lhe da edição de 7 de Dezembrode 1913: «[…] Por entre as figu-ras mais em foco na campanhaeleitoral divisava-se o perfil in-sinuante e grato de MaldonadoFreitas. Tomando a palavra ini-cia um belo gesto, com verbosi-dade cuidada e elegante, umdiscurso difícil de acompanhar.Burilando a frase aqui e ali, pro-curando sinonimos tendentes afazer-se compreender aos cere-bros menos cuidados […]».

Frontal, por vezes truculento,não foi nem quis ser uma figuraconsensual.

Não esquecia afrontas, nemvirava a cara ao confronto, comose vê na interpelação feita naprimeira página de O Defensor,de 28 de Junho 1914:

«Ao editor do jornal O Radi-

cal de Leiria. Como colaboradordo jornal ‘O Defensor’, venhopor este meio, convidar o sr.editor do jornal ‘O Radical’, deLeira, a dizer-me se as palavras‘escrocs’ e ‘gatunos’ insertasnum eco publicado no seu jor-nal com a epígrafe ‘Canalha’, nonumero 25 do corrente, me di-zem respeito […]».

Republicano e anticlerical,frequentemente acusado de ra-dicalismo pelos seus inimigos,na imprensa da época surgemaqui e além referências a umespírito independente, capaz deprocurar e de prosseguir o seupróprio caminho.

Em crónica publicada na edi-ção de 5 de Setembro de 1912,com o sugestivo título «Freitasespiritual», O Radical satiriza aagitada independência do far-macêutico: «[…] O nosso Freitas[…] acaba de declarar, por meioda tuba canora da imprensa, quenão está filiado em partido al-gum. O seu espirito rebelde es-voaça na athmosphera limpida eserêna dos grandes ideaes, dis-posto a só poisar, temporaria-mente, semelhante á pomba sa-grada, sobre aquelle partido quemoralise e saneie a administra-ção e economia das Caldas […]»

Numa carta dirigida ao direc-tor do Leiria Ilustrada, publicadaem 31 de Agosto de 1912, Custó-dio Maldonado Freitas explicavaassim as razões da sua indepen-dência: «[…] Não queremos em-pregos e por isso não nos sub-meteremos a esta ou aquela po-

litica. Será com o nosso trabalhoe esforço profissional que have-mos de garantir o nosso futuro,não mendigando votos para emrecompensa recebermos um em-prego ou favor á custa dos co-fres da Nação […]».

Chegado ao governo em Ja-neiro de 1915, o General Pimentade Castro adia as eleições e en-cerra o parlamento, defrontan-do-se com descontentamentosque hão-de culminar na insurrei-ção de 14 de Maio, com centenasde mortos.

Na vila termal, O Defensor, naprimeira página da edição de 2de Maio, com letras garrafais efoto de Maldonado Freitas, sob otítulo «A obra da ditadura», dánotícia indignada de uma prisão:

«Consumou-se a infâmia […].A farmácia e casa de residênciade Maldonado Freitas, o inque-brantavel republicano de alma emãos limpas, a quem estas ter-mas tanto devem, foram assal-tados no intuito de o assassina-rem e roubarem. E enquanto elee o nosso correligionário José dosSantos Germano se encontrampresos no Limoeiro, o bando defacínoras, autor dos assaltoscontinua á solta, espancando emaltratando todos os que nestavila teem a coragem de se dize-rem republicanos […]».

Na segunda página, o mesmojornal enaltece o prisioneiro: «[…]O Maldonado Freitas é alguém.Mesmo até por o ser é que a di-tadura, por intermédio dos seusservidores, o mimoseou com o

assalto a casa e o atentado, fe-lizmente frustrado, á vida […].Saudamos mais uma vez o ami-go querido e o batalhador indo-mável. […]».

Na mesma edição, relatam-seos factos ocorridos em 2 de Abril.Tudo se precipitou, afinal, porcausa de uma procissão:

«Há já bastantes anos, aindaantes da proclamação da Repu-blica, que em Caldas não se rea-lizavam procissões […]. Os sóci-os da delegação caldense daAssociação do registo Civil, deque Maldonado Freitas era pre-sidente, enviaram ao administra-dor do concelho2 um oficio […]protestando contra o facto e re-comendando o cumprimento dosartigos 57.º e 58.º da lei separa-tista do estado e das Egrejas.Aquela autoridade, grosseira-mente, sem respeito pelo seucargo nem pelas crenças dosseus administrados que não co-mungavam na mesma ordem deidéas, respondeu com outro, es-pumando ameaças que os repu-blicanos acolheram com o des-prezo absoluto […]. Cerca demeia hora depois da procissãorecolher […] uns correligionáriosnossos que se encontravam naPraça da Republica eram provo-cados e agredidos. Dahi a corre-ram em massa á residência deMaldonado Freitas aos gritos de“Mata-se”,”faz-se em pedaços”,“atira-se da janela abaixo”, mis-turados com insultos avinhados,foi um instante […]».

Pelo meio, há notícia de pe-

Destaque da fotografia de Maldonado Freitas Destaque da fotografia de Maldonado Freitas Destaque da fotografia de Maldonado Freitas Destaque da fotografia de Maldonado Freitas Destaque da fotografia de Maldonado Freitas

Fotografia feita em frente da casa de Francisco Grandela, na Foz do Arelho, publicada na Fotografia feita em frente da casa de Francisco Grandela, na Foz do Arelho, publicada na Fotografia feita em frente da casa de Francisco Grandela, na Foz do Arelho, publicada na Fotografia feita em frente da casa de Francisco Grandela, na Foz do Arelho, publicada na Fotografia feita em frente da casa de Francisco Grandela, na Foz do Arelho, publicada naIlustração Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.Ilustração Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.Ilustração Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.Ilustração Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.Ilustração Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos [email protected]ódio Maldonado Freitas

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Nasceu no concelho do Sabu-gal, mas a revolução de 1910 vemencontrá-lo na vila das termas,com banca de advogado e mili-tância republicana.

Joaquim Manuel Correia, fi-gura prestigiada na região, acla-mado nos Paços do Concelho nodia seguinte ao da implantaçãoda República, assume de imedi-ato as funções de administra-dor do concelho, e no dia 7 deOutubro divulga um documentonotável, de apelo à serenidadee à tolerância.

Trata-se de um edital afixa-do «na séde de todas as fregue-sias ruraes», que O Círculo dasCaldas publica na edição de 11de Outubro de 1910.

Rezava assim no seu início:«Joaquim Manuel Correia, ad-ministrador d’este concelho, im-merecidamente aclamado hon-tem nos Paços do Concelho des-ta villa, pede a todos os cida-dãos do mesmo concelho que co-operem digna e honestamentepara a consolidação da Republi-ca Portugueza, que no dia 5 docorrente foi implantada no Paiz,dando exemplo de civismo e decordura […] que ponham de par-te paixões e odios, para apenaspensarem no bem da Patria, quese ha-de traduzir no bem comum[…]».

Segue-se a legitimação donovo regime, como consequên-cia e imperativo da razão e dosnovos tempos: «[…] É mister quetriumphe a razão e que se pres-te culto e homenagem aos ho-mens de sciencia, aos operáriosdo progresso e ás conquistas dacivilização […]».

A ilegitimidade do poder mo-nárquico é denunciada comouma evidência: «[…] Seria injus-tiça para todos os cidadãosd’este concelho julgal-os tãocegos e ignorantes que aindaacreditassem que os reis admi-nistrem os povos em nome deDeus. Isso acabou. […] A velhamonarchia que em tempos re-motos teve razão de existir,quando os heroes adquiriam osceptro com as armas na mão,dirigindo os povos, não se com-prehende já no estado actual dacivilização […]»

Na crítica à monarquia, o novoadministrador do concelho re-cua apenas um século, com re-ferência a feridas recentes edesvalorização das liberdadesemergentes do liberalismo: «D.João VI fugiu precipitadamentepara o Brazil, deixando-nos en-tregues ás armas de Napoleão;e seus filhos depois, aparentan-

Joaquim Manuel Correiado patriotismo, converteram opaiz n’um vasto campo de bata-lha, ateando a guerra civil detão tristíssima memoria, d’onderesultaram apenas simuladas li-berdades […]»

No meio do texto, a convic-ção do autor, na tolerância reli-giosa do novo regime: «[…] OGoverno da Republica certamen-te há-de respeitar as crenças detodos, e o velho principio, de quese deve ‘dar a Deus o que é deDeus e a Cesar o que é de Ce-sar’ […]».

No final, a saudação da pá-tria republicana: «Saudemoscom amor o nosso velho Portu-gal que sempre tem sido dosReis e d’ora ávante há de serdos portuguezes. […]»

A acta de aclamação do pri-meiro administrador republica-no do concelho, subscrita porvárias dezenas de cidadãos cal-denses, será mais tarde publi-cada no semanário Direito doPovo, na edição de 8 de Janeirode 1911.

A sua condição de republica-no histórico vem certificada naúltima edição do referido sema-nário, de 22 de Janeiro de 1911,onde são publicados os nomesdos aderentes ao Partido Repu-blicano, antes e após a revolu-ção de 1910.

Na lista dos que militavam narepública ainda no tempo damonarquia, lá figuram, entremuitos outros, Albino Antunesde Castro, António Duarte An-gélico, António Gomes Mafra,António Paulo Rodrigues, Aveli-no António Soares Belo, Arthurd’Almeida Leitão, Custódio Mal-donado Freitas, Eduardo Gonçal-ves Neves, Francisco d’AlmeidaGrandella, Francisco da Silva La-deira, Herculano Elias, João Du-arte Angélico, Manuel QueridoBranco e João António Duarte.

Nos dias que se seguem à suaaclamação, Joaquim ManuelCorreia vai encontrar a ferozoposição de João António Duar-te, editor e proprietário do se-manário Direito do Povo, queexige a suspensão de todos osfuncionários da câmara, sela-gem de todos os arquivos e ime-diata sindicância das gestõesanteriores, proposta que mere-ce a frontal discordância do novoadministrador «receando feririnnocentes», como refere S. P.Danton1, em A Questão Políticanas Caldas da Rainha.

Viviam-se tempos agitados, ea voz serena, moderada e paci-ficadora de Joaquim ManuelCorreia, não resiste ao confron-

to com o sector radical do Parti-do Republicano caldense.

Na edição de 10 de Novembrode 1910, O Círculo das Caldas no-ticia a derrota e o afastamentode Joaquim Manuel Correia: «Emvirtude de profundas dissidên-cias que existem no partido re-publicano local, dissidênciasmuito acentuadas na sessão dacommissão municipal efectua-da no dia 2 do corrente, e nareunião que teve logar na sex-ta-feira ultima no Centro Cân-dido dos Reis, pediu a demissãodo cargo de administrador doconcelho o nosso amigo sr. dr.Joaquim Manuel Correia, presi-dente da referida commissão. Oilustre cidadão deixou tambemo cargo de presidente da câma-ra.»

Apesar do triunfo da Repúbli-ca, continuava actual o velhoaforismo monárquico “rei mor-to, rei posto”, e logo na ediçãode 19 de Novembro de 1910, OCírculo das Caldas noticiava aposse do novo administrador:«Conforme foi anunciado, to-mou no dia 11 do corrente, pos-se na séde do districto, do logarde administrador do concelho,o cidadão Arthur Leitão, umadas figuras de mais preponde-rância do partido republicanoportuguez.»

Para o lugar de presidente dacomissão administrativa da câ-mara, também deixado vagopelo afastamento de JoaquimManuel Correia, ascenderia oseu adversário, presidente daComissão Paroquial Republica-na, João António Duarte.

O advogado do Sabugal, quepor razões familiares fixara re-sidência na vila termal, afasta-se definitivamente da activida-de política, e assume o lugar deConservador do Registo Civil doDistrito de Leiria, como noticiaO Círculo das Caldas na ediçãode 2 de Abril de 1911: «N’um dosdias da semana ultima, tomouposse do logar de conservadordo registo civil em Leiria, o nos-so particular amigo, sr. dr. Joa-quim Manuel Correia, republi-cano de velha data que ocupavan’esta villa o cargo de presiden-te da comissão municipal repu-blicana na occasião em que fo-ram proclamadas as novas ins-tituições…».

Na hora da despedida, o Cír-culo das Caldas não poupa elo-gios ao primeiro presidente dacâmara e administrador do con-celho na era republicana: «[…]um carácter de eleição, muitohonesto e trabalhador, conquis-

tou nas Caldas,onde perto de 8 anosexerceu a advoca-cia, a sympatia ge-ral […] apreciado equerido por amigose adversários […]».

O semanário Lei-ria Ilustrada, naedição de 25 deMarço, dá desta-que ao novo con-servador distrital,e noticia a suatransferência paraLeiria: «[…] o dr.Joaquim ManuelCorreia fixará naproxima semanaa sua residencian’esta cidade coma sua familia[…]».

Não se confir-ma a mudança deresidência, econtra esse fac-to se insurge osemanário leiri-ense O Radical,que na ediçãode 7 de Setem-bro de 1911 ata-ca o conservadorem tom injurio-so, exigindo-lhe«mais respeitopela lei, isto é,que fixe residência nesta cida-de, que não passe por aqui como‘cão por vinha vindimada’».

Sentindo-se injuriado, Joa-quim Manuel Correia respondeao jornal leiriense, em carta queeste se recusa a publicar, e quena edição de 14 de Setembro jo-cosamente qualifica como «mai-or ainda que a légoa da Póvoa».

Na mesma edição, O Radicalafirma que não visava ofendero conservador com a expressãoutilizada, e sugere que se trans-fira para a sede do distrito abanda da Guarda Republicanadas Caldas «ficando assim cer-tos de que S. Exa., como apreci-ador da referida Banda que é,se resolva a vir até aqui e de-morar-se mais algum tempo».

O conservador persiste emmanter a residência na vila ter-mal, sendo alvo de novo ataquedo semanário leiriense O Radi-cal, na edição de 19 de Outubrode 1911, que contesta a sua au-sência e insiste que no exercí-cio das suas funções o conser-vador distrital «tem por obriga-ção residir na capital do distri-to».

Em carta de 9 de Maio de 1912,publicada em O Leiriense, na

ediçãode 11 de Maio, Joaquim ManuelCorreia informa ter requerido aexoneração do cargo, e despe-de-se de todos os amigos e an-tigos funcionários a quem ofe-rece «[…] a sua casa e humildepréstimo nas Caldas da Rainha[…]».

Fiel à palavra dada, mantém-se distante da política activa,mas próximo da vida cultural edos interesses da vila, surgindoem 1925 no núcleo das dez per-sonalidades fundadoras do jor-nal Gazeta das Caldas.

No jornal que ajudou a fun-dar, em crónica publicada naedição de 14 de Outubro de 1928,é afectuosamente homenagea-do por Luiz Teixeira, que o defi-ne como «orientador e figuracentral» dos republicanos cal-denses «ainda e felizmente vivoe cheio de mocidade no espíritoe no coração».

Discretamente, na cidade queescolheu para viver, morre em10 de Outubro de 1945.

Nas edições que se seguem aesta data, não encontramosqualquer referência na Gazetadas Caldas à grande figura cívi-ca e política, que foi um dos seus

fundadores.Para a história, Joaquim Ma-

nuel Correia deixará tambémvasta obra sobre as gentes e asterras raianas.

Para terminar, uma curiosida-de: o primeiro administrador re-publicano do concelho de Cal-das da Rainha é hoje recordadocomo «um esquecido vulto daCanção de Coimbra»2, tocandocom frequência nos tempos deestudante, em serenatas na Altade Coimbra, com a guitarra quese vê na imagem que acompa-nha este texto, com que chegoua acompanhar a mítica voz deAugusto Hilário.

(Footnotes)1 Pseudónimo de Sérgio Joa-

quim Príncipe, redactor princi-pal nos primeiros números dosemanário Caldense

O Defensor, na tese inquesti-onavelmente lógica de João B.Serra,

in Elites Locais e CompetiçãoEleitoral em 1911.

2 Blogue Guitarra de Coimbra- http://guitarracoimbra.blogspot.com/

Capa e viola do estudante de Direito de Coimbra, Joaquim Manuel Capa e viola do estudante de Direito de Coimbra, Joaquim Manuel Capa e viola do estudante de Direito de Coimbra, Joaquim Manuel Capa e viola do estudante de Direito de Coimbra, Joaquim Manuel Capa e viola do estudante de Direito de Coimbra, Joaquim ManuelCorreia, patente ao público na exposição comemorativa dos 150 anos

Correia, patente ao público na exposição comemorativa dos 150 anosCorreia, patente ao público na exposição comemorativa dos 150 anosCorreia, patente ao público na exposição comemorativa dos 150 anosCorreia, patente ao público na exposição comemorativa dos 150 anosdo seu nascimento, no Museu Municipal do Sabugal - do seu nascimento, no Museu Municipal do Sabugal - do seu nascimento, no Museu Municipal do Sabugal - do seu nascimento, no Museu Municipal do Sabugal - do seu nascimento, no Museu Municipal do Sabugal - Autoria: CapeiaCapeiaCapeiaCapeiaCapeiaArraiana.Arraiana.Arraiana.Arraiana.Arraiana.

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

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4 | Fevereiro | 2011

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Reza a acta publicada naedição do Direito do Povo, de8 de Janeiro de 1911: «Aos seisdias do mez d’Outubro, de milnovecentos e dez, pelas duashoras e meia da tarde, n’estaadministração do concelho,chegou acompanhado de gran-de numero de cidadãos destavilla de Caldas da Rainha, ocidadão Joaquim Manuel Cor-reia […]».

Aclamado administrador doconcelho, Joaquim ManuelCorreia, também presidenteda comissão administrativacamarária, defronta-se com olíder da facção radical dos re-publicanos caldenses, JoãoAntónio Duarte, presidente dacomissão paroquial republica-na e vogal da referida comis-são.

Do confronto, emerge comovencedor João António Duar-te, após o afastamento de Jo-aquim Manuel Correia, que OCírculo das Caldas de 10 deNovembro de 1910 noticiacomo consequência «[…] deprofundas dissidências queexistem no partido republica-no local, dissidências muitoacentuadas na sessão da com-missão municipal efectuadano dia 2 do corrente, e na reu-nião que teve logar na sexta-feira ultima no Centro Cândi-do dos Reis […]».

Um mês depois, na ediçãode 8 de Dezembro, O Círculodas Caldas descreve a festivainauguração da bandeira, so-lenemente desfraldada porJoão António Duarte «n’umadas janelas do edifício muni-cipal», na Praça da República.

João António Duarte nãoera um desconhecido na vilatermal, tendo sido fundadordos jornais O Círculo das Cal-das, e Direito do Povo, esteúltimo publicado pela primei-ra vez em 20 de Novembro de1910, onde figurava como edi-tor e proprietário.

Em crónica publicada no se-manário Leira Ilustrada, edi-ção de 18 de Março de 1911,sob a eloquente epígrafe«Doido, vingativo e mau»,Adriano Teixeira Pinto pintaum quadro dramático destepolítico caldense.

O correspondente do sema-nário leiriense começa por re-ferir os elevados cargos queJoão António Duarte acumu-lava na época: «[…] vamos for-necer aos leitores algumas in-formações sobre o homememinente que nesta vila acu-

João António Duarte

mula os cargos de Presidenteda Câmara, Administrador doConcelho e Juiz substituto, emexercício nos impedimentosdo Juiz de Direito […]».

Segue-se uma implacávelsíntese biográfica: «[…] Noano de 1891, fundou-se nestavila um centro republicano. Aeste centro pertencia o repu-blicano histórico João Antó-nio Duarte, que pouco tempodepois deixou de ser republi-cano, para se ir filiar no par-tido progressista, tornando-se neste partido um eméritogalopim eleitoral durante 15anos. Reconhecendo os seuscorreligionários a sua mono-mania do mando, recompen-saram-lhe os serviços eleiço-eiros com o cargo de verea-dor d’uma câmara progressis-ta. Em breve tentou fazertoda a casta de disparates queos seus colegas de vereaçãonão aprovaram, motivo por-que teve de sair da vereação.Foi tal o desgosto que sofreu,por se ver fora do lugar quelhe lesonjeava a vaidade, quelhe deu volta o cerebro, aponto de ter de ser internadono Hospital de Rilhafólles,como se prova pela certidãoque passamos a publicar.[…]»

Após a transcrição do do-cumento, emitido em 14 deAgosto de 1908, onde se cer-tifica o internamento entre 14de Outubro de 1905 e 2 de Abrilde 1906, segue-se a inevitá-

vel conclusão: «[…] Como osleitores veem os cargos acimareferidos não podem estarmais bem entregues! E real-mente o descontentamentogeral, e a indignação em quetodo este povo se encontra pe-las represalias, arbitrarieda-des e perseguições que no de-sempenho destes cargos eletem exercido, não teem razãode ser. É realmente um povocustoso de contentar, quandodeviam dar graças ao diabo,por nos ter brindado com tãogrande patriota, que tão bomnome dá á nossa terra […]».

Para o correspondente dojornal leiriense, a conduta daautoridade caldense legitimaa sublevação popular, que lan-ça o caos na morna vila ter-mal: «[…] não ha meio de lhefazer compreender que se opovo se revolta e lhe vae ape-drejar a casa, como já lhe fi-zeram por duas vezes, é por-que ele, fora da lei, prendesem o mínimo motivo quem lheapetece, sem que possa justi-ficar a razão porque prende oscidadãos, e os entrega ao po-der judicial, e faz processardois republicanos […]».

E o que fizeram os dois pa-catos republicanos, onde, apa-rentemente, se inclui o cronis-ta?

Para acalmar o povo amoti-nado, na ausência do adminis-trador sugeriram aos políciasque restituíssem à liberdadetrês cidadãos presos: «[…] ao

presenciarem a justa indigna-ção do povo desta vila, que emnumero aproximado a 500 pes-soas ia violentamente assal-tar a esquadra da policia edestruir tudo o que encontras-se, pondo em liberdade 3 ino-fensivos cidadãos que arbitra-ria e violentamente tinhamsido á sua ordem presos […] oadministrador causador detudo isto, fugiu e não mais ovimos, razão porque o pedidoque lhe faríamos o fizemosaos tres policias que se nosatenderam, e porque viramque não podiam resistir ás vi-olencias de 500 pessoas amo-tinadas […] espontaneamen-te abriram a porta da esqua-dra, deixando sair os presos,único meio com que se conse-guiu socegar o povo […]».

S. P. Danton1, em A Ques-tão Política nas Caldas da Ra-inha, confirma os dois apedre-jamentos da residência deJoão António Duarte, mas atri-bui-lhes outras causas: o po-lítico republicano preconiza-va uma sindicância às verea-ções anteriores a 5 de Outu-bro, tendo o director do Hos-pital, Augusto Cymbron, exi-bido aos descontentes «umdocumento selado onde se di-zia que João António Duarteera um alienado, que a bene-volência de Miguel Bombardatinha condicionalmente solta-do do seu manicómio».

O grande conflito políticocaldense vem a travar-se en-

tre o histórico centro republi-cano Almirante Reis e o re-cente e concorrente centroMiguel Bombarda, onde seagrupam republicanos dissi-dentes e antigos monárquicosaderentes ao regime, despri-morosamente designados poradesivos.

O autor da Questão Políticalamenta que João António Du-arte, um dos mais radicais re-publicanos da vila, históricodo centro Almirante Reis, setenha aproximado do centroMiguel Bombarda, tornando-se, volvidos dois meses «omais dilecto e amigo de Cym-bron e de todos os outros queaccusou publicamente».

Como causa da mudança,invoca um único argumento:«Razão havia para o alcunha-rem de doido, e realmentebem doido».

Emocionalmente instável,por vezes agressivo, o com-portamento de João AntónioDuarte tinha sido notícia an-teriormente no Leira Ilustra-da, que informava na ediçãode 7 de Janeiro de 1911: «[…]Que o presidente da câmaramunicipal agrediu violenta-mente, o presidente actual dajunta de paroquia em sua pró-pria casa […] Que este cava-lheiro é uma adesivo de ulti-ma hora, pois que sempre es-teve nas boas graças dos ca-ciques monárquicos a quemauxiliou nas ultimas eleições[…] ».

Portão da Quinta de S. João dos Casais da Ponte, que pertenceu a João António Duarte Portão da Quinta de S. João dos Casais da Ponte, que pertenceu a João António Duarte Portão da Quinta de S. João dos Casais da Ponte, que pertenceu a João António Duarte Portão da Quinta de S. João dos Casais da Ponte, que pertenceu a João António Duarte Portão da Quinta de S. João dos Casais da Ponte, que pertenceu a João António Duarte

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos [email protected]

Proprietário abastado, donoda Quinta da Loira (vendidanos anos quarenta) e da Quin-ta de S. João, nos Casais daPonte, passou os últimos anosda sua vida embrulhado numcapote, sentado em frente doportão da Quinta de S. João(imagem que acompanha estetexto), de acordo com a me-mória e o testemunho de doisvizinhos que ainda o conhe-ceram, José Gomes dos San-tos e António Casimiro doCoito.

Republicano histórico, fun-dador de dois jornais, verea-dor antes e depois da mudan-ça de regime, líder eleito pe-los seus pares, João AntónioDuarte poderá ter sido umhomem brilhante, mas os tes-temunhos que nos chegam,recortados dos jornais, vêm deum tempo conturbado por pai-xões e ódios políticos.

Talvez por isso não lhe fa-çam justiça. Não há justiçasem serenidade.

(Footnotes)1 Pseudónimo de Sérgio Jo-

aquim Príncipe, redactor prin-cipal nos primeiros númerosdo semanário Caldense

O Defensor, na tese inques-tionavelmente lógica de JoãoB. Serra, in Elites Locais eCompetição Eleitoral em 1911,como já se referiu em crónicaanterior.

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31OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião

Em crónica publicada na Gaze-ta das Caldas de 14 de Outubro de1928, Luiz Teixeira inclui AvelinoBelo entre «[…] as figuras humil-des, obscuras e modestas dos ho-mens que lançaram no terrenoaparentemente estéril das Caldas,a semente da ideia republicana[…]».

Nascido em Aveiro, vem para aFoz do Arelho com a idade de onzeanos, e um talento que já se reve-lava no miúdo que aos treze iriatrabalhar com o grande Rafael.

O semanário O Progresso, naedição de 15 de Maio de 1947 inte-gra Avelino Belo «[…] entre os alu-nos que se revelaram artistas e senotabilizaram depois nos váriossectores da Arte […]», formadosna Escola de Desenho IndustrialRainha D. Leonor, que se tornariaEscola Industrial e Comercial Ra-fael Bordalo Pinheiro, em home-nagem ao Mestre que, ainda notempo da instalação «nos baixosdos Paços do Concelho», regia aaula de pintura vidreira.

A implantação da Repúblicavem encontrar Avelino Belo entreos tais militantes anónimos e es-

Avelino António Soares Belo

quecidos de que fala Luiz Teixeira,frequentadores de «comícios, reu-niões clandestinas», algumas rea-lizadas na barbearia de José deAbreu, movidos, na versão do cro-nista, por «idealismo sincero, en-tusiasmo e confiança absoluta nofuturo».

Cerca de um mês após a revo-lução, nasce o semanário republi-cano Direito do Povo, publicadoentre 20 de Novembro de 1910 e 22de Janeiro de 1911, no qual assu-me o papel de director, sendo pro-prietário João António Duarte eadministrador Custódio Maldona-do Freitas.

Dez edições depois, Maldona-do Freitas sai, invocando motivosparticulares, Avelino Belo acom-panha-o, e na nota publicada naúltima edição do jornal, há ironia edesagrado: «[…] Do sr. CustódioFreitas recebeu a Comissão Exe-cutiva do Partido Republicano umacarta, em que declina o cargo deadministrador d’este jornal, evo-cando motivos respeitaveis da suavida particular. Não sabemos sepelos mesmos motivos particula-res do sr. Freitas, o sr. Avelino Be-

llo, que figurava como directord’esta folha, acompanhou o admi-nistrador na sua resolução. A Co-missão, acceitando a exoneraçãodos dois, espera que a futura Co-missão Municipal delibere quantoao destino d’este semanario […]»1.

Enquanto director do Direito doPovo, Avelino Belo mantém no jor-nal uma crónica com o título «Li-mando», sob o pseudónimo Baal.

A identidade do ceramista re-vela-se na edição de 8 de Janeirode 1911, num texto que assina como referido pseudónimo, onde refe-re as circunstâncias em que ale-gadamente foi ferido à traição pelocorrespondente de O Mundo e deO Século: «[…] estava eu na fabri-ca sentado á meza do trabalho,muito distrahido com a obra paraque sahisse perfeita […]».

Na mesma crónica, o ceramistacaldense restringe a sua ambiçãoa «[…] viver no socego da officinacom a arte […] sem estar ás or-dens de ninguem nem ter que darsatisfação a qualquer figurão […]».

No que respeita às funções queexerce no jornal e ao facto de oseu antagonista o acusar de inve-

ja, declara: «[…] não tenho pois,pretensões a jornalista para quelhe inveje a situação. A minha,neste pequeno semanario, foi amuitas instâncias de amigos par-tidários, porque nem mesmo aquiquero estar, quanto mais na d’ele:a minha vida é outra […]».

No que concerne ao objectivoda sua luta e à motivação dos tex-tos que escreve, afirma, para quenão restem dúvidas: «[…] Mas oque lhe prometo é que, enquantoaqui estiver, embora como um sol-dado d’esses batalhões de popu-lares armados de foices, forcadose caçadeiras; assim mesmo, seminstrução, combaterei contra osfalsos partidários […]».

Este ressentimento, comum aosmilitantes mais destacados do cen-tro republicano caldense Almiran-te Cândidos dos Reis, já AvelinoBelo o tinha expressado na suacoluna de 27 de Novembro de 1911:«[…] tínhamos difficuldades emarranjar casa para o Centro, por-que até n’isso eramos guerreados.Perdiamos muito tempo, dinheiroe trabalho para mantermos as nos-sas commissões republicanas, equem sabe … talvez o nosso fimseja, segundo as contas que qua-drilheiros fazem de tomar possedas comissões e de nos atirarempara o lixo […]».

Não eram infundados os recei-os do ceramista caldense, republi-cano de sempre. Um novo agrupa-mento iria surgir na vila termal, eafirmar-se nas estruturas políticasda época, mercê dos nomes so-nantes que congregava, superan-do a influência do velho centro Al-mirante Reis. Mas essa é matériapara outra crónica.

Por influência do seu amigoSebastião de Lima, Francicod’Almeida Grandella abandona ocentro republicano histórico fun-dado em 1906, para se jantar, commonárquicos convertidos e repu-blicanos moderados, no centroMiguel Bombarda, inaugurado compompa, circunstância e presençade figuras republicanos nacionais,como José de Castro, França Bor-ges e Tomás da Fonseca, notícia amerecer honras de destaque na

primeira página de O Mundo de 13de Março de 1911.

Adriano Teixeira Pinto, corres-pondente do Leiria Ilustrada, ade-re ao Partido Republicano depoisda proclamação da República, deacordo com a lista publicada noDireito do Povo de 22 de Janeiro de1911, torna-se associado do Cen-tro Almirante Reis, e pede a suademissão numa agitada reuniãorealizada em 27 de Fevereiro de1911 e relatada na edição de 4 deMarço do jornal leiriense.

Nas edições de 8 e 15 de Abril,visando particularmente CustódioMaldonado Freitas, o correspon-dente do Leiria Ilustrada desenca-deia um violento ataque ao Cen-tro Almirante Reis, com severascríticas aos seus líderes, a quemimputa a responsabilidade pelasdivergências entre os republicanosda vila termal: «[…] desarmoniapolítica que tem havido e continu-ará a haver n’esta vila, emquantoos verdadeiros causadores, bemconhecidos e desmascarados, nãoforêm corridos á batatada, o quetalvez se realize na proxima co-lheita, que deve ser lá para Junhoou Julho próximos […]».

Na edição seguinte do semaná-rio leiriense, de 29 de Abril, Aveli-no Belo sai-lhe a terreiro com umacrónica intitulada «Varrendo a tes-tada», onde refere: «[…] é certoque me retirei da vida politica pormotivos que não interessa o lei-tor, mas como socio do Centro Al-mirante Candido Reis, e por res-peito á memória do grande patri-ota filho d’esta terra2, não possocalar a minha repulsa, deante detanta audacia e tamanha mons-truosidade […]».

Na sua crónica, o ceramista cal-dense faz acérrima defesa do cen-tro republicano Almirante Cândi-do dos Reis, que integra «filhosnaturaes e adotivos d’esta terra,operarios e comerciantes de co-nhecida reputação», vítimas de«perseguições, ódios e ameaçasdos senhores caciques», num es-tranho meio político onde, de sú-bito, logo após a revolução «já nãohá um único monárquico, porquesão todos históricos e bem históri-cos, animados das melhores inten-ções e dos mais ardentes desejosde bem servir a nossa Pátria!».

O que o motivava, uma vez mais,era a sua permanente luta contraos “adesivos”, monárquicos deoutrora, convertidos à República,preparados para a disputa do po-

der político no novo regime.Tal como anunciara na crónica

publicada no Leiria Ilustrada, Ave-lino Belo afasta-se da política, eas suas próximas intervenções te-rão lugar no semanário O Defen-sor, nas edições de 10, 24 e 31 deOutubro, e de 7 de Novembro de1915 (n.º 91, 93, 94 e 95), onde exaus-tivamente responde à questão:«Em prol das Caldas. Quais são ascausas da decadência da cerâmi-ca Caldense? Quais as medidas in-dispensáveis ao seu desenvolvi-mento? Como conseguir a sua co-locação nos mercados estrangei-ros em concorrência com os simi-lares?».

No dia 24 de Maio de 1927, põetermo à vida.

Na edição de 29 de Maio, a Ga-zeta das Caldas faz eco da cons-ternação que percorre a vila: «[…]chegou-nos a desoladora notíciade que aquele nosso amigo puse-ra termo à existência. É com pro-funda mágoa que damos esta no-tícia, pois nutrimos por Avelino Belogrande amizade […]».

Na mesma edição, sob o título«As últimas palavras dum artis-ta», é publicado um texto de Ave-lino Belo, datado de 22 de Maio,onde comenta uma conferênciadada por Luiz Teixeira sobre a ce-râmica caldense.

Um ano depois, a Gazeta dasCaldas volta a homenagear o ce-ramista, numa crónica publicadaem 3 de Junho de 1928, que em tomdramático reza assim no seu iní-cio: «Faz hoje, 24 de Maio, um anoque se enforcou Avelino Belo…».

Para a história, mais do que aactividade política do republicanode sempre, ficou a obra do cera-mista.

A arte prevaleceu sobre a polí-tica, e talvez Avelino Belo tenhadesejado resumir a sua biografianas palavras simples gravadas naesfera armilar que adoptou poremblema: «Avelino António Soa-res Bello, Olleiro, Modelador e Es-maltador».

(Footnotes)1 O Direito do Povo não voltará a ser

publicado após a saída de Avelino Belo

e Maldonado Freitas.2 É lapso manifesto. Carlos Cândido

dos Reis nasceu em Lisboa, e apenas o

seu pai, António Reis era caldense. A Co-

missão Administrativa na sessão extra-

ordinária permanente de 7 a 10 de Outu-

bro de 1910, refere-se ao almirante como

um «grande homem filho adoptivo desta

terra ».

Fotografia de Avelino Belo Fotografia de Avelino Belo Fotografia de Avelino Belo Fotografia de Avelino Belo Fotografia de Avelino Belo

Marcas de artesão utilizadas por Avelino Belo Marcas de artesão utilizadas por Avelino Belo Marcas de artesão utilizadas por Avelino Belo Marcas de artesão utilizadas por Avelino Belo Marcas de artesão utilizadas por Avelino Belo

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

Por falha técnica na edição da semana passada de “Os Recortes da República” ocorreu uma sobreposição de uma imagem em relação a parte do texto, o que o tornou ininteligível em certas passagens.Por esse facto, repetimos a sua publicação nesta edição e pedimos desculpa ao autor e aos leitores.Igualmente alguns leitores fizeram saber que gostariam também de poder ter acesso ao referido texto no nosso site na internet. Por essa razão, iremos colocar de imediato os mesmos textos nessa

plataforma informativa.

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25 | Fevereiro | 2011

OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião30

Notário e escrivão, figura sociale politicamente relevante na vilatermal antes e depois da implanta-ção da República, Sebastião de Limafoi a personalidade mais atacada nacurta vida do semanário Direito doPovo, que na edição de 25 de Dezem-bro de 1910 recorda o seu passadomonárquico, como destacada figu-ra do partido de Hintze Ribeiro, cha-mando-lhe «antigo e pomposo che-fe do partido regenerador», e repro-duzindo um artigo de O Século, de10 de Agosto do mesmo ano: «[…]Em casa do sr. Sebastião de Lima,chefe local da política regenerado-ra, houve hontem uma reunião depropaganda eleitoral, a que presi-diu o sr. Alipio Camelo […]. Falaram,alem do presidente […] os srs. dr.Augusto Cymbron e Sebastião deLima […]1».

Na edição de 18 de Dezembro de1910, o Direito do Povo porta-voz docentro republicano caldense Almi-rante Cândido dos Reis2 explica arazão da inimizade, atribuindo-lheo estatuto de “adesivo” aderente aocentro concorrente: «[…] O sr. Se-bastião de Lima, elevada persona-lidade de 1,75 m, pelo menos, foiproposto para sócio do centro (Mi-guel Bombarda) pelo sr. GonçalvesNeves, a quem fez declarações dedesinteresse patriótico: nada acei-tava do centro adheria de alma e co-ração á Republica «[…]».

Na edição de 11 de Dezembro, ojornal republicano caldense faz umaanálise crítica, relativamente sua-ve, dos elementos que integravama direcção do Centro Miguel Bom-barda, nomeadamente do seu presi-dente Adelino Pereira Gomes, jovemadvogado que montara banca na vila

Francisco Maria Sebastião de Limano ano anterior3, mas não poupa Se-bastião de Lima, porque teme a suainfluência, nomeadamente pelas re-lações que mantém com figuras derelevo nacional, como se conclui daacusação de S.P. Danton em A Ques-tão Política nas Caldas da Rainha:«[…] Sebastião de Lima, servindo-se da sua influencia sobre Francis-co Grandella, consegue que estecommeta o erro de se despedir desocio do Centro histórico, para seir filiar no Centro gerado dos feitosmal contidos, cujos mentores erammonarchicos, o que nem assim en-vergonhou aquelles nossos pseudo-correligionarios, que resolveramformar um Centro com todos osadhesivos da ultima hora, baptizan-do-o com o nome do saudoso MiguelBombarda, para melhor encobrir asruins paixões que elle ia abrigar[…]».

Estava ao rubro, na vila termal, aguerra entre republicanos históri-cos e monárquicos aderentes aonovo regime, e é ao lado destes queo semanário leiriense O Radicaltoma posição em sucessivos edito-riais, de que se destaca o de 20 deJunho de 1911: «[…] Do que dizemcertas almas indignadas, parecedeprehender-se que dentro da Repu-blica, depois de proclamada, nãodeviam admittir-se monárchicos.Quer dizer: em muitos concelhosdo districto de Leiria havia apenasmeia duzia de republicanos. Poishaviamos de ficar com essa meiaduzia apenas… Os milhares de ci-dadãos que não tivessem o carim-bo de historicos, deviam ser aggre-didos, escorraçados, empurradosaos encontrões para o primeiro par-tido monárchico que se formasse.

Por mais honrados, por mais hones-tos, por mais intelligentes e leaesque fossem estes cidadãos. Ruacom elles! […]».

Aliado incondicional do tabeliãocaldense, O Radical dedica-lhe vá-rias crónicas nos anos de 1911 e1912, que nos permitem reconsti-tuir parte do seu percurso.

Na edição de 7 de Abril de 1912,sob o título «Pobres históricos», osemanário leiriense conta assimuma visita de Afonso Costa à vilatermal: «[…] Os nossos históricosandam em maré de pouca sorte…Foio senhor Affonso Costa ás Caldas daRainha. Mas querem saber aonde sedirigiu? Á casa do sr. SebastiãoLima, antigo chefe do partido fran-quista. Foi alli que deu beija-mão. Oshistóricos que quiseram ir osculara dextra gloriosa que alinhavou aLei da Separação tiveram de passarpor aquellas fôrcas caudinas: ir acasa do homem que mais guerrea-ram, que mais combateram, a quemmais ferozmente alcunharam de…cacique. O pobre Maldonado Frei-tas, chefe dos históricos, ia tendouma congestão. Andou em volta dacasa, amargurado, desalentado,perdido… mas não entrou. Outros,coitados, engulindo tudo quantodisseram, fizeram das tripas cora-ção… e entraram. Renderam-se aoinimigo. Escorraçados, envergo-nhados, auccumbidos – mas lá fô-ram! Que diabo… a vida são doisdias! […]»

Na edição de 18 de Abril, ainda apropósito da visita de Afonso Costaà vila termal, O Radical volta à car-ga: «[…] Mostrou o sr. Lima, tri-unphamtemente, que o Sr. Costa lheligava mais importancia a elle do

que aos históricos que nas Caldas oagrediam. Fez muito bem. Foi umalição de mestre. Sinceramente feli-citamos o sr. Sebastião Lima peloseu triumpho […]».

Particular amigo de AlmeidaGrandela, cultivando por intermé-dio do grande empresário republi-cano relações de amizade comAfonso Costa, Sebastião de Limavolta às páginas de O Radical, naedição de 25 de Abril, onde, a propó-sito de uma fotografia, se tece umacrítica mordaz a Maldonado Freitase a Afonso Ferreira, deputado porAlcobaça, inimigos de Sebastião deLima e indefectíveis apoiantes deAfonso Costa: «[…] O nosso depu-tado Affonso de Alcobaça retratou-se em grupo na Foz do Arelho com onosso amigo sr. Sebastião de Lima.Envergonhado, retrahido, com acara succumbida de quem rasga to-das as suas tremendas catilináriascontra os caciques – mas, enfim,sempre se retratou. Puxam-lhe asorelhas, dão-lhe palmatoadas, obri-gam-no a beijar a mão do homem aquem chamara franquista e cacique,e, ainda por cima, põem-no em fren-te de um aparelho fotográphico, en-direitam-lhe o busto, concertam-lheas mãos, unem-lhe um pouco as per-nas, mandam-no estar quieto… ezás! Como quem diz: – já cá cantas!Chegâmos a ter dó do nosso Affon-so. Há sacrifícios que são demasia-dos para um homem só… O que diri-am aqueles terríveis históricoscom o nosso Maldonado Freitas áfrente, ao verem aquella extranhafotografia? Amigo Lima. A vingan-ça é agradável de saborear, por ve-zes. Mas esta já vai sendo uma cru-eldade exagerada. Tenha piedadedos homens…».

O que o colunista do semanáriode Leiria aparentemente desconhe-cia, é que na foto, que acompanhaesta crónica, tirada na Foz do Arelhoem frente da casa de Grandela e pu-blicada na Ilustração Portugueza de15 de Abril de 1912, figurava tambémCustódio Maldonado Freitas.

Afonso Costa era o rosto e a figu-ra mais poderosa do novo regime ea sua amizade era disputada por to-dos os líderes republicanos regio-nais, porque o poder também semedia pela proximidade do chefe.Sebastião de Lima era, seguramen-te, o político caldense mais próxi-mo do líder republicano, devido àsua grande amizade com FranciscoGrandela.

Adriano Pinto Teixeira, corres-pondente do Leiria Ilustrada, na edi-ção de 8 de Abril de 1911 traça umgeneroso perfil do notário calden-se: «saiu do desmoralisado regimemonárquico sem a mínima manchaao seu diamantino caracter de ci-

dadão essencialmente bom e hones-to».

Na mesma crónica, o correspon-dente do semanário de Leira asso-cia o político das Caldas ao podero-so ministro da justiça republicano,garantindo que o mesmo declarou«deante dos mais considerados ha-bitantes d’esta vila: Sebastião deLima, tem uma grande alma de sin-céro patriota; pois que ha dois anosfalando comigo, me disse, que con-tasse não só com a sua fortuna pes-soal, mas tãobem com a sua propriavida, para salvar esta Patria dacompleta ruina».

A amizade de Almeida Grandelae a proximidade de Afonso Costaprojectam o notário caldense nasestruturas políticas distritais, e ORadical, na edição de 12 de Setem-bro de 1912, dá notícia da rejeiçãode um cargo: «Affirmam-nos que osr. Sebastião de Lima, das Caldasda Rainha, homem de critério e debom senso, já por duas vezes escre-veu para Leiria, a fim de que lhe ris-quem o nome da commissão distric-tal democrática, eleita ha pouco. Aoque parece, não quer acamaradarcom aquelles que ainda recentemen-te o insultavam e aggrediam […]. Osr. Sebastião de Lima, que é adhesi-vo, dispensa a honra que lhe conferi-ram. Não quer ir manchar com a suaadhesivagem, os pergaminhos deoutros membros da commissão, queainda ha pouco só queriam ter comocompanheiros authênticos históri-cos […]».

Os republicanos históricos per-sistem na integração do notário cal-dense, na estrutura distrital do par-tido democrático de Afonso Costa,mas este mantém a recusa, segundoinforma O Radical, na edição de 3 deOutubro: «Pois é verdade. Confirma-ram-se as nossas informações. Fo-ram os dirigentes affonsinos do di-tricto, que até aqui só queriam histó-ricos nas suas hostes, mendigar aosr. Sebastião de Lima das Caldas daRainha, a esmola de fazer parte dacommissão politica districtal. Ora,querem os leitores saber o que fezesse antigo monarquico? Recusou-sea isso, não quiz acamaradar com osseus antigos detractores. A cara comque ficaram os nossos terríveis his-tóricos, perante esta lição de coheren-cia, deve ser de se lhe tirar o chapéu.[…]».

Retirado da actividade política, aúltima referência que nos chega dotabelião caldense, vem na edição deO Radical de 12 de Fevereiro de 1914,a propósito do funeral de ApolóniaSalles Henriques de Souza, esposade Ataliba Pereira de Souza e irmãde Eduardo, Henrique, Cipriano, Ar-tur e Tomás Salles Henriques.

A urna segue para o cemitério

aos ombros de amigos da família or-ganizados em cinco turnos, ondeconstam, entre muitos outros notá-veis da vila, os nomes de dois ho-mens rejeitados pelos radicais re-publicanos: um monárquico conver-tido e um republicano histórico, Se-bastião de Lima e Joaquim ManuelCorreia.

Francisco Maria Sebastião deLima falece em 27 de Novembro de1938, com 81 anos de idade.

No dia seguinte, o Diário de Notí-cias destaca a dimensão regionaldo político caldense: «Foi um doschefes do partido regenerador euma das figuras mais consideradasde todo o distrito de Leiria. Por vá-rias vezes foi convidado para go-vernador civil, cargo que nuncaaceitou».

Por cá, a Gazeta das Caldas, naedição de 1 de Dezembro de 1938,fala do «trato afável e lucidíssimainteligência», e refere que o políti-co caldense «exerceu por mais de40 anos os cargos de Escrivão e No-tário nesta cidade».

(Footnotes)1 Este texto é subscrito por Baal, pseu-

dónimo de Avelino Belo, e aparece mais

tarde reproduzido no Leiria Ilustrada

de 17 de Junho de 1911, com a assi-

natura de “C.”.2 Na mesma edição, o Direito do Povo

informa que foi eleito presidente da

direcção do centro Almirante Reis, Cus-

tódio Maldonado Freitas.3 Acontecimento noticiado em O Cír-

culo das Caldas de 20 de Novembro de

1909. Este advogado foi aclamado ad-

ministrador substituto de Joaquim Al-

ves Correia em 6 de Outubro de 1910,

tendo sido no ano seguinte, administra-

dor substituto de João Mendes de Vas-

concelos – vide Leiria Ilustrada de 2 de

Dezembro de 1911.

Fotografia feita em frente da casa de Grandela, na Foz do Arelho, publicada na Ilustra- Fotografia feita em frente da casa de Grandela, na Foz do Arelho, publicada na Ilustra- Fotografia feita em frente da casa de Grandela, na Foz do Arelho, publicada na Ilustra- Fotografia feita em frente da casa de Grandela, na Foz do Arelho, publicada na Ilustra- Fotografia feita em frente da casa de Grandela, na Foz do Arelho, publicada na Ilustra-ção Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.ção Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.ção Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.ção Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.ção Portuguesa, n.º 321, de 15.04.1912, acessível no site “hemerotecadigital”.

Destaque da fotografia Destaque da fotografia Destaque da fotografia Destaque da fotografia Destaque da fotografiade Sebastião de Lima, aode Sebastião de Lima, aode Sebastião de Lima, aode Sebastião de Lima, aode Sebastião de Lima, aolado do seu amigo Francis-lado do seu amigo Francis-lado do seu amigo Francis-lado do seu amigo Francis-lado do seu amigo Francis-co Grandela.co Grandela.co Grandela.co Grandela.co Grandela.

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

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4 | Março | 2011

OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião24

Reza a crónica de AdrianoTeixeira Pinto, publicada naedição de 18 de Março de 1911do Leiria Ilustrada, que o pri-meiro centro republicano da vilatermal foi fundado no ano de1891.

Na edição de 14 de Outubrode 1928 da Gazeta das Caldas,Luiz Teixeira refere a existên-cia de 110 inscritos no únicocentro republicano existenteem 5 de Outubro de 1910, situ-ando no entanto a sua criaçãoapós o falecimento de uma po-etiza influente no meio, MariaClara Eller Caldas, «aí por 905»1,por iniciativa de um grupo decaldenses, onde se integravaAvelino Belo, depois de várias«reuniões na barbearia do Joséde Abreu».

Na edição de 22 de Janeirode 1911 do Direito do Povo, épublicada uma lista com 157nomes de cidadãos filiados noPartido Republicano na vila ter-mal, antes de 5 de Outubro de1910, com o seguinte anúncio:«[…] A inscripção republicana

Centros rivais

continua aberta. Todo o cida-dão que desejar inscrever-seno cadastro republicano podefazê-lo no Centro AlmiranteReis […]».

No Leiria Ilustrada de 29 deAbril de 1911, Avelino Belo, de-clara que o único centro repu-blicano da vila «[…] á gloriosadata de 5 de Outubro, contavaapenas 101 socios: Outros re-publicanos tinham-n’o sido emvarios anos mas sem fé nempersistencia, porque, deban-daram para os vários partidosmonarquicos, abandonando asnossas fileiras […]2».

O ceramista e histórico re-publicano caldense refere-seà fundação do novo centro re-publicano da vila, denomina-do Miguel Bombarda, mas re-jeita a ideia de que esse factoconstitua uma dissidência dovelho centro, entretanto bap-tizado com o nome AlmiranteCândido dos Reis.

Na óptica de Avelino Belo,foi escassa a adesão de ver-dadeiros republicanos ao novo

centro concorrente: «[…] veio aRepublica, e depois dessa datagloriosa, desses 101 historicos,7 ou 8, salvo erro, saíram do cen-tro Almirante Reis, para forma-rem um novo centro […]».

O centro republicano MiguelBombarda é criado ainda emNovembro de 1910, e na sua edi-ção do dia 19 desse mês, O Cír-culo das Caldas explica a suafundação como consequência dacisão entre «republicanos actu-almente em evidência» e «anti-gos e leais republicanos» queteriam sido «excluídos da direc-ção dos negócios públicos […]vendo-se por isso obrigados aafastar-se de quem os repelia».

O jornal caldense, de tradi-ção monárquica, recentementeconvertido ao novo regime3, en-fatiza a divergência entre osvelhos republicanos, como cau-sa da criação do novo centro,omitindo o facto de nele se aco-lherem os monárquicos aderen-tes à república, designados naépoca por “adesivos”.

Na edição de 18 de Dezembro

de 1910, um outro jornal calden-se, o Direito do Povo, identifi-cado com o centro AlmiranteCândido dos Reis, revela umaperspectiva diferente, desfe-rindo um feroz ataque contra onovo centro e duas velhas figu-ras relevantes da vila, que con-sidera estarem envolvidas nasua génese: o director do Hos-pital, Augusto Cymbron e o es-crivão-notário da vila, Francis-co Maria Sebastião de Lima.

O jornal republicano, dirigi-do por Avelino Belo, começa porexplicar de forma jocosa, a “con-cepção” e o “parto” da nova en-tidade política: «[…] nascido docoito obsceno monarchico-repu-blicano, partejado a forceps porum experimentadissimo clinico[…] consegue ir até á pia bap-tismal, apadrinhado pela sobre-casaca elegante do sr. Sebas-tião de Lima […]».

Segue-se a surpresa pela so-brevivência política da nova en-tidade: «[…] Suppunha-se quepor ter nascido de paes incog-nitos o recem nascido ficava

moiro; e, devendo morrer cedopor falta de robustez, o recemrachitico desceria á cova, semque constasse a sua passagemna terra […]. Mas toda a gentese enganou […] os nossos cum-primentos desenfastiados pelomilagre obtido […]».

O cronista do Direito do Povoinsurge-se contra o facto de acriação do novo centro ser vis-ta na imprensa nacional comouma dissidência republicana navila termal: «[…] em logar d’umadissidencia temos mas é o aban-dono do Partido por bandad’aquelles que já eram republi-canos, e uma exploração ver-gonhosa pelos monarchicos-re-publicanos, que aguardam de-certo novas organizações poli-ticas das quais esperam a en-trega aos seus dentes raivososdo ultimo osso do esqueleto aque a monarchia reduziu o or-ganismo nacional […]».

Na parte final, uma referên-cia a um aderente ilustre, anti-go chefe regenerador local:«[…] o sr. Sebastião de Lima,

elevada personalidade de 1,75m de altura pelo menos, foi pro-posto para sócio do centro pelosr. Gonçalves Neves, a quem fezdeclarações de desinteressepatriótico […]».

Na mesma edição, o Direitodo Povo informa que CustódioMaldonado Freitas foi eleitopresidente da direcção do Cen-tro Almirante Cândido dos Reis.

As guerras políticas entre osdois centros republicanos vãoagitar a vila termal, e em trin-cheiras opostas encontramostrês jornais caldenses: O Direi-to do Povo, publicado entre 20de Novembro de 1910 e 22 deJaneiro de 1911, administradopor Maldonado Freitas, porta-voz inicial do centro AlmiranteReis, posteriormente substitu-ído nessas funções por O De-fensor; e O Círculo das Caldas,que apoia e veicula as posiçõesdo Centro Miguel Bombarda.

Por influência de FrancicoGrandela o centro Miguel Bom-barda brilha mais na imprensanacional, e a sua inauguração,

- - - - - Cândido dos Reis e Miguel Bombarda (Colecção António Pedro Vicente)Cândido dos Reis e Miguel Bombarda (Colecção António Pedro Vicente)Cândido dos Reis e Miguel Bombarda (Colecção António Pedro Vicente)Cândido dos Reis e Miguel Bombarda (Colecção António Pedro Vicente)Cândido dos Reis e Miguel Bombarda (Colecção António Pedro Vicente)

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

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com pompa, circunstância epresença de figuras republica-nos nacionais, como José deCastro, França Borges e Tomásda Fonseca, é notícia a mere-cer honras de primeira páginaem O Mundo de 13 de Março de1911, onde se refere que «o novocentro tem já 200 sócios e pro-mete ser, pelos bons elemen-tos que o constituem, mais umvalioso baluarte da republica».

Na capital do distrito, cadaum dos grupos conta com umperiódico aliado.

O Leiria Ilustrada acolhe asposições do Centro AlmiranteReis, apesar de algum esforçode neutralidade e de distanci-amento, patente nas edições de29 de Abril e de 8 de Julho de1911, onde declara lamentar«[…] muito sinceramente quenão terminem de vez as desa-venças existentes entre os doiscentros, para tranquilidade doscaldenses e para bem do nossoregimen […]».

O Radical permanece ao ladodo Centro Miguel Bombarda,enaltecendo com frequência afigura de Sebastião de Lima4,associado ilustre que convenceGrandela a filiar-se depois deabandonar o centro concorren-te.

Adriano Teixeira Pinto, naedição de 15 de Abril de 1911 doLeiria Ilustrada, desfere um vi-olento ataque contra os res-ponsáveis pelo Centro Almiran-te Cândido dos Reis, fala de «le-aes republicanos […] ofendi-dos, desconsiderados e postosde parte, a ponto tal que nempara as reuniões partidáriaseram convidados […]», afirmaque esses «criteriosos republi-canos antigos […] a pouco epouco foram debandando, e oslogares que de direito lhes per-tenciam e que eles com honrae dignidade desempenhariam,foram entregues pelos desvai-rados, aos pantomineiros am-biciosos […]», e conclui que «adesarmonia politica que temhavido e continuará a havern’esta vila, emquanto os ver-dadeiros causadores, bem co-nhecidos e desmascarados, nãoforem corridos á batatada […]».

Avelino Belo responde emcarta publicada no semanárioleiriense de 29 de Abril de 1911,onde refuta as acusações e re-fere que o Centro AlmiranteCândido dos Reis tem mais de300 associados.

Na guerra entre os dois gru-pos, travam-se várias batalhas,com destaque para a que sedesenvolve no processo eleito-ral do círculo n.º 30, que englo-ba o concelho de Caldas da Ra-inha, onde o Centro MiguelBombarda apresenta uma listaalternativa, mas esse é temade uma próxima crónica.

Pressionadas pelo Directóriodo Partido Republicano, as di-recções dos dois centros cal-denses rivais tentam aproxima-

ções que se revelam infrutífe-ras perante velhos ódios e in-júrias recíprocas nos jornaisafectos a cada uma das agre-miações.

Em A questão Política nasCaldas da Rainha, S. P. Dantonrefere uma proposta de Maldo-nado Freitas, apresentada aoCentro Miguel Bombarda, emnome do Centro Almirante Reis:«[…] Fusão dos Centros Almi-rante Reis e Miguel Bombardan’um unico, denominado 5 deOutubro, cuja direcção seriacomposta de seis membros,tres de cada uma das direcções,liquidando-se assim esta ath-mosfera de odios e vinganças[…]».

Não é alcançado acordo, eninguém se entende com a con-tra-informação que envolve oprocesso de paz meramenteaparente que se segue.

Afirma eufórico, O Círculodas Caldas, na edição de 24 deJunho de 1911, a propósito dascelebrações na vila termal, nodia da proclamação da Repú-blica, em 19 de Junho: «[…] Nocentro republicano Miguel Bom-barda entrou a direcção do cen-tro republicano Candido dosReis, acompanhada por muitossocios da mesma aggremiaçãopolitica, trocando-se entre osdois centros affectuosos cum-

- - - - - Recibo da quota de 100 réis, do Centro Almirante Cândido dos Reis, paga por Albino Antunes de Castro, aderente ao Partido Republicano antes de 5 de OutubroRecibo da quota de 100 réis, do Centro Almirante Cândido dos Reis, paga por Albino Antunes de Castro, aderente ao Partido Republicano antes de 5 de OutubroRecibo da quota de 100 réis, do Centro Almirante Cândido dos Reis, paga por Albino Antunes de Castro, aderente ao Partido Republicano antes de 5 de OutubroRecibo da quota de 100 réis, do Centro Almirante Cândido dos Reis, paga por Albino Antunes de Castro, aderente ao Partido Republicano antes de 5 de OutubroRecibo da quota de 100 réis, do Centro Almirante Cândido dos Reis, paga por Albino Antunes de Castro, aderente ao Partido Republicano antes de 5 de Outubrode 1910, de acordo com a lista publicada no de 1910, de acordo com a lista publicada no de 1910, de acordo com a lista publicada no de 1910, de acordo com a lista publicada no de 1910, de acordo com a lista publicada no Direito do PovoDireito do PovoDireito do PovoDireito do PovoDireito do Povo de 22 de Janeiro de 1911. (imagem acessível no blogue “cavacosdascaldas” da Livraria 107) de 22 de Janeiro de 1911. (imagem acessível no blogue “cavacosdascaldas” da Livraria 107) de 22 de Janeiro de 1911. (imagem acessível no blogue “cavacosdascaldas” da Livraria 107) de 22 de Janeiro de 1911. (imagem acessível no blogue “cavacosdascaldas” da Livraria 107) de 22 de Janeiro de 1911. (imagem acessível no blogue “cavacosdascaldas” da Livraria 107)

primentos, aproveitando aque-lle dia solemne, para confra-ternisarem todos […]».

Na versão relatada pelo Lei-ra Ilustrada, de 24 de Junho de1911, invertem-se os papéis:«[…] O dia da abertura das Cons-tituintes foi aqui um dia de fes-ta memorável […]. Depois dasdiversas rixas politicas, desdeos tempos odiosos da nefastamonarquia que estava pondoem foco esta terra, o seu maiordescredito, o facho de luz darazão veio pôr termo ao erro,guiando todos pelo caminho daunião e fraternidade […]. DoCentro Miguel Bombarda saiuuma marcha á flambeaux, abri-lhantada pela filarmonica Cal-dense, percorrendo as ruas davila e tocando em frente doedifício da Câmara Municipal.Os sócios do referido Centrotiveram a feliz lembrança deirem ao Centro Almirante Cân-dido dos Reis, cumprimentar ossócios d’este centro, e estescheos de alegria com tão agra-dável surprêsa foram por suavês, acompanhados da filarmó-nica d’Óbidos, pagar-lhes tãoamável visita, ficando assimsolenisada a páz entre os doiscentros […]».

No mesmo jornal leiriense,na edição de 8 de Julho de 1911,surge um desmentido do Cen-

tro Miguel Bombarda: «[…] nãofoi o centro Miguel Bombardaque cumprimentou o centroCandido dos Reis, e isto por-que não saiu a cumprimentarninguem, - mas sim a Nova Fi-larmonica Caldense levando noseu cortejo os seus novos diré-tores, que embora sejam sóci-os do centro dr. Miguel Bom-barda, em cousa alguma o re-presentavam n’esta simpáticainiciativa, o que ao mesmo cen-tro era estranha […]».

Ainda no Leira Ilustrada, edi-ção de 22 de Julho de 1911, umrepresentante do Centro Almi-rante Cândido dos Reis reiteraa afirmação sobre a visita doCentro Miguel Bombarda, invo-cando o testemunho do verea-dor Manuel Francisco Pereira,que qualifica como «um cida-dão muito considerado nestavila pela sua bondade, belo ca-racter e como republicano».

O cronista, que assina com aletra “C”, presta depoimentodirecto dos factos: «Nunca acre-ditámos em tal visita se nãoquando vimos o cortejo em fren-te do Centro Candido dos Reis,ouvindo-se então vivas a este,ao povo das Caldas, á uniãooperaria, etc., n’um entusias-mo doido a que todos corres-pondiam. Vimos alguns mem-bros da comissão do Centro

Bombarda (entre eles o seu te-soureiro), falar tão comovida-mente ao presidente do CentroCandido dos Reis, que acredi-tamos no restabelecimento deantigas relações entre correli-gionarios. Enganamo-nos. Pa-ciência […]».

Provada que está a ocorrên-cia da polémica visita, pelosecos que teve na imprensa re-gional da época, para a poste-ridade ficou a insanável dúvidasobre quem visitou e quem foivisitado.

O desentendimento sobreuma questão tão elementar, re-vela a imensa dificuldade deconciliação dos líderes republi-canos caldenses, fundada mui-tas vezes em ódios e ambiçõespessoais, fonte de permanenteconflito que nem a intervençãodos dirigentes nacionais do par-tido logrou superar.

Esta imagem de intriga e de-sunião justifica o apelo expres-so na nota de redacção do Lei-ria Ilustrada, de 29 de Abril de1911: «[…] Do coração lamen-tamos as questões entre os cor-religionários das Caldas e mui-to desejaremos que se cheguea um acordo honroso para osgrupos litigantes. Se uma mo-desta mas sincera opinião pu-desse fazer o milagre de se con-graçarem […] iria até aos últi-

mos sacrifícios quem já contacom alguns pela paz e pelaunião dos republicanos do dis-trito.».

As divergências alimentadaspela sede do poder não nos po-dem fazer esquecer os cida-dãos anónimos de que fala LuizTeixeira na Gazeta das Caldasde 14 de Outubro de 1928, quenum «alvoroço de esperança[…] desinteresse e sacrifício»foram a verdadeira «consciên-cia republicana do povo calden-se […]».

(Footnotes)1 O centro republicano cal-

dense, mais tarde denominado

“Centro Almirante Cândido dos

Reis”, terá sido fundado nos fi-

nais de 1906 - João B. Serra (inElites Locais e Competição Elei-

toral em 1911).2 Também na edição de 17 de

Junho de 1911 do Leiria Ilustra-

da, se afirma que na vila ter-

mal «á data da proclamação da

Republica estavam filiados no

partido 101 republicanos».3 O Círculo das Caldas decla-

ra-se republicano na edição de

21 de Outubro de 1910.4 Vide edições de 7, 18 e 25 de

Abril de 1912.

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Volvidos quatro meses sobre a re-volução, a vila termal está ao rubro,dividida em dois centros republica-nos que se digladiam pelo poder: ocentro Almirante Reis e o centro Mi-guel Bombarda.

Encontra-se vago o cargo de admi-nistrador do concelho, e o nome deCustódio Maldonado Freitas, eleitopresidente da direcção do centro Al-mirante Reis em Dezembro de 1910, éindicado pelas comissões municipale paroquial, por maioria e sem con-senso.

Adriano Teixeira Pinto, correspon-dente do Leiria Ilustrada e associadodo centro republicano caldense Almi-rante Reis, relata na edição de 4 deMarço do semanário leiriense, a agi-tada reunião de 24 de Fevereiro, ondese deliberou manter a proposta de no-meação do líder daquela agremiação:

«Na noite do dia 24 do corrente, re-alizou-se uma assembleia geral desocios d’este Centro, para se assen-tar na atitude que as comissões devi-am tomar em vista dos assuntos tra-tados e apresentados por suas ex.ªsos representantes do Dirétorio Repu-blicano e do cidadão Governador Ci-vil do distrito.

Eis as resoluções aprovadas pelaassembleia, que se compunha apro-ximadamente por umas 50 pessoas,sendo artistas na sua maioria.

As comissões existentes deviammanter-se no seu posto, pois que lhedavam um voto de confiança. Que nãodeviam transigir na sua resolução deser nomeado administrador do con-celho, o cidadão por elas proposto.[…]»

Na mesma assembleia, foi tambémdeliberado que só os cidadãos filia-dos naquele centro histórico deveri-am ocupar os lugares de chefia da ad-ministração, formulando-se em con-formidade as seguintes recomenda-ções: «[…] Que todas as comissõesque se venham a formar ou membrospara preencher as vagas que se de-rem nas mesmas comissões, sejamtodos compostos por cidadãos que seencontrem filiados no mesmo Centroe tenham satisfeito as suas respeti-vas quotas. Que para essas referidasnomeações ninguém se reconheça odireito de o fazer, se não a eles repu-blicanos locaes históricos […]»

Teixeira Pinto regista no seu rela-to, a curiosa argumentação de ummembro histórico do Centro, em de-fesa da nomeação do presidente da di-recção para o cargo de administradordo concelho: «[…] Pedindo a palavraum dos taes republicanos historicosdiz que concorda n’estas resoluções,acrescentando o seguinte – textual-mente: Que seja o cidadão indicado oadministrador, porque o conhecem; eque sendo por extranhos á vila nome-ado outro, póde ser um pantomineiro,

Nomeações polémicasum maroto ou algum intrujão!! […]»

Seguem-se entusiásticos aplau-sos, que o correspondente descreve,mas se recusa a partilhar: «[…] Fo-ram todas as deliberações muitoaplaudidas sendo eu o unico que con-tra tudo isto protestou, reprovando-as, pois que nunca poderia aprovarque se não acatem as resoluções su-periormente tomadas em harmoniacom o interesse geral e local […]»

Por discordar da deliberação queratifica e reitera a indicação do nomede Maldonado Freitas, Adriano Teixei-ra Pinto demite-se de associado docentro Almirante Reis.

Ainda na edição de 4 de Março, ocorrespondente do Leiria Ilustradaataca os invocados privilégios de no-meação dos históricos republicanos,que acusa de serem «[…] discolos in-teresseiros maus e vaidosos que jul-gam que se fez a Republica só paraeles e mais ninguem, aonde possamsatisfazer desmedidas vaidades e in-sofridas ambições de mando, para quenão tenham autoridade e reconheci-da competencia […]», e preconiza anomeação de uma personalidade ex-terior: «[…] Venha para as Caldascomo administrador do concelho ocidadão que s.ex.ªs o Ministro do In-terior e Governador Civil julgam con-veniente colocar nesta vila, nestaocasião, porque esse cidadão, sejaquem for […] todos os leaes e sincé-ros republicanos, antigos ou moder-nos, o recebem de braços abertos ese colocarão a seu lado […]».

O jornal O Mundo, na edição de 23de Fevereiro de 1911, faz eco da agi-tação política da vila termal, da faltade consenso e dos protestos contra onome indicado para a administraçãodo concelho: «[…] Continua vago ocargo de administrador deste conce-lho para o qual as comissões munici-pal e paroquial por maioria de votos,indicaram um cidadão que não era doagrado de alguns membros daquellascomissões nem tão pouco de uma gran-de parte dos republicanos daqui […]».

Lê-se no mesmo jornal, que foraminfrutíferas as tentativas do directó-rio do Partido Republicano e do gover-nador civil, no sentido de pacificar ashostes caldenses: «[…] O facto da-quella indicação não ter sido unani-me e os protestos enviados ao sr. go-vernador civil e directorio para nãoser nomeada a pessoa que as comis-sões indigitaram, determinaram ochefe do distrito a nada resolver so-bre o caso, procurando, ao que pare-ce, conciliar os vários elementos dopartido, não só quanto á nomeação daautoridade administrativa mas tam-bem sobre a politica geral d’este con-celho. No intuito pacificador estive-ram aqui os srs. Cupertino Ribeiro dodirectorio e Silva Barreto, Governa-dor Civil substituto, realizando vari-

as conferencias com os diversos re-presentantes do partido […]».

Na mesma edição, O Mundo avan-çava a previsão de que seria nomea-da para administrador do concelho«uma pessoa estranha a esta vila».

A proposta de nomeação de Mal-donado Freitas enfrenta críticas im-placáveis na no semanário O Círculodas Caldas, nas edições de 20 de Fe-vereiro e de 2 de Abril de 1911.

O correspondente do Leiria Ilustra-da, na edição de 25 de Fevereiro, saú-da a chegada à vila termal, de Cuper-tino Ribeiro e de António da Silva Bar-reto, e exulta com «[…] a grata noticiade que sua ex.ª o Ministro do Interiorsatisfaria o desejo do povo, nomean-do pessoa estranha a esta vila, emquem reconhecesse competência eautoridade moral para desempenharo cargo de admnistrador d’este con-celho. Podemos garantir que todo opovo recebeu esta noticia com satis-fação, unica solução que julga n’estemomento aceitavel […]».

Perante a eminência da nomeação,o correspondente do Leiria Ilustradatraça um cenário de grande perturba-ção social na edição de 25 de Feverei-ro: «[…] comércio fechado, grandeexaltação no povo, e em perspectivatumultos de que podem resultar gra-ves consequencias caso o adminis-trador do concelho não seja pronta-mente substituído por cidadão estra-nho a esta vila e que reuna os indis-pensaveis requisitos […]».

Apesar da polémica, Custódio Mal-donado Freitas assume as funções deadministrador do concelho, em 21 deMarço de 1911, como nos dá conta osemanário leiriense O Radical, quedefende o novo administrador na edi-ção de 23 de Março: «[…] Perante ocidadão Governador Civil do Distric-to, tomou antehontem posse do lugarde administrador do concelho dasCaldas da Rainha, este nosso amigo ebom republicano, a quem felicitamos,apetecendo-lhe que consiga harmoni-sar as divergencias ali existentes, parao que não lhe falta competencia».

A polémica prossegue nas páginasdo Leiria Ilustrada, na edição de 1 deAbril, com uma declaração dos comer-ciantes e industriais caldenses queaderiram ao protesto e encerraram osestabelecimentos, e de 8 de Abril,com uma resposta à carta do gover-nador civil do distrito publicada nojornal O Mundo, em que se contesta adecisão, justificada pelo desconheci-mento daquela autoridade relativa-mente ao ambiente político da vilatermal: «[…] Sua Ex.ª desconhece overdadeiro estado da politica d’estavila, pois que uns e outros certamen-te, interessados mutuamente, seguerreiam e se atribuem uns aos ou-tros as responsabilidades do que vaesucedendo […]. É preciso que a ver-

dade se esclareça, e julgo que ficariacompletamente esclarecida se suaex.ª visitasse esta vila, visitasse osdois centros politicos locaes, visse aquantidade e qualidade, tanto moralcomo intelectual dos inscritos noscadastros dos mesmos centros e seinformasse bem do que teem sido econtinuam sendo os dirigentes dosmesmos centros […]».

Indefectível apoiante de Maldona-do Freitas, Avelino Soares Belo sai aterreiro em defesa do administradornomeado, em artigo publicado na edi-ção de 20 de Maio, do Leiria Ilustrada.

Eis a versão que apresenta dos fac-tos, com acusação de tentativa de de-fenestração do farmacêutico:

«[…] O povo não protestou; o povo,levado pelos boatos, foi um simplesespetador, mas um espetador quecondenou o que viu. Um grupo de 4 ou6 homens que, por espírito de seita,foi protestar á Associação Comerci-al contra a posse do administrador,depois ao salão da Convalescença, e,por ultimo, de porta em porta, a pediraos comerciantes para fecharem.Mas a farsa mão ficou por aqui. De-ram um assalto ao ato da posse donovo administrador para o pôr pelajanela fora, mas os que taes intençõeslevavam, vendo a atitude do povo, vi-ram-se obrigados a descer pelas ja-nelas. Á noite houve desafio. Um ran-cho de 20 ou 30 arruaceiros, armadosde paus, dos casaes a duas leguasd’esta vila, entraram n’esta pacata eordeira povoação, ensarilhando osseus cacetes na praça, insultando opovo da vila e dando morras a Freitasem frente da sua porta […]».

Em Julho, Custódio Freitas abando-na a administração do concelho, su-cedendo-lhe no cargo João Mendes deVasconcelos1, que terá como substi-tuto Adelino Pereira Gomes (LeiriaIlustrada, 2 de Dezembro de 1911)2.

Dois anos depois, o farmacêuticoregressa ao cargo, e com ele a polé-mica.

Em reacção à notícia da sua toma-

da de posse, publicada no jornal OMundo, o Círculo das Caldas de 3 deMarço de 1913, para além de manifes-tar surpresa, reconduz o conflito àvelha luta entre os dois centros polí-ticos da vila «[…] A maioria dos habi-tantes deste concelho foi na semanaultima surpreendida com a noticia deque, por alvará do sr. governador ci-vil, fora nomeado administrador dasCaldas da Rainha um individuo que,tendo a antipatia quasi geral destapovoação, é, ao mesmo tempo, incom-pativel com os vultos mais prestigio-sos do partido democrático, entre osquais se encontram os socios do Cen-tro Republicano Miguel Bombarda[…]».

Segue-se o ataque pessoal, habitu-al nas lutas políticas da época: «[…]O sr. Freitas não se recomenda pornenhuma das condições naturalmen-te indicadas para tal lugar: não temcategoria nem idoneidade para oexercer, nem está sequer filiado nopartido governamental. Antigo fran-quista foi um dia nomeado adminis-trador do concelho das Caldas, mas asua nomeação levantou gerais protes-tos e não conquistou depois o necesarioprestigio para se manter no lugar […]».

A actividade do administrador éalvo dos habituais protestos por par-te dos seus inimigos pessoais e polí-ticos, e o Leiria Ilustrada vem em suadefesa, na edição de 30 de Agosto de1913: «[…] Alguém chamou a nossaatenção para uma pequena e miserá-vel campanha urdida em volta deMaldonado Freitas, actual administra-dor do concelho de Caldas da Rainha,a proposito das suas medidas toma-das no sentido de fazer respeitar abandeira e hino nacionais. Não ha nadamais injusto que semelhante campa-nha, pois aquela autoridade se temlimitado a fazer cumprir o que estápreceituado sobre tal assunto. De res-to, a origem dessa má vontade devefiliar-se no facto de Maldonado deFreitas, com sacrifícios de toda a or-dem, ter sido um funcionário cumpri-

dor dos seus deveres, desenvolven-do uma actividade e uma energia quemuito o honram […]».

Na edição de 22 de Fevereiro de1914, o semanário caldense O Defen-sor lamenta o anunciado pedido deexoneração do administrador: «[…]Segundo informações que temos, o ci-dadão Maldonado Freitas vai pedir asua exoneração d’este cargo que tãoproficiente e imparcialmente temexercido com satisfação para os cor-religionarios e admiração para os ad-versarios politicos […]».

Custódio Maldonado Freitas. Nãohá nome mais polémico na imprensaregional da época, invariavelmentedividida entre a acusação e o enalte-cimento.

Intrigado, o cronista procurou notestemunha contemporâneo as ra-zões que tornaram impossível a neu-tralidade da imprensa no passado, eouviu de viva voz a explicação de umantigo colaborador do farmacêutico:«Quem não gostava dele eram os po-derosos, porque a gente humilde dopovo gostava, e muito. Olhe que da-quela casa nunca saiu ninguém semmedicamentos por não ter dinheiro».

No que respeita aos acontecimen-tos de Abril de 1915, é esta a memóriaque herdou: «Ele escondeu-se numachaminé, e foi salvo pelo guarda n.º 50,que o descobriu mas fingiu não o ver».

Esta versão não consta dos jornaisdo passado. Por isso se consigna. Paraque passe a constar para o futuro.

(Footnotes)1 João Mendes de Vasconcelos será

nomeado ainda nesse ano governador

civil de Coimbra (Arquivo da Universi-

dade de Coimbra, Inventário do Arquivo

do Governo Civil de Coimbra, 1996).2 Adelino Pereira Gomes, presiden-

te do centro republicano caldense Mi-

guel Bombarda (Direito do Povo de

11 de Dezembro de 1910), fora anteri-

ormente substituto do administrador

Joaquim Manuel Correia (Direito do

Povo, 8 de Janeiro de 1911)

Paços do Concelho (colecção Chaby) Na versão de Avelino Belo, os opositores de Paços do Concelho (colecção Chaby) Na versão de Avelino Belo, os opositores de Paços do Concelho (colecção Chaby) Na versão de Avelino Belo, os opositores de Paços do Concelho (colecção Chaby) Na versão de Avelino Belo, os opositores de Paços do Concelho (colecção Chaby) Na versão de Avelino Belo, os opositores deMaldonado Freitas pretendiam atirá-lo para a rua, no acto de posse do lugar de adminis-Maldonado Freitas pretendiam atirá-lo para a rua, no acto de posse do lugar de adminis-Maldonado Freitas pretendiam atirá-lo para a rua, no acto de posse do lugar de adminis-Maldonado Freitas pretendiam atirá-lo para a rua, no acto de posse do lugar de adminis-Maldonado Freitas pretendiam atirá-lo para a rua, no acto de posse do lugar de adminis-trador do concelho, pelas janelas do edifíciotrador do concelho, pelas janelas do edifíciotrador do concelho, pelas janelas do edifíciotrador do concelho, pelas janelas do edifíciotrador do concelho, pelas janelas do edifício

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

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Os ventos de mudança queas revoluções arrastam consi-go, tornam-se tempestade,turbulência social e política, ré-plicas de um terramoto queperdura para além do dia emque ocorreu.

Foi sempre assim em todasas revoluções. Não poderia serdiferente com a de 5 de Outu-bro de 1910.

Na agitação que se segue,há quem identifique o caoscom a República, e na ediçãode 6 de Abril de 1911, o sema-nário O Radical questiona-se:«Será correcto que certa pro-fessora […] quando os alunosnão estão socegados, lhespergunte se a aula é algumarepublica? Não será isto umanotoria rebeldia da alludidaprofessora para com as novasinstituições e a prova segurade ser uma má educadora?»

Na edição de 22 de Janeirode 1911 do Direito do Povo, háuma crónica subscrita por Ga-leno1, verdadeiro grito de guer-ra, onde se sugere: «[…] orga-nização de defesa á mão ar-mada, da nova ordem social,com chefes nomeados proviso-riamente pela propria popula-ção armada. Prisão immedia-ta, em todo e qualquer logarem que se encontrem os mem-bros criminosos do extinctoregimen: ministros, generais,chefes da policia, assim comoos caciques que ajudaram a le-var este pobre paiz á ruina. Aprisão d’estes personagens se-ria mantida até depois dasconstituintes, para não teremocasião de perturbarem a mar-cha da Republica […]».

Do fervor revolucionário dealguns republicanos da vilatermal chegam ecos às pági-nas do Leiria Ilustrada, na edi-ção de 18 de Novembro de 1911,através de uma carta subscri-ta por José Manuel da CostaBarreiros, Manuel Teles e JoãoDuarte Angélico, que rezavaassim:

«O ‘Grupo Carbonario Vigi-lante Caldense’, reorganizadoem 9 de Setembro ultimo paraa defesa da Republica, e da suaconstituição, pelos motivosconstantes da carta junta (deque pede a publicação tam-bem) que adoptou por lema“seguir sempre a politica maisdemocratica e radical dentrodo ideal e do programa do par-tido republicano historico de-fendidos e proclamados pelos

Os vigilantes caldensesrevolucionários na propagan-da de princípios e na revolu-ção de 5 de Outubro de 1910”,vem rogar vos digneis levan-tar no Leiria Ilustrada o bradode revolta contra o procedimen-to das autoridades de Obidose Caldas, filhas da politica deatração, a que chamaremosmais acertadamente politicade traição, pelos seguintesfactos: […]».

Segue-se a descrição deuma ocorrência, de onde seconclui que o grupo de vigilan-tes caldenses se sentia legiti-mado a actuar, procedendo adetenções, sem que a autori-dade administrativa desse oadequado prosseguimento:«Em 29 de Outubro foi presoem Óbidos por um membrod’este grupo, um individuo pordifamação contra a Republica,e foi solto no dia seguinte semque fossem ouvidas as teste-munhas apontadas».

Para evitar o futuro e previ-sível arquivamento pela auto-ridade administrativa, o grupode vigilantes torna pública umaparticipação sobre factos queconsidera de extrema gravida-de: «[…] O ‘Grupo CarbonarioVigilante Caldense’ tendo co-nhecimento de que os cidadãosJoaquim Isidoro del Rio e Luizd’Almeida, d’esta vila, em 19do corrente, na Foz do Arelho,em frente da casa comercialde Manuel F. Pereira, d’estavila, deram vivas á monarquiae a D. Manuel e morras á Re-publica, que pagaram vinho eaguardente a varias pessoas eaté a algumas creanças, insti-gando-as a darem vivas á mo-narquia, mandou dois dos seusmembros áquela localidadeaveriguar d’estes factos e apu-raram que eram verdadeiros.[…]».

Na participação há a indica-ção do rol de testemunhas, afim de facilitar a realização dainvestigação da autoridade ad-ministrativa, e a sugestão deque sejam inquiridos «osmembros d’este grupo encar-regados d’esta diligência JoãoM. Pacheco e António F. Isido-ro».

Segue-se a averiguação so-bre as diligências da autorida-de, com a suspeita do intole-rável arquivamento: «[…] Pas-sados seis dias perguntamosao digno administrador peloandamento da queixa e esterespondeu que já tinha cha-

mado os acusados e que eleslhe mereciam toda a confian-ça, que decerto tinham bebidodemais, etc… mas que no diaseguinte mandava chamar astestemunhas. Consta-nos quechamou só alguns e, alem dointerrogatorio ser feito commuita prudencia para evitar aprova, ainda algumas testemu-nhas que tiveram a hombrida-de de dizer o que ouviram, fo-ram tratadas com menos con-sideração […]».

Na mesma carta, os signa-tários queixam-se amargamen-te do facto de o jornal O Mun-do ter recusado a publicaçãode um telegrama em que pe-diam providências ao ministrodo interior, com o seguinteteor: «Os carbonarios calden-ses protestam contra o proce-dimento das autoridades deObidos e Caldas, soltando epoupando os difamadores daRepublica, pedem providênci-as ao Ministro do Interior».

O semanário leiriense publi-ca na mesma edição a cartaassinada por «um grupo de pa-triotas», distribuída na vilatermal na manhã de 8 de Se-tembro, que alegadamentemotivou a “reorganização” dogrupo carbonário caldense:«[…] Fieis e decididos a levarate ao fim o patriótico, mora-lizador e religioso intuito aque nos impusemos para sal-

var a Patria Portuguêsa dasgarras do jacobinismo, sem Reie sem Deus, que pôs o paiz asaque na desordem infrene, nomaior cahos e na maior dasvergonhas perante o mundo ci-vilisado, vimos rogar a V.Exª oseu apoio moral e material napróxima decisão da luta maislegitima e santa do povo por-tuguês – pelo regímen monár-quico com a egreja livre […]».

Na edição de 2 de Dezembrode 1911 do Leira Ilustrada, Ade-lino Pereira Gomes2 respondeàs acusações do “Grupo Carbo-nário Vigilante Caldense”.

Começa por se identificarcomo «modesto advogadon’esta comarca», explicando oexercício provisório das suasfunções: «[…] Se atualmenteme encontro á frente da admi-nistração d’este concelho,como administrador substitu-to em exercicio, devo-o á con-sideração obsequiosa do meucolega dr. João Mendes de Vas-concelos, administrador efec-tivo, que precisando ausentar-se temporariamente, me hon-rou com o insistente pedido deo ficar substituindo […]».

Em sua defesa alega queagiu com a máxima isenção,ouvindo as testemunhas e re-metendo os autos ao Delega-do do Procurador da Repúblicana comarca, conclui que osparticipantes «usam da pena,

não como instrumento da ver-dade ou arma da justiça, masúnica e simplesmente para di-famar e pôr em dúvida a honraalheia», e termina com umadeclaração solene: «[…] nãomais volto ao assunto, tão côns-cio eu estou de que honrada-mente cumpri o meu dever,respeitando a Lei, a Justiça e aMoralidade».

S.P. Danton em “A QuestãoPolítica nas Caldas da Rainha”refere a existência de um gru-po de 60 carbonários na vilatermal «todos republicanos …dispostos a dar a vida e o seubem estar e de suas famílias,para resgatar a Pátria …».

O semanário leiriense O Ra-dical, na edição de 22 de Ja-neiro de 1914, numa crónicasobre a actuação de Maldona-do Freitas durante a greve dosferroviários, sarcasticamentedenominado por “alcaide dasCaldas da Rainha”, acusa opolítico caldense de ter ao seuserviço a “formiga branca”,uma milícia semi-clandestina,alegadamente criado por Afon-so Costa, composta na suamaioria por carbonários.

Em Outubro de 1911, um mêsapós a divulgação na vila, dacarta que incitava à restaura-ção da monarquia, o “GrupoCarbonário Vigilante Calden-se” dirigia ao director do Hos-pital um pedido de permissão

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Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

República Portuguesa»3.O Defensor na edição de 13

de Fevereiro de 1916, descreveuma cena de tiroteio na Praça5 de Outubro, que envolve «ele-mentos de defesa da Republi-ca», mas terá sido efémera a“reorganização” do “GrupoCarbonário Vigilante Calden-se”, porque não encontrámosqualquer outra referência eeste grupo na imprensa regio-nal nos anos agitados que seseguiram.

(Footnotes)1 Nome simbólico de Custódio

Maldonado Freitas, na Loja Maçóni-

ca Fraternidade de Óbidos, onde foi

iniciado.2 O Círculo das Caldas de 20 de

Novembro de 1909 dá notícia da ins-

talação deste advogado em Caldas.

Adelino Pereira Gomes foi aclama-

do administrador substituto de Joa-

quim Alves Correia em 6 de Outubro

de 1910, tendo sido eleito presiden-

te da direcção do Centro Miguel

Bombarda, conforme noticia o Direi-

to do Povo, na edição de 11 de De-

zembro de 1911.3 João B. Serra, Elites Locais e

Competição Eleitoral em 1911.

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1 | Abril | 2011

OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião34

Apesar de os democráticos deAfonso Costa terem vencido aseleições de 13 de Junho de 1915,assegurando uma maioria abso-luta na câmara dos deputados eno senado, permanecia a agita-ção política.

No dia 3 de Julho, o líder danova maioria, receando estar aser alvo de um novo atentado,salta precipitadamente da jane-la dum eléctrico em movimen-to, fracturando o crânio (sofre-ra já vários atentados, tendosido o anterior em 21 de Feve-reiro).

A agitação que se vivia nopaís, não podia deixar de se re-flectir na vila termal, e na edi-ção de 5 de Outubro de 1915, osemanário republicano calden-se, O Defensor, faz eco de umacuriosa notícia publicada no Re-pública, que ataca e ridicularizao regedor e o administrador:Batata e Palhota.

«[…] O ilustre presidente daAssociação Comercial das Cal-das da Rainha, Sr. António Va-lerio Junior, veio ontem a Lis-boa para protestar junto do sr.ministro do interior, em nomeda mesma associação, contra aameaça de certos bandos dearruaceiros, que pretendem as-saltar os estabelecimentos co-merciais sob comando do pró-prio regedor, um desordeiro co-nhecido pela alcunha de Bata-ta.

Não se trata de qualquer al-teração da ordem publica, pormotivo de encarecimento dassubsistencias, pois um dos es-tabelecimentos apontados parao assalto é a Fotografia Arman-do Silva e as fotografias não são,positivamente, um artigo de pri-meira necessidade.

Trata-se apenas de um actode banditismo vulgar, de vingan-ça e de represália, tanto maisinfame quanto é certo ser capi-

Agitação Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

taneado pelo próprio regedor.Não somos nós que o dize-

mos. O próprio presidente daAssociação Comercial o foi di-zer ao administrador do conce-lho, um general reformado, denome Palhota, que não sabe oque faz nem o que diz e quemanda menos nas Caldas do queo referido regedor Batata […] umpobre homem que não tem ener-gia nem decisão para meter istona ordem.

Este Batata saiu do Limoeiropara ir ser regedor, impondo-seao próprio administrador do con-celho, o que é ultravergonhoso[…]».

Na mesma página, sob o títu-lo «António Alves Cunha», nomede baptismo do dito Batata, ojornal parece fazer mea culpa,numa outra notícia, que contra-ria a anterior: «[…] Este nossoamigo e correligionário pediu asua demissão de regedor no dia1 do corrente. Se nos tivesseconsultado depois das infâmiasvindas no “Republica” e des-mentidas pelos senhores Henri-que da Graça, Paulino Montez eEduardo Ribas, membros da di-recção da Associação Comerci-al, não o teria pedido […]. OExmo Senhor Ministro do Interi-or e Governador Civil que avali-em da razão das queixas do sr.Valerio.»

Para maior confusão, na edi-ção de O Defensor, de 10 de Ou-tubro, surge uma declaração deapoio ao regedor das Caldas,com nomes sonantes e assina-turas reconhecidas:

«Declaração. Nós abaixo as-sinados, industriais e proprietá-rios residentes nesta vila deCaldas da Rainha, declaramosque o cidadão António AlvesCunha Júnior, ex-regedor da fre-guesia de Nossa Senhora doPopulo (sede do concelho), nãocometeu durante o tempo que

exerceu aquele cargo, qualqueracto que o deslustrasse, quercomo homem, quer como auto-ridade, sendo portanto falsas asarguições que ao mesmo se fa-zem no jornal “Republica” de 2e 4 do corrente mês, assim comotudo mais. Havendo absolutosocego. Caldas da Rainha, 4 deOutubro de 1915. […]

Subscrevem a declaraçãoabonatória, figuras gradas davila. Comerciantes: António Lo-pes, Almeida Irmão, Benigno dosSantos, Joaquim Gonçalves, Do-mingos Duarte, Joaquim da CruzFerreira, José Joaquim de Almei-da, Victor José Malhoa, Francis-co Anselmo de Sousa, Henriqueda Graça, José da Silva Dias, Jai-me Pacheco de Pina, AntónioD’Almeida, Francisco da SilvaLadeira, Eduardo Ribas, ManuelQuerido Branco, Paulino Montez,Francisco G. Varela, EstevamTavares Adam Júnior, MiguelSoares Pinto, João Daniel deSousa; proprietários: Manuel daCosta Faro, Francisco Figueira,Alfredo Pinto Correia, João deSousa Nunes, Joaquim José deSousa, José Francisco Branco,António Gomes Carlos; e indus-triais: Adolfo José de Figueire-do, José Francisco de Sousa Fi-lho, João Duarte (Angélico).

O célebre Batata – AntónioAlves da Cunha - chegou a lide-rar o Partido Democrático nasCaldas da Rainha, após a dissi-dência de Maldonado Freitas,para o Partido de Reconstitui-ção Nacional de Álvaro de Cas-tro, tendo sido editor do sema-nário O Defensor e, mais tarde,administrador do concelho deÓbidos.

Quanto ao destino do Gene-ral Vicente Palhota, O Defensor,na edição de 13 de Fevereiro de1916, conta-nos a sua demissão,na sequência de outras peripé-cias em que a morna vila termal

era tão fértil:«[…] Eis resumidamente o que

se passou nas Caldas, na ultimasemana […]:

Na madrugada de segunda-feira, seriam 3 horas e 30m, ou-viu-se um estampido enorme,que alvoroçou toda a vila. Sou-be-se depois ter derivado daexplosão de uma bomba, queatentos os estragos que causou,devia ser de grandes propor-ções, na Rua Sangreman Henri-ques. Mais tarde, seriam 7 ho-ras, ouviram-se tiros para o ladodo Cabo da Vila. Foi encontradoestendido na Rua Capitão Filipede Sousa o cocheiro AugustoPereira, que adquiriu uma tristecelebridade quando da vergo-nhosa ditadura do General Pi-menta de Castro. Apresentavaquatro ferimentos que declarouterem-lhe sido feitos a tiro porHenrique de Almeida. Á hora,porêm, em que os tiros foramouvidos, afirmam testemunhasque êste nosso correligionáriose achava, com outros elemen-tos de defesa da Republica, pró-ximo da Praça 5 de Outubro.

Na noite seguinte, foi aindaligeiramente ferido a tiro umcaixeiro do Sr. Anselmo, queapresentou como agressor Ar-tur Alves da Cunha.

O Sr. General Palhota, que erao administrador do concelho,recebeu uma carta anónimaameaçando-o de que a casa lheseria dinamitada, caso não or-denasse a prisão do Sr. Henri-que Almeida. Pediu a demissão,sendo interinamente substituí-do pelo oficial do Govêrno Civil,Sr. Aurélio Neto, velho republi-cano que vem animado da me-lhor vontade para descobrir tôdaa verdade. […]»

Esta crónica deveria, talvez,ficar por aqui. Mas as palavrassão como as cerejas, e o cronis-ta não resiste a prolongá-la um

pouco, até aos nossos tempos,com uma história de paixão quenela se entrelaça.

O General Vicente Palhotaterá uma única filha, Armanda,que casa com Silva Pais, o últi-mo chefe da polícia política doestado novo.

Dessa união nasce uma únicafilha, Ana Maria Palhota da Sil-va Pais, que em 1965, inespera-damente, abandona a família eo regime, e parte para Cuba,solidária com a revolução na-quela ilha.

Annie, como ficará conheci-da, enamora-se do médico pes-soal de Fidel Castro, revela umaardente paixão por Che Gueva-ra, e estabelece uma prolonga-

da relação com o ministro doInterior, José Abrantes, que há-de morrer numa prisão de Ha-vana.

Tradutora e intérprete de Fi-del, só regressa a Portugal apóso 25 de Abril, para ir visitar o paià prisão de Peniche. Trabalhana 5.ª Divisão do MFA durante overão quente de 1975 e morreem Cuba em Julho de 1990, víti-ma de cancro.

Esta história foi contada porJosé Pedro Castanheira e Val-demar Cruz, jornalistas do Ex-presso, numa reportagem de2002, e mais tarde num livro edi-tado pela Temas e Debates: AFilha Rebelde.

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8 | Abril | 2011

27OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião

Com a implantação da Repú-blica é banido o ensino da “dou-trina cristã” nas escolas primá-rias e instituído o registo civilobrigatório, para que os cida-dãos pudessem nascer, casar emorrer, sem terem que prestarcontas à Igreja Católica, retiran-do-se relevância aos registosparoquiais, que tinham sido atéàquele momento a única formade solenizar esses acontecimen-tos.

Apesar da hostilidade do novoregime, vários padres da regiãoaderem ao partido republicanologo após a revolução, ainda noano de 1910, como acontece como pároco de Salir de Matos, Ma-nuel Delgado, e de Santa Cata-rina, Agnelo Monteiro Dinis, deacordo com a lista publicada nosemanário caldense Direito doPovo, de 22 de Janeiro de 1911.

O novo regime define comoalvo preferencial a congregaçãojesuíta, e nos jornais da regiãosão frequentes os ataques aestes prelados, relativamenteaos quais o líder republicanoMiguel Bombarda chegou a pre-conizar a deportação para umailha deserta ou o internamentoem manicómios.

Sobre estes padres, lêem-seacusações na edição do Direitodo Povo, de 8 de Janeiro de 1911,que ilustram o ambiente hostilque enfrentam:

«[…] Os jesuítas […] celebree extincta companhia de verda-deiros antropophagos da cons-ciencia e do dever humano […].Qual serpente que pelo magne-tismo dos seus olhares attrae oindefezo passarinho, assim ojesuita tem sabido attrair a sitodas as conveniencias pesso-ais, filhas da fraca consciênciae ignorancia do povo rude, a queo desprezo pela instrucção detantos anos de monarchia o lan-çou. Quantas dezenas de don-zellas submetidas á atroz tortu-ra do confessionario, foram ar-rebatadas dos lares dos entesque lhe deram o ser para que abelleza que a natureza lhes pro-digalizou e os bens de riquezados seus antepassados, fossemcair aos pés d’esses miseraveis?[…]».

Conclui o cronista, promoven-do a sacralização da sociedadeinstruída, em oposição aos en-sinamentos da igreja: «[…] Si-gamos os preceitos da religiãoverdadeira – instrui-vos, educae-vos e convosco será o reino dagloria […]».

O clero e a RepúblicaA imprensa regional rende-se

deslumbrada ao carisma deAfonso Costa, rosto do anticle-ricalismo republicano, comoacontece com o conservador emonárquico O Circulo das Cal-das, recém-convertido à Repú-blica, na edição de 2 de Abril de1911: «[…]A expulsão das ordensreligiosas, as leis da família, leido divórcio e Código do RegistoCivil, bastariam sobejamentepara que o vosso nome aureo-lado de Gloria e enobrecido deprestigio, apontado fosse ásgerações vindouras com lidimagloria de que uma raça se orgu-lha […]».

Na edição do Leiria Ilustradade 29 de Abril de 1911, o corres-pondente caldense Adriano Tei-xeira Pinto fala da “côngrua pa-roquial” e da influência políticaque os padres mantêm nas al-deias:

«[…] Como não puderam esteano andar de casa em casa adar conselhos e a fazer a res-pectiva colheita do que faz fal-ta ao povo para dar pão aos fi-lhos, vestidos dos habitos sa-cerdotaes, nem por isso desis-tiram. Usaram do trajo seculare foram eles de casa em casacom o Christo sonegado debai-xo do casaco, acompanhados dosachrista para lhes conduzir arespectiva esportula1. Tudo istose fez e tem feito n’este conce-lho e para que o povo fanatisa-do não continue a ser vilmenteenganado e explorado, é preci-so que nestas localidades se fa-çam comícios e conferencias depropaganda já que não se fize-ram no tempo da monarquia […]Quando desejavamos que o ad-ministrador do concelho fossepessoa extranha e desconheci-da nesta vila […] desejávamosevitar que essa autoridade seconvertesse em cacique repu-blicano captando as simpatiasdos padres reacionarios das fre-guesias aonde o povo por elesesta dominado pelo fanatismoe nestas condições dão o voto aquem o padre quizer […] ».

Nos jornais da região há re-gisto do julgamento de padresque utilizam o púlpito como tri-buna contra o novo regime,como acontece no semanário ORadical, que na edição de 6 deAbril de 1911, dá notícia da con-denação do padre Paulo Macha-do, da Marinha Grande, na penade dez dias de prisão, suspensapor dois anos «acusado de ata-car na igreja as leis da Repúbli-ca», novamente preso, como

relata a edição de 6 de Julho domesmo ano «[…] accusado deter deitado uma bomba de dy-namite á porta da sua residen-cia, a fim de accusar alguns re-publicanos daquella vila, osquais eram incapazes de ter pra-ticado o feito […]».

A crispação entre o novo re-gime e o clero agrava-se, emi-tindo os bispos portugueses umapastoral, contra a qual se insur-ge O Radical de 2 de Março de1911, acusando-os de estarem«[…] em guerra aberta com aRepublica que tão benevolente-mente os tem tratado e que tãogenerosa tem sido, talvez atéem demasia, para com aquelesque pregavam e pregam aindaque surdamente a guerra santasem tréguas contra ella […]»

A Lei da Separação da Igrejae do Estado, de 20 de Abril de1911, ao contrário do que suge-re a sua denominação, constituiuma verdadeira integração doculto católico na hierarquia es-tadual.

A Igreja perde a identidadejurídica e a dependência deRoma, passa a ser consideradaculto interno sob licença esta-tal, dependendo as manifesta-ções religiosas de prévia auto-rização escrita da autoridadeadministrativa, que só as podiaconceder nas localidades ondeessas manifestações constituís-sem «um costume inveterado dageneralidade dos cidadãos».

A lei é interpretada como per-secutória pelo clero, contraria-mente ao que defendem os jor-nais republicanos da região,como ocorre com o semanárioLeira Ilustrada, que na ediçãode 29 de Abril de 1911, assume aintransigente defesa da lei e doseu autor: «[…] A nova lei não é,como muitos desejavam, umamedida de perseguição, antespelo contrario, é uma lei com amais ampla liberdade para to-das as religiões, no dominio dasconsciencias e dentro da orien-tação da Republica. […] é umalei que veio glorificar o governoe que honra sobremaneira Afon-so Costa, esse grande e lumino-so espirito, gloria de um país, eaté mais, da humanidade […]».

Também contra a lei do re-gisto civil erguem a voz algunspadres nos seus púlpitos, ousa-dias asperamente censuradasna imprensa da época, comoacontece no semanário calden-se O Defensor, de 14 de Dezem-bro de 1913: «Padre caranguejo.Este tonsurado, que também sedá pelo nome de Padre de San-ta Maria, numa festa religiosaque se realizou em Traz do Ou-teiro no dia 8 do corrente, vomi-tou a sua bílis venenosa de cha-cal, como é, contra a lei do Re-gisto Civil obrigatorio, indispon-do o povo daquele logar contrauma tão basilar lei da Republi-ca. Ao Sr. Administrador do Con-celho de Óbidos, pedimos enér-

gicas providências para fazerentrar na ordem o tão celebra-do padre que de caranguejo foicognominado, quando á frentedum grupo de beatas pretendeuvexar os liberais do concelho vi-sinho, com manifestações quesó eram próprias do extinto re-gime»

Deu brado, ainda no ano de1910, um conflito que opôs o pro-fessor primário de Santa Cata-rina, Guilherme Júlio de MouraBurguette, ao pároco AgneloMonteiro Dinis, devido ao factode este ter transferido as ceri-mónias religiosas de Nossa Se-nhora do Rosário para as quatrohoras da manhã, mandando re-picar os sinos às três em ponto.

A intervenção sensata e isen-ta do administrador do conce-lho Joaquim Manuel Correia,evita males maiores, mas háferidas que nunca cicatrizam eo pároco de Santa Catarina, ape-sar de inscrito no partido repu-blicano, não cessa de predicarcontra o novo regime, acaban-do por ser expulso da sua paró-quia, como noticia em 17 de Ou-tubro de 1913 o semanário ORadical, que, de forma surpre-endente, assume a sua defesa2:«[…] O ministro da justiça, o ve-nerável sr. Correia de Lemos,não teve pêjo de manchar osseus cabelos brancos com umdecreto odioso e injustificável:foi expulso da freguesia de San-ta Catharina, concelho de Cal-

das da Rainha, o respectivo pa-rocho, Padre Agnello MonteiroDinis. Dizem-nos que é um san-to velho, respeitador das leis daRepublica, amigo de todos osseus parochianos, profundamen-te estimado na freguezia intei-ra, onde residia ha vinte e seisannos […]. Tudo isto deixa deser profundamente triste paraser profundamente revoltante,servindo apenas para crear odi-os e más vontades contra a Re-publica […]».

O conflito da Republica com aigreja é uma guerra com fren-tes e resultados distintos: ga-nha pelo regime nos grandesmeios urbanos, como em Lisboa,onde organiza gigantescas ma-nifestações anticlericais, comoa que se vê na imagem queacompanha este texto; irreme-diavelmente perdida no mundorural, que se sente ofendido nassuas crenças ancestrais.

(Footnotes)1 Gratificação em dinheiro.2 Também nas edições de 22

de Agosto e de 19 de Setembro

de 1913,

O Radical defende o regedor

de Santa Catarina José Joaquim

Bernardino, julgado com a acu-

Manifestação anticlerical realizada em Lisboa no dia 14 de Janeiro de 1912, Ilustração Portuguesa, n.º 309, página 112. Manifestação anticlerical realizada em Lisboa no dia 14 de Janeiro de 1912, Ilustração Portuguesa, n.º 309, página 112. Manifestação anticlerical realizada em Lisboa no dia 14 de Janeiro de 1912, Ilustração Portuguesa, n.º 309, página 112. Manifestação anticlerical realizada em Lisboa no dia 14 de Janeiro de 1912, Ilustração Portuguesa, n.º 309, página 112. Manifestação anticlerical realizada em Lisboa no dia 14 de Janeiro de 1912, Ilustração Portuguesa, n.º 309, página 112.

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

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15 | Abril | 2011

OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião26

Estranho paradoxo. A Repú-blica elege como seu símbolo obusto de uma mulher, coloca-anum pedestal e esquece-a.

Nos jornais caldenses co-lhem-se pequenos textos, ondetransparece o discurso legiti-mador da inferioridade social epolítica da mulher e a recusade reconhecimento dos maiselementares direitos cívicos porparte do regime triunfante.

O Direito do Povo publica naedição de 22 de Janeiro de 1911,um texto de Teófilo Braga,membro do Directório do Parti-do Republicano e presidente doGoverno Provisório da Repúbli-ca Portuguesa a partir de 6 deOutubro de 1910, com o título«A mulher, o sentimento e a re-novação social», onde se enal-tece a sensibilidade feminina,que justifica o pedestal que aRepública lhe atribui, mas quenão chega para legitimar o di-reito de voto que o regime lherecusa.

Predicava assim o ilustre re-publicano: «[…] Para realizar abase renovadora da sociedade,não basta a “Razão” dos pen-sadores, nem a “Acção” ouenergia dos proletários, é in-dispensável o impulso do “Sen-timento”, motor supremo e realbase da unidade humana. É aMulher que possue todo o po-der impulsivo, para que se re-solva o problema humano daconstituição completa da forçamoral, destinada a modificar aforça material. O Pensador des-vaira nas especulações theori-cas. O Proletário agita-se so-bre a pressão das suas neces-sidades; somente a Mulher éque, acordando o amor univer-sal, leva a comprehender a pre-ponderância da Sociabilidadesobre a Personalidade […]».

O semanário caldense O De-fensor dedica um vasto espaçoàs suas leitoras, com o título“Jornal da Mulher”, e dele secolhem curiosas pérolas, comoa que se segue, onde se defen-de que, afinal, é a mulher quemcomanda a vida do homem: «[…]A influencia das mulheresabrange toda a vida. Amante,esposa, mãe, são três palavrasmagicas que encerram todas asfelicidades humanas. Ou impe-ram pela formosura, ou pelogalanteio, pelo amor ou pelarasão, sempre imperam. O ho-mem aconselha-se com a mu-lher, obedece á mãe e aindadepois de finada, as ideias quedela recebeu passam a ser prin-cípios mais robustos que as suaspaixões […]»

Na edição de 16 Agosto de1914, o mesmo semanário cal-dense revela uma visão prag-mática da educação feminina:«[…] As alunas dos grandes cen-

A mulher e a República Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

tros prescindem do ensino deagricultura, etc. Devem-se es-tes substituir pelo de economiadomestica, ensinar as pesagensdos géneros alimentícios ne-cessários para um determina-do numero de pessoas, a cozi-nhar, a calcular a vida da casa.Substitua-se-lhe os trechos re-alistas de Kok ou Zola pelo rolda roupa […]».

Finalmente, na edição de 27Dezembro 1914, O Defensor jus-tifica a diferença entre o quedeve ser ensinado a eles e aelas: «[…] A educação femini-na dá margem a consideraçõesengraçadíssimas. Que é um de-sastre as raparigas lêrem, por-que isso facilita as relaçõesamorosas. Basta conhecerem aluas no Borda dÁgua do Teixei-ra, ou a grafia dos envelopesdo irmão militar. O programaelaborado para o rapaz já émais lato. Abrange o LunarioPerpetuo, e o Manual Enciclo-pédico […]».

Na imprensa caldense co-lhem-se referências a duas mu-lheres republicanas que na vilatermal lutam pela dignificaçãodo seu estatuto: a poetisa Ma-ria Clara Heller Caldas, queLuís Teixeira, na Gazeta dasCaldas de 14 de Outubro de1928, coloca na génese do mo-vimento que dará origem aocentro republicano que surge navila em 1906 e que mais tardeassumirá o nome de Cândidodos Reis; e uma misteriosa fe-minista que assina com as ini-ciais “E. A.”, e que convoca asmulheres caldenses num mani-festo publicado na edição de 18de Dezembro de 1910 do sema-nário Direito do Povo, que rezaassim:

«Mulheres portuguezas,avante.

Caminhar para os progressosguiados pelo sublime ideal daDemocracia! É preciso que amulher se eduque, se instrua ese compenetre dos seus deve-res sociaes; é portanto urgenteabrir caminho seguro para as-pergir a luz, educando, instru-indo, rasgando para todo o sem-pre o negro veu que envolve astrevas da ignorância. […]

Eis pois o fim d’este modes-to alvitre: despertar d’esse en-torpecimento as damas de to-das as classes sociaes das Cal-das, com o fim de fundar umCentro Democrático Feminista,cujos fins humanitários são ba-seados em duas únicas pala-vras: - Instrucção e Caridade[…].

Espero que não serão lança-das ao vento as minhas pala-vras dictadas por um sentimentoexpontaneo d’uma alma demulher portugueza […]».

Ainda no ano de 1910, como

noticia a Ilustração Portuguesade 29 de Janeiro de 1912, o ca-tedrático de Coimbra Marnocoe Sousa publicava «um densovolume de materia constitucio-nal que mezes antes fôra pre-leccionado, pagina por paginaa seus discipulos […] vendidocomo canela entre jovens par-lamentares […]».

No capítulo referente ao di-reito ao voto, predicava o ilus-tre professor: «[…] Ora, se senão póde admittir a doutrina deStuart Mill, que eguala a mu-lher ao homem sob o ponto devista mental, é certo que tam-bem não se pode negar á mu-lher a inteligencia suficientepara o exercicio da função elei-toral. Já lá vão os tempos emque a mulher era consideradapor Proudhon uma organizaçãosustada ao seu desenvolvimen-to, e por Michelet, uma desi-quilibrada, que merecia unica-mente compaixão […]».

Em 1910, num universo de1262 alunos, a Universidade deCoimbra tem apenas cinco alu-nas, e uma delas, Maria da Con-ceição do Sameiro Ferro da Sil-va é aclamada delegada da Fa-culdade de Medicina, o que levaa Ilustração Portuguesa na edi-ção já referida, a proclamarapressadamente o triunfo dofeminismo em Coimbra.

A mentalidade dominantejustificará o facto de Roque Ga-meiro, na célebre aguarela co-

memorativa de revolução do 5de Outubro, retratar um conjun-to de 161 destacados republi-canos, numa imagem domina-da por uma mulher de peito des-coberto e espada em punho,atribuindo a honra de figurarna galeria dos notáveis da Re-pública, a uma única mulherentre os 160 homens: Ana deCastro Osório (fundadora daLiga Republicana das MulheresPortuguesas)

Na lei eleitoral de 1911, ela-borada pelo médico caldenseLeão Magno Azedo, a Repúbli-ca recusa a igualdade de direi-tos cívicos, sendo o direito devoto reconhecido apenas a «ci-dadãos portugueses com maisde 21 anos, que soubessem lere escrever e fossem chefes defamília».

Carolina Beatriz Ângelo, viú-va e mãe, invoca a qualidadede chefe de família e requer aopresidente da comissão recen-seadora, a inclusão do seu nomeno recenseamento eleitoralpara a Assembleia Constituin-te de 1911.

Confrontada com o indeferi-mento liminar do seu pedido,não se resigna e recorre para otribunal, com o argumento deque a lei não exclui expressa-mente as mulheres.

Assistia-lhe razão. A exclu-são era intenção do legisladorrepublicano, mas a ambiguida-de da sua formulação permitiu

ao juiz João Baptista de Castroproferir sentença favorável, em28 de Abril de 1911, com luci-dez, bom senso, e um inabalá-vel argumento de interpretaçãoliteral: «[…] Excluir a mulher […]só por ser mulher […] é sim-plesmente absurdo e iníquo eem oposição com as própriasideias da democracia e justiçaproclamadas pelo partido repu-blicano. […] Onde a lei não dis-tingue, não pode o julgador dis-tinguir […] mando que a recla-mante seja incluída no recen-seamento eleitoral».

Munida da decisão judicial,Carolina Beatriz Ângelo com-parece na assembleia de votode Arroios, como noticia o jor-nal A Vanguarda, edição de 31de Maio de 1911.

Diz o jornal lisboeta, que«[…] O presidente da Meza […]Constancio de Oliveira consul-tou a meza sob o ponto de vistalegal, que, em seu espírito, nãoofferecia duvidas […]», justifi-cando mais tarde essa consul-ta, apesar da sentença judicial,nestes termos: «[…] porque meconstara que o governo provi-sório tinha consultado o procu-rador geral da Republica acer-ca da sentença do juiz que man-dou incluir o nome d’aquella se-nhora no recenseamento elei-toral e ainda por que a aceita-ção da lista representava o re-conhecimento do voto ás mu-lheres, assumpto que tem ser-

vido de thema a largas discus-sões […]».

Na explicação final, do pre-sidente da mesa de voto reve-la-se a recusa da paridade, pordetrás da condescendência va-zia do discurso masculino, tãotípica da época: «[…] a meza nãopodia deixar de acceitar a lista.E recebi-a com a mesma satisfa-ção, como se pode, por exemplo,receber uma flor que nos é offer-tada por uma dama, com quemestamos permutando amabilida-des e gallanteios […]».

O gesto de coragem destamulher tem como consequên-cia imediata um retrocesso nalei. O Código Eleitoral de 1913determina que «são eleitoresde cargos legislativos os cida-dãos portugueses do sexo mas-culino maiores de 21 anos ouque completem essa idade atéao termo das operações de re-censeamento, que estejam nopleno gozo dos seus direitoscivis e políticos, saibam ler eescrever português, residam noterritório da República Portu-guesa».

As mulheres portuguesas te-riam de esperar pelo ano de 1931para lhes ser concedido o direi-to de voto e, ainda assim, comrestrições: apenas podiam vo-tar as que tivessem cursos se-cundários ou superiores, en-quanto para os homens conti-nuava a bastar saber ler e es-crever.

Foto de Carolina Beatriz Ângelo (Colecção António Pe- Foto de Carolina Beatriz Ângelo (Colecção António Pe- Foto de Carolina Beatriz Ângelo (Colecção António Pe- Foto de Carolina Beatriz Ângelo (Colecção António Pe- Foto de Carolina Beatriz Ângelo (Colecção António Pe-dro Vicente)dro Vicente)dro Vicente)dro Vicente)dro Vicente)

Busto da República Busto da República Busto da República Busto da República Busto da República

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22 | Abril | 2011

27OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião

Naquela época os jornais nãocultivavam a aparência da isen-ção que legitima a credibilida-de. Pelo contrário, assumiam-sesem reserva como porta-vozesde um grupo político, ou mesmode um líder, que defendiam deforma intransigente, tomandoposição em querelas e polémi-cas sem facultar o contraditórioaos opositores.

Qualquer político relevantetinha necessariamente por de-trás de si um jornal que o apoi-ava. A título de exemplo: Afon-so Costa teve sempre a seus pésO Mundo; António José de Al-meida fundou e dirigiu o jornalRepublica; Brito Camacho criouo jornal A Luta, que começou porser um centro de conspiraçãoanti-monárquico; e MachadoSantos, herói da Rotunda, eter-namente inconformado com ocaminho por onde seguia a“sua” revolução, zurzia AfonsoCosta n’O Intransigente.

Na sede do distrito, pontifi-cavam dois semanários: o LeiriaIlustrada, que apresentava como“director político e proprietário”o deputado Gaudêncio Pires deCampos, e O Radical que pro-movia o seu “director e proprie-tário” deputado Ribeiro de Car-valho.

Por cá, na vila termal, O Di-reito do Povo, propriedade deJoão António Duarte, anuncia-va-se como “Órgão do PartidoRepublicano nas Caldas da Rai-nha”, O Defensor definia-secomo “Semanário Republicano”,e O Círculo das Caldas, monár-quico até 21 de Outubro de 1910,data em que anunciou a sua con-versão ao regime republicano,manteve sempre a designaçãode “Jornal Político, Literário,Agrícola, Sportivo e Noticioso”1.

Na inevitável coluna “Corres-pondências”, os jornais da épo-ca davam a palavra aos seusrepresentantes, que faziam che-gar às redacções os ecos daslutas políticas nos vários conce-lhos, devidamente interpretadosde acordo com a respectiva li-nha editorial.

O estatuto de corresponden-te de um grande jornal, por umlado dava ao seu titular inegá-vel importância política, maspor outro atirava-o para a fo-gueira da polémica, de ondenaquele tempo ninguém saíaincólume, como o leitor conclui-rá dos exemplos que se seguem.

A primeira nomeação de Mal-donado Freitas para administra-dor do concelho, gera paixões erancores que ultrapassam as

Correspondentesfronteiras da vila termal, rela-tados pelos correspondentes deacordo com a posição que osrespectivos jornais assumem noconflito.

O correspondente do jornal OPaís, desvaloriza a agitação quese vive na vila, tomando posi-ção ao lado do administradornomeado, e a reacção de O Cír-culo das Caldas não se faz es-perar.

Na edição de 2 de Abril de1911, o semanário caldense, ini-migo figadal do farmacêutico,num feroz ataque contra o cor-respondente, não lhe poupa in-júrias: «N’uma correspondênciad’esta villa, inserta no “Paiz” de25 de Março ultimo, pretende-se torpemente apagar a elo-quente significação que teve oruidoso protesto da grande mai-oria dos habitantes d’esta villacontra a nomeação do sr. Cus-todio Maldonado Freitas paraadministrador d’este concelho.Esta correspondência, onde aincapacidade intellectual do seuauctor corre parelhas com a per-versidade do mesmo […] Afir-mam-nos que o correspondentedesta villa para o “Paiz” é umdecrepito irrisório pela sua vai-dade balofa, que há anos andaa servir de petisco aos calden-ses, patenteando a maluquicecom que a natureza o dotou,decrépito que sendo reacciona-rio até ao 5 d’outubro, armoudepois dessa data em republi-cano radical […]»

Assumindo posição contrária,Adriano Teixeira Pinto, corres-pondente do Leiria Ilustrada,enfatiza a contestação ao nomedo administrador, e no mesmojornal, nas edições de 29 de Abrile de 20 de Maio de 1911, é alvode um ataque de Avelino Soa-res Belo, desferido em duas vio-lentas cartas com o título «Var-rendo a testada».

Na edição de 20 de Maio, oceramista republicano acusa ocorrespondente do jornal leiri-ense de acompanhar o líder dos“caceteiros” que, alegadamen-te, pretendiam agredir a novaautoridade administrativa: «[…]Deram um assalto ao ato daposse do novo administradorpara o pôr pela janela fora, masos que taes intenções levavam,vendo a atitude do povo, viram-se obrigados a descer pelas ja-nelas. Á noite houve desafio. Umrancho de 20 ou 30 arruaceiros,armados de paus, dos casaes aduas leguas d’esta vila, entra-ram n’esta pacata e ordeira po-voação, ensarilhando os seus

cacetes na praça, insultando opovo da vila e dando morras aFreitas em frente da sua porta.Ao chefe dos arruaceiros dirigios meus cumprimentos porqueeramos conhecidos, estava comele o meu contendor […] quetanto o defende e que desapa-receu com ele […]».

Apoiante desde a primeirahora, do centro republicano Al-mirante Reis e do seu líder Cus-tódio Freitas, a direcção do jor-nal leiriense em nota de redac-ção que se segue à carta deAvelino Belo, censura o seu co-laborador, que acabará por per-der o lugar: «[…] Ao nosso cor-respondente das Caldas da Ra-inha, um dedicado cooperadord’este jornal, pedimos para seabster de referencias á actualsituação politica, pois não que-remos que alguém suponha quetemos em mira desconsiderarseja quem for, ainda porqued’essa abstenção pode resul-tar a paz que na mesma vilatem faltado […]».

Os correspondentes chegammesmo a utilizar a sua funçãopara intervir na disputa políti-ca, de acordo com o testemu-nho do Direito do Povo, referen-te a um comício adiado.

Vejamos os vários folhetinsem que se desenvolve esta es-tranha história.

O Partido Republicano nasCaldas organiza um comíciopara o dia 20 de Novembro de1910, para o qual convida doisoradores: Alexandre Braga eMalva do Vale.

Na edição de 20 de Novem-bro, o jornal republicano calden-se dá notícia lacónica do adia-mento: «Foi addiado para diaque há-de oportunamente de-

signar-se, o comício que o Par-tido Republicano hoje devia re-alizar no Theatro Pinheiro Cha-gas, d’esta villa».

Na edição seguinte, de 27 deNovembro, o mesmo jornal ex-plica um pouco mais: «[…] O co-mício foi adiado porque os illus-tres cidadãos drs. AlexandreBraga e Malva do Valle, os doismais brilhantes oradores quen’elle deviam tomar parte, diri-giram para a commissão orga-nizadora os seguintes telegra-mas: […] Dr. Arthur Leitão, Cal-das da Rainha “Nada prevenidovi jornaes comício dia 4 compro-metido, impossível ir” Alexan-dre Braga […]. Dr. Arthur Leitão,Caldas da Rainha “Motivo inadi-ável impossível comparecer co-mício”. Malva.

Recebidos estes dois telegra-mas, o primeiro dos quais foiprovocado por lastimável erro,no Século […], apressou-se o dr.Arthur Leitão a communica-losá commissão respectiva, acon-selhando o addiamento do co-mício, o que foi acceite […] Oraa teem os senhores a razão docaso estranho […]».

Era correspondente dos jor-nais O Século e O Mundo, na vilatermal, Gonzaga Gomes, que foium dos mais próximos colabo-radores de Rafael Bordalo Pi-nheiro2.

Na edição de 25 de Dezem-bro, o Direito do Povo publicaum texto assinado por “J. Cláu-dio F. Sotto Mayor”3, onde seatribui toda a responsabilidadepelo adiamento, ao correspon-dente na vila termal dos jornaisO Século e O Mundo.

Mesmo para os padrões daépoca, o texto em causa4 sur-preende pela violência injurio-

sa:«[…] Creado na Mouraria,

apanhando pontas de cigarrospara vender aos rufiões, fazen-do serviços a collarejas e apren-dendo com tão amados compa-nheiros o seu calão e manhas,já rapazola, teve artes de seagarrar á têta com que os nos-sos prodigos governantes bene-ficiaram a Fabrica das Faianças,e, exgotada a têta e o dinheirodos accionistas, tratou aquellehomunculo de se arranjar poroutro lado.

Então ao seu bestunto sugge-riu a idéa de se fazer informa-dor de jornaes e lá, nas redac-ções, corrigiriam os erros dosseus escriptos […].

Para 20 de novembro foraanunciado um comício no Cen-tro Candido dos Reis; o trapa-ceiro, com o propósito de otranstornar, noticiou n’O Séculodo dia 19 que o comício seria nodia 4 do proximo mês de dezem-bro.

Os conferentes (Dr. Alexan-dre Braga e outros), cuidandoque tal mudança de dia era re-solução dos dirigentes d’aqui,resolveram não vir, não haven-do tempo para desfazer a tra-paça […]».

Também no semanário Direi-to do Povo, na edição de 8 deJaneiro de 1911, Avelino Belorevela a sua profunda inimiza-de com o correspondente de OSéculo e de O Mundo, narrandoum conflito ocorrido 16 anosantes, quando ambos trabalha-vam na Fábrica de Faianças.

Na sua versão, tudo começoucom uma discussão, durante aqual o ceramista desferiu umabengalada no futuro correspon-dente dos jornais O Século e O

Mundo. Decorridos alguns dias,quando se encontrava a traba-lhar na sua bancada, terá sidoesbofeteado “à traição”. Pediua intervenção de Bordalo Pinhei-ro e «em presença de todos, oMestre admoestou aquele em-pregado duramente, […] proi-bindo-o expressamente de vol-tar àquela oficina».

Como diziam os romanos,para a história apenas ficam aspalavras escritas, porque as ou-tras, leva-as o vento (verba vo-lant scripta manent).

Se nos limitássemos à leiturado Direito do Povo, ficaríamoscom uma ingrata ideia da per-sonalidade de Gonzaga Gomes.

Mas sobre ele outras páginasse escreveram.

Foi um dos mais próximos co-laboradores de Rafael BordaloPinheiro, desempenhou funçõesadministrativas e comerciais,mantendo-se depois da mortedo Mestre, ao lado de seu filho,Manuel Gustavo.

A este colaborador, dedicouBordalo Pinheiro uma das suasmais belas peças de cerâmica,com dedicatória desculpando-sedas muitas dores de cabeça quelhe fez sofrer, devido aos seusdesmandos financeiros, e em1902, Abel Botelho referia-se aGonzaga Gomes como «[…] ohonestíssimo administrador dafábrica, executando verdadeirosjogos malabares de economia etino prático, mercê dos quais vaiconseguindo fazer singrar comrelativa tranquilidade e seguran-ça a melindrosa instituição dafábrica [...]5».

(Footnotes)1 O primeiro e único jornal caldense

exclusivamente dedicado ao desporto,

chamava-se Desportivo, teve publica-

ção quinzenal, sendo a sua primeira

edição de 1 de Dezembro de 1924.2 Na versão de S.P. Danton, José de

Almeida Pedroso, republicano históri-

co caldense, foi substituído por Gonza-

ga Gomes como correspondente de O

Mundo «por recomendação de Francis-

co Grandella e influencias de Sebasti-

ão de Lima».3 Joaquim Cláudio Freire Sotto

Mayor, presidente da Câmara das Cal-

das em 1905, filiado no Partido Repu-

blicano após o 5 de Outubro.4 Este texto veio a ser reproduzido

quase na íntegra por S.P. Danton em A

Questão Política nas Caldas da Rainha.5 Citado por João B. Serra, in

Arte e Indústria na Transição para o

Século XX: a fábrica dos Bordalos [Aná-

lise Social, Vol. XXIV (100), 1988 (1.º),

275-311]

Composição gráfica de Inês Querido Composição gráfica de Inês Querido Composição gráfica de Inês Querido Composição gráfica de Inês Querido Composição gráfica de Inês Querido

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

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33OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião

Existe uma tendência, talvezconfirmada por estas crónicas,para julgar a República comoépoca de balbúrdia, isolando-ado contexto histórico que a con-dicionou, como se o mundo ànossa volta tivesse permaneci-do parado, em paz e sossego,como se as últimas décadas damonarquia tivessem sido tem-pos de tranquilidade.

Não é verdade.O julgamento desses tempos

conturbados, implica um olharmais longo, mais crítico e maisabrangente.

Pela Europa, com o atentadode Sarajevo em Junho de 1914,acende-se o rastilho que há-deconduzir à Primeira Guerra Mun-dial, com mais de 8 milhões demortos, 20 milhões de feridos e6 milhões de inválidos. Nos es-combros da guerra desmem-bram-se impérios históricos, al-tera-se o mapa europeu, impõe-se a perda de territórios e o pa-gamento de indemnizações àgrande potência vencida, rasti-lho de um outro conflito mundi-al que deflagrará alguns anosdepois. Na Rússia de 1917 eclo-de uma revolução que vai aba-lar o mundo. Vivem-se temposde desassossego entre o Atlân-tico e os Urais.

Por cá, antes do triunfo darepública, na “monarquia semmonárquicos” – designação atri-buída a D. Carlos - alternam deforma pendular, governos dedois grandes partidos, com pe-quenas diferenças programáti-cas: o Regenerador de HintzeRibeiro e o Progressista de JoséLuciano, numa “dança de cadei-ras” que João Franco, dissiden-te do Partido Regenerador, bap-tizou por “rotativismo”.

Com a viragem do século,ocorre a cisão e fragmentaçãodos grandes partidos.

A política deixa de se resumirà rotina da rotação, expondo orei, com um acréscimo de inter-venção política (como no incon-dicional apoio à impopular dita-dura de João Franco), o que agra-va de forma insustentável o seuestatuto, tornado objecto dediscórdia em vez de quadro dereferência.

A agitação política é perma-nente. Em menos de dois anos(entre Novembro de 1899 e Ou-tubro de 1901), realizam-se qua-tro eleições para deputados

No início do Outono de 1910,enquanto a monarquia agoniza,Lisboa paralisa com greves doscorticeiros, tanoeiros, garrafei-ros e outros ofícios, calculando-

Greves e outros conflitos Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

se em 12.000 o número de ope-rários corticeiros em greve, sóna margem sul.

A Monarquia tolerava a gre-ve, apesar de formalmente aproibir, tipificando-a como cri-me no artigo 277.º do CódigoPenal.

Com a República é formal-mente instituído o direito à gre-ve.

Após o 5 de Outubro, o movi-mento grevista ganha nova ener-gia, e os jornais, sem porem emcausa o direito, questionam alegitimidade, culpabilizando areacção monárquica pela insta-bilidade social, como faz O Sé-culo na edição de 26 de Outubrode 1910, a propósito da greve doscarroceiros: «[…] Não há dúvidaque a greve é um meio de defe-sa do operariado, legítimo e san-cionado pelas leis de todos ospaíses cultos […]. Todavia, pormuito justas que sejam as rei-vindicações operárias que deter-minam esses movimentos, pa-rece-nos que ocasiões há em queo interesse da comunidade deveprevalecer a tudo […]. Nestemomento, as greves, longe debeneficiarem quaisquer classestrabalhadoras, prejudicam-nas«[…]. Só o espírito reaccionário[…] do extinto regime é que po-deria instigar as classes traba-lhadoras a movimentos inopor-tunos, como a da greve dos car-roceiros. […] Consolidada queesteja a República, o governo[…] está no firme propósito depromover a melhoria das condi-ções de vida dessas classes […].Cumpre, pois, a todos não em-baraçarem a acção do governo,e pelo contrário, coadjuvá-lo omais fervorosamente possível[…]».

A contestação social virá aassumir particular relevo noconturbado ano de 1917, com 256greves contabilizadas em três

trimestres, atingindo o númerode 268.000 grevistas1.

Há quem defenda que a for-çada exclusão do Partido Socia-lista Português (fundado em1875) da política parlamentar,através da lei eleitoral de 1911,reforçou a posição dos anarco-sindicalistas2, factor que justifi-cará a radicalização dos movi-mentos grevistas.

No início de 1914 desencadeia-se uma greve nos caminhos-de-ferro, que afecta particularmen-te a vila termal. Os grevistas iso-lam Lisboa fazem descarrilarcomboios e cortam linhas tele-gráficas, levando à intervençãodas autoridades civis e milita-res.

O semanário Leiria Ilustrada,na edição de 17 de Janeiro de1914, dá conta da reacção dasautoridades nas estações do dis-trito: «Na quarta-feira ultimapuseram-se em greve os ferro-viarios da Companhia dos Ca-minhos de Ferro Portugueses,deixando de circular nesse diaos comboios nas linhas da mes-ma Companhia. […] No distritode Leiria estão as estações deposse das autoridades adminis-trativas e ocupadas pela forçamilitar, conforme as ordens re-cebidas do governo. Oxalá nãose faça esperar a solução desteassunto que está causandoimensos transtornos a muitagente».

Os semanários leirienses di-vergem sobre o tema. Mais pró-ximo do governo de Afonso Cos-ta, o Leiria Ilustrada, na ediçãode 24 de Janeiro de 1914, estra-nha a oportunidade do protes-to: «[…] Acreditamos que aosgrevistas alguma razão assista,sendo apenas para estranharque certas classes que no anti-go regime nuca suspenderam otrabalho, nos três anos de Re-publica se tenham posto em gre-

ve por várias vezes […]». Do ou-tro lado da barricada, O Radical,na edição de 22 de Janeiro, apon-ta um dedo acusador ao gover-no republicano: «[…] No paizvae-se pronunciando um com-pleto desassocego. […] E o go-verno o que faz perante estemedonho espectaculo? Mandaprender e espadeirar os grevis-tas, que não se submettem aosdesejos da companhia, sem por-ventura, attender a que ellesestão dentro do uso d’um direi-to que a lei lhes concede […].Satisfaz-se em mandar tropaspara as estações dos caminhosde ferro […]».

Administrador do concelho,Custódio Maldonado Freitasocupa a Estação dos Caminho eFerro na vila termal e toma pro-vidências para viabilizar a cir-culação de comboios.

Reconhecido e elogiado naimprensa da capital, o zelo doadministrador caldense é alvoda ironia do semanário O Radi-cal de 22 de Janeiro de 1914, quelhe dedica um dos textos maishilariantes da imprensa regio-nal da época:

«O nosso Maldonado Freitas,alcaide das Caldas da Rainha,tem sido o homem da situação.Todos os dias os jornaes de Lis-boa inserem cuidadosos tele-grammas, dando-nos conta dasua acção heroica e notabillis-sima na greve dos ferro-viarios.

Freitas come na estação.Freitas bebe na estação.Freitas dorme na estação.Freitas, enfim, faz na estação

tudo o que manda o regulamen-to.

Freitas chegou á estação enão esteve com meias medidas:viu e venceu.

Metteu os empregados emum bôlso, fechou o telégraphoem outro, arrecadou o materialcirculante na copa do chapéu,

mandou vigiar pela solicita for-miga branca das Caldas3 todasas entradas da villa – e sentou-se depois em um wagon aban-donado a contemplar a propriagloria.

De hora a hora telegrammaspara os jornaes. Alli, perto doFreitas não havia greve. Alli nosseus dominios não surgia a som-bra de um grevista. Viessemcomboios, muitos comboios,quantos comboios o governoquizesse – e o Freitas, crescen-do á vista do publico, tal comoaquelle phenomeno que esta noColyseu, os faria circular livre-mente.

Mas não vieram os comboios,não appareceram os comboios,e o Freitas não poude comple-tar a sua obra. No livro de ouroda sua acção na greve faltouessa pagina estupendamentegloriosa. Em todo o caso, regis-te-se para constar da historia:

Freitas comia na estação.Freitas bebia na estação.Freitas dormia na estação.Freitas, enfim, fazia na esta-

ção tudo o que manda o regula-mento.

Justiça aos próprios adversa-rios.»

Na edição de 22 de Fevereirode 1914, o semanário caldenseO Defensor lamenta o anuncia-do pedido de exoneração doadministrador Maldonado Frei-tas.

Diferente posição tem o se-manário leiriense O Radical, quedepois de exultar com o aban-dono do cargo por parte do po-lémico farmacêutico, na ediçãode 19 de Março afirma que este,deixou o cargo mas não o po-der: «[…] estâmos na mesmacomo d’antes, se é que não es-tâmos peor ainda. O alcaide Frei-tas pediu a demissão, mas ficoua mexer os cordelinhos por de-traz da cortina […] de modo que

o presidente da câmara é ape-nas um humilde e respeitososervo ás ordens do alcaide […]».

O articulista, que assina “Brazde Salir”, não esconde a aver-são pela figura do farmacêuti-co, numa prosa nas margens doinsulto pessoal, típica da épo-ca: «[…] Quem nos havia de di-zer a nós, filhos das Caldas,amigos da nossa terra, que ain-da haviamos de ver este alcaidede metro e vinte de altura, amandar em tudo isto, a disporde tudo e de todos, como se jánão houvesse caldenses, comose aquella creatura, sem intelli-gencia, sem prestigio, sem edu-cação, fosse aqui rei e senhorabsoluto […]».

Incondicional apoiante deSebastião de Lima, o semanárioleiriense não lhe perdoa a afron-ta da aproximação a Maldona-do Freitas: «[…] Dizem-nos queo nosso amigo, sr. Sebastião deLima, a cujo carácter sempreprestámos homenagem, já re-cebe o Freitas em sua propriacasa, já o ouve, já o atende tam-bém. Se assim é, não invejamosao nosso amigo Lima esta ridí-cula transigencia… Antes a mor-te […]».

Não bastou a acção enérgicado controverso administradordurante a impopular greve dosferroviários, para gerar um mí-nimo de consenso à volta da suafigura. Amado por uns, odiadopor outros. Com ele nunca foipossível a indiferença.

(Footnotes)1 De acordo com José Manuel

Tengarrinha (Estudos de Histó-ria Contemporânea de Portugal- Caminho)

2 Vasco Pulido Valente, O Po-der e o Povo, 6.ª edição, pág.200.

3 Milícia clandestina, compos-ta sobretudo por carbonários

Fotos Ilustração Portuguesa, n.º 414, página 123: Descarrilamento de comboio em Alcântara e o comboio n.º 354 descarrilado em Sacavém durante Fotos Ilustração Portuguesa, n.º 414, página 123: Descarrilamento de comboio em Alcântara e o comboio n.º 354 descarrilado em Sacavém durante Fotos Ilustração Portuguesa, n.º 414, página 123: Descarrilamento de comboio em Alcântara e o comboio n.º 354 descarrilado em Sacavém durante Fotos Ilustração Portuguesa, n.º 414, página 123: Descarrilamento de comboio em Alcântara e o comboio n.º 354 descarrilado em Sacavém durante Fotos Ilustração Portuguesa, n.º 414, página 123: Descarrilamento de comboio em Alcântara e o comboio n.º 354 descarrilado em Sacavém durantea greve dos ferroviários.a greve dos ferroviários.a greve dos ferroviários.a greve dos ferroviários.a greve dos ferroviários.

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Eleita a vila termal como ob-jecto de estudo da agitação re-publicana entre 1910 e 1915, vas-culhados os jornais da região ededicadas 15 crónicas ao conhe-cimento da época, através detranscrições de pequenos tex-tos onde transparecem as pai-xões políticas daquele tempo, éhora de balanço, ou não fossehora de despedida.

Os jornais falam por si, emmensagens que podem ser lidasde maneira diferente por cadaleitor, e o cronista, que não gos-ta de falar na primeira pessoa,abre uma excepção para parti-lhar meia dúzia de ideias, tal-vez mal alinhavadas e um pou-co dispersas, retiradas da leitu-ra de periódicos velhos com tex-tos actuais.

Nos tempos que correm, co-nhece-se o mundo antes de co-nhecer a aldeia ou a rua ondese nasceu. Não foi sempre as-sim. Antes pelo contrário. O quese dizia noutro tempo era quequem conhecia a aldeia conhe-cia o mundo, para significar queaquela partícula da realidadesocial e política era uma amos-tra genuína dum contexto maisvasto, onde, apesar das gran-des semelhanças, não se diluíadevido às pequenas diferenças.

A aceitarmos o velho aforis-mo, o que se passou na vila ter-mal ter-se-á passado no restodo país.

Será verdade?Há que demonstrá-lo.

1. ENTRE A EXCLUSÃO E AATRACÇÃO.

Enquanto a monarquia sedesmoronava no rotativismo,sem energia nem entusiasmo, oPartido Republicano (fundadoem 1876) mostrava-se incapaz deconstituir uma alternativa sóli-da, devido a divisões internas eà falta de implementação forados meios urbanos.

Tudo se começa a alterar em1908, com a eleição de sete de-putados (4 por Lisboa, 2 por Se-túbal e 1 por Beja), e com a con-quista da Câmara de Lisboa, nasequência da “greve” dos parti-dos monárquicos, traduzida narecusa de apresentação de can-didaturas por parte dos parti-dos Regenerador e Progressis-ta, por discordarem de Ferreirado Amaral quanto à convocaçãode eleições.

Até 1910, assiste-se a umacentuado crescimento do PRP,que nesse ano regista 165 cen-tros republicanos no continente

Singularidades da Re(sendo 21 em Lisboa).

À semelhança do que acon-tece por todo o país, em 1906nasce um centro republicano navila termal1, agrupando-se nes-se núcleo «operários, trabalha-dores das mais diversas profis-sões», na versão de Luiz Teixei-ra (Gazeta das Caldas,14.10.1928), parcialmente coinci-dente com o testemunho deAvelino Belo: «filhos naturaes eadotivos d’esta terra, operariose comerciantes de conhecidareputação» (Leiria Ilustrada,29.04.1911) 2.

Implantada a República, osmonárquicos são afastados doscentros de decisão política, tor-nando incontornável o proble-ma: com que estruturas locaiscontará o Partido Republicano,para ocupar o poder conquista-do?

Por outro lado, o exército eos tribunais continuam domina-dos por pessoas afectas ao an-tigo regime e à igreja católica,que se tornam formalmente re-publicanos, sem verdadeira-mente se identificarem com aRepública.

À semelhança com o que sepassa por todo o país, no diaseguinte ao da implantação daRepública assiste-se à desen-freada correria de monárquicosa inscreverem-se no centro re-publicano caldense, como seconclui da interminável listapublicada na edição do Direitodo Povo de 22 de Janeiro de 1911.

Na mesma edição e logo pordebaixo da lista o semanáriocaldense reafirma o monopóliodo velho centro: «… A inscrip-ção republicana continua aber-ta. Todo o cidadão que desejarinscrever-se no cadastro repu-blicano pode fazê-lo no CentroAlmirante Reis…».

O país tem cinco milhões dealmas. Para o líder republicanoJosé António de Almeida, tre-zentas mil seriam republicanas,mas há quem defenda que ha-veria apenas cem mil fervoro-sos adeptos do novo regime,exclusivamente centrados nosmeios urbanos3.

Duas teses se confrontam nogoverno e directório republica-nos, relativamente à forma comolidar com esta realidade: osmoderados, chefiados pelo mi-nistro do Interior do governoprovisório, António José de Al-meida, acham que a Repúblicanão pode sobreviver sem os re-publicanos convertidos – é a cha-mada política da atracção; osradicais, liderados pelo minis-

tro da Justiça Afonso Costa, en-tendem que a atribuição de fun-ções políticas aos antigos mo-nárquicos teria o elevado preçoda apropriação da revolução porparte destes.

Na semana seguinte ao 5 deOutubro, já o jornal A Luta, deBrito Camacho (que veio a serministro do Fomento do gover-no provisório), proclamava quea República não podia conver-ter-se na Monarquia com outronome.

Há por todo o país uma ten-são latente entre os “novos”republicanos e os republicanos“históricos”, “de sempre”, “davelha guarda”, e “leais” - adjec-tivação que passa a constituirum “carimbo” de autenticidade,sistematicamente utilizada naimprensa da República.

Traçado o cenário do país,vejamos o que acontece na vilatermal.

No notável documento divul-gado em 7 de Outubro de 1910, oprimeiro administrador republi-cano do concelho, Joaquim Ma-nuel Correia «pede a todos oscidadãos do mesmo concelhoque cooperem digna e honesta-mente para a consolidação daRepublica Portugueza».

A política de conciliação doadministrador confrontar-se-ácom a irredutível oposição deJoão António Duarte, presiden-te da comissão paroquial repu-blicana, editor e proprietário dosemanário Direito do Povo, queexige a suspensão de todos osfuncionários da câmara, sela-gem de todos os arquivos e ime-diata sindicância das gestõesanteriores.

Tal como acontecia no país,confrontavam-se na vila duastendências: diálogo e “atrac-ção”; confronto e exclusão.

Vencido, Joaquim ManuelCorreia retira-se para não maisregressar, com uma dignidadeinvulgar na política.

Afastado João António Duar-te da liderança dos radicais, su-cede-lhe Custódio MaldonadoFreitas, e agudiza-se a guerraque há-de incendiar a vila polí-tica termal nos anos que se se-guem, travada entre republica-nos “leais, históricos, de sem-pre, da velha guarda”, e os “no-vos”, aderentes de última hora,desprimorosamente baptizadospor “adesivos”.

Os militantes republicanos,agrupados no centro que veio areceber o nome do AlmiranteCândido dos Reis, não aceita-vam que a revolução não afas-

tasse definitivamente «[…] amesma gente que ainda hontemou perseguia ou calumniava osrepublicanos; a mesma genteque já a revolução na rua, confi-ava ainda na intervenção ex-trangeira para lhe garantir odeboche da gamella; toda essaescumalha de alfurja que […]correu a associar-se-nos […]»,como bradava o Direito do Povode 20 de Novembro de 1910.

O mesmo jornal caldense, naedição seguinte (27 de Novem-bro), manifesta raivosamentetodo o seu ressentimento paracom os monárquicos converti-dos: «[…] são como mestiços delobo e cadella: quando o homemé atacado pelo homem defendeo dono; quando é atacado pelolobo, é contra o dono […]».

O que mais desgostava os re-publicanos “históricos”, era apossibilidade de os aderentes“adesivos”, adversários de on-tem, poderem tirar partido darevolução que não queriam, paramanter cargos e privilégios.Como proclamava Brito Cama-cho em A Luta de 22 de Outubro:«Sim, a República fez-se paratodos, mas isso não quer dizerque todos hão-de conservar naRepública a situação que tinhamna Monarquia»

A intransigência dos republi-canos históricos caldenses (re-fugiados no centro AlmiranteCândido dos Reis), em aceitarcomo “iguais” os novos aderen-tes ao regime, está na origemda criação de um centro repu-blicano concorrente, baptizadocom o nome de Miguel Bombar-da e, doravante, todas as bata-lhas e conflitos políticos da vilatermal serão travados entre es-tas duas entidades.

Do velho centro republicanofazem parte duas figuras deâmbito nacional - Artur de Al-meida Leitão4 e Francisco de Al-meida Grandela.

Um dos mais influentes diri-gentes monárquicos da vila, Se-bastião de Lima, segundo S. P.Danton5, em A Questão Políticanas Caldas da Rainha: «[…] ser-vindo-se da sua influencia so-bre Francisco Grandella, conse-gue que este commeta o errode se despedir de socio do Cen-tro histórico, para se ir filiar noCentro (Miguel Bombarda) […]cujos mentores eram monarchi-cos […]».

Com a mudança de barricadapor parte de Grandela, face aoseu poder junto das estruturasdirigentes do PRP6 e, particular-mente, à sua amizade com o

poderoso Afonso Costa, altera-se definitivamente o equilíbrio.O centro Miguel Bombarda bri-lha na imprensa nacional e re-mete para a penumbra o incon-formado centro rival.

A inauguração do novo cen-tro traz à vila termal figuras re-publicanos nacionais, como Joséde Castro, França Borges e To-más da Fonseca, e merece hon-ras de primeira página do jornalO Mundo de 13 de Março de 1911,intransigente apoiante de Afon-so Costa, dirigido pelo seu ami-go França Borges.

O novo centro republicanoconta com o incondicional apoiodo semanário O Círculo das Cal-das, que em editorial de 21 deOutubro de 1910, declara a suaconversão à República, bemcomo do semanário leiriense ORadical.

O centro Almirante Reis con-ta com o apoio do semanáriocaldense Poder do Povo, substi-tuído nessa função, após o seuencerramento, pelo semanárioO Defensor, e com o semanárioLeiria Ilustrada. No entanto, àmedida em que o centro rivalvai encontrando apoio nas hos-tes de Afonso Costa, é visível oembaraço do jornal de Leiria,que nas edições de 29 de Abril ede 8 de Julho de 1911, manifestaenfado perante o interminávelconflito, lamentando «[…] mui-

to sinceramente que não termi-nem de vez as desavenças exis-tentes entre os dois centros,para tranquilidade dos calden-ses […]».

A política da “atracção” ven-cerá, sendo disso exemplo a re-levância que depois do 5 de Ou-tubro teve na política caldenseo líder regional do Partido Re-generador Monárquico, Sebas-tião de Lima7.

Apesar das figuras influentesdo centro Miguel Bombarda, naliderança do centro AlmiranteReis mantém-se uma figura po-lítica radical que conquistarávárias vezes o poder, cairá emdesgraça e voltará sempre –Custódio Maldonado Freitas.

Para o bem e para o mal, talcomo Afonso Costa o foi para opaís, o irredutível farmacêuticofoi a face republicana da vilatermal.

2. O ANTICLERICALISMO2. O ANTICLERICALISMO2. O ANTICLERICALISMO2. O ANTICLERICALISMO2. O ANTICLERICALISMO

O Partido Republicano elegeos jesuítas como inimigos daRepública, e ainda em plenamonarquia, no ano de 1882, pro-move as comemorações do cen-tenário da morte do Marquês dePombal, aproveitando o ensejopara lançar uma campanha per-manente contra esta congrega-ção religiosa, tendo como parti-culares mentores Guerra Jun-

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31OOOOOpiniãopiniãopiniãopiniãopinião

Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

queiro e Miguel Bombarda, quechega a preconizar a deporta-ção do clero para uma ilha de-serta ou o seu internamento emmanicómios.

No jornal A Vanguarda, de 23de Outubro de 1910, louva-se aordem do ministro da guerra«[…] prohibindo que as forçasde terra, ar e mar vão arregi-mentadas assistir a esse estu-pido espectaculo que se chamamissa e com que a padralhadaengrola os tôlos, ahi pelas egre-jas […]».

Na edição de 6 de Novembro,o mesmo jornal chama «manho-so» ao bispo da Guarda, quedeclarara ter aderido à Repúbli-ca, e nos jornais de circulaçãonacional todos os dias aparecemnovas notícias contra o clero.

Na nação republicana, a Pá-tria era a única crença colectivaaceitável à luz da razão e da ci-ência.

Nos escombros da nação mo-nárquica, o grito de revolta faz-se com duas palavras indissoci-áveis: trono e altar.

Vejamos o que se passa navila termal.

Na lista publicada na ediçãodo Direito do Povo, de 22 de Ja-neiro de 1911, surgem nomes depadres formalmente aderentesao regime, como os dos párocosde Salir de Matos e de SantaCatarina, Manuel Delgado eAgnelo Monteiro Dinis.

No Direito do Povo, de 8 deJaneiro de 1911, os jesuítas sãodescritos como «verdadeirosantropophagos da consciência»,«serpentes» e «miseráveis», eo semanário O Defensor, de 14de Dezembro de 1913, exige umaactuação firme das autoridadescontra um padre que «á frentedum grupo de beatas pretendeuvexar os liberais do concelho vi-sinho»

Entre os dias 8 e 10 de Outu-bro de 1910, o administrador doconcelho Joaquim Manuel Cor-reia, para além do conflito en-tre o professor primário e o pá-roco de Santa Catarina (relata-do na crónica O Clero e a Repú-blica), enfrenta outros dois ca-sos8: a prisão na vila por doissargentos de infantaria n.º 7, dopadre Francisco Carreto de Bar-ros, director da Casa da Saúdedo Telhal, membro da Ordem deS. João de Deus, com sede emBurgos, Espanha; e a prisão pordois soldados de artilharia n.º1, e por carbonários civis, de 3frades franciscanos, 10 empre-gados e 13 alunos menores, doInstituto Missionário Português

de S. Bernardino.De acordo com o relato do

historiador caldense João B. Ser-ra, o administrador agiu com ohabitual bom senso, libertandoos presos, e teve que enfrentaruma pequena multidão, aos gri-tos de «abaixo os talassas e osfrades», vendo-se forçado a«mandar prender um tabernei-ro mais exaltado».

Mais tarde, em 2 de Abril de1915, ocorre a prisão do líderrepublicano Maldonado Freitas,acusado de «lançar bombas edespejar pistolas» sobre umaprocissão (1.ª crónica desta sé-rie).

Concluindo, também quantoa esta matéria, o que se passouno país aconteceu, à sua esca-la, na vila termal.

3. A DEFESA DA3. A DEFESA DA3. A DEFESA DA3. A DEFESA DA3. A DEFESA DAREPÚBLICAREPÚBLICAREPÚBLICAREPÚBLICAREPÚBLICA

É conhecida a relevância dopapel da Carbonária, no defla-grar da revolução de 5 de Outu-bro.

Esta força clandestina, no ju-ramento iniciático interpelava osseus membros em termos quenão deixam dúvidas sobre a suavocação: «Estás, tu, disposto apegar numa arma – carabina,revólver, punhal ou bomba – e aesperar, onde quer que seja, umtirano do povo para executaresnele justiça sumária?»9.

São inúmeras as referênciasnos jornais da época, à célebre“formiga branca” – milícia clan-destina composta na sua essên-cia por carbonários, considera-da uma espécie de “exército

pessoal” de Afonso Costa, quecombateu a política da “atrac-ção”, e que a partir de 1911 criou“batalhões de voluntários” or-ganizados em “comissões de vi-gilância e de defesa da repúbli-ca”.

O mais famoso operacional dafamigerada “formiga branca”em Lisboa é João Borges, tam-bém conhecido por “João dasBombas” (fotografado pela Ilus-tração Portuguesa numa dasimagens que acompanham estetexto), controlado por AfonsoCosta.

Esta milícia garante ao lídero controlo da rua, com acçõescomo o «empastelamento daimprensa monárquica», relata-do e fotografado pela Ilustra-ção Portuguesa na edição de 16de Janeiro de 1911 (n.º 256, pág.26), onde se dá conta do ataqueaos jornais Correio da Manhã,Diário Ilustrado e Liberal que«atacavam o governo da Repu-blica».

A Carbonária tinha um núcleona vila termal10, e na edição de22 de Janeiro de 1911 do Direitodo Povo, há uma crónica subs-crita por Galeno11, verdadeirogrito de guerra, onde se sugere:«[…] organização de defesa ámão armada, da nova ordemsocial, com chefes nomeadosprovisoriamente pela propriapopulação armada. Prisão imme-diata, em todo e qualquer logarem que se encontrem os mem-bros criminosos do extincto re-gimen: ministros, generais, che-fes da policia, assim como oscaciques que ajudaram a levareste pobre paiz á ruina. A pri-

são d’estes personagens seriamantida até depois das consti-tuintes, para não terem ocasiãode perturbarem a marcha daRepublica […]».

No Leiria Ilustrada de 18 deNovembro de 1911, é publicadauma carta subscrita por repre-sentantes do “Grupo Carbona-rio Vigilante Caldense”, haven-do relatos na imprensa regionalda actuação deste grupo que seconsiderava legitimado a pren-der cidadãos só pelo facto dedarem “vivas à monarquia”.

O Radical de 22 de Janeiro de1914 faz uma referência à “for-miga branca”, insinuando a suaexistência na vila termal, e o seucontrole por Maldonado Freitas.

Também em matéria de «de-fesa da República», à sua esca-la a vila foi reflexo do país.

4. EM CONCLUSÃO

Logo após o 5 de Outubro osector mais radical do PartidoRepublicano, com especial des-taque para Brito Camacho (jor-nal A Luta) passou a exigir “aRepública para os Republica-nos”, visando a exclusão dosmonárquicos de qualquer cargopúblico.

Esta ideia, defendida de for-ma intransigente pelo sectorradical caldense (veiculada pe-los jornais Direito do Povo eDefensor), comportava um ris-co de grande instabilidade soci-al e política, dado que a revolu-ção não tinha alterado minima-mente a hierarquia social alicer-çada na propriedade da terra, eo núcleo republicano caldense,

agrupado no único centro à dataexistente na vila, era compostona sua quase totalidade poroperários, caixeiros e comerci-antes, sem experiência de ges-tão da “res publica” e sem con-dições para suprir o eventualvazio de poder nas estruturaspolítica e administrativa do con-celho.

No conflito interno que opõeo directório republicano ao go-verno provisório, aquela estru-tura partidária impõe o seu con-trole sobre o partido, anuncian-do que só reconhecerá as ade-sões à República efectuadasperante as comissões republi-canas existentes antes do 5 deOutubro.

Esta posição revela-se favo-rável ao velho centro republica-no caldense, que vem a assumira designação de Almirante Cân-dido dos Reis, liderado por Mal-donado Freitas, mas o triunfo dapragmática política da “atrac-ção” será a sua inevitável der-rota.

A brecha provocada por diver-gências entre os republicanos“históricos” caldenses é apro-veitada pelos monárquicos for-malmente aderentes ao novoregime “adesivos” que com elesfundam um novo centro repu-blicano, baptizado com o nomede Miguel Bombarda, incondici-onalmente apoiado pelo velhosemanário caldense O Círculodas Caldas, também ele conver-tido ao regime triunfante.

No novo centro, com a bên-ção do poderoso Afonso Costa,por influência directa de Fancis-co Grandela, há lugar para asduas figuras mais relevantes damonarquia na vila e mais detes-tadas pelo núcleo republicano“histórico” – o director do Hos-pital, Augusto Cymbron, e o no-tário Sebastião de Lima.

Nos tempos agitados que seseguem, todas as guerras da vilatermal se irão travar entre ini-migos políticos irredutíveis, en-trincheirados em centros rivais,sendo esta, talvez, a caracterís-tica mais específica da agitaçãopolítica caldense que, no mais,como já se concluiu, não diver-ge do que ocorreu por todo opaís.

(Footnotes)1 «Numa casa sita na Rua dos

Artistas» (Direito do Povo de11.12.1910).

2 De acordo com o testemu-nho de Adriano Teixeira Pintono Leiria Ilustrada de 18 de Mar-ço de 1911, o primeiro centro

republicano da vila terá sido cri-ado em 1891, como reacção àresignação da coroa portugue-sa perante o ultimatum inglês.

3 Vasco Pulido Valente – ARepública Velha, 1910-1917.

4 Jornalista e médico, tem fa-mília em Caldas e goza da ami-zade de Sebastião de Lima eFrancisco Grandela. Condenadoa pena de prisão por crime deimprensa na ditadura franquis-ta, em 1907, refugia-se na casade Grandela na Foz do Arelho eescreve em 1908 um ensaio cé-lebre e polémico sobre JoãoFranco “ Um Caso de LoucuraEpiléptica

“. Sucede a Joaquim ManuelCorreia, no cargo de adminis-trador do concelho (Círculo dasCaldas, 10 Novembro 1910)

5 Pseudónimo de Sérgio Joa-quim Príncipe (João B. Serra, Eli-tes Locais e Competição Eleito-ral em 1911), redactor principalde O Defensor, curiosamente,filiado no Partido Republicanojá depois de 5 de Outubro, deacordo com a lista publicadaneste jornal, na edição de 22 deJaneiro de 1911.

6 Fez parte do Directório doPRP, e da Comissão de Resis-tência da Maçonaria, com Joséde Castro, Machado Santos eMiguel Bombarda, entre outros.

7 S.P. Danton refere uma pro-posta de Maldonado Freitas, nosentido de fusão dos dois cen-tros caldenses, e o semanário

O Radical, na edição de 19 deMarço de 1914 dá notícia de en-contros entre Maldonado Frei-tas e Sebastião de Lima, na casadeste.

8 Relatados por João B. Serrain Elites Locais e Competição

Eleitoral em 1911, tendo comofonte um manuscrito de JoaquimManuel Correia. Estes casos nãoconstam da imprensa da época.

9 Vasco Pulido Valente– O poder e o Povo, 6.ª edi-

ção, pág. 94.10 Vasco Pulido Valente (O

poder e o Povo, 6.ª edição, pág.99), refere a existência dessenúcleo, e S.P. Danton (A Ques-tão Política das Caldas da Rai-nha, pág. 31), afirma que o mes-mo é composto «por um grupode mais de 60 filiados, todos re-publicanos», por oposição àMaçonaria, que diz ser maiori-tariamente monárquica.

11 Nome simbólico de Custó-dio Maldonado Freitas, na LojaMaçónica Fraternidade de Óbi-dos, onde foi iniciado.

epública nas Caldas

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Por: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos QueridoPor: Carlos Querido([email protected])

Pode acontecer a qualquercronista.

Traça-se um percurso prévio,organiza-se um mapa por ondeas crónicas hão-de evoluir or-deiramente, e eis que se tres-malham, imprevisíveis, perdidaspor veredas e atalhos.

Foi o que se passou com estacrónica.

Tinha-a reservado para a se-gunda série de “Recortes de Jor-nais” e, irresistivelmente, apa-rece nos “Recortes da Repúbli-ca”.

Trata-se de um padre, umagrande figura da sua época, queviveu longamente entre a mo-narquia e a república, mais com-prometido com aquela do quecom esta.

Através das amizades quecultivou, o padre António Joséd’Almeida fez a ponte entre oúltimo representante da monar-quia (se excluirmos o efémeroreinado de D. Manuel), e o últi-mo representante do EstadoNovo.

Na versão unânime dos jor-nais do seu tempo, era uma fi-gura notável, como concluirãoos leitores na prosa que se se-gue.

A lendária atracção do rei D.Carlos pela vila termal, chegoua ser motivo de crítica, no con-turbado ambiente político emque reinou, como transparecede uma carta de António Cândi-do a José Luciano: «[…] el-reicontinua a divertir-se nas Cal-das, a divertir-se ruidosamen-te. Que mau efeito faz isto! […]».

O historiador Alfredo Gallisfaz referência a um amigo es-pecial do rei, o padre AntónioJosé d’Almeida, definindo-ocomo o único eclesiástico próxi-mo do monarca: «[…] padre li-beral e divertido, que prepara-va caldeiradas divinas muito doagrado do rei […]».

Alberto Pimentel, nas suas«Chronicas de Viagem», de 1888,define o célebre padre, comoorador sagrado, valsista, cantore poeta, e conta deliciado umalmoço em Óbidos, onde o Pa-dre António residia, na «únicahospedaria» existente na vila.

O padre levantou-se cedo

Padre Antóniopara caçar duas perdizes paraos convidados, mostrou-lhes asigrejas, falou com entusiasmoda história da vila medieval, econcluiu, apontando o horizon-te «[…] Olhe lá: Vê aquelle azul,além? É a lagôa. Você já foi áFoz do Arelho? Pois eu vou áma-nhã para lá. Morro por aquillo;gosto de estar só na Foz. Faço-me pescador, e gosto! […] eu naFoz sou selvagem: vivo na natu-reza […]».

Apesar da sua lendária sim-plicidade, a amizade do rei, avoz de barítono e o verbo elo-quente granjeiam-lhe enormepopularidade entre os podero-sos da região, que não dispen-sam a sua presença nem a suapalavra nos eventos sociais,como o que vem relatado nosemanário O Círculo das Caldas,de 10 de Junho de 1909: «[…]efectuou-se no domingo ultimo,no templo de Santa Maria, emObidos, um solemne Te-Deumem acção de graças pelo com-pleto restabelecimento da me-nina Maria Adelaide da Gama,interessante filha do nosso pre-sado amigo e illustre deputadopor este circulo, sr. Luiz Xavierda Gama. […] Em seguida a estasolemnidade, foi offerecido nasala das sessões da camaramunicipal d’Obidos, pelo senhorFrederico Pinto Basto um bodoa 100 pobres, que constou derações de bacalhau, pão e arroze 50 reis em dinheiro. Antes dobodo discursou brilhantementeo distincto orador sagrado rev.padre Antonio d’Almeida, que,com a sua palavra sincera e flu-ente, impressionou todo o audi-tório […]».

Implantada a República, Óbi-dos é notícia frequente no jor-nal O Mundo, que na edição de 3de Janeiro de 1911 acusa Luiz daGama de conspirar numa farmá-cia da vila, onde alegadamentepromove “reuniões de caci-ques”, com vista a «[…] lançaras bases para a organização deum novo partido monarchicodestinado a cavar as ruinas daRepublica […]».

Perspectiva diferente tem osemanário leiriense O Radical,que na edição de 27 de Julho do

mesmo ano assume a intransi-gente defesa da figura do ga-nadeiro, preconizando a suaadesão ao «Novo Partido Repu-blicano do Districto de Leiria»,por o considerar «Homem quenunca recebeu cinco reis do Es-tado, que diversas vezes se co-llocou até ao lado dos deputa-dos republicanos no Parlamen-to, espírito liberal, cidadão hon-radíssimo […]».

Alheio às polémicas políticas,o Padre António passa incólu-me pela onda anticlerical quevarre o país e a sua pregação ésempre notícia nos jornais daregião, mesmo na agitação po-lítica que se segue à implanta-ção da República, como aconte-ce na edição de 2 de Abril de1911 do semanário O Círculo dasCaldas, onde se refere que «[…]se efectuaram na egreja do Es-pírito Santo, nesta villa, festivi-dades dos Passos e de NossaSenhora das Dôres, pregando demanhã e á noite o distincto econhecido orador sagrado, orev. Padre António d’Almeida[…]».

Na edição de 22 de Abril de1928, a Gazeta das Caldas dánotícia do falecimento do PadreAntónio, ocorrido no dia 16 deAbril, com uma citação do escri-tor espanhol Francisco Giner delos Rios: «[…] um escritor racio-nalista português disse ao Pa-dre António da primeira vez quefalou com ele – quem o conheceaté se reconcilia com a IgrejaCatólica».

A morte do padre é notíciatambém no jornal O Obidensede 15 de Maio de 1928, que refe-re «a idade de oitenta anos in-completos», e conta que estevealguns anos nas Caldas «comocapelão da irmandade do San-tíssimo», tendo sido colocadoem Óbidos, em 1884, como «ca-pelão do Santuário do Senhorda Pedra».

Segue-se o elogio do finado,com destaque para a sua elo-quência de orador: «Sempre queo círio de Obidos ia á Nazaré,era o padre António quem pré-gava o sermão da sua festa […]»;e para o seu gosto pela música:«[…] Cultivava a música com

grandes conhecimentos, tendouma bela voz de barítono […]».

O jornal de Óbidos não es-quece os dotes de caçador, nema amizade régia: «[…] O sr. pa-dre António, como geralmenteera conhecido, era um caçadorinfatigável. Tinha umas pernase uns pulmões de aço. Ninguémo queria acompanhar, porqueele cansava todos. O rei D. Car-los era amigo íntimo dele, era oseu companheiro nas caçadasque aqui vinha realisar e naspescarias da lagoa […]».

Finalmente, uma referência àpobreza do padre, por opção:«[…] Podendo ter deixado umafortuna, porque a ganhou, pelapredica muito dinheiro, viviadesde ha anos da generosidadedo sr. Frederico Pinto Basto e desua ex.ma esposa D. Emília Pi-nheiro, que lhe tinham verda-deira afeição […]. O seu cadá-ver ficou depositado no jazigodo sr. Frederico Pinto Basto, dasGaeiras, um grande amigo. […]».

Na mesma página, o jornal OObidense dá notícia de uma via-gem: «[…] Para Vizeu seguiu hadias o sr. dr. Marcelo Caetano,ilustre advogado e oficial doRegisto Civil nesta vila».

Logo abaixo, sob a epígrafe«Padre António José

d’Almeida», uma curiosidade,acerca da identidade do acólitode uma missa: «[…] Por almadeste virtuoso sacerdote cele-brou-se uma missa no dia 20 deAbril proximo findo, na egrejade S. Pedro, sendo celebrante opadre da mesma egreja, queteve por acolito o sr. dr. Marce-lo Caetano, amigo do finado[…]».

Depois de ter sido amigo dorei D. Carlos, o Padre Antóniotornara-se amigo de um jovemlicenciado em direito, que setornaria o último presidente dogoverno do Estado Novo, em vi-gor até 25 de Abril de 1974.

Apaixonado pela vila medie-val, o jovem Marcello Caetanoenaltece-a na imortal nota in-trodutória ao «Óbidos - Guia doVisitante», de Luís de FreitasGarcia, escrita em 1929: «[…] Nãoé terra para se ver com curiosi-dade, é uma relíquia para secontemplar com amor; não quergrosseria de maneiras, mas de-licadeza de gestos; não pedeexclamações de espanto, massim murmúrios de ternura;numa palavra, não é para turis-tas, é para namorados.»

Também andou pela vila ter-mal, como nos revela um curio-so anúncio publicado na Gazeta

das Caldas de 15 de Julho de1928:

«Marcello CaetanoAdvogado.Escritório em Óbidos e nas

Caldas.Consultas nas CaldasAvenida Heróis da Grande

Guerra, n.º 52 às 3.ª, 5.ª, Sába-dos e Domingos das 11 às 16horas.»

Na sua crónica, depois de re-ferir os amigos poderosos dopadre António José d’Almeida,O Obidense fala dos pobres edos gestos de grandeza como oque o levou à perfilhação «[…]ha catorze anos, duma creança,o pequeno Tiago, que seria maisum infeliz, abandonado, se nãofora o gesto caritativo do bon-doso sacerdote […]», e conclui:«Que descanse em paz quemneste mundo só praticou obem».

Carlos QueridoCarlos QueridoCarlos QueridoCarlos QueridoCarlos Querido([email protected])

NR - Por lapso esta crónicadeveria ter antecedido a da se-mana passada, que estava des-tinada a ser a última dos Recor-tes da República. Por este erro,pedimos desculpa ao autor e aosnossos leitores.

Igreja do Senhor da Pedra, onde o padre António José d’Almeida exercia as funções de Igreja do Senhor da Pedra, onde o padre António José d’Almeida exercia as funções de Igreja do Senhor da Pedra, onde o padre António José d’Almeida exercia as funções de Igreja do Senhor da Pedra, onde o padre António José d’Almeida exercia as funções de Igreja do Senhor da Pedra, onde o padre António José d’Almeida exercia as funções decapelão (foto Inês Querido)capelão (foto Inês Querido)capelão (foto Inês Querido)capelão (foto Inês Querido)capelão (foto Inês Querido)

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