A hora e vez de augusto matraga
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SAGARANA
A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA
João Guimarães Rosa
A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA
“Eu sou pobre, pobre, pobre, vou-me embora, vou-me embora ..................................................... Eu sou rica, rica, rica, vou-me embora, daqui!...”
(cantiga antiga)
“Sapo não pula por boniteza, mas porém, por precisão.”
(provérbio capiau)
AUGUSTO ESTEVES MATRAGA
Homem devasso que se transforma em santo. Personagem principal, no começo da obra é chamado de Nhô Augusto. Perde a mulher e a filha devido a vida desregrada que levava. Mas depois de uma surra se transforma em um homem bom e religioso, é chamado de velho pelo jagunço Joãozinho Bem-Bem. Mais tarde acaba matando o jagunço e morre também na luta para salvar a vida de uma família inocente. Há uma certa intertextualidade com a passagem da bíblia, onde Jesus morreu por nós se tornando herói
A história de Augusto Matraga é apresentada em três partes: na primeira, as características da personagem são reveladas invariavelmente negativas. A segunda parte é o momento de transformação da personagem, na qual ela é submetida a diversas punições e, a terceira, simboliza a divindade de Augusto Matraga, onde há a intertextualidade.
O Padre é um personagem muito importante dentro da obra, através dele é que Augusto Matraga se torna um homem de bem. Convence Augusto á se torna um cristão e cumprir suas penitências, já que Deus deu a ele uma mostra do que é o inferno!
JOÃOZINHO BEM-BEM
Famoso chefe de jagunços. Homem temido e destemido no sertão. Faz justiça com as próprias mãos ou armas, defendendo seus aliados e eliminando seus inimigos. Se torna amigo de Augusto e tenta convencê-lo a entrar no grupo, mas Augusto não aceita, há uma força oculta que os aproxima, mas no final os dois acabam se matando.
QUIM RECADEIRO
Era empregado de Nhô Augusto, tendo a função, como o próprio nome indica, de levar recados. Entretanto, quando o patrão é morto, vai em busca de justiça e acaba sendo assassinado pelos capangas do Major Consilva.
DONA DIONÓRA
Era mulher de Nhô Augusto. Acabou não agüentando mais as judiações do marido e seu descaso e fugiu com Ovídio, levando junto sua filha Mitinha.
MITINHA
É a filha de Nhô Augusto. Percebe, ainda menina, que o pai não gosta dela e da mãe. Acaba se tornando prostituta.
MAJOR CONSILVA
Era inimigo de Nhô Augusto, tendo também sido inimigo do avô do protagonista. Homem mau e rico, tem todo o poder depois da suposta morte de Nhô Augusto.
TIÃO DA THEREZA
Conterrâneo de Nhô Augusto. encontra-o no povoado do Tombador e coloca-o a par dos acontecimentos posteriores à sua suposta morte.
OUTROS PERSONAGENS
Angélica e Sariema duas jovens ao que tudo indica prostitutas que no começo da obras uma delas, Sariema, é leiloada ao Nhô Augusto. Mãe Quitéria e e preto velho são os que salvam Augusto Matraga. Juruminho e Teófilo entre outros Sussuarana pertencem ao grupo do cangaceiro Joãozinho Bem-Bem.
TEMPO O tempo no conto divide-se entre o tempo da
história (tempo cronológico) e o tempo do discurso (modo como o tempo é retratado)
O tempo também adquire indeterminação mítica, sendo pouca ou nula a importância da cronologia, predominando os ritmos amplos da natureza e da vida interior.
percebemos que as mudanças da natureza são utilizadas para marcar a oscilação de comportamento de Matraga.
Outro exemplo da determinação exercida pelos elementos naturais sobre o tempo fica evidenciado na mudança da segunda para a terceira parte do conto (redenção de Matraga). É nesse momento em que há a passagem dos pássaros, a qual representa para a personagem o sinal de que ela deve partir em busca de seu destino, tal qual as “aves itinerantes”. (FERRI, 2002, p. 79).
TEMPO DO DISCURSO
Sobre o tempo do discurso há uma linearidade dos acontecimentos, a qual se deve ao fato do texto retomar um tema bíblico, cujas histórias ocorrem sempre de forma linear
O Tempo na Narrativa
O tempo na narrativa é indeterminado, ou seja, está mais voltado ao psicológico.
Há o tempo de Augusto Matraga cumprir suas penitências, onde é tentando por diversas vezes a voltar para sua terra e se vingar, mas resiste firme até o momento em que sua hora e sua vez chega se tornando um santo.
Guimarães Rosa está consciente que o sertanejo é um ser dividido entre dois universos distintos, de ordem mítico-sacral e lógico-racional, e o que faz é pôr em xeque a tirania do racionalismo, condenar sua supremacia sobre os demais níveis da realidade. Rosa não rejeita o racionalismo como uma entre outras possibilidades de apreensão da realidade, mas procede a uma avaliação e relativização de sua autoridade, do cunho hegemônico e dogmático que este adquiriu na tradição ocidental.
(COUTINHO, p.13).
ESPAÇO A narrativa se inicia no município de Murici,
passa então para a vila do Tombador e termina em uma cidadezinha, próxima a Murici, chamada Rala-Coco.
Entretanto, a problemática não é mais o espaço geográfico unicamente. Nos contos de Sagarana, o espaço quer dizer muito mais dos personagens
A vida de Nhô Augusto é pautada por deslocamentos que atestam a transformação do senhor de posses no redentor do sertão; as mudanças geográficas correspondem às etapas míticas do protagonista que, renascido, realiza um movimento de retorno à origem, em um fluxo circular, no meio do qual figura o sertão.(FERRI. 2002.p. 75)
Partindo-se dessa idéia, o primeiro momento que se passa especificamente no Arraial da Virgem de Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici, corresponde a fase de pecado de Nhô Augusto.
Essa fase é ligada ao povoado do Tombador, onde passa a morar com um casal de negros.
Este espaço “é uma configuração desse estado de coisas, é um lugarejo afastado, perdido no meio do nada, uma localização espacial propícia à reflexão, à purgação de seus pecados ”. (FERRI, 2002. p.64)
A passagem de vários lugares até chegar ao povoado da ideia de solidão, lembranças de outros lugares deixados para trás.
AUGUSTO MATRAGA, UM SENHOR DE TERRAS AUTORITÁRIO: IMPÕE MEDO A TODOS
No início do conto, Nhô Augusto Esteves das Pindaíbas é um homem abastado, proprietário de terras, com jagunços que lhe obedecem as ordens, sempre acatadas e jamais questionadas por quem quer que seja. Sua vontade é lei.
MACHISMO
É preciso observar que além de Nhô Augusto, o poder do macho está presente nas atitudes dos outros homens da história e no leilão que ocorre atrás da igreja.
Nhô Esteves tem suas atitudes calcadas no machismo, na prepotência e na arrogância, no entanto caberia uma reflexão sobre até que ponto essas suas atitudes fazem parte de suas reais convicções ou são decorrentes do meio em que vive, que o transforma em mais um robô, comandado pela máscara social de macho e senhor de terras. (Maria Esther Torinho, 2008)
AUGUSTO ESTEVES COMEÇA A PERDER O PODER
A segunda fase de sua trajetória é caracterizada pela ruína: Dionóra, a esposa, foge com outro, levando consigo a filha de ambos; endividado, seu maior inimigo, o Major Consilva, toma-lhe as terras e seus jagunços passam para o lado do novo senhor. O Major Consilva é manifestação do outro, o anti-sujeito que contribui para dar fim ao poderio de Nhô Esteves, tentando tirar-lhe até mesmo a vida.
Assim, quase qualquer um capiau outro, sem ser Augusto Estêves, naqueles dois contratempos teria percebido a chegada do azar, da unhaca, e passaria umas rodadas sem jogar, fazendo umas férias na vida: viagem, mudança, ou qualquer coisa ensôssa, para esperar o cumprimento do ditado: “Cada um tem seus seis meses...” (ROSA, 2001, p.373).
Mas Nhô Esteves não se dá por vencido e, decidindo ir sozinho enfrentar o inimigo, cai em completa desgraça, sendo espancado e tendo o corpo marcado a ferro justamente pelos jagunços que até há pouco lhe obedeciam cegamente. Em seguida, é levado para um rancho no Barranco, para aí ser morto, mas atira-se em um abismo. Tendo perdido tudo que possuía – família, posses, jagunços, status e posição social – perde agora a identidade, sendo dada justamente ao inimigo, o Major Consilva, que é quem chama-o de cachorro e afirma que o tempo do bem-bom havia acabado, o decreta morto e afirma que não havia mais Nhô Augusto Esteves, das Pindaíbas, com o que os jagunços concordam prontamente e em coro.
OS QUE ANTES O SERVIAM, AGORA SERVEM A SEU PIOR INIMIGO
Há uma dupla simbologia contida neste abismo em que o personagem é lançado: em um plano mais superficial sugere a morte, enquanto em um nível mais profundo simboliza o útero, uma regressão ao ventre (neste caso, a terra-mãe), o que possibilitará o seu posterior renascimento.
após perder tudo e ser humilhado, Augusto Matraga pensa que ainda terá sua hora e sua vez. Submetido a uma vida de privações, sofre uma transformação forjada na dor, no encontro com o sagrado e no desejo de servir, em um rito de passagem ao encontro de si mesmo.
CADA UM TEM SUA HORA E SUA VEZ
Modere esse mau gênio: faça de conta que ele é um poldro bravo, e que você é mais mandante do que ele ... Peça a Deus assim, com esta ejaculatória: ‘Jesus, manso e humilde, fazei meu coração semelhante ao vosso . . .’ (... ) Cada um tem a sua hora e vez: você há de ter a sua” (ROSA, 2001. pág. 386). Assim, após essa inserção do evangelho no pensamento cristão, inicia-se a “mortificação do corpo” para se obter o caminho da salvação da alma.
Na terceira fase, Nhô Augusto acompanha o casal de negros velhos, dormindo durante o dia e viajando à noite, em uma viagem que simboliza o contato com as sombras, com o lado negativo de si mesmo. Chega a um local distante dali, o povoado do Tombador, onde ninguém o conhece, embora todos gostem logo dele, pois tinha, ao mesmo tempo, algo de doido e de santo. (40 dias no deserto)
A perda, a humilhação, o rebaixamento na escala social funcionam como uma mola propulsora para o início da trajetória que o levará à descoberta do seu próprio eu, mesmo que não tenha consciência disto e que, de início, ainda pense em reconquistar o que havia perdido, tendo a sua hora e a sua vez.
“TENTAÇÃO” ATRAVÉS DE JOÃOZINHO BEM-BEM
“- Mano velho, o senhor gosta de briga, e entende. Está-se vendo que não viveu sempre aqui nesta grota, capinando roça e cortando lenha ... Não quero especular coisa de sua vida p’ra trás, nem se está se escondendo de algum crime. Mas, comigo é que o senhor havia de dar sorte! Quer se amadrinhar com meu povo? Quer vir junto? - Ah, não posso! Não me tenta, que eu não posso, seu Joãozinho Bem-Bem . . .” (AM: ROSA, 2001. pág. 396).
“Eu vou pr’á o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... P’rá o céu eu vou, nem que seja a porrete”
(Nhô Augusto)
- Epa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez!...
(ROSA, 2001. pág. 410)
A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA
ROSA, João Guimarães. “A hora e vez de Augusto Matraga”. In: Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
TORINHO, Maria Esther. MATRAGA PEDE PASSAGEM:O RITO, O HERÓI E A INDIVIDUAÇÃO EM GUIMARÃES
ROSA. Revista Trama - Volume 4 - Número 8 - 2º Semestre de 2008
WILLIAN ANDRÉ. A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA: CONFLUÊNCIA DE DOIS UNIVERSOS. Scripta Alumni - Uniandrade, n. 7, 2012.