UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA
Carla Giovana Dagostin
CARACTERSTICAS DO PROCESSO DE TRABALHO DOS
PSICLOGOS PERITOS EXAMINADORES DE TRNSITO NA
AVALIAO DAS CONDIES PSICOLGICAS PARA DIRIGIR
FLORIANPOLIS
2006
CARLA GIOVANA DAGOSTIN
CARACTERSTICAS DO PROCESSO DE TRABALHO DOS
PSICLOGOS PERITOS EXAMINADORES DE TRNSITO NA
AVALIAO DAS CONDIES PSICOLGICAS PARA DIRIGIR
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Psicologia. Orientador: Prof. Dr. Roberto Moraes Cruz
FLORIANPOLIS
2006
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida, por desfrutar deste momento e poder contar com o apoio de
pessoas especiais que estiveram comigo nesta caminhada e que, de alguma forma,
contriburam para eu concretizar este sonho;
A meus pais e irms, e Carlos pelo apoio e carinho;
Aos amigos Angelita, Horcio, Artur, Ivone e Vnia, sempre presentes na vida fora da
universidade;
Ao professor Roberto Moraes Cruz, meu orientador, pelas aes e palavras
motivadoras nas horas em que eu realmente necessitei. Sempre respeitou minhas idias e
opinies, sem deixar de apontar os problemas e limitaes na construo da dissertao;
Flvia, Isabel, Fabola, Karina, colegas de mestrado que se tornaram amigas e foram
grandes companheiras neste percurso, compartilhando problemas e aflies que convivem
com os mestrandos;
Em especial professora Maria Helena Hoffmann, pesquisadora, pioneira na pesquisa
da temtica sobre Psicologia do Trnsito no Estado, cujas observaes foram de grande valia
no meu exame de qualificao, contribuindo na maturidade intelectual para a execuo da
pesquisa. Obrigada, Maria Helena, pela troca de informaes, artigos e documentos
emprestados, sem os quais esta dissertao no teria a mesma profundidade;
Aos psiclogos Jacinto Antonio Pereira, Marisa Peicots, Marilha Toaldo Garcia, assim
como Rodolfo Carlos C. Gonalves, pela disponibilidade em compartilhar informaes
importantes sobre a historicidade do processo de trabalho do psiclogo perito em Santa
Catarina;
direo do Departamento Estadual de Trnsito de Santa Catarina (DETRAN/SC),
em especial Coordenao de Credenciamento e Fiscalizao, por fornecer dados importantes
sobre a atividade do psiclogo perito no Estado;
Ao Glnio, responsvel pelo Setor de Habilitao da Ciretran de Tubaro, pelos
esclarecimentos sobre o funcionamento das Ciretrans no Estado;
Ana Maria, Andria e Jane, obrigada pela colaborao;
Carol e a Jucelma, pelas sugestes importantes na dissertao;
Aos colegas participantes que acompanhei nos Centros de Avaliao de Condutores
(CACs) cuja contribuio foi de suma importncia para a realizao deste trabalho.
De tudo, ficaram trs coisas:
A certeza de que ele estava sempre comeando...
A certeza que precisava continuar...
A certeza de que seria interrompido antes
De terminar...
Fazer da interrupo um novo caminho...
Da queda um passo de dana...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura um encontro...
(FERNANDO SABINO).
RESUMO
DAGOSTIN, Carla G. Caractersticas do processo de trabalho dos psiclogos peritos examinadores de trnsito na avaliao das condies psicolgicas para dirigir. Florianpolis, 2006. 269f. Dissertao (Mestrado em Psicologia) - Programa de Ps-Graduao em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina.
O objetivo do estudo foi caracterizar o processo de trabalho dos psiclogos peritos examinadores de trnsito na avaliao das condies psicolgicas para dirigir, tendo como suporte a literatura nacional sobre esse campo de atuao profissional conhecido como Psicotcnico - e as caractersticas da produo do conhecimento em Psicologia do Trnsito. Outro aspecto pesquisado na literatura foram as tcnicas e instrumentos de avaliao das condies psicolgicas, assim como os critrios para tomada de deciso no processo de trabalho do psiclogo perito. Tambm foram caracterizados alguns fatos histricos sobre a Psicologia do Trnsito no Estado de Santa Catarina referente ao exerccio profissional do psiclogo perito. A pesquisa caracteriza-se como descritiva e exploratria, sendo que as informaes foram obtidas por meio da observao da situao de trabalho, da consulta a fontes documentais e do depoimento de 12 psiclogos peritos que atuam no sul de Santa Catarina na avaliao das condies psicolgicas para dirigir. Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram um questionrio estruturado, denominado de Q-PET, e um Roteiro de Observao com base na decomposio das variveis que constituem o fenmeno investigado e organizado em itens de anlise como: identificao, formao e capacitao profissional, organizao do processo de trabalho, procedimentos psicolgicos e critrios na tomada de deciso da aptido e inaptido para dirigir. Os resultados apontam uma capacitao profissional do psiclogo perito no especfica para atuar na atividade, diferenas significativas no modo operatrio de cada psiclogo perito na forma de organizar, realizar e processar o tempo na tomada de deciso na avaliao das condies psicolgicas para dirigir. O uso de testes psicolgicos foi um dos principais recursos metodolgicos recorridos pelos psiclogos peritos, seguido da observao do desempenho do candidato no momento da avaliao, entrevista psicolgica e um roteiro de questes abertas e fechadas construdas por esses psiclogos. Aspectos referentes aos critrios na tomada de deciso so mais gerais, no considerando o tipo da Carteira Nacional de Habilitao (CNH) nas categorias A, B e C, contudo apresentam diferenas de critrios na tomada de deciso ao avaliar condutores da CNH D e E. O estudo buscou avanar no conhecimento cientfico sobre as especificidades do modo de trabalhar dos psiclogos peritos em relao aos aspectos tcnicos, procedimentos e instrumentos de medida utilizados na avaliao psicolgica, bem como na caracterizao do perfil dos profissionais da regio sul do Estado de Santa Catarina que atuam nessa atividade. Palavras-chave: avaliao psicolgica de condutores, psiclogo perito, processo de trabalho, psicologia de trnsito.
ABSTRACT
DAGOSTIN, Carla G. Characteristics of the process of work of the expert psychologists examiners of traffic in the valuation of the psychological conditions to direct. Florianpolis, 2006. 269f. Dissertation (Mastership in Psychology) - Program of Post-Graduation in Psychology. Federal University of Santa Catarina. The objective of the study was to characterize the process of work of the expert psychologists examiners of traffic in the valuation of the psychological conditions to direct, having as a support the national literature about this field of professional performance - known as Psicotcnico - and the characteristics of the production of the knowledge in Psychology of the Traffic. Another aspect searched in the literature had been the techniques and instruments of valuation of the psychological conditions, as well as the criteria for a taking of decision in the process of work of the expert psychologist. Also had been characterized some historical events about the history of the psychology of the traffic in the State of Santa Catarina referring to the professional exercise of the expert psychologist. The research is characterized as descriptive and exploiter but the information were gotten by an observation of the situation of work, documentary sources and of the deposition of 12 expert psychologists who act in the south of Santa Catarina in the valuation of the psychological conditions to direct. The instrument of collection of data used was a structuralized questionnaire, called of Q-PET and a Route of Observation based on the decomposition of the variables that constitute the phenomenon investigated and organized in itens of analysis as: identification, formation and professional qualification, organization of the work process, psychological procedures and criteria in the taking of decision of the aptitude and ineptitude to direct. The results point a non specific professional qualification of the expert psychologist to act in the activity, significant differences in the surgical way of each expert psychologist in the form to organize, to realize and to process the time in the taking of decision in the evaluation of the psychological conditions to direct. The use of psychological tests was one of the main methodological resources searched by the psychologists expert, followed of the observation of the performance of the candidate at the moment of the valuation, psychological interview, and a route of open and closed questions constructed by the expert psychologist. Aspects referring to the criteria in the decision taking are more general, not considering the type of the National Card of Qualification in the A, B and C categories, however present differences of criteria in the taking of decision when evaluate the conductors of Ds and Es National Card of Qualification. The study searched to advance in the scientific knowledge about the kind of the expert psychologists way of work in relation to the technic aspects, procedures and used instruments of measure in the psychological valuation, as well as in the characterization of the profile of the professionals of the south region of the State of Santa Catarina who act in this activity. Key Words: psychological valuation of conductors, expert psychologist, process of work, psychology of traffic.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Localizao das Ciretrans no Estado de Santa Catarina regio sul. ................... 107 Figura 2: Fluxograma dos procedimentos que caracterizam o processo de trabalho dos
psiclogos peritos examinadores de trnsito na avaliao das condies psicolgicas para dirigir ................................................................................................................... 118
Figura 3: Caracterizao do processo de trabalho dos psiclogos peritos examinadores de trnsito em Santa Catarina. ........................................................................................... 135
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre dimenses psicolgicas como percepo e dependncia-independncia de campo envolvidos na atividade de dirigir e padronizao de um simulador (1981 a 1984)................................................. 34
Quadro 2: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre a abrangncia do campo de estudos da Psicologia do Trnsito no Brasil e em outros pases (1983 a 1986) ................ 35
Quadro 3: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre instrumentos de medidas utilizados para examinar caractersticas de personalidade e processos cognitivos na atividade de dirigir (1983 a 1985)................................................................................... 37
Quadro 4: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre comportamento humano no trnsito (1983 a 1985) .................................................................................................... 38
Quadro 5: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre comportamentos de risco no dirigir e violncia no trnsito (1996 a 1999) ................................................................... 43
Quadro 6: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre infraes de trnsito relacionadas ao comportamento de pedestres, motoristas e agentes de trnsito (1995 a 2002).............................................................................................................................. 44
Quadro 7: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre a representao social do carro, direo e transgresso no trnsito (2001) .............................................................. 46
Quadro 8: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre acidentes de trnsito e a relao com o comportamento de dirigir (2000 a 2004). ................................................. 47
Quadro 9: Descrio sumria dos principais instrumentos de medida utilizados pelos psiclogos peritos para avaliar caractersticas da personalidade e equilbrio psquico. .... 93
Quadro 10: Descrio sumria dos principais instrumentos de medida utilizados pelos psiclogos peritos para avaliar a rea percepto-reacional motora e habilidades especficas como memria.............................................................................................. 94
Quadro 11: Descrio sumria dos principais instrumentos de medida utilizados pelos psiclogos peritos para avaliar o nvel mental................................................................. 95
Quadro 12: Distribuio dos indcios identificados na observao, entrevista e testes psicolgicos, considerados pelos psiclogos peritos para definir a aptido e inaptido das condies psicolgicas para dirigir nas categorias A e B da CNH (n=12). .............. 167
Quadro 13: Distribuio das caractersticas dos tipos de indcios considerados pelos psiclogos peritos para definir a aptido e inaptido das condies psicolgicas para dirigir na categoria C da CNH (n=12)........................................................................... 168
Quadro 14: Distribuio dos indcios identificados na observao, entrevista e testes psicolgicos considerados pelos psiclogos peritos para definir a aptido e inaptido das condies psicolgicas para dirigir nas categorias D e E da CNH (n=12)................ 171
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Distribuio das caractersticas que definem a variao na forma como os psiclogos peritos conduzem a organizao do trabalho na avaliao das condies psicolgicas para dirigir (n=12). ................................................................................... 138
Tabela 2: Distribuio das caractersticas dos aspectos fsicos do ambiente de trabalho dos psiclogos peritos (n=12). ...................................................................................... 144
Tabela 3: Distribuio dos nveis de satisfao dos psiclogos peritos quanto ao relacionamento profissional com a organizao de trnsito (n=12). .............................. 145
Tabela 4: Distribuio dos nveis de satisfao dos psiclogos peritos quanto aos relacionamentos interpessoais no local de trabalho (n=12)............................................ 148
Tabela 5: Distribuio das caractersticas dos mtodos e tcnicas utilizados pelos psiclogos peritos para avaliar as condies psicolgicas para dirigir (n=12)................ 153
Tabela 6: Distribuio da quantidade de tcnicas psicolgicas utilizadas pelos psiclogos peritos para avaliar as condies psicolgicas para dirigir, conforme a classificao do Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB) (n=12) ................................................................ 155
SUMRIO
1 INTRODUO............................................................................................................... 11 1.1 OBJETIVOS.................................................................................................................. 16 1.1.1 Objetivo Geral............................................................................................................. 16 1.1.2 Objetivos Especficos .................................................................................................. 16 1.2 JUSTIFICATIVA........................................................................................................... 16 1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO ................................................................................... 18 2 SISTEMATIZAO DO CONHECIMENTO DISPONVEL SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO DOS PSICLOGOS PERITOS EXAMINADORES DE TRNSITO .................................................................................................................. 19 2.1 INSERO E CONSOLIDAO DO TRABALHO DO PSICLOGO NAS ORGANIZAES DE TRNSITO .................................................................................... 21 2.2 UMA ATIVIDADE PROFISSIONAL REGULADA POR RESOLUES ................... 26 2.3 CARACTERSTICAS DA PRODUO DO CONHECIMENTO EM PSICOLOGIA DO TRNSITO A PARTIR DA DCADA DE 1980 ......................................................... 32 2.3.1 A dcada de 1990 e as oscilaes na produo cientfica sobre o comportamento no trnsito................................................................................................................................. 40 3 A PSICOLOGIA DO TRNSITO NO ESTADO DE SANTA CATARINA ................ 50 3.1 ASPECTOS HISTRICOS DO PROCESSO DE TRABALHO DOS PSICLOGOS PERITOS NA AVALIAO DAS CONDIES PSICOLGICAS PARA DIRIGIR NO ESTADO DE SANTA CATARINA .................................................................................... 51 3.1.1 A insero dos psiclogos catarinenses por meio de concurso pblico nas organizaes de trnsito ............................................................................................................................ 55 3.1.2 Iniciativas na organizao do trabalho e os tipos de interveno realizada pelos psiclogos policiais que atuam no trnsito............................................................................ 57 4 MTODOS, MEDIDAS E CRITRIOS QUE NORTEIAM O PROCESSO DE TRABALHO DOS PSICLOGOS PERITOS EXAMINADORES DE TRNSITO ..... 75 4.1 TCNICAS E INSTRUMENTOS DE AVALIAO DAS CONDIES PSICOLGICAS PARA DIRIGIR ...................................................................................... 82 4.2 CRITRIOS PARA TOMADA DE DECISO NO PROCESSO DE TRABALHO DO PSICLOGO PERITO ........................................................................................................ 96 5 MTODO ...................................................................................................................... 103 5.1 NATUREZA DO ESTUDO ......................................................................................... 103 5.2 CARACTERIZAO DO AMBIENTE DE INVESTIGAO E PARTICIPANTES. 104 5.2.1 Ambiente de investigao.......................................................................................... 104 5.2.2 Participantes.............................................................................................................. 105 5.3 FONTES DE INFORMAO E ASPECTOS TICOS ............................................... 108 5.4 TCNICAS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ..................................... 110 5.5 PROCEDIMENTOS .................................................................................................... 114 5.5.1 Contato com os participantes..................................................................................... 114 5.5.2 Administrao do Q-PET e do Roteiro de Observao............................................... 114 5.6 Tratamento e anlise dos dados .................................................................................... 116 6 ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS ........................................................ 119
6.1 Perfil de Identificao, Formao e Capacitao Profissional dos participantes ............ 119 6.2 Perfil Ocupacional........................................................................................................ 126 6.3 Caractersticas da organizao do trabalho do psiclogo perito..................................... 133 6.4 Caractersticas dos procedimentos usados pelos psiclogos peritos para avaliar as condies psicolgicas para dirigir ..................................................................................... 150 6.5 Caractersticas dos critrios na tomada de deciso dos psiclogos peritos na avaliao das condies psicolgicas para dirigir............................................................................... 163 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................... 180 REFERNCIAS............................................................................................................... 186 APNDICE A - Variveis Observadas no Fenmeno: Caractersticas do Processo de Trabalho do Psiclogo Perito Examinador de Trnsito ....................................................... 196 APNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido........................................... 201 APNDICE C - Questionrio das Caractersticas do Processo de Trabalho dos Psiclogos Peritos Examinadores de Trnsito (Q-PET) ....................................................................... 203 APNDICE D - Esclarecimentos sobre Transcries e Revises das Entrevistas................ 208 APNDICE E - Roteiro de Observao.............................................................................. 209 APNDICE F - Notas Descritivas das Observaes da Situao de Trabalho dos Psiclogos Peritos nos CACS............................................................................................. 210 ANEXO A - Resoluo CFP N. 014/00, de 20 de Dezembro de 2000................................. 237 ANEXO B Atribuies Profissionais dos Psiclogos do Trnsito segundo a Classificao Brasileira de Ocupaes ..................................................................................................... 240 ANEXO C Decreto do Governo do Estado de Santa Catarina.......................................... 242 ANEXO D - Resoluo N. 80, de 19 de Novembro de 1998............................................... 254
11
1 INTRODUO
Historicamente, o campo de atuao profissional dos psiclogos de trnsito tem se
restringido avaliao das condies psicolgicas para dirigir denominado exame
psicotcnico. A criao da nomenclatura de psiclogo perito examinador de trnsito, em 1998,
no Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB), explicitada no Anexo II da Resoluo n. 80/98 do
Conselho Nacional de Trnsito (CONTRAN)1, foi uma novidade do CTB de 1998, que, entre
outras providncias, definiu um conjunto de aes e de normas para segurana viria e
circulao humana, a fim de priorizar a construo da cidadania no contexto da mobilidade
humana no trnsito.
O CTB ampliou as possibilidades para o exerccio profissional dos psiclogos nesse
campo de atuao, mas a prpria denominao prevista na legislao de trnsito, como
psiclogo perito examinador de trnsito, manteve a restrio da atuao na realizao da
avaliao das condies psicolgicas para dirigir, para obteno da Carteira Nacional de
Habilitao (CNH).
Tal fato expe a natureza da relao que o psiclogo manteve com esse trabalho ao
longo do tempo, atravessada por normas criadas por organizaes pblicas de trnsito,
subordinadas s determinaes legais do CONTRAN, do Departamento Nacional de Trnsito
(DENATRAN), dos Departamentos Estaduais de Trnsito (DETRANs), representadas em
legislao nacional, dispostas no CTB. O termo organizao, segundo Lapassade (1983), tem
duplo significado: refere-se a realidades sociais e tambm designa o ato organizador exercido
nas instituies. Esse ato organizador percebido nas aes dos rgos de trnsito, que
prevem, organizam e estruturam a relao de trabalho do psiclogo perito na avaliao das
1 CDIGO DE TRNSITO BRASILEIRO - Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997. Coletnea de Legislao de
Trnsito e Resolues do CONTRAN at 84/98, atualizada at dezembro de 1998, que traz as resolues 07/50/71 e 80 de 1998.
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condies psicolgicas para dirigir, e isso propiciou historicamente a legalidade institucional
para o exerccio profissional.
Assim, o trabalho dos psiclogos peritos est vinculado natureza institucional dos
rgos pblicos de trnsito, como CONTRAN e DENATRAN, que representam a esfera
federal, e os rgos pblicos estaduais, como a Secretaria de Segurana Pblica dos estados
(SSP) e os DETRANs, rgos que se constituem em organizaes burocrticas. Segundo
Weber (1982) esses rgos detm caractersticas de centralizao das decises sobre o
processo de trabalho dos psiclogos peritos e normatizaes das polticas pblicas de trnsito.
Os profissionais psiclogos que exercem essa atividade sofrem, logicamente, influncia da
cultura poltica dos rgos pblicos, do poder poltico presente nos rgos de trnsito, da
descontinuidade nos projetos e nas decises sobre as polticas pblicas de trnsito, por sua vez
influenciadas por aspectos econmicos e polticos.
As constantes mudanas institucionais nesses rgos de trnsito refletem diretamente
no comportamento profissional dos psiclogos peritos, criando dificuldades para efetivar uma
mudana significativa na relao com seu trabalho. Isso colabora para a instalao de um
outro comportamento, como de se manterem afastados do processo decisrio sobre as
normatizaes que incidem sobre sua atividade, no participando das polticas pblicas de
trnsito e, conseqentemente, submetendo-se s resolues tomadas pelas instituies de
trnsito.
Essa reduo na autonomia dos psiclogos peritos na participao dos processos
decisrios sobre as diretrizes do trabalho significa aquilo que Antunes (2002) define como
distintas formas de estranhamento, o que colabora para uma vida desprovida de sentido no
trabalho, ou seja, uma forma de estranhamento social que tem uma implicao direta na
percepo do significado do trabalho pelos psiclogos peritos. Nesse sentido, os psiclogos
peritos, ao se relacionarem com essas instituies, parecem ter perdido seu leitmotiv ou
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motivo motor pelo trabalho. A etimologia da palavra leitmotiv2 particularmente associada ao
alemo motiv, de origem do francs motif, que significa motriz principal ou tema, e a
palavra leit (leiten) traduz-se em para conduzir. O sentido do trabalho perpassa pelo
significado que os psiclogos peritos do ao seu trabalho. Que significados os psiclogos
peritos observam no seu trabalho?
Na tentativa de delimitar e instituir legalmente o campo de exerccio profissional do
psiclogo no trnsito, o Conselho Federal de Psicologia, por meio da Resoluo do CFC n.
014/00, criou o ttulo de Especialista em Psicologia do Trnsito, sendo previsto um conjunto
de atividades que est estabelecido na Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO),
conforme sugesto encaminhada pelo prprio Conselho Federal de Psicologia, para fazer
parte dessa classificao. O que se percebe que o ttulo de Especialista em Psicologia do
Trnsito no causou mudanas significativas na qualidade do exerccio profissional e nem na
legitimao desse trabalho ao longo do tempo. Alm do que, as atividades consideradas como
atribuio dos psiclogos que atuam no trnsito hoje no foram historicamente exercidas,
apesar de ser um campo de insero profissional dos psiclogos, e de existir a construo de
um conhecimento da Psicologia voltada aos problemas do trnsito.
De acordo com Weber (1982), a legitimao de tal legalidade sustentada pelas
normas da estrutura instituda por meio da autoridade legal, e a submisso a essa autoridade se
baseia num dever de ofcio como direito correspondente de exercer a autoridade. Nesse
sentido, os psiclogos peritos tm o poder legal de realizar esse trabalho, assegurado pelas
referncias dadas pela Resoluo do Conselho Federal de Psicologia (CFP), mas no se
garantiu a legitimidade social. Ainda segundo Weber (1982), nem todo poder traz honras
sociais, a legalidade um fator adicional que aumenta a probabilidade de t-lo, mas nem
sempre pode assegur-lo.
2 . Acesso em: 17 abr. 2005.
14
Essa tradio tem sustentado o processo de trabalho do psiclogo perito, o que leva a
alguns questionamentos: Como construir a legitimidade social desse trabalho sem uma prtica
profissional plena nesse campo? De que maneira est sendo promovida a visibilidade e a
legitimidade desse trabalho pelos psiclogos peritos na avaliao das condies psicolgicas
para dirigir? Que condies podem levar construo de um exerccio profissional dotado de
sentido na avaliao psicolgica de condutores?
Pesquisar o processo de trabalho desse profissional na avaliao das condies
psicolgicas para dirigir significa compreender em que medida a profisso de psiclogo
especializou um conjunto de atividades reguladas e mediadas por legislaes e um saber
tcnico-cientfico especfico para tal avaliao. Caracterizar o processo de trabalho do
psiclogo perito implica considerar, segundo Gentilli (1998), um exerccio profissional que
abrange metodologias, utilizao de tcnicas pertinentes profisso, estabelecimento de
diretrizes para atuar, comunicar e prestar servios a usurios-clientes.
O processo de trabalho dos psiclogos peritos configurado por uma interao
dinmica que se articula entre duas bases de referncia. A primeira dada pelas estruturas
normativas federais e estaduais, pelos rgos de trnsito e pelas instituies representativas
dos profissionais, como os Conselhos Regionais e Federal de Psicologia. Essas estruturas e
instituies normativas impem e asseguram a legalidade do exerccio profissional do
psiclogo perito, prescrevem condutas tcnicas, determinam condies de trabalho e valores
de remunerao por meio de resolues, decretos e portarias. J a segunda base constituda
pela diversidade de modo operatrio3 desses profissionais, decorrentes das exigncias de
adaptao da primeira base de referncia, como as prescries normatizadas pelos rgos de
3 Modo operatrio um termo utilizado em Psicologia do Trabalho e Ergonomia se refere s diferentes
maneiras do trabalhador executar a mesma tarefa frente s singularidades da situao de trabalho para atingir o resultado final. De acordo com Abraho (2000, p. 50 ), so as (...) seqncias de ao, de gestos, de sucessivas buscas e tratamento de informaes, de comunicaes verbais ou grficas e de identificao de incidentes. Enfim, significa a mobilizao de suas representaes mentais, de suas estratgias operatrias e das suas competncias.
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trnsito, daquilo que no est plenamente definido e normatizado. Por exemplo, a
insuficincia dos critrios e as dificuldades em definir a padronizao dos testes e dos
procedimentos usados na avaliao psicolgica de condutores, decorrentes das dimenses
geogrficas do Pas e das especificidades de cada regio, o que no est institudo legalmente
pelo Anexo II da Resoluo n. 80/98 do CONTRAN. Assim, o psiclogo necessita
operacionalizar ajustes para se adaptar s situaes concretas vivenciadas cotidianamente no
seu trabalho.
H, nesse modo operatrio, especificidades como os aspectos tcnicos dos
procedimentos utilizados na avaliao psicolgica, tipos de instrumentos de medida,
conhecimento no seu manejo e critrios usados para definir aptido e inaptido para dirigir,
condicionados pelas contingncias do exerccio profissional de cada psiclogo.
As diferenas nas interpretaes sobre como proceder e avaliar as condies
psicolgicas para dirigir so agravadas pelos problemas da avaliao psicolgica no Pas ao
longo do tempo, interferindo diretamente nesse campo por uso de padronizaes
desatualizadas de alguns instrumentos, por escassa produo de instrumentos especficos e
autctones para a atividade e por uso indiscriminado e freqente de alguns instrumentos de
medida, afetando a eficcia do processo de avaliar. Ainda sobre a segunda base de referncia
recai o tipo de formao profissional dada ao psiclogo e a precria produo de
conhecimento acerca de um fenmeno to complexo que avaliar as condies psicolgicas
para dirigir. Esses so problemas que interferem diretamente no aperfeioamento, na
formao e na qualidade das intervenes do psiclogo perito.
16
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo Geral
Caracterizar o processo de trabalho dos profissionais de psicologia da regio sul de
Santa Catarina que realizam a avaliao das condies psicolgicas para dirigir.
1.1.2 Objetivos Especficos
Identificar caractersticas da formao, capacitao e perfil ocupacional dos psiclogos
peritos;
Verificar as caractersticas da organizao do trabalho (modo operatrio) dos
psiclogos peritos;
Caracterizar os procedimentos usados pelos psiclogos peritos para avaliar as
condies psicolgicas para dirigir;
Caracterizar os critrios na tomada de deciso dos psiclogos peritos na avaliao das
condies psicolgicas para dirigir.
1.2 JUSTIFICATIVA
Com o atual Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB), de 1998, mobilizaram-se
expectativas sobre a definio de condies favorveis para o psiclogo perito atuar.
Decorridos alguns anos da implementao do CTB, antigos problemas ainda no foram
solucionados. Eis um aspecto preocupante, pois no desempenho dessa atividade que o
psiclogo perito pode participar no controle dos acidentes de trnsito que trazem agravos
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sade pblica. O acidente de trnsito no Brasil pode ser considerado um problema com
caractersticas de epidemia. De acordo com o Departamento Nacional de Trnsito
(DENATRAN), em 2001 houve 20.038 mortes e 307.287 feridos, em decorrncia de
acidentes de trnsito no Brasil. Em Santa Catarina, em 2003, foram registrados 21.070
acidentes, destes, 1.118 mortos e 26.639 feridos (DETRAN-SC, 2004). H efeitos do processo
de trabalho dos psiclogos peritos, mdicos e demais profissionais envolvidos na habilitao,
mudana e renovao da Carteira Nacional de Habilitao (CNH) no controle estatstico
dessas decorrncias, pois incidem nos acidentes e nos problemas associados circulao
humana.
Dados do Centro de Estudos Avanados em Trnsito (CEAT)4 apontam que 55% dos
leitos hospitalares no Pas so ocupados por vtimas de acidentes de trnsito. As perdas
materiais e sociais ultrapassam cada uma 2 bilhes de dlares em despesas previdencirias.
Cabe, ainda, ressaltar o sofrimento das vtimas e de seus familiares com as perdas
irreparveis, o doloroso processo de reabilitao dos acidentados e a estimativa de custos que
o governo brasileiro gasta com cada vtima no fatal de acidente de trnsito, uma mdia de R$
14.321,25.
no exerccio da sua atividade que os psiclogos peritos associam responsabilidades
tcnicas, polticas e sociais e contribuem com a mudana de um dos problemas mais graves
do cotidiano dos brasileiros: os acidentes de trnsito. O estudo do processo de trabalho do
psiclogo perito auxilia na avaliao das condies de trabalho para avaliar fenmenos
psicolgicos presentes na atividade de dirigir.
Este estudo tambm possibilita caracterizar como esses profissionais tm
compreendido e operacionalizado ajustes no seu processo de trabalho para cumprir o que foi
prescrito no Anexo II da Resoluo n. 80/98 do CONTRAN. Com isso, necessrio cientfica
4 Os dados foram obtidos no Portal do Trnsito Brasileiro: , acessado em 15 de julho
de 2004, organizado pelo CEAT.
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e socialmente produzir conhecimento que responda pergunta: Quais as caractersticas do
processo de trabalho dos Psiclogos Peritos Examinadores de Trnsito na avaliao das
condies psicolgicas para dirigir?
1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO
Este trabalho est fundamentado na literatura especializada nacional vinculada
problemtica em estudo. A dissertao subdivide-se em seis captulos que tratam do
fenmeno estudado. Inicia com a introduo, onde so apresentados os objetivos do estudo,
justificativa e necessidades para a produo desse conhecimento. No captulo II, apresentada
a sistematizao do conhecimento disponvel sobre as caractersticas do processo de trabalho
dos psiclogos peritos ao longo do tempo no Pas, delineando como se constitui esse campo
de atuao dos profissionais de psicologia na avaliao das condies psicolgicas para dirigir
conhecido como Psicotcnico -, as resolues do CONTRAN, as modificaes ocorridas no
CTB, o conhecimento da Psicologia voltada ao Trnsito, eventos e conhecimento cientficos
produzidos em cada perodo desde a dcada de 1950. No captulo III, so caracterizados fatos
histricos da Psicologia do Trnsito no Estado de Santa Catarina. No captulo IV, trata-se do
mtodo, dos critrios e das medidas que norteiam o processo de trabalho dos psiclogos
peritos, subsidiados pela literatura nacional sobre o tema. No captulo V, explicitada a
construo do mtodo e as caractersticas da pesquisa, a definio dos participantes da
pesquisa, as fontes de informao e o tratamento dos dados. No captulo VI, constam a anlise
e discusso dos resultados, correlacionados s variveis pesquisadas, e por ltimo, a
concluso do estudo realizado e referncias utilizadas.
19
2 SISTEMATIZAO DO CONHECIMENTO DISPONVEL SOBRE O PROCESSO
DE TRABALHO DOS PSICLOGOS PERITOS EXAMINADORES DE TRNSITO
O conhecimento acumulado pela Psicotcnica a partir do incio do sculo XX, para
avaliar as aptides e as diferenas individuais, veio auxiliar na organizao do exerccio
profissional dos psiclogos na averiguao das condies psicolgicas para dirigir e responder
a necessidade da demanda institucional do Estado e da sociedade para atuar nessa atividade.
Desde as origens desse campo de atuao, o trabalho do psiclogo perito esteve
associado s organizaes pblicas e subordinado s determinaes legais do Conselho
Nacional de Trnsito (CONTRAN), do Departamento Nacional de Trnsito (DENATRAN) e
dos Departamentos Estaduais de Trnsito e Segurana Viria (DETRANs), dispostas no
Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB). Esse trabalho est vinculado diretamente aos rgos de
Segurana e Trnsito, como a Secretaria de Segurana Pblica (SSP) e DETRAN, sendo este
ltimo rgo executivo de trnsito dos Estados da Federao e do Distrito Federal. As SSPs5 e
os DETRANs so rgos estaduais que gerenciam a atividade do psiclogo, designam valores
de remunerao, condies de trabalho, formas de contratao do trabalho e
responsabilidades, alm daquelas previstas na legislao de trnsito do CTB, e definem as
polticas do Estado sobre o trnsito.
O profissional de Psicologia, ao longo dessa relao de trabalho com os rgos de
trnsito, desempenhou responsabilidades tecnicamente previstas por Resolues que, no
incio, foram determinadas pelas primeiras legislaes de trnsito do Pas. Cabe destacar que
estas seriam uma das caractersticas principais do seu trabalho, definidas pela legislao: o
princpio da especializao e o que deveria avaliar como condies psicolgicas. Segundo
5 A atividade do psiclogo perito em outros Estados est vinculada a rgos de Segurana e Trnsito, como
Secretaria de Segurana Pblica dos estados - SSP e Departamentos Estaduais de Trnsito e Segurana Viria - DETRANs. Em 1966, houve a criao do DETRAN nas capitais brasileiras, diferindo quanto a sua subordinao;em alguns Estados so autarquias, em outros esto subordinados SSP e Secretaria de Transporte (HOFFMANN, 1995).
20
Weber (1982), esse fato est presente nas instituies burocrticas que relacionam atribuies
especficas para as funes como uma vantagem tcnica, exigindo a presena do perito,
quando a relao com esse trabalho se torna complexa. As legislaes de trnsito, enquanto
instituio que regulamentou e ainda regulamenta o trabalho do psiclogo, referendaram e
contriburam na complexidade da relao que o psiclogo teria com seu trabalho. Para Cruz e
col. (2003), nas origens do ofcio de avaliar fenmenos e processos psicolgicos h
conhecimentos tericos, metodolgicos e de procedimentos, o que caracteriza uma
especializao, porm esse ofcio no definido somente por aqueles que o praticam, mas
tambm por instituies que estabelecem as bases legais para o psiclogo perito atuar na
avaliao das condies psicolgicas para dirigir.
Nesse contexto, instituem-se legalmente os psiclogos peritos como classe-que-vive-
do-trabalho, expresso definida por Antunes (2002),6 a qual engloba tambm os trabalhadores
improdutivos, aqueles que vendem sua capacidade de trabalho e no produzem um valor de
troca, mas geram um valor de uso, cuja forma de trabalho utilizada como servio para uso
pblico ou no. Assim, os psiclogos peritos so trabalhadores credenciados ou concursados
que executam um servio especializado, vinculado ao rgo executivo de trnsito, DETRAN,
e interagem com essa estrutura normativa por meio de um processo institudo. De acordo com
Lapassade (1983), instituies so grupos sociais oficiais num sistema de regras que
determinam e regulam a vida e o funcionamento desses grupos. Para Bastos e col. (2004, p.
76), toda instituio compreende um movimento que gera o instituinte, um resultado, o
institudo, e um processo, a institucionalizao.
Como decorrncia dessa relao com um trabalho permeado por normas institudas, os
psiclogos peritos construram um fazer que se encontra, segundo Antunes (2002), numa
6 Antunes (2002) defende uma noo ampliada da idia de Karl Marx de classe trabalhadora. Para Antunes, a
classe que vive do trabalho uma expresso que procura captar e englobar a totalidade dos assalariados os quais vivem da venda da sua fora de trabalho, incluindo aqueles trabalhadores do setor de servios, que cada vez mais se submetem racionalidade do capital.
21
condio de estranhamento7 em relao ao que se produz e para quem se produz. Os
psiclogos peritos, ao que parece, no se percebem como trabalhadores realizando atividades
dotadas de algum valor social para si e para os outros, o que demonstra uma negao do
trabalho. Isso, porm, no diretamente acessvel observao daqueles que vivem essa
relao com o trabalho, mas percebida na forma como ele foi realizado, historicamente
denominado de Psicotcnico.
2.1 INSERO E CONSOLIDAO DO TRABALHO DO PSICLOGO NAS
ORGANIZAES DE TRNSITO
Inicialmente, foram os profissionais da rea mdica que averiguaram as condies
psicolgicas e no os psiclogos, tendo em vista que ainda no existia legalmente a profisso
de psiclogo no Pas. Segundo Hoffmann (1995), antes da institucionalizao das normas de
trnsito sobre a implementao do exame psicolgico, j havia a meno em algumas dessas
normatizaes da necessidade de o mdico averiguar as dimenses psicolgicas dos
condutores de veculos automotores. No incio das primeiras legislaes, cada estado
brasileiro regia suas prprias normas de trnsito. Como exemplo disso, de acordo com
Hoffmann (1995), pode ser citado o Estado de Santa Catarina, com o Decreto-Lei de 2/38, de
02 de fevereiro de 1938, promulgado pelo interventor em exerccio no Estado, Nereu Ramos,
que estabeleceu a necessidade de examinar as condies da sanidade fsica e mental dos
condutores, observando as deficincias visuais, surdez, afasia, dependncia de lcool,
distrbios da ateno e alterao da emotividade.
As autoridades brasileiras nos perodos subseqentes comearam a se interessar mais
pelos problemas humanos no trnsito, a partir do Decreto-Lei 3.651, de setembro de 1941, no
qual h determinaes mais especficas sobre a necessidade de se averiguar as condies
7 O autor adota o mesmo sentido de alienao.
22
fsicas e mentais dos futuros condutores, a fim de evitar os riscos para a atividade de dirigir.
No entanto, cabia exclusivamente ao mdico a responsabilidade do exame de sanidade fsica e
mental. Nesse exame, alm das condies fsicas do condutor, algumas dimenses
psicolgicas eram verificadas, como as alteraes emocionais e o uso de substncias como
lcool e drogas.
Apesar da constatao das organizaes de trnsito acerca da importncia de se avaliar
as condies mnimas do condutor nos seus aspectos fsicos e psicolgicos para dirigir, foi
somente em 1951 que os psiclogos comearam a avaliar os condutores por meio do exame
psicotcnico, como uma complementao do exame mdico, o que no configurava uma
obrigatoriedade na legislao vigente. Hoffmann (1995) esclarece que os avanos nas
legislaes de trnsito conferiram unicamente ao profissional de Psicologia a responsabilidade
para a realizao da avaliao psicolgica.
A criao do Instituto de Seleo e Orientao Profissional (ISOP), em 1947, no Rio
de Janeiro, marca uma nova etapa na consolidao da Psicologia Cientfica no Brasil. Trata-se
de uma significativa conquista para a profissionalizao do psiclogo no Pas, pois
possibilitou intervenes em diferentes contextos de trabalho, bem como fomentou a
construo de conhecimento sobre essas intervenes. Em 1951, o ISOP realizou os primeiros
exames fsicos e mentais dos condutores envolvidos com histria recente de acidentes. Nos
exames psicotcnicos feitos pelo ISOP, as condies psicolgicas eram avaliadas por meio de
entrevistas, provas de aptido e personalidade. A entrevista tinha como funo coletar
informaes sobre as condies familiares, ambientes de trabalho, entre outros. J as provas
de habilidades especficas visavam identificar qualidades psicolgicas consideradas
indispensveis aos condutores. Por ltimo, na avaliao da personalidade, fazia-se uso de
tcnicas expressivas grficas como Psicodiagnstico Miocintico PMK.8
8 Dados apresentados pela equipe do ISOP sobre os resultados dos exames psicotcnicos realizados no primeiro
semestre do ano de 1953.
23
A Resoluo do CONTRAN datada de 8 de junho de 1953 marca a obrigatoriedade,
em todo o Pas, do Exame Psicotcnico para habilitao dos condutores profissionais. O
primeiro modelo de exame psicolgico e as responsabilidades que os psiclogos teriam foram
institudos no Decreto 9.545, de 5/8/1946, do CTB, ratificado pela Resoluo 262, de
8/6/1953, que priorizava a avaliao de traos da personalidade, apreciao das velocidades e
das distncias, inibio retroativa e perseverana (resistncia monotonia), ateno difusa,
fadiga muscular, acuidade visual e noturna, resistncia ofuscao e tempo de reao aos
estmulos auditivos e visuais (HOFFMANN, 1995). A expresso exame psicotcnico
perdura at o presente como uma expresso emblemtica da atuao profissional do psiclogo
nesse campo, dada a nfase ao uso de testes para medir as aptides individuais.
Um aspecto relevante nesse perodo a publicao dos Arquivos Brasileiros de
Psicotcnica, com a veiculao de dados estatsticos e reflexes tericas sobre as
caractersticas do exame psicotcnico de motoristas (CAMPOS, 1951; VIEIRA e col., 1953),
a seleo no psicotcnico e a preveno de acidentes de trnsito (NAVA, 1959), colaborao
da seleo mdica e do psicotcnico na preveno de acidentes de trnsito (CORTS, 1952),
tipos de testes usados e as diferenas individuais no desempenho (ANTIPOFF, 1956), entre
outras publicaes. O conjunto dessa produo cientfica refletir na constituio da
Psicologia do Trnsito no Pas, que, segundo Rozestraten (2003), se originou do estudo do
acidente de trnsito e ampliou seu interesse para avaliao dos fatores de riscos que levam aos
acidentes. A associao da pesquisa com a interveno auxiliou na consolidao da aplicao
de conhecimentos psicolgicos na rea do trnsito com o surgimento de especialistas na rea.
Hoffmann (1995) destaca como principais precursores da Psicologia do Trnsito: Roberto
Mange, Emilio Mira y Lopez, Alice Galland de Mira, Astolpho Amorim, Roberto Suchaneck,
Jos Nava, Alfredo Oliveira Pereira, Jos Silveira Pontual e Suzana Ezequiel.
24
Segundo Hoffmann (1995), Mira y Lopez foi quem influenciou diretamente o modelo
brasileiro para avaliar as dimenses psicolgicas associadas ao trnsito, trazendo a
experincia do trabalho que desenvolvia na Espanha. O Psicodiagnstico Miocintico (PMK),
criado por Mira y Lopes, um teste de expresso grfica que tem como objetivo analisar
caractersticas de personalidade, por meio do movimento expressivo de alguns traados
grficos de figuras simples, realizados pelo sujeito, sem controle visual da operao e com
ambas as mos. O resultado do trabalho desses traados grficos (lineogramas paralelas,
ziguezagues, escadas, crculos e cadeias) analisado e, com isso, aspectos especficos da
personalidade so avaliados, como as reaes e tendncias de atitudes, grau de agressividade,
depresso, excitao ou inibio, ansiedade ou apatia, existncia de situaes de conflitos e
patologias. Permite, ainda, examinar caractersticas psicomotoras e o nvel de inteligncia
(HOFFMANN, 1995). A partir de 1954, Efraim Rojas Boccalandro contribuiu com a pesquisa
de escalas de percentis, de testes como PMK, e com a criao, anos mais tarde, de testes
psicolgicos como o AC-15, Teste de Ateno Concentrada. Com o objetivo de avaliar a
inteligncia geral e os Testes No-Verbais de Inteligncia, cria ainda os testes psicolgicos G-
36 e G-38. So testes psicolgicos de procedncia nacional, sendo que os dois ltimos foram
construdos tendo como base o teste Matrizes Progressivas de Raven (ALCHIERI; CRUZ,
2003). Esses testes psicolgicos continuam em uso na atividade do psiclogo perito, embora
se mantenha a carncia na produo de tecnologia nacional para a rea, em descompasso com
as peculiaridades e necessidades culturais brasileiras.
Com o desenvolvimento da psicologia cientfica nacional nesse perodo e o interesse
dos pesquisadores que atuavam na atividade de estudar determinados fenmenos psicolgicos
no Exame Psicotcnico, surgem trabalhos sobre aspectos psicofisiolgicos como ateno,
percepo, tempo de reao, memria, avaliao das velocidades e distncias, traos de
personalidade relacionados ao tipo de testes e aparelhagem para medir esses fenmenos
25
psicolgicos. Nessa fase da atuao dos psiclogos na avaliao das condies psicolgicas
para dirigir, destaca-se o modelo tradicional de examinar habilidades e aptides especficas,
quando no se priorizavam os aspectos cognitivos do condutor, nem a sua relao com o
ambiente trnsito. No estudo realizado por Antipoff (1956) so caracterizados os objetivos e
as condies de pesquisa com 110 (cento e dez) participantes entre 18 (dezoito) e 50
(cinqenta) anos, para observar os efeitos do cansao na aprendizagem associados ao uso do
aparelho de Ateno Difusa de Lahy. Esse estudo foi produzido pelo Gabinete de Psicotcnica
da Superintendncia Estadual do Trnsito, vinculado ao DETRAN de Minas Gerais.
importante ressaltar a produo de conhecimento e o pioneirismo desse Estado, segundo Cruz
e Hoffmann (2003), em organizar e sistematizar um servio de Psicologia na rea de avaliao
de motoristas na produo de pesquisas que serviram como modelo de atuao dos
profissionais de psicologia vinculados aos DETRANS de outros estados brasileiros. A
publicao da Revista do Gabinete de Psicotcnica em Trnsito tambm foi responsabilidade
desse referido rgo de trnsito.
Um fato importante ainda identificado no perodo, nas publicaes da dcada de 1950,
foram os questionamentos sobre os fatores determinantes para serem avaliados na atividade
de dirigir (CAMPOS, 1951; CRTES, 1952). Em Vieira e col. (1953), descrito o modelo de
Exame Psicotcnico realizado no Distrito Federal, cujo estudo identifica a caracterizao de
alguns aspectos do processo de trabalho do psiclogo, como instrumentos e procedimentos
usados, o percentual de exames realizados e a indicao da aptido e inaptido para dirigir
associadas ao instrumento de medida, obtidos na avaliao dos motoristas profissionais.
Tambm so ressaltadas as conseqncias da tomada de deciso do psiclogo ao definir o
apto sofrvel e o inapto para segurana viria do trnsito, bem como para o motorista avaliado
e as decorrncias sociais do impedimento do exerccio da profisso de motorista.
26
Cabe enfatizar que os anos de 1950 foram marcados por intensa luta dos psiclogos
para regulamentar a profisso e o processo formativo no Brasil. O empenho visto na produo
de conhecimento no incio desse campo de atuao dos psiclogos do trnsito s veio se
manifestar anos mais tarde, quando a Psicologia, os profissionais e os pesquisadores
ampliaram suas preocupaes sociais sobre o fator humano nos acidentes de trnsito. Isso
resultou num amadurecimento das administraes pblicas federais e estaduais, no s para a
segurana viria, mas tambm para o comportamento dos participantes do sistema trnsito.
2.2 UMA ATIVIDADE PROFISSIONAL REGULADA POR RESOLUES
Quando houve a regulamentao da profisso de psiclogo no Pas no incio da dcada
de 1960, os psiclogos que atuavam na avaliao das condies psicolgicas para dirigir j
contavam com uma tradio de mais de uma dcada na aplicao do conhecimento da
Psicologia no Trnsito. Isso coincide com a legislao de trnsito brasileira de 1962, que
prev a obrigatoriedade, em nvel nacional, da avaliao psicolgica para pessoas que
queiram obter, junto aos Departamentos de Trnsito dos Estados e do Distrito Federal, a
permisso para dirigir. Decorre desse modelo brasileiro uma perspectiva de avaliar, segundo
Hoffmann (1995), as dimenses psicolgicas como a personalidade, as aptides percepto-
motoras, reacionais e o nvel mental. De acordo com Hoffmann (1995) e Alchieri e Stroeher
(2002), em 1966, pela Lei do CONTRAN, de 21/09/66, as dimenses psicolgicas foram
ampliadas para identificao dos traos de personalidade como agressividade e instabilidade
emocional, nvel mental, acuidade visual e auditiva, percepo de profundidade e da forma,
coordenao bimanual e resistncia ofuscao.
A definio dos objetivos que seriam priorizados no processo de trabalho do
psiclogo, que avaliar as dimenses psicolgicas para dirigir, desde o incio da
27
regulamentao da obrigatoriedade do Exame Psicolgico no Pas, foi orientada por
resolues que restringiam ou ampliavam o exame dessas dimenses, mas no se detinham,
ao que parece, em definir como deveria ser feito. Isso refletiu na amplitude do tipo de
instrumentos e procedimentos utilizados pelos profissionais de psicologia at o momento
presente. Conhecer o processo de trabalho dos psiclogos peritos permite identificar os tipos
de procedimentos considerados adequados a serem aplicados e os instrumentos
freqentemente utilizados por esse profissional na avaliao das condies psicolgicas para
dirigir.
Na dcada de 1970, por meio da Resoluo 449, de 17/02/1972, a prioridade
continuou sendo os traos de personalidade, nvel mental, ateno e coordenao bimanual.
Nesse perodo, um fato importante para a organizao dos psiclogos como categoria
profissional foi a criao dos rgos de representao, como o Conselho Federal de Psicologia
(CFP) e os Conselhos Regionais de Psicologia (CRP) em 1971. Para Hoffmann (1995), a
criao CFP e do CRP determinou o controle e a observao da tica na atividade de avaliar
motoristas. Ainda segundo Hoffmann (1995), tambm nesse perodo d-se a importncia da
aprovao permanente da permisso para dirigir por meio da Lei 6.731/79, que regula uma
nova periodicidade para os exames mdicos e psicolgicos na obteno da habitao da
Carteira Nacional de Habilitao (CNH). Com a idade mnima de 18 anos, o candidato
examinado pela equipe de mdico e de psiclogo (quando habilitado) retornava ao exame
somente aos 40 anos, quando era retirada a obrigao da sua avaliao psicolgica para a
renovao da CNH.
A produo de conhecimento decresce, mantendo-se como caracterstica as produes
cientficas isoladas, por exemplo, de Campos (1978a; 1978b), que analisam o fator humano e
os acidentes de trnsito, enfocando os recursos que a seleo dos motoristas oferece reduo
dos acidentes, bem como quais so os requisitos necessrios para dirigir. O interesse dos
28
psiclogos mostra-se voltado ao exerccio profissional das intervenes. J os
questionamentos tcnicos de no estar respondendo a demandas especficas da sociedade iro
se manifestar uma dcada depois.
Nos anos 1980, a Resoluo 584/1981 definiu algumas alteraes para avaliar as
condies psicolgicas para dirigir, sendo includos os transtornos psicopatolgicos. Os traos
de personalidade continuam a ter destaque (agressividade, instabilidade emocional), alm da
ateno difusa, aptides percepto-motoras, avaliao da dependncia e interdependncia de
campo. So priorizados, ainda nessa Resoluo, aspectos cognitivos, tomada de deciso e os
trs tipos de ateno (concentrada, difusa e distribuda) como processos psicolgicos
importantes a serem avaliados. Houve tambm uma importante alterao, a incluso da
entrevista como um procedimento obrigatrio na avaliao.
Para Hoffmann (2000), superado o modelo tradicional das habilidades pelos modelos
cognitivo-comportamentais ou motivacionais e apoiados no processo de tomada de deciso, a
atividade de dirigir concebida como uma complexa interao entre os elementos do sistema
trnsito: motorista, via, veculos, normas e ambiente. Entre esses, as dificuldades de interao
podem levar a um acidente de menor ou maior gravidade.
O ano de 1987 marcado por fatos importantes para os psiclogos peritos. A
aprovao da Resoluo 670 (14/09/87), do CONTRAN, atende a algumas reivindicaes
sobre as condies tcnicas em que estavam sendo realizadas as atividades. Foi tambm
relevante para o desenvolvimento da Psicologia do Trnsito a aprovao dessa Resoluo,
pois definiu a necessidade de investir na formao do condutor para o convvio social com os
demais participantes do sistema trnsito. Ainda tornou possvel a ampliao da interveno
dos psiclogos na formao de atitudes adequadas dos motoristas, principalmente no aspecto
educacional, regulamentou a avaliao psicolgica para os condutores que transportam
29
pessoas e cargas perigosas e introduziu uma nova avaliao para condutores envolvidos em
acidentes de trnsito, independente da culpa judicial estabelecida.
Com a Resoluo 670, os mdicos e os psiclogos ficam autorizados a fixar prazos
mais curtos para renovao dos exames dos motoristas avaliados (HOFFMANN, 1995), e o
setor de psicologia dos rgos de trnsito, DETRAN, ganha autonomia, no mais subordinado
rea mdica, o que possibilitou para os psiclogos seu espao de atuao.
No final da dcada de 1980, surgem necessidades de implementar polticas de sade e
educao voltadas para as questes do trnsito anteriormente discutidas e regulamentadas na
legislao de 1987, priorizando a viso humanizada sobre os problemas de trnsito no Pas, o
que ps em debate a forma de atuar do psiclogo perito. Cruz e Hoffmann (2003) destacam
dois outros fatores importantes desse perodo: a sensibilidade da sociedade brasileira e das
administraes pblicas para avaliar o fator humano nos acidentes de trnsito, e a mobilizao
mais expressiva dos psiclogos vinculados aos DETRANs, para assumir o papel de
profissionais responsveis pela segurana viria no Pas.
Em 1998, um novo Cdigo de Trnsito Brasileiro promulgado. No CTB de 1998, o
Anexo II da Resoluo n 80/98 do Conselho Nacional de Trnsito, CONTRAN, designa o
profissional de psicologia como Perito Examinador de Trnsito. Passam a ser
responsabilidades ou atividades desse profissional avaliar candidatos obteno, mudana de
categoria da CNH e renovao de exames dos motoristas profissionais que atuam no
transporte de bens e pessoas, aferindo psicometricamente as caractersticas psicolgicas da
rea percepto-reacional e motora, rea do equilbrio psquico e habilidades especficas.
Manteve-se, ainda, a avaliao psicolgica do infrator contumaz e envolvido com vtimas,
bem como a anlise das situaes de risco, visando orientao para sua mudana de conduta.
Para o exerccio profissional dessa atividade, exige-se, alm da graduao em
Psicologia, experincia de um ano em avaliao psicolgica, estar com o registro de psiclogo
30
atualizado no Conselho Federal e Regional de Psicologia e ter o curso de Capacitao de
Psiclogo Perito Examinador de Trnsito Responsvel pela Avaliao Psicolgica. Trata-se
de normas previstas no Anexo II da Resoluo n. 80/98 do CONTRAN que constituem
requisitos para o credenciamento desse profissional, fato que tambm prev o credenciamento
de entidades pblicas ou privadas para a realizao dessa atividade, conforme o que rege o art.
148 do Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB). Fato novo que consta na Resoluo n 80/98 do
CONTRAN, implementado em 1999, o curso de Capacitao de Psiclogo Perito
Examinador de Trnsito Responsvel pela Avaliao Psicolgica, de 120 horas, realizado por
Instituio de Ensino Superior (IES) e reconhecido pelo MEC. Tambm exigida nessa
mesma Resoluo a capacitao contnua do psiclogo perito em conhecimentos relacionados
avaliao das condies psicolgicas para dirigir.
O novo Cdigo de Trnsito Brasileiro, segundo Hoffmann e Cruz (2003), faz
referncia s questes vinculadas circulao humana. Uma dessas questes a educao
para o trnsito, fato que refora o compromisso social e poltico de todos os cidados
brasileiros, foca a educao tico-social na democratizao do direito de uso do espao no
trnsito por todos e integra o homem, o meio ambiente e a realidade social em que est
inserido. As idias explicitadas no CTB de 1998 sobre essa nova viso social do trnsito
permitiram a criao de um espao importante para os psiclogos atuarem, o que possibilita
mudanas sociais e tcnicas no exerccio profissional junto sociedade. Entretanto, somente
em setembro de 2004 que essas idias foram definidas como polticas pblicas de trnsito.
Foi tambm na dcada de 1990, com a ameaa de extino (fato que tambm
aconteceu no final do ano de 1979) desse campo de atuao profissional, no veto presidencial
antes da promulgao do Cdigo de Trnsito Brasileiro, em 1997, que houve, de forma mais
pontual, a interveno do Conselho Federal de Psicologia, no CONTRAN, para os interesses
dos profissionais de Psicologia. Fato importante tanto para a conscientizao dos psiclogos e
31
seus respectivos rgos representativos sobre a necessidade de defesa desse espao de atuao
profissional, quanto para a demarcao da necessidade de uma cincia psicolgica como
campo de conhecimento a servio das necessidades sociais, sobre as quais se assenta a
averiguao das condies psicolgicas para dirigir.
O Conselho Federal e os Regionais de Psicologia, a partir do final dos anos 90,
apresentaram um envolvimento mais expressivo em relao s questes de responsabilidades
tcnicas e sociais da Psicologia sobre polticas pblicas de sade, educao e segurana,
associadas circulao humana e, principalmente, qualidade da interveno dos
profissionais que atuam na avaliao das condies psicolgicas para dirigir. Segundo
Hoffmann e Cruz (2003), houve, na poca, a criao de comisses especficas no Conselho
Federal e Regional sobre a avaliao psicolgica de trnsito, o que permitiu a ampliao das
discusses, deliberaes e normatizaes existentes acerca dessa especialidade de atuao no
Pas.
Para suprir uma lacuna na produo de conhecimento relacionado aos procedimentos e
critrios para avaliar as condies psicolgicas para dirigir e a necessidade de normatizar essa
atividade desenvolvida pelos psiclogos peritos no DETRAN, o Conselho Federal de
Psicologia (Resoluo do CFP n 012/2000) criou o Manual para Avaliao Psicolgica a
Candidatos Carteira Nacional de Habilitao. A produo desse manual est vinculada s
discusses realizadas pela Cmara Interinstitucional de Avaliao Psicolgica no perodo de
1997 a 1999, a qual ficou incumbida de definir diretrizes mais precisas para essa atividade. A
Resoluo do CFP teve como intuito fazer cumprir o Anexo II da Resoluo n 80/98 do
CONTRAN, que atribuiu aos Conselhos Regionais de Psicologia a responsabilidade pela
verificao do cumprimento do Cdigo de tica Profissional e das demais normas referentes
ao exerccio profissional.
32
Nesse manual est disposto o perfil desejvel do candidato obteno da CNH e dos
condutores de veculos automotores, instrumentos de avaliao psicolgica, condies do
aplicador, condies da aplicao dos instrumentos de avaliao psicolgica, material
utilizado, mensurao, avaliao e elaborao dos laudos psicolgicos. A aprovao do
Manual para Avaliao Psicolgica de Candidatos Carteira Nacional de Habilitao foi
relevante, um esforo na atualizao e uniformizao dos procedimentos presentes no
processo de trabalho dos profissionais de psicologia que atuam na avaliao das condies
psicolgicas para dirigir.
2.3 CARACTERSTICAS DA PRODUO DO CONHECIMENTO EM PSICOLOGIA DO
TRNSITO A PARTIR DA DCADA DE 1980
Na dcada de 1980, alm das mudanas nas resolues que incidiram positivamente
no processo de trabalho dos psiclogos peritos, pois definiram e ampliaram o modelo do
exame psicolgico anteriormente adotado, houve uma intensificao da produo de
conhecimento da Psicologia do Trnsito, embora marcada por oscilaes ao longo do tempo.
Verifica-se tal expanso do conhecimento e da pesquisa cientfica nessa fase por meio de:
1) Aes interdisciplinares dos profissionais das cincias do trnsito (educao,
engenharia de trfego, medicina e fiscalizao), com destaque especial para a Psicologia, cujo
objeto de estudo e interveno o comportamento humano no trnsito;
2) Enfoque de artigos cientficos relacionados abrangncia do campo de estudo e
intervenes da Psicologia do Trnsito e, conseqentemente, das possibilidades de atuao
dos profissionais de psicologia nesse campo de atuao;
3) Discusses sobre a necessidade de o psiclogo atuar de forma interdisciplinar com
outras reas de conhecimento;
33
4) Estudos sobre instrumentos de medidas para avaliar traos de personalidade,
cognio, ateno e percepo, dependncia-independncia do campo no comportamento do
motorista; e
5) Estudos voltados ao comportamento humano no trnsito, como lidar com normas,
motivaes, e papel dos participantes no trnsito.
Consultando as bases de dados, em relao produo de conhecimento cientfico a
partir do ano de 1981 sobre a atuao dos psiclogos peritos no Brasil, percebe-se a amplitude
de temas relacionados construo do conhecimento da Psicologia do Trnsito. O material
encontrado, em relao a esse perodo, foi acessado nas seguintes bases de dados: a) SCIELO
(Scientific Electronic Library online), que rene todas as reas de conhecimento cientfico no
Brasil; b) INDEX PSI peridicos, que surgiu em 1998 pelo convnio entre o Conselho Federal
de Psicologia e a PUC de Campinas, cujo objetivo indexar a literatura publicada em
peridicos brasileiros em Psicologia e reas afins. A partir de maro de 2001 o processo de
atualizao tornou-se responsabilidade da rede brasileira de biblioteca da rea de Psicologia,
que tambm abrange a atualizao da base da Literatura Latino Americana e do Caribe em
Cincias da Sade no que se refere literatura psicolgica (LILACS); c) Banco de Teses da
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), onde so
publicadas teses e dissertaes. Nas buscas realizadas especificadamente na base de dados
INDEX PSI, foi possvel identificar um conjunto de estudos realizados h mais de vinte anos,
destacando como palavras-chave psicologia e trnsito.
No quadro 1, esto reunidos estudos sobre dimenses psicolgicas avaliadas pelos
profissionais de psicologia, como estilo de percepo, a dependncia-independncia do campo
no comportamento do motorista e padronizao de um simulador para avaliar uma amostra
brasileira por meio de reaes cor e medio dos erros em operar manobras de freio,
embreagem e acelerao.
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Quadro 1: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre dimenses psicolgicas como percepo, dependncia-independncia de campo, envolvidos na atividade de dirigir e padronizao de um simulador (1981 a 1984).
Fonte Caractersticas do estudo ROZESTRATEN, Renier, J. A. Estilo perceptivo e acidentes de trnsito. Arquivo Brasileiro de Psicologia, 33(3): 3-19, jul. /set. 1981. ROZESTRATEN, Renier, J. A. A dependncia-independncia do campo e o comportamento do motorista em situaes especficas do trnsito. Arquivo Brasileiro de Psicologia, 2(34): 28-43, abr. /jun. 1982. NEBOIT, M. O papel da antecipao perceptiva na direo de veculos. Psicologia e Trnsito, 1: 24-51, ago. 1983. EQUIPE TCNICA DO NCLEO DE PESQUISA EM PSICOLOGIA DO TRNSITO, DETRAN-Curitiba-PR. Padronizao de um teste de simulao para motoristas em uma nova amostra brasileira. Psicologia e Trnsito, 2(1): 43-52 jul.1984. ROZESTRATEN, Renier, J. A; POTTIER, A. Estudo comparativo das diversas medidas da dependncia-independncia do campo e sua relao com a percepo de situaes de trnsito. Psicologia e Trnsito, 2(1): 57-66, jul. 1984.
Apresentao de um estudo sobre a teoria de dependncia-independncia do campo de Witkin, reviso da literatura sobre dependncia e independncia do campo em relao a tempo de reao perceptivo-motora, ateno seletiva auditiva e a correlao da freqncia dos acidentes de trnsito. Apresentao de estudos sobre o comportamento dos motoristas quanto aos aspectos perceptivos que podem contribuir para os acidentes de trnsito, considerando a dependncia e independncia do campo. Reviso da literatura sobre as atividades de previso durante a conduo de um veculo quanto a sua relao com as atividades perceptivas visuais. Padronizao de simulador japons TKK Aptude Tester for automobile drivers, da TAKEI. Esse estudo definiu como fatores pesquisados a capacidade dos sujeitos de obedecer ao controle do p direito no acelerador com uma presso mdia e obedecer a sinais luminosos no momento de executar manobras nos pedais de freio, acelerao e embreagem. Fizeram parte desse estudo 535 sujeitos. Estudo de correlao sobre tipos de medidas psicolgicas do estilo perceptivo de dependncia-independncia do campo. Nesse estudo foi aplicado o teste Group Embedded Figures Test (GEFT), Rod-and-frame Test classico (RFTc), Rod-and Frame Porttil (RFTp), Three Dimensional Embedded Figures Test (3D-EFT) e um teste taquistoscpio de projeo de cenas de trnsito. A amostra foi de 56 sujeitos.
Fonte: Index Psi.
As publicaes listadas no quadro 2 tm como nfase as discusses sobre a
necessidade de atuar de forma interdisciplinar com outras reas de conhecimento para lidar
com a complexidade dos fenmenos do trnsito. Vale lembrar que, na poca e atualmente, os
modelos de atuao profissional de psiclogos em outros pases so referncias para avaliar o
modelo de interveno priorizado no Brasil.
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Quadro 2: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre a abrangncia do campo de estudos da Psicologia do Trnsito no Brasil e em outros pases (1983 a 1986).
Fonte Caractersticas do estudo ROZESTRATEN, Renier J, A. A Psicologia do trnsito: sua definio e rea de ao. Psicologia e Trnsito, 1:6-19 ago, 1983. ROZESTRATEN, Renier J. A. A contribuio do Dr. Michel Neboit Psicologia do Trnsito no Brasil. Psicologia e Trnsito, 2(1): 33-38 jul de 1984. SOLER, Jos. Psicologia y Seguridade Vela. Psicologia e Trnsito, 1(2): 7 -12 jul de 1984. ROZESTRATEN, Renier J. A..A relao da Psicologia do Trnsito com outras reas da Psicologia. Psicologia e Trnsito, 1(2): 53-64 jul de 1985. ROZESTRATEN, Renier J. A. O exame psicolgico para motoristas em alguns pases fora do Brasil. Psicologia e Trnsito, 2 (2): 67-7 ago, 1985. SPAGNHOL, Jane Maria. A Psicologia do trnsito no Brasil: desenvolvimento e perspectivas. Psicologia e Trnsito, 2 (2) 7-10 ago de 1985. SOLER, Jose. El studio Del factor humano em la conduccion, um tema de investigacion em Alza. Psicologia e Trnsito, 2 (2): 36-61 ago de 1985. ANON. Psicologia do Trnsito. Psicologia: cincia e profisso, 2 (6) : 18-28 de 1986.
Discusso sobre acidentes de trnsito e os fatores humanos envolvidos, ressaltando a relao da Psicologia do Trnsito com outras reas da Psicologia. Resumo no disponvel Apresentao de aspectos histricos da Psicologia do Trnsito na Espanha, a partir de anlise das publicaes na rea. Discusso sobre contribuies que as diversas reas da Psicologia oferecem Psicologia do Trnsito. Resumo no disponvel. Resumo no disponvel. Apresentao da produtividade na rea de Psicologia do Trnsito, os principais pesquisadores e centros de estudos de diversos pases. Resumo no disponvel.
Fonte: Index Psi.
Cabe destacar, a partir desse perodo, a influncia das idias do professor e
pesquisador Doutor Renier Rozestraten e sua presena ativa na publicao cientfica em
peridicos nacionais, como na revista especfica da rea (Psicologia e Trnsito), vinculada
Universidade de Uberlndia (MG), que existiu por uma dcada, mas deixou de ser editada por
mais de 20 anos.9 A veiculao desse peridico registra um fato importante para o
crescimento cientfico da Psicologia do Trnsito, assim como a contribuio do Dr.
Rozestraten foi fundamental consolidao da Psicologia do Trnsito como rea do
9 A Revista Psicologia e Trnsito voltou a ser editada em 2005, com a denominao Psicologia: Pesquisa &
Trnsito, e a veiculao do primeiro nmero ocorreu no segundo semestre.
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conhecimento psicolgico. Sem dvida, ambos contriburam com a realizao e a divulgao
de pesquisas cientficas no Brasil, cujos temas abordavam o comportamento humano no
trnsito, segurana viria e educao no trnsito.
No quadro 3, esto os estudos com nfase nos instrumentos de medidas usados pelos
psiclogos, como Psicodiagnstico Miocintico (PMK), Matrizes Progressivas de Raven e
Teste de Inteligncia no-Verbal (INV), cujo objetivo medir o nvel de inteligncia. Os
estudos que tm este instrumental priorizam a anlise dos aspectos cognitivos na atividade de
dirigir, utilizando instrumentos de medida do nvel mental relacionados Teoria de J. Piaget.
Nos estudos sobre o PMK, possvel perceber um interesse em correlacionar o
desempenho no teste com caractersticas de personalidade de motoristas profissionais que tm
histrico de acidentes de trnsito. No entanto, apesar da caracterstica identificada nessa
pesquisa, os estudos disponveis nas bases de dados da produo cientfica da dcada de 1980
demonstram iniciativas para pesquisa de instrumentos de medida antigos na prtica
profissional do psiclogo na avaliao psicolgica. Mesmo com a intensa produo cientfica
da poca, houve pouca preocupao para investir na criao e na pesquisa de instrumentos
autctones para esse campo de atuao profissional.
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Quadro 3: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre instrumentos de medidas utilizados para examinar caractersticas de personalidade e processos cognitivos na atividade de dirigir (1983 a 1985)
Fonte Caractersticas do estudo ANDRADE, A. S. Investigao sobre as caractersticas intelectuais dos motoristas de transporte coletivo intermunicipal e interestadual por meio do Teste das Matrizes Progressivas de Raven. Psicologia e Trnsito, 1: 52-59, ago. 1983. BOCALANDRO, N. E. R. O valor diagnstico do PMK para deteco de motoristas profissionais acidentados. Psicologia e Trnsito, 1: 20-23, ago. 1983. MIRA, A. M. G. Critrios para qualificar um candidato a motorista psicologicamente inapto pelo teste PMK. Psicologia e Trnsito, 2(1): 53-56, jul. 1984. MIRA, A. M. G. Resultado das pesquisas realizadas com o PMK em motoristas pluriacidentados e no-pauciacidentados. Psicologia e Trnsito, 2(1): 23-32, jul. 1984. ANDRADE, A. dos Santos. Introduo quantitativa da inteligncia de motoristas de coletivos baseada na teoria de J. Piaget por meio do teste INV: verificao emprica e reviso do modelo proposto por E. Nick. Psicologia e Trnsito, 1(2): 31-52, jul. 1985.
Relato de investigao sobre as caractersticas intelectuais, utilizando o Teste das Matrizes Progressivas de Raven, com base na Teoria de Jean Piaget. Anlise de dados obtidos nos traados lineogramas e ziguezagues em motoristas pluriacidentados de coletivos em Paris (mdia de 10 acidentes por ano) em um grupo de controle (mdia de 2 acidentes por ano). Critrios na anlise qualitativa e quantitativa do teste PMK, alm dos dados pessoais extrnsecos ao teste. Bibliografia sobre estudos do PMK em motoristas pluriacidentados e no-pauciacidentados. Modelo de anlise qualitativa da inteligncia, utilizando o Teste de inteligncia no-verbal (INV-C), com base na teoria de J. Piaget, desenvolvido por E. Nick.
Fonte: Scielo, Index Psi.
O quadro 4 mostra os estudos com nfase na convivncia do motorista com as normas
e o uso de equipamentos de segurana, como cinto de segurana, enfocando a relao do
comportamento humano no trnsito e as regras. Os estudos disponveis demonstram um
interesse em estudar aspectos da relao do homem comportando-se de forma dinmica com o
ambiente trnsito, do qual fazem parte a via, os outros motoristas e o conjunto de normas
(leis). Esse contexto remete idia de interao e da necessidade da interao adequada no
ambiente trnsito.
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Quadro 4: Sntese de estudos em peridicos brasileiros sobre comportamento humano no trnsito (1983 a 1985). Fonte Caractersticas do estudo
ALMEIDA, A. R.; PEREIRA, C. A.; SILVA, E. O. Desobedincia ao sinal vermelho: uma observao naturalstica em Uberlndia.Psicologia e Trnsito, 2(1): 33-36, jul. 1984. HOERBERT, N.A. S.; LIMA, M. P.; BIASI, N.; SILVA, R.M.F.; OLIVEIRA, M.; HOEBERT, G. A. M. Desobedincia sinalizao: observao do comportamento dos indivduos em quatro tipos de veculos em diferentes situaes de trnsito. Psicologia e Trnsito, 1(2): 25-30, jul. 1985. BATISTA, C. C.Estudo observacional das relaes comportamentais/ambiente no trnsito. Psicologia e Trnsito, 1(2): 19-24, jul. 1985. WILDE, G.J.S.Mtodos para promover segurana no trnsito e uso do cinto de segurana. Psicologia e Trnsito, 1(2): 13-18, jul. 1985. NATALI, M. Violncia no trnsito urbano: formas de controle. Psicologia e Trnsito, 2(2): 63-65, ago. 1985. TORTOSA, F.; SOLER, Jos. Conduction y fatores motivacionais. Psicologia e Trnsito, 2(2): 11-27, ago. 1985.
Pesquisa de campo sobre a desobedincia de motoristas ao sinal vermelho na cidade de Uberlndia. A amostra foi de 99 motoristas infratores. Observao do comportamento dos indivduos em diferentes situaes de trnsito quanto obedincia e desobedincia sinalizao. Pesquisa realizada com 2.795 sujeitos. Estudo sobre ciclistas, motoristas de nibus e de carro, motociclistas na cidade de Uberlndia. Estudo do fenmeno trnsito e sua dimenso psicolgica, envolvendo relaes dinmicas entre comportamento e ambiente. Relao de aspectos referentes aos problemas de segurana no trnsito. Anlise de alguns fatores motivacionais na conduo e do papel do motorista como receptor dos aspectos sensoriais e controlador das vias e dos veculos.
Fonte: Scielo, Index Psi.
Nota-se que as publicaes nessa fase revelam um movimento em direo
redefinio da Psicologia do Trnsito no pas e reforam a necessidade de se repensar a
restrio do exerccio profissional do psiclogo brasileiro e o modo de atuao nesse campo,
que elegeu a avaliao das condies psicolgicas para dirigir como sua atividade principal.
Observa-se que os resultados das pesquisas divulgadas nas publicaes cientficas
nacionalmente no registram mudanas expressivas no processo de trabalho do psiclogo.
Fato marcante na dcada de 1980 foi a criao de espaos de discusso como os
congressos cientficos para divulgao dos resultados de estudos sobre fenmenos de interesse
da Psicologia do Trnsito, o intercmbio entre os especialistas, o esforo de agregar estudos
interdisciplinares sobre o comportamento humano no trnsito, a interface de distintas reas de
conhecimento sobre o trnsito. Entretanto, isso parece no ter ocasionado modificaes
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expressivas na atividade do psiclogo perito, que continuou a realizar seu processo de
trabalho nos moldes da Psicotcnica. A reduo da atividade profissional do psiclogo
avaliao das condies psicolgicas para dirigir, relacionado ao Psicotcnico, reforou, ao
longo do tempo, a imagem do psiclogo como um testlogo atuando como um tcnico,
cujos testes somente avaliam algumas habilidades e caractersticas pessoais do condutor, bem
como dificultou iniciativas de pensar o trnsito como um comportamento mais amplo, e no
somente associado obteno da Carteira Nacional de Habilitao (CNH).
Os eventos cientficos ento realizados foram referncias para discusses importantes
acerca do comportamento humano no trnsito. Hoffmann e Cruz (2003) pensam assim e citam
eventos cientficos relevantes desse perodo: 3 Congresso Brasileiro de Psicologia do
Trnsito (SP), em 1985; 1 Congresso Internacional de Segurana no Trnsito em Uberlndia
(MG); 5 Congresso Brasileiro de Psicologia do Trnsito e 1 Congresso de Educao e
Fiscalizao do Trnsito, realizado em Goinia em 1989. Ainda Hoffmann (1989), em artigo
que discorre sobre a realizao desse congresso, define que foi possvel constatar a realidade
nacional sobre a organizao dos servios para a obteno da Carteira Nacional de
Habilitao e conhecer tanto a grande diferenciao em termos do trabalho que os psiclogos
do trnsito executam nos diversos estados brasileiros, quanto a reduo desse trabalho
realizao da avaliao psicolgica para dirigir.
H, tambm nesse perodo, o envolvimento de empresas na educao e promoo da
construo da cidadania consciente no trnsito, como a Volvo do Brasil, que criou um
importante prmio: Volvo de Segurana no Trnsito. Essa premiao envolve trabalhos
nacionais e regionais que contribuem para a diminuio dos acidentes de trnsito no Pas.
Em 1988, o Dr. Renier J. Rozestraten, pesquisador atuante na construo e divulgao
do conhecimento cientfico da Psicologia do Trnsito, publica o livro Psicologia do trnsito:
conceitos e processos bsicos, uma importante obra que serviria de base para a Psicologia do
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Trnsito no pas como rea de conhecimento e para o trabalho dos psiclogos na avaliao das
condies psicolgicas para dirigir.
2.3.1 A dcada de 1990 e as oscilaes na produo cientfica sobre o comportamento no
trnsito
Os anos de 1990 marcaram uma dcada com baixa produo terica sobre os
fenmenos do trnsito e na oferta de eventos cientficos. Tal fato caracterizou-se por um
esvaziamento da mobilizao entre os psiclogos que atuavam nesse campo profissional e
tambm pela descontinuidade nas discusses acerca da temtica dos problemas de circulao
humana, desencadeadas na dcada anterior. Um fato preocupante, pois houve a diminuio de
pesquisas cientficas sobre o comportamento humano no trnsito num perodo em que
aumentou o interesse dos rgos normativos e representativos dos profissionais de psicologia
para qualificar o processo de trabalho dos psiclogos. Um episdio marcante dessa fase foi a
implementao do Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB) em 1998 e as normativas da
Resoluo no 080/98 do CONTRAN. oportuno questionar: em que bases cientficas se
sustentou tal qualificao profissional por esses rgos normativos?
Em contrapartida, como destaque de iniciativas isoladas que possam favorecer a
continuidade dessa mobilizao e divulgao do conhecimento, h a criao tanto da
Associao Nacional de Psicologia do Trnsito como do primeiro curso interdisciplinar de
trnsito na Universidade Catlica Dom Bosco, em Campo Grande (MS). Na produo
cientfica, no incio da dcada de 1990, registram-se as publicaes em peridicos nacionais
de Grisci (1992), que trata da relao entre os acidentes de trnsito e as variveis de
agressividade, atuao e culpa. No ano de 1995, a psicloga catarinense Maria Helena
Hoffmann, considerada uma das maiores especialistas no Brasil na rea de trnsito, conclui
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sua tese de doutorado sobre El modelo de evaluacin psiclogica de conductores: estdio
transcultural Espaa-Brasil. Tal estudo destaca as similaridades do modelo de avaliao
psicolgica para motoristas nos dois pases e tambm descreve cenrios de desenvolvimento
na rea da Psicologia do Trnsito no Brasil, bem como as caractersticas de atuao dos
psiclogos neste campo.
Entre as publicaes desse perodo da dcada de 1990, est o trabalho de Machado
(1996), a autora analisa a situao do trnsito sob o prisma da Psicologia Social. Enfatiza os
fenmenos que interferem no comportamento do homem no trnsito, como as caractersticas
da personalidade de condutores que apresentam dificuldades de respeitar leis e regras de
convivncia com os participantes no trnsito, bem como destaca a influncia das questes
culturais e crenas presentes na sociedade brasileira sobre o trnsito e o modo de dirigir. Em
1996, Rozestraten e Dotta publicam Os sinais de trnsito e o comportamento seguro, livro
que trata do sistema de comunicao no trnsito, relacionando os comportamentos que os
usurios e os motoristas precisam mostrar ao se depararem com o conjunto de sinais que
servem de orientao, para que os motoristas possam dirigir com segurana. No ano de 1996,
Hoffmann, Carbonell e Montoro relatam um estudo epidemiolgico sobre lcool e Segurana
Viria. Ainda em 1996, esses mesmos autores do continuidade a essa temtica com a
publicao do artigo lcool e segurana no trnsito: a infrao e sua preveno. Em 1997,
Hoffmann lana um artigo sobre a Histria da Escola de Trnsito do DETRAN/SC.
Foi somente no final da dcada de 1990 que as universidades assumiram de forma
mais expressiva o papel de gerar discusses acerca dos efeitos do comportamento humano no
trnsito, associando a necessidade de produzir conhecimentos e melhorar a formao dos
profissionais para atuar nas diversas cincias do trnsito. quando, de acordo com Hoffmann
e Cruz (2003), surgem ofertas de cursos de ps-graduao (lato sensu) em Trnsito,
Educao, Psicologia e Administrao. H, tambm, a insero de disciplinas optativas,
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segundo esses autores, nos currculos dos cursos de graduao em Psicologia na Universidade
do Vale do Itaja/SC, Universidade Catlica de Braslia/DF, Universidade Catlica Dom
Bosco/MS; Universidade de Estadual do Rio de Janeiro; e Universidade Federal de Santa
Catarina. Mas foram poucas as universidades que priorizaram essa temtica, prejudicando os
futuros profissionais de Psicologia e a sociedade, por no criarem um espao de formao
profissional na construo e divulgao de um saber voltado aos problemas do trnsito.
Aps uma fase de pouca pesquisa cientfica em alguns ambientes acadmicos, a
produo de conhecimentos sobre os di
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