REVISTA DO ITAÚ PERSONNALITÉ NO 28 | ANO 7 · dia de aula, com lancheira e mochila novas ...
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REVISTA DO ITAÚ PERSONNALITÉ NO 28 | ANO 7
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ANDRÉA BELTRÃO“Me sinto no primeiro
dia de aula, com lancheira
e mochila novas”
JEREMY MERCERTHIAGO BERNARDESBELA GIL
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EDITORIAL
A atriz Andréa Beltrão, capa desta nova edição da Revista Personnalité, em plena forma aos 51 anos, diz que se sente
uma criança no primeiro dia de aula, com lancheira e mochila no-vas. Ela conseguiu captar o espírito com que se atravessa as repor-tagens e perfi s que virão a seguir. A declaração de Andréa é também o lema que tinge, com mais do que tinta, cada uma das páginas de cada uma de nossas 28 edições: grandes experiências merecem ser vividas com intensidade.
Assim, abrimos as portas para mais uma série de histórias que permitem a você, leitor, a oportunidade de se emocionar, refl etir e, sobretudo, compartilhar momentos especiais. De um guia para conhecer algumas das mais fantásticas cidades do planeta montado em uma bicicleta a um punhado de lançamentos com a mais con-temporânea e preciosa música erudita nacional, reunimos persona-gens, trajetórias e destinos surpreendentes.
Deslocamos o repórter Daniel Setti para um desses destinos. No sul da França, o jornalista realizou uma entrevista reveladora com Jeremy Mercer, o escritor canadense que viveu por um semestre dentro da livraria mais famosa do mundo, a charmosa Shakespeare and Company, em Paris. Um tipo de experiência que transformou sua vida tanto quanto a busca do arquiteto Thiago Bernardes pela herança (sendo fi lho e neto de dois gênios da arquitetura brasileira, Claudio e Sergio Bernardes, respectivamente) que moldou sua car-reira de sucesso.
No Rio de Janeiro, estivemos com Bela Gil, a chef e apresenta-dora de TV que botou na mesa e no prato de muitos brasileiros os conceitos da alimentação saudável, mas de sabor. A fi lha de Gil-berto Gil ensinará como é possível fazer arte com os mais simples dos recursos: caçarolas e ingredientes fresquinhos. Vire a página e inicie conosco esta viagem por experiências de vida capazes de ins-pirar e nos fazer mudar.
Um abraço e boa leitura,André Sapoznik
Itaú Personnalité
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TOWER BRIDGE, EM LONDRES, UMA DAS METRÓPOLES QUE
ENTRARAM NA REPORTAGEM “CIDADE EM DUAS RODAS”
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Há dois anos no Rio de Janeiro, o jornalista
paulistano PEDRO HENRIQUE FRANÇA, 29 anos,
é colaborador das revistas GOL Linhas Aéreas
Inteligentes, GQ, Joyce Pascowitch e Poder. Para
Revista Personnalité, entrevistou a atriz Andréa
Beltrão. “Ela é exatamente o que apresenta para
o jornalista: não tem estratégia de imagem, falas
coordenadas ou tipo. Andréa é o que todos os seus
amigos dizem: uma mulher extremamente culta, que
não faz da sua inteligência o seu cartão de visitas.”
Se no início da carreira o fotógrafo paulista
VICTOR AFFARO, 33 anos, direcionava sua lente
para a arquitetura e o design, mais tarde os
retratos se tornaram sua grande paixão. Formado
em publicidade pela PUC-SP, Victor viveu em
Nova York e Londres, e a fotografi a já o levou
para países como China, Índia, Chade e Laos.
Nessas ocasiões aproveitou para retratar o povo
e seu cotidiano. Nesta edição, foi o responsável
pelos cliques dos compositores da música
contemporânea erudita brasileira.
O escritor e jornalista RUY CASTRO, 66 anos,
vive dizendo que, se pudesse, escreveria sobre
Doris Day todos os meses. Doris foi um fenômeno
mundial nos anos 50 e 60, mas, hoje, poucas
pessoas se lembram dela e a maioria costuma
reduzi-la ao estereótipo da “eterna virgem” do
cinema americano. “Vibrei quando a Revista
Personnalité me deu a oportunidade de revelar ao
leitor um lado surpreendente de uma das grandes
cantoras populares do século 20.”
Jornalista especializado em música erudita,
IRINEU FRANCO PERPETUO, 43 anos, é
colaborador da revista Concerto, dá palestras
para o Theatro Municipal de São Paulo e ministra
cursos na Casa do Saber. Nesta edição de
Revista Personnalité, escreveu “Memória viva”,
sobre os principais compositores de música
erudita contemporânea. “Enquanto o Brasil se
ufana – com justiça – de sua música popular,
nossa produção erudita é bem pouco conhecida,
executada e divulgada, mesmo por aqui.”
COLABORADORES
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COLABORADORES
A Trip Editora, cons ci en te das questões am bi en tais e sociais, utiliza
papéis Suzano com certificado FSC
(Forest Stewardship Council) para impressão
deste material.
A Certificação FSC garante que uma matéria-
prima florestal provenha de um manejo
considerado social,
ambiental e economicamente adequado.
Impresso na Stilgraf – Certifi cada na Cadeia de Custódia – FSC
Editor Paulo Lima Diretor Superintendente Carlos Sarli Diretor
Editorial Fernando Luna Diretor Financeiro Agenor S. Santos
Diretora de Publicidade e Circulação Isabel Borba Diretora de
Eventos e Projetos Especiais Proprietários Ana Paula Wehba
Diretora de Criação Ciça Pinheiro Diretor de Núcleo Tato Coutinho
Diretor de Redação Décio Galina Editor Carlos Messias Produtora
Executiva Kika Pereira de Sousa Assistente de Produção Juliana
Carletti Projeto Gráfi co Beth Slamek Departamento Comercial
Supervisora de Projetos Especiais e Planejamento Comercial
Ana Carolina Costa Oliveira Assistente Comercial da Diretoria
Gabriela Trentin Assistente de Arte Marketing Publicitário
Fabiana Cordeiro Gerentes de Contas Flavia Marangoni e Roberta
Rodrigues Assistente de Tráfego Comercial Aline Trida Para
anunciar [email protected] Representantes AL/SE Pedro
Amarante BA Caio Silveira CE Ananias Gomes DF Alaor Machado
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SC Ado Henrichs SP Antonio Carlos Bonfá Junior SP interior/
litoral Daniel Paladino SP Permutas Denis Oliveira USA Multimedia
[email protected] Pesquisa de Imagens Aldrin Ferraz
(coordenação) Bibliotecário Daniel de Andrade Estagiários Mayã
Maia e Arthur Fernandes Produção Gráfi ca Walmir S. Graciano
Produtor Gráfi co Cleber Trida Tratamento de Imagens Roberto
Longatto e Roberto Oliveira Revisão Ecila Cianni (coordenação),
Janaína Mello, Jaqueline Couto e Marcos Visnadi Projetos
Especiais e Eventos Coordenação Regina Trama Editor de Arte
Rafael Kendi Analista Mariana Beulke Trade e Circulação Diretora
Daniela Basile Analista de Trade Renata Vilar Coordenadora de
Assinaturas Andrea Fernandes Gerente de Circulação Adriano
Birello Analista de Circulação Vanessa Marchetti Projetos Digitais
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Editores de Arte Débora Andreucci e Diego Maldonado Assistente
de Arte Isabela Jordani Redatora Site Carla Braga Gerente de
Negócios Izabella Zuanazzi Núcleo de Vídeo Coordenação
Ana Rosa Sardenberg Produção Lorena Almeida Assistente de
Produção e Finalização Viviane Gualhanone Montador Pitzan
Oliveira Diretor de Fotografi a Pedro Marques Relações Públicas
Taís Neri Assistentes de RP Julio Hercowitz e Monalisa de Oliveira
Estagiária Luiza Nascimento
Colaboram nesta edição: Vanina Batista (direção de arte), Kiki
Tohmé (designer), Edmundo Clairefont (edição de texto), Bruna
Bopp, Daniel Setti, Fabiano Rampazzo, Fausto Salvadori Filho,
Irineu Franco Perpetuo, Juliana Carletti, Luis Patriani, Manoella
Barbosa, Marcus Preto, Mariana Filgueiras, Pedro Henrique
França, Ruy Castro, Sergio Pinheiro (texto), Amets Iriondo, Carol
Quintanilha, Daryan Dornelles, Gil Inoue, Nana Moraes, Pedro Loes,
Victor Affaro (foto), Adriana Komura e Bruno Algarve (ilustração),
Ana Hora (produção) Antônio Medeiros e Su Tonani (fi gurino)
Lu Moraes e Manu Monteiro (make)
Comitê Itaú responsável por esta edição Fernando Chacon,
André Sapoznik, Cristiane Portella, Danielle Sardenberg, Camila
Carneiro e Elisangela Bonamigo Colaboradores DPZ Propaganda
Marcello Barcelos e Elvio Tieppo
Capa e quarta capa Nana Moraes / Divulgação/TV Globo
Revista Personnalité é uma publicação trimestral da Trip Editora
e Propaganda em parceria com o Itaú Personnalité.
Endereço para correspondência: rua Cônego Eugênio Leite, 767,
05414-012, São Paulo, SP.
E-mail: [email protected]
www.tripeditora.com.br
EXPEDIENTE
A designer gráfi ca e ilustradora ADRIANA
KOMURA, 31 anos, integra o coletivo
internacional Puck Collective e colabora com
publicações como Serafi na e Tpm. Em 2013
fundou com dois amigos a editora independente
República Books, que já lançou impressos em
feiras de arte no Brasil e no exterior. Nesta
edição, ilustrou o texto sobre o escritor Jeremy
Mercer. “Já visitei a livraria em que ele morou
quando fui a Paris uma vez. Ela realmente tem
uma atmosfera meio mágica.”
Radicado em Barcelona desde 2006, o jornalista
paulistano DANIEL SETTI, 35 anos, começou a
vida profi ssional há 14 anos redigindo biografi as
de músicos. Entre as colaborações mais recentes,
ele tem editado textos para o site brasileiro do
FC Barcelona. Nesta edição, viajou para Saint
Maime, na França, onde entrevistou o escritor
Jeremy Mercer. “O dia que passei com Jeremy e
família foi ótimo. Ele é uma fi gura simpática, com
uma pluralidade de assuntos estimulante e que
vive de uma forma muito interessante.”
MARIANA FILGUEIRAS, 33 anos, é repórter de
cultura do jornal O Globo e colaboradora da revista
Piauí. Fez mestrado em literatura comparada na
Universidade de Santiago de Compostela e na
University of St Andrews, na Escócia. Agora escreve
o livro Inventário afetivo dos botequins cariocas e
organiza duas coletâneas de crônicas. Para esta
edição, entrevistou a chef e apresentadora Bela
Gil. “Depois de entrevistar a Bela nunca mais fui ao
supermercado do mesmo jeito.”
Pai de Manuela e de Miguel, nascido em
agosto, o carioca DARYAN DORNELLES, 43
anos, é formado em cinema e jornalismo pela
Universidade Federal Fluminense. Fotógrafo há
17 anos, Daryan lançou o livro Retratos sonoros,
com fotos de grandes nomes da música brasileira
(veja a reportagem “Os dois lados da foto” na
página 24). Para esta edição, também fotografou
a apresentadora Bela Gil. “Minha impressão foi
a melhor possível! A Bela passa a calma e a
serenidade do pai.”
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1610 Cá entre NósMúsica, gastronomia, viagem –
dicas de quem sabe viver bem
15 Prestígio
TUDO EM CASA A gravação da canção “Hidden waters” celebrou duas das grandes
paixões do pianista Sergio Mendes: sua cidade natal, Niterói, e os
45 anos de casamento com a cantora Gracinha Leporace
16 “ME SINTO NO PRIMEIRO DIA DE AULA”Aos 51 anos, Andréa Beltrão acorda cedo, dorme tarde, corre
na praia, faz TV, cinema, ensaia na madrugada uma nova peça:
“Faço tudo o que quero e me divirto loucamente”. “Brinco que vou
entregar o corpo dela à Nasa para pesquisa”, diz Fernanda Torres
24 OS DOIS LADOS DA FOTOFotógrafo e fotografados resgatam as lembranças cristalizadas
no livro Retratos sonoros, com grandes nomes da música brasileira
32 VIDA DURA EM PARISO escritor Jeremy Mercer passou seis meses dormindo
na Shakespeare and Company, a livraria mais famosa do mundo,
e nunca mais foi o mesmo
40 CIDADE EM DUAS RODASNo ritmo das bicicletas, tudo pode ser diferente. Quatro experientes
ciclistas criam roteiros para surpreender você em Amsterdã,
Barcelona, Londres e São Paulo
SUMÁRIO
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68 RECEITA DE VIDAComo Bela Gil aprendeu o caminho da cozinha com o pai, Gilberto
Gil, tornou-se nutricionista, chef e, aos 26 anos, apresentadora de um
programa de alimentação saudável na TV brasileira
76 MEMÓRIA VIVAA obra de Almeida Prado, Gilberto Mendes e Aylton Escobar,
três dos mais importantes compositores brasileiros
82 DORIS DAY, CONHECE?A eterna virgem do cinema? O símbolo da “pureza” americana? Ou uma
mulher que passou o diabo em sua vida pessoal. Aos 90 anos, o nome
de uma das maiores cantoras do século 20 reserva algumas surpresas
90 Primeira Pessoa
MÁQUINA DO TEMPOO escritor e jornalista Humberto Werneck não usa mais sua Olivetti
Lettera 22, mas segue muito conectado a ela
3252 ARQUITETO EM CONSTRUÇÃONeto e fi lho de dois gigantes da arquitetura, Thiago Bernardes
precisou superar o peso do passado para achar seu próprio caminho.
Cinco projetos marcam a sua trajetória. “Para mim é muito natural
fazer arquitetura. Virei arquiteto por preguiça”
60 A HISTÓRIA POR TRÁS DA MARCAO designer e pesquisador Chico Homem de Melo, autor do livro Linha
do tempo do design gráfi co no Brasil, elege e analisa cinco das mais
importantes logomarcas do país
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CÁ ENTRE NÓSVIAGEM, GASTRONOMIA E CULTURA – CONVIDADOS ESPECIAIS ABREM SUAS PREFERÊNCIAS
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Em visita ao Brasil, a intérprete americana comentou, em bom português, alguns temas de jazz, bossa nova e folk que marcaram sua juventudePOR CARLOS MESSIAS
_ STACEY KENT, cantoraTRILHA SONORA
Caymmi e faz parte do disco
Contemporâneos [2002], no qual
também tocaram Chico Buarque,
Caetano Veloso e Edu Lobo. Este
é um álbum muito emocionante.”
3. “HOW LONG HAS THIS BEEN GOING ON?”, ELLA FITZGERALD E DUKE ELLINGTON“Interpretação do tema de George
e Ira Gershwin. Descobri o disco
[Ella and Duke at the Côte D’Azur,
de 1967] também na adolescência,
quando frequentava a Tower
Records de Nova York. É um
álbum ao vivo e você escuta a
explosão de emoções no palco.
Um registro muito poderoso.”
4. “THE BOXER”, SIMON & GARFUNKEL“A voz do Paul Simon é
sensacional. Tem uma
musicalidade incrível e harmoniza
lindamente com a do Art
Garfunkel. O disco, Bridge Over
Troubled Water [1970], foi um dos
que mais escutei na vida.”
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5. “SO NICE (SUMMER SAMBA)”, MARCOS VALLE“Do disco Samba ‘68, um dos mais
importantes da minha vida. Adoro
a música do Marcos, pois tem
essa alma brasileira, essa batida
do fi nal dos anos 60. A voz dele é
tão doce.”
6. “STARDUST”, LOUIS ARMSTRONG“Ele cantando esta música, para
mim, é a defi nição do jazz. Escutei
pela primeira vez ainda quando
criança e logo soube que esse seria
o meu mundo.”
7. “CHEEK TO CHEEK”, ELLA FITZGERALD E LOUIS ARMSTRONG“Uma das muitas e incríveis versões
de Ella and Louis [1956], um álbum
muito importante para mim. Os
dois demonstraram uma química
indescritível.”
8. “WHERE DO THE CHILDREN PLAY?”, CAT STEVENS“Faixa de abertura do disco Tea
for the Tillerman [1970]. O Cat
Stevens é um dos meus cantores
favoritos. Como os brasileiros, ele
canta uma saudade. Sua voz é
forte e calma ao mesmo tempo.
Ele me inspira muito.”
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1. “CORCOVADO”, STAN GETZ E JOÃO GILBERTO“Versão de Stan Getz e João
Gilberto para a composição de
Tom Jobim. Ouvi o disco Getz/
Gilberto [1964] pela primeira vez
quando tinha 14 anos e se tornou
parte da minha vida, escutava
todo dia. É uma ótima lembrança.”
2. “LEMBRA DE MIM”, DORI CAYMMI“Esta faixa conta com
a participação de Nana
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Ouça no tablet a seleção musical de Stacey Kent
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CÁ ENTRE NÓS
ILHA DE OAHU, 2004
JORNADA INESQUECÍVEL
“Aos 17 anos, fi z as malas e me mudei para a ilha de Oahu,
no Havaí, logo depois de terminar o ensino médio. O North Shore
era o lugar perfeito para me apaixonar pelas ondas – e não só
por elas. Acabei me apaixonando por tudo. Experimentei uma
sensação de liberdade que só a vida próxima à natureza pode
permitir. Descobri minha comida favorita, o ahi poke, prato com
atum cru e arroz, típico da região, e encontrei a praia dos meus
sonhos: Waimea. Às 6h30, em março, é perfeita: muito sol
e pouca gente. Há dez anos, eu volto para lá todo inverno.”
POSITANO
PRÓXIMA PARADA
“Em um ano, viajo mais de 30 vezes, quase sempre
acompanhando a temporada de ondas em cada lugar do
mundo. Mas nunca tive muito tempo de aproveitar a Europa.
Por isso, sonho em conhecer a Itália. Mais especifi camente
a cidade de Positano. Acho lindas aquelas casas tomando a
costa, de cara para o mar Mediterrâneo. Quero pedalar pelas
ruas, ouvindo Lorde e David Bowie, e passar o dia na praia –
desta vez sem ondas.”
A big rider se apaixonou pelas ondas gigantes no Havaí, mas não vê a hora de desembarcar na Itália, para curtir a praia apenas na areiaPOR BRUNA BOPP
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CÁ ENTRE NÓS
NA FOTO MAIOR, JAIRZINHO ESTUFA A REDE INGLESA;
NA FOTO MENOR, A DEFESA MILAGROSA DE GORDON BANKS
Sentado nos ombros do pai, o ex-Titã comemorou o gol de Jairzinho sobre a Inglaterra na Copa de 70 e se apaixonou de vez pelo futebolPOR LUIS PATRIANI
_ NANDO REIS, músicoPASSE A PASSE
“Mais do que a própria partida e o gol da vitória, o momento mais marcante da minha consciência futebolística foi o que aconteceu no pós-jogo entre Brasil 1 x 0 Inglaterra, pela Copa do Mundo de 1970, no México. Eu tinha apenas 7 anos de idade.
A primeira memória não foi despertada pelos grandes lances – como a antológica defesa do goleiro Gordon Banks após a cabeçada de Pelé ou o gol de Jairzinho, um chutaço no ângulo depois de receber passe preciso do nosso onipresente camisa 10. O que me vem à mente é a imagem de meu pai, José Carlos, me carregando, sentado em seus ombros, para ver e participar da comemoração do povo que se aglomerava na rua Augusta, em São Paulo. A festa, os gritos, as buzinas, toda aquela comemoração efusiva me impressionou e estabeleceu a minha relação de afetividade com o futebol. O gol de Jairzinho foi muito além do lance que decretou o triunfo da seleção brasileira diante dos ingleses pela primeira fase do mundial, ele abriu no meu cérebro o arquétipo do futebol e a associação indelével desse esporte com o espírito de toda uma nação.”
FICHA TÉCNICABRASIL 1 X 0 Inglaterra
7/6/1970, Estádio Jalisco, Guadalajara (México).
1ª Fase – Grupo 3 – 2ª Rodada
BRASIL Félix, Carlos Alberto Torres, Piazza,
Brito, Everaldo, Clodoaldo, Rivellino, Paulo
Cézar Caju, Jairzinho, Tostão (Roberto
Miranda) e Pelé.
INGLATERRA Gordon Banks, Wright, Labone,
Bobby Moore, Cooper, Mullery, Ball, Bobby
Charlton (Astle), Peters, Husrt e Lee (Bell).
GOL Jairzinho aos 14 minutos do 2º tempo.
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CÁ ENTRE NÓS
Mesclando o que aprendeu no litoral paulista e no restaurante La Côte Saint Jacques, na França, Stella Roux é chef do Figo, em São PauloPOR JULIANA CARLETTI FOTOS PEDRO LOES
_ STELLA ROUX, chefÁGUA NA BOCA
1. UM SABOR INESQUECÍVEL.
O pudim de leite da minha mãe.
2. TEMPERO INDISPENSÁVEL.
Alho, pimenta e erva fresca.
3. PRIMEIROS PASSOS NA COZINHA.
Foi no susto. Não foi planejado, nada romântico
do tipo “já cozinhava com a minha avó”.
4. UM HOBBY.
Mergulho. Sempre fui apaixonada pelo mar.
Foi enquanto cursava o último ano de biologia marinha, em Santos, que Stella Roux teve a
oportunidade de estudar gastronomia. Fez estágio em Maresias (SP), no restaurante Seu Sebastião,
com o chef Eudes Assis, que aponta como um incentivador até hoje. Depois, foi morar na França. Lá,
trabalhou por um ano na cozinha do restaurante La Côte Saint Jacques, três estrelas Michelin, que fi ca
na região da Borgonha. “Trouxe comigo o respeito que se deve ter dentro da cozinha”, diz. Além dos
segredos da gastronomia francesa, aproveitou a temporada para conhecer o marido, e também chef,
Martin Roux. Aos 27 anos, Stella integra a equipe de chefs do restaurante Figo, que prioriza ingredientes
orgânicos e frescos. Aqui, ela ensina como preparar um bolo de chocolate belga com ganache.
BOLO DE CHOCOLATE BELGACOM GANACHE
BoloIngredientes 90 g de farinha de trigo
74 g de açúcar
34 g de chocolate em pó
2 g de fermento químico
1 g de bicarbonato de sódio
1 ovo
125 ml de água
59 g de manteiga
34 g de chocolate belga
Modo de preparoColocar todos os ingredientes
secos em um bowl e misturar bem,
acrescentar a água e os ovos e
mexer. Em outro recipiente, derreter
a manteiga e o chocolate em banho-
maria. Acrescentar ao resto da
massa e misturar bem. Distribuir nas
panelinhas, untadas com manteiga e
farinha, e levar ao forno preaquecido
à 180 °C, durante 14 minutos.
Rendimento: 4 porções
Tempo de preparo: 15 minutos
Figo
R. Diogo Jácome, 372
São Paulo (SP)
Tel.: (11) 3044-3193
O Figo faz parte do Menu
Personnalité. Conheça os pratos em:
itau.com.br/personnalite/experiencia
Leia no tablet a receita da cobertura de ganache
5. PRATO PREFERIDO.
O coelho ao molho mostarda (lapin à la moutarde)
preparado pelo meu marido.
6. UM HÁBITO NO TRABALHO.
Sempre converso com todos os funcionários.
Acho importante o diálogo na cozinha, pois exige
não só disposição física, mas mental também.
6. INSPIRAÇÃO.
Ao criar, penso nisto: fazer alguma coisa gostosa
para que a pessoa saia satisfeita. Esse é o ápice.
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Durante uma viagem ao Uruguai, para tocar com Arnaldo Antunes, o guitarrista se encantou pelo vinho Don Pascual Brut Blanc de NoirsPOR LUCIANA LANCELLOTTI
_ EDGARD SCANDURRA, músicoA MENSAGEM DA GARRAFA
A MARCAA linha Don Pascual foi criada
em 1996. Em cinco anos, tornou-se
a marca líder no Uruguai. O nome
é um tributo ao francês-basco
Pascual Harriague. Ele chegou
ao país no século 19 e introduziu
nos vinhedos locais uma uva da
sua região: a Tannat. Em solo
uruguaio, a casta encontrou seu
terroir mais expressivo, tornando-
se símbolo da viticultura no país.
O PRODUTORO rótulo destaca
a sede do Estabelecimiento
Juanicó, a maior vinícola
do Uruguai, localizada na
principal região produtora,
Canelones, no sul do
país. O lugar teve vários
proprietários, entre eles
Don Francisco Juanicó,
que em 1830 rompeu com
os métodos tradicionais
de cultivo e construiu uma
adega subterrânea. Em 1979,
a vinícola passou para as
mãos da família Deicas.
O PAÍSEm termos de vinhos,
o Uruguai vem sendo
considerado a bola da
vez entre os países sul-
americanos. A produção
é pequena, mas há rótulos
de ótima qualidade. O
clima conta com sol intenso
e infl uências do oceano
Atlântico e das correntes
e dos ventos da Antártica.
O TIPOPor defi nição, o Blanc de Noirs
é um vinho branco elaborado
a partir de uvas tintas. A cor,
salmão brilhante, é resultado do
breve contato com as cascas
durante a prensagem. Um vinho
jovial, frutado e refrescante.
AS UVASUma assemblage (mistura
de uvas) elaborada com duas
castas: a Pinot Noir (85%),
considerada a mais feminina
das uvas, e a Shiraz (15%), que
se destaca pela versatilidade
(produz vinhos de diferentes
estilos de acordo com a
origem geográfi ca).
“Em 2009, viajei com Arnaldo Antunes para dois shows em dupla, em Buenos Aires e Montevidéu. No Uruguai, conheci um delicioso rosé, Don Pascual. É produzido em uma vinícola muito respeitada. Simplesmente adorei: frutado e fresco, servido na beira da praia de água doce, sob um azul-celeste espetacular. Além de saber que a vinícola é responsável por alguns dos melhores vinhos locais, fi quei interessado em outras garrafas desse simpático vizinho.”
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Em uma quinta-feira de manhã, em sua casa em Los Angeles, Sergio Mendes fi naliza uma xícara de café preto antes de falar sobre a imagem que estampa esta página. “A foto foi tirada durante a gravação de ‘Hidden waters’”, explica. A música, registrada em abril de 2003 em um estúdio nos arredores da cidade cali-forniana, é um dos pontos altos de Magic. O álbum, lançado este ano, traz parcerias com Carlinhos Brown, John Legend, Milton Nascimento e grande elenco. Um desses nomes é o de Gracinha Leporace, esposa de Sergio. A cantora responde pelos vocais da faixa citada por Mendes.
“Sei que no idioma tupi Niterói sig-nifi ca ‘água escondida’ [hidden water, em inglês]”, conta. “Essa canção é uma homenagem à minha cidade natal.” Composta, produzida e arranjada por ele, Mika Mutti e Katie Thompson, a
PRESTÍGIO | SERGIO MENDES
A gravação da canção “Hidden waters” celebrou duas das grandes paixões do pianista Sergio Mendes: sua cidade natal, Niterói, e os 45 anos de casamento com a cantora Gracinha Leporace
_ TUDO EM CASA
obra é uma declaração de amor. Seus ver-sos cantam o “sol no seus olhos e o verão no seu sorriso”. “É mesmo especial. De-monstra a afi nidade musical entre mim e Gracinha. No momento do clique, ela soltava o gogó no estúdio, não muito lon-ge de mim”, conta o músico aos risos.
“MOMENTO MAIS AUTORAL”
A faixa marca o casamento de 45 anos que se estendeu pelos palcos – a carioca Gracinha é também responsável por boa parte dos vocais nos shows de Mendes. “O importante é a amizade entre nós”, diz o compositor, ao lado da mulher. “Além disso, admiração e uma boa dose de humor. Rir dos imprevistos da noite anterior. Acho que esta foto delimita um momento atual, e isso é importante. Eu penso e vivo o hoje.”
Na estrada desde a década de 1960,
quando se tornou um expoente da bossa nova, Mendes, 73 anos, um virtuose do piano, possui uma carreira de sucesso in-ternacional inconteste. Com três Grammy no armário e mais de 35 discos lançados, é o autor de “Mas que nada”, um samba-novo de 1963 que fi cou famoso na voz de Jorge Ben. O hit foi a primeira música em português a fi car entre as top 5 na parada da Billboard – ganhou até versão do gru-po pop norte-americano The Black Eyed Peas. Mais recentemente, “Real in Rio”, trilha sonora que compôs para a animação Rio, foi indicada ao Oscar em 2012.
Pois foi em meio a essa temporada de conquistas que Sergio Mendes tomou fôlego para soltar o novo CD Magic, na praça. “A foto tem muito a ver com um momento mais autoral, que andava em falta em meus trabalhos anteriores. ‘Hid-den waters’ me ajudou a resgatar isso.”
SERGIO MENDES EM ESTÚDIO PRÓXIMO À CIDADE DE LOS
ANGELES, ENQUANTO GRAVAVA “HIDDEN WATERS”, EM 2003.
A MÚSICA ESTÁ NO ÁLBUM MAGIC, LANÇADO ESTE ANO
POR Manoella Barbosa
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POR Pedro Henrique França, do Rio de Janeiro FOTOS Nana Moraes
“ME SINTO NO PRIMEIRO DIA DE AULA, COM LANCHEIRA E
MOCHILA NOVAS”
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Aos 51 anos, Andréa Beltrão acorda cedo, dorme tarde, corre na praia, faz TV, cinema, ensaia na madrugada uma nova peça:
“Faço tudo o que quero e me divirto loucamente”. “Brinco que vou entregar o corpo dela à Nasa para pesquisa”, diz Fernanda Torres
ANDRÉA BELTRÃO COMO ÂNGELA NA NOVELA CORPO A CORPO (1985);
NA PÁGINA AO LADO, A ATRIZ POSA PARA A REVISTA PERSONNALITÉ
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PERSONNALITÉ
É uma sexta-feira, quando Andréa Beltrão sai do elevador de seu prédio, um edifício com vista para a orla de Copa-
cabana. São pouco mais de 11 horas. Andréa havia acordado às 6h30 para fazer ginástica. Depois, nadou no mar. Dali a minu-tos, já se via resolvendo um punhado de pendências domésti-cas. De cara lavada, a carioca estava, enfi m, pronta para uma maratona de maquiagem, fotos e entrevista que só terminaria 7 horas depois. À noitinha, a agenda da atriz ainda se estendia indefi nidamente. Madrugada adentro, encararia o primeiro ensaio de sua nova peça, provisoriamente chamada de Nôma-des, um trabalho colaborativo que estreia em outubro, no Rio, e envolve os dramaturgos Marcio Abreu, Newton Moreno e Patrick Pessoa, além das atrizes Malu Galli e Mariana Lima. No caminho do estúdio para o local do ensaio, não se percebe vestígio de cansaço em seu rosto. “Me sinto uma criança no primeiro dia de aula, com lancheira e mochila novas.”
Aquela sexta-feira não era um desvio de rotina para An-dréa Beltrão. A artista acorda no máximo às 7 horas. Nada de 2 mil a 3 mil metros, quatro vezes por semana. Dia sim, dia não, corre do Posto 6 de Copacabana até o fi nal do Leme: quase 4 quilômetros. Pratica pilates (“para fi car fortinha”) e tem feito aulas de fl amenco. E não dorme cedo para dar conta dessa maratona. Uma noite normal de sono sua varia de 5 a 6 horas de duração. Tanta disposição endossa as palavras de Fernanda Torres, sua colega de Tapas & beijos, o humorístico semanal da Globo, em cartaz há quatro anos e com temporada garantida para 2015. “Brinco que vou entregar o corpo dela à Nasa para pesquisa”, diz. Nas duas semanas que a gente teve de folga durante a Copa, eu fui ver os jogos. Ela foi fazer um fi lme...”
O fi lme é a sequência de Pequeno dicionário amoroso, de 1997, um dos primeiros sucessos da retomada do cinema bra-sileiro. Dirigido pela mesma Sandra Werneck, o longa, previs-to para meados de 2015, promove o reencontro dos persona-gens de Andréa e Daniel Dantas depois de 15 anos. “Eles estão maduros”, conta Beltrão. “Tem uma pegada diferente, com os fi lhos deles, uma temática parecida com minha casa.”
No lar, são três fi lhos – Francisco, 19 anos, Rosa, 17, e José, 15 – e o marido, o diretor de TV e cinema Mauricio Farias, com quem está desde que trabalharam juntos na novela A viagem, de 1994. Para celebrar os 20 anos de relacionamento fi zeram uma grande festa no Rio de Janeiro no ano passado.
Atleta desde garota, é fl amenguista e fanática por futebol. Um de seus programas preferidos é assistir a uma partida na TV, seja lá quem estiver em campo. A atriz conta estar por fora das novidades musicais. E tem resistência à literatura contemporânea. Prefere ler os clássicos, como Dom Quixote, de Cervantes, e Os miseráveis, de Victor Hugo. Não compra,
ACIMA, A PARTIR DO ALTO: ANDRÉA COM DANIEL DANTAS NO FILME
PEQUENO DICIONÁRIO AMOROSO (1997); EM CENA DO ESPETÁCULO AS
CENTENÁRIAS (2007), AO LADO DA GRANDE AMIGA MARIETA SEVERO, DE
QUEM É SÓCIA NO TEATRO POEIRA
no entanto, a tese de que “antes tudo era melhor”. “Acho isso caído”, diz. “Mas confesso que preferia quando não tinha tanta câmera em tudo.” Redes sociais, não tem. Selfi e, detesta. “Pior é que você não gosta e sempre chega alguém: ‘Tira uma selfi e comigo?’”, conta. “Acho uma chatice incomensurável.”
Dona de dois prêmios Shell – o maior reconhecimento teatral do país – pelas peças A prova (2002) e As cente-nárias (2008), Andréa chegou aos 51 anos em setembro cheia de dedicação à arte: 28 projetos na TV, 24 longas-metragens e 13 peças – quatro delas ao lado de sua amiga inseparável, Marieta Severo. O ator Fábio Assunção se diz fã de Andréa. “É uma parceira inteligente, superantenada com os acontecimentos do mundo e tem bagagem emo-cional. Andréa é intuitiva. Amo trabalhar com ela [na série Tapas & beijos], em cena e fora de cena. Sou fã.”
Ao longo de um dia, Andréa Beltrão conversou com Re-vista Personnalité. Com a franqueza de quem há mais de 20 anos faz análise, repassou a vida e a carreira. Concluiu que é uma mulher realizada. “Realizada até a última gota.” A
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ANDRÉA BELTRÃO
19KADU MOLITERNO (JUBA) E ANDRÉ DE BIASE (LULA) BEIJAM ANDRÉA BELTRÃO
(QUE VIVEU A PERSONAGEM ZELDA SCOTT), SOB O OLHAR DO JOVEM JONAS
TORRES (BACANA), EM CENA DO SERIADO ARMAÇÃO ILIMITADA (1985)
CORPO BRASILEIRO
“Quando era criança tinha um sonho de ser nadadora. Na-dei muitos anos, competi alguma vezes, ganhei umas me-dalhinhas. Meu sonho mesmo era ir para a Olimpíada de Moscou [em 1980]. Mas não aconteceu. Um dia, meio per-dida, meu padrinho me levou até O Tablado [companhia de teatro fundada por Maria Clara Machado]. Acho que ele nem tinha intenção real de me ver como atriz, era mais para eu não fi car tão largada. Mas aí me apaixonei. Foi lá que atuei numa primeira peça, O auto da Compadecida [Ariano Suassuna], em que fi z o João Grilo. Meu professor de canto, o Victor Prochet, diz que é coisa de Deus. Eu não acredito em Deus [risos]... mas adoro o papa Chico.”
A ATRIZ VERSUS A ESPORTISTA
“Acho que são ofícios iguais. É preciso treinar ou ensaiar muito para fazer uma curva qualquer diferente. Para ir na linha reta do conforto talvez você não precise suar tanto. Mas para trabalhar com pessoas e projetos que tenham
alguma refl exão, uma fagulha que mexa com alguém, acho que só se consegue isso se realmente você se dedicar muito. Que nem o Zico treinou não sei quantas vezes o chute numa toalha pendurada no cantinho direito do gol. Com o ator é a mesma coisa. Corre, treina, aquece, pega, puxa a cadeira, erra a luz, olha a marca… É muito parecido.”
ZELDA SCOTT
“A Zelda Scott [da série Armação ilimitada, de 1985] foi uma das minhas personagens mais marcantes na TV. Conheci pessoas maravilhosas, tive o prazer de participar das entra-nhas do programa, da realização dele. Visitava ilhas de edi-ção e sonorização, foi minha superfaculdade de audiovisual. Ao mesmo tempo, a Zelda era muito interessante, me deu oportunidade de experimentar várias coisas diferentes, tes-tar minhas possibilidades, minhas limitações.”
VIDA COMUNISTA
“Nasci em 1963. Em 70 eu tinha 7 anos e a gente vivia um mo-mento bastante tumultuado da ditadura – isso estava muito perto, dentro da minha casa, inclusive. Mas essa educação comunista não era uma coisa dogmática ou partidária. Era muito mais no sentido de divisão, de felicidade, de um mundo bom para todo mundo. Que é o que todo mundo quer: as pes-soas de bem, legais, mais nobres, sendo comunistas ou não. É o que tiro desse momento da minha vida.”
EDUCAÇÃO PÚBLICA
“Minha educação na escola pública não é nada mais do que o refl exo do que se vivia naquele tempo. As escolas públicas eram de ponta, de vanguarda. O primário e o ginásio estudei ali no George Fischer, do lado do clube do Flamengo, no Le-blon. Era uma escola-modelo. Depois fui para o Pedro II. E meus fi lhos estudaram no Pedro II a vida toda. Fiz questão que estudassem lá porque acredito no ensino da escola federal e gosto da mistura, da integração, e de ser 100% laica.”
O VERDADEIRO ARTISTA
“A [atriz] Cristina Pereira tem uma defi nição que acho genial: uns são artistas, outros são negociantes. Ou seja, uns são ar-tistas, estão aqui para tudo e a qualquer momento. E outros estão de passagem, fazendo um nome para abrir um negócio.”
A PAIXÃO PELO TEATRO
“Toda atriz que é vocacionada, e tem essa paixão pelo teatro, sonha em ter um seu. Eu sempre sonhei. A Marieta já tinha feito um projeto desse na vida dela, que quase aconteceu. E D
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_Andréa Beltrão fala sobre Marieta Severo – e vice-versa
ANDRÉA POR MARIETA
“Eu era produtora da peça A senhora do lar, do Mauro Rasi, e já
admirava muito o talento da Andréa. Tinha certeza de que ela
era especial e resolvi chamá-la. Ficamos logo juntas no mesmo
camarim e foi amizade à primeira vista. Até hoje ela me
surpreende, mesmo conhecendo-a profundamente como atriz.
Andréa é camaleônica, uma pessoa dotada para a profi ssão
que escolheu na vida. Tem intuição e uma inteligência cênica
enorme. Gosta do ensaio, do aprofundamento, de trilhar cada
caminho com intensidade e muito prazer. É o melhor exemplo
da mulher moderníssima. Dá conta e é atenta a todos os
papéis que exerce: mãe, atriz e atleta. A Nanda [Fernanda
Torres] tem razão: só a Nasa para explicar mesmo. Eu só
teria o bem mais precioso da minha carreira, o teatro Poeira
e o Poeirinha, com uma parceira destemida e corajosa como
ela. As pessoas falam que ser sócia de amiga não dá certo.
E eu digo que dá certo porque somos amigas. Temos uma
sintonia muito fi na, um mesmo olhar sobre a vida e, sobretudo,
uma atenção e uma delicadeza muita grande sobre a outra.
Para mim, essa é a fórmula do sucesso.”
MARIETA POR ANDRÉA
“Eu brinco com ela que a minha
vida é a.M. e d.M., antes e depois
da Marieta. Sua aparição foi uma
revolução na minha vida. É uma
pessoa que não tem idade, muito
mais jovem que eu e até que as
próprias netas, muitas vezes.
Antigamente, brincava de ‘quero
ser igual a você’. Já não dá mais,
perdi essa ilusão. Me basta estar
ao lado dela para o resto da vida.
Ela me deu muito sentido na vida,
coragem, força, liberdade. A gente
se aconselha bastante, tem um
mar de compreensão entre nós.
E conseguimos construir algumas
coisas. Primeiro nossa amizade, que
é muito sólida e... maleável. Ela é
madrinha do meu fi lho mais velho, o
Francisco. Depois, fi zemos um teatro
juntas, o Poeira. Só não vamos casar
porque temos uns namorados muito
legais. Mas a gente até poderia: sou
muito apaixonada por ela.”
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ANDRÉA BELTRÃO
um dia, num encontro prosaico, saímos para jantar. Conversá-vamos sobre as difi culdades nos teatros comerciais, como era complicado tudo dar certo para estrear uma peça. Uma de nós falou: ‘Bom mesmo seria ter um teatro bem pequenininho, para 20 pessoas’. Começamos a delirar. A gente saía da [gravação da série] A grande família e rodava lugares na zona sul, um imóvel que pudesse virar um teatro. Ficamos muitas madrugadas as-sim até que o Aderbal [Freire Filho, diretor de teatro e namora-do de Marieta Severo] falou de uma casa em Botafogo. Fomos lá ver, nos apaixonamos, compramos e reformamos tudo.”
O TEATRO POEIRA
“Manter um teatro é um trabalho enorme que traz uma recom-pensa incrível. Com o fato de ter o Poeira a gente vive isso sem-pre. Pensa e respira teatro. Não acho que seja a manifestação artística mais nobre. Quando é chato, é insuportável. Mas a vida no teatro tem uma coisa de especial. A presença física hoje em dia é muito importante. E uma noite nunca será igual à outra.”
VICIADA EM TRABALHO
“Sei que trabalho bastante, mas não sou workaholic, não. Eu vivo tanto. Faço ginástica, tomo minha cerveja, meu vinho, seja lá o que for. Saio, vou a festas de amigos, danço até as 5 horas. Sou a primeira a abrir a pista e a última a sair. E ainda termino na pizzaria Guanabara, 5 e meia da manhã.”
TAPAS & BEIJOS
“Dentro da TV, o programa [em que divide a tela com Fernanda Torres] tem o apelido de ‘arrocha’: aquele sucesso que agrada muita gente, de crianças a pessoas mais velhas. Ele tem grandes talentos. O sucesso que se construiu não foi por acaso. Tem um trabalho de pesquisa, aprofundamento e linguagem que o Mau-ricio [Farias, diretor] e a equipe dele desenvolvem há muitos anos. Entramos ali para dar corpo e voz a isso.”
A QUALIDADE DO HUMOR
“Aprecio todo tipo de humor. O humor é revolucionário. A melhor maneira de a gente se ver é através dele. É impossível viver bem sem rir de você mesmo. A vida fi ca muito pesada. Agora, não curto humor vexatório. Eu gosto muito de gente, de gente engraçada. Mas não de gente que sacaneia o outro. Fico constrangida. Talvez eu seja careta, não sei. Me incomo-da quando você usa alguém para fazer uma piada. Desconfi o do caráter desse humor, da qualidade dele. Gosto de humor forte, pesado, escrachado, com palavrão, sem palavrão, não me interessa. Mas gosto quando a qualidade humana se man-tém. Aí acho incrível de bonita aquela gargalhada.”
_“Ela esconde uma irmã gêmea, só isso explica”, brinca Fernanda Torres
“A Andréa é uma atriz Rolls-Royce. Acho que é a mais
vocacionada que eu já conheci. É absolutamente
atriz. Eu não, eu tenho dúvidas. Ela é capaz de gravar,
ensaiar uma peça e ainda sair. Não sei que horas
dorme, mas eu estaria no hospital se tentasse ser assim.
Andréa tem um clone em casa e esconde uma irmã
gêmea, só isso explica. Além de tudo, é incrivelmente
culta. E não exibe isso, pelo contrário. Tem muita
certeza do que pensa e não faz alarde do seu preparo
intelectual. E adora o popular, adora folhetim. É uma
mulher do colégio Pedro II, criada em escola pública,
e que saía no tapa no recreio. Andréa não tem nenhum
gosto pelo lado esnobe da vida.”
NA PÁGINA AO LADO, MARIETA SEVERO E ANDRÉA BELTRÃO DURANTE A
CONSTRUÇÃO DO TEATRO POEIRA, EM BOTAFOGO (2005); FESTA DE INAUGURAÇÃO
DO TEATRO (2005); ACIMA, ANDRÉA E FERNANDA TORRES, EM TAPAS & BEIJOS
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PERSONNALITÉ
TV ABERTA
“Meus fi lhos não assistem à TV aberta. Eles só veem futebol. Ficam muito no computador. Eu gosto: de novela, de jornalis-mo e alguns programas. Fui criada vendo TV aberta. É um ruído muito familiar. Outro dia estava jantando e tava passando um jogo fuleeeeiro, chinelo contra o chinelão. É um prazer ouvir aqueles gritos. Me traz coisas boas. Como passar e ouvir o porteiro com radinho de pilha. Me traz um cheiro de comida. A TV aberta tem valor quase sentimental pra mim.”
PRIVACIDADE
“Os paparazzi não me dão muita bola, não sou cara a eles. Fico com pena porque eles fi cam se escondendo, um negócio meio degradante. Quando morava no Leblon, o reino desse tipo de imprensa, já tinha alguns que eu dava até bom dia. Um golpe bom é usar a mesma roupa do dia anterior [risos]. Daí não tem como fi carem fotografando, porque parece que tiraram 800 fotos no mesmo dia e não dez em 80 dias diferentes.”
APOSENTADORIA
“Quando tinha 30 anos, pensava: ‘Quando tiver 50’”. E agora, aos 50, fi co pensando nos 70. Mas foram 50 muito bem vividos. Faço tudo o que quero e me divirto loucamente. A coisa mais bacana que conquistei foi a aceitação da minha angústia e de não ter vergonha de ter medo, fi car sem graça ou não saber. É engraçado, remete à minha infância, àqueles momentos em que a gente não sabe o que fazer. E quando a gente cresce vai se educando a mostrar sempre uma segurança. Agora descobri que a insegurança é ótima, não saber o que dizer é ótimo e que a angústia é criadora. Até com meus fi lhos estou diferente. Dei tudo o que podia como mãe. Agora vejo que a vida tem que agir mais do que eu. Amparo, mas agora é eles com a vida deles. O mesmo para mim. O que a vida vai me oferecer?”
ADOLESCÊNCIA
“Adoro adolescente. Ele tem uma folha em branco em frente e está no auge da potência física, hormonal, emocional.É uma coisa bem bicho. O jovem para mim tem essa imagem. Uma potência enorme sem saber por onde ir. Vejo meu fi lho com 19 anos e penso: ‘Meu Deus, quanta vida está aí dentro’.”
DESEJOS
“Netos, netos! Estou naquelas de oferecer dinheiro, dar uma viagem a cada neto [risos]. Fora isso, queria ter uma vida longa, saudável, que meus fi lhos fossem muito felizes e que as pesso-as que amo e todo mundo com quem trabalho fossem felizes. Uma utopia ingênua e romântica.”
_“Não tenho a menor ideia de
por que ela me escolheu”, diz Mauricio Farias
“Andréa sempre foi uma atriz com enorme talento e
carisma. Lembro de me sentir hipnotizado ao vê-la em
Pedra sobre pedra [novela de 1992]. No começo, quando
ainda estávamos namorando, cheguei a achar que o
trabalho talvez pudesse nos atrapalhar. Mas isso não
aconteceu. Depois de A viagem [de 1994, codirigida por
Mauricio], fi camos cinco anos sem dividir os sets. Voltamos
a nos encontrar em 1999, num quadro que fi zemos para
o Zorra total. De lá para cá foram 15 anos de parceria
praticamente ininterrupta. Adoro trabalhar com ela. Andréa
é divertida nos bastidores, gosta dos colegas de elenco e
das equipes, cria a sua volta um ótimo ambiente.
Tenho orgulho de tudo o que fi zemos profi ssionalmente.
No cinema, Verônica foi especial. Trabalhamos juntos nos
mínimos detalhes do roteiro até os dias de fi lmagem.
Considero o fi lme resultado das nossas afi nidades. Mas
temos nossas diferenças. Sou mais racional, enquanto
Andréa reage sempre mais emocionalmente. Ela tem um
jeito muito especial de ver o mundo, sempre pelo viés da
alegria, uma característica espetacular que me ensinou
um bocado sobre como viver. De certa forma, a gente
se complementa. Em casa, Andréa cuida muito mais das
crianças do que eu. Faz isso naturalmente, por prazer e
sem muito esforço. É uma mãe extremamente amorosa e
preocupada. Não à toa, são loucos por ela. Me apaixonei
assim que a conheci porque ela é uma mulher linda e
encantadora. Depois, porque cada minuto que passo
ao lado dela é maravilhosamente divertido.
Mas não tenho a menor ideia de por que ela me escolheu.”
O MARIDO MAURICIO FARIAS E ANDRÉA BELTRÃO: 20 ANOS DE PARCERIA
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Baixe a Revista Personnalité no tablet
e assista à entrevista com Andréa Beltrão
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ANDRÉA BELTRÃO
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POR Marcus Preto FOTOS Daryan Dornelles
OS DOIS
LADOSTOM ZÉ (2014)
“Gosto porque é quase uma caricatura. Gosto porque é a fi sionomia com que eu enfrento o establishment e a burguesia reacionária. Gosto porque fotografi a, tradicionalmente, é uma exibição de beleza. E esta, como se vê, exibe coisa muito mais signifi cativa. Não gosto porque tem uma sombra em uma das minhas orelhas, e é com as duas que eu ouço. Gosto
porque meus olhos estão bem expressivos. Gosto porque há uma gota de luz em cada olho. Gosto porque me lembra o que Walter Benjamin – num famoso ensaio no qual incluiu o [desenho] Angelus novus, de Klee – falava daquele anjo.
Voando de costas, ele vê a destruição provocada pela história. Algo neste retrato imita aquele anjo terrível.”Daryan: “Sempre quis fotografar o Tom. Aliás, não tem fotógrafo que não queira. Fui convidado para fazer a capa
do próximo disco [Vira Lata na Via Láctea]. Fizemos tudo rapidamente. Fiquei bem feliz com o resultado.”
Fotógrafo e fotografados resgatam as lembranças cristalizadas no livro Retratos sonoros,
com grandes nomes da música brasileira
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MALLU MAGALHÃES (2008) “Quando vejo esta fotografi a, vem a mim um sorriso da minha mãe. Um sorriso de orgulho, de carinho, de boa lembrança e do desejo de um futuro em paz. Dessa época, poucas fotos captam a pureza das minhas intenções. Esta é uma delas: revela o que minha mãe gostaria de ver.”
Daryan: “Fiz esta foto no primeiro show que ela fez no Rio, na extinta casa de show Cinemathèque, em Botafogo. Escutei e gostei de cara. Senti que tinha alguma coisa ali que iria crescer, iria acontecer. Lembro que foi bastante rápido. Ela nem deve se lembrar direito desse dia.”
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MILTON NASCIMENTO (2009)“Conheci Daryan há uns cinco anos. Ele esteve lá em casa, no Rio. Confesso que a maioria das sessões de fotos me cansam um pouco, mas, quando Daryan me propôs que entrasse de paletó na piscina, percebi de imediato que se
tratava de um cara diferente. Até hoje, quando me perguntam sobre as minhas fotos preferidas, esta sempre está nas cabeças. E, quando ele me contou sobre o livro, não resisti em perguntar-lhe se minha foto estaria no projeto. Para
minha felicidade, ela estava lá, ao lado de outros retratos geniais. Gosto de todas ali! Daryan é um craque!”
Daryan: “Assim que fui chamado para fazer a foto, pensei: ‘O que farei?’. Já tinha fotografado o Milton duas vezes e queria algo diferente. Acreditei que iria convencê-lo a entrar na piscina de paletó. Pedi com todo carinho do mundo e ele aceitou.”F
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TIÊ (2011)“‘Uau!’, foi o que eu pensei quando vi a foto. Nem me lembrava dela. Que coisa selvagem! Eu estava grávida, meio com preguiça de fotografar, e ele resolveu tudo de uma maneira rápida. E lindíssima! Já fi z vários trabalhos com Daryan e nos tornamos amigos. Fiquei orgulhosa de estar presente no livro justamente com uma foto em que apareço selvagem – e não doce, como costumo estar em quase todas. Daryan buscou e mostrou esse outro lado.”
Daryan: “Esta foi feita na sessão das fotos para o segundo álbum dela [A coruja e o coração, de 2011]. Lembro que tínhamos um briefi ng e que o cabelo seria parte do retrato. Ela fi cou descendo e subindo a cabeça até dar o efeito desejado. Acho poética esta imagem.”
Baixe a Revista Personnalité no tablet
e assista à entrevista com Daryan
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DADO VILLA-LOBOS (2007)“Anos e anos se passam e realmente continuo não me relacionando bem com minhas fotos. É como quando você
ouve a própria voz na secretária eletrônica e não se reconhece. Tiramos esta foto no meu antigo estúdio, na Gávea, na maior tranquilidade e normalidade possíveis. Tudo muito certo. Prendi meu cachorro, Salvador, que
estava inquieto, e tudo seguiu sem mais delongas. Eu em casa com meus instrumentos, contemplativo. Esse cara sou eu...? Defi nitivamente, sou eu mesmo. Eu me reconheço nele.”
Daryan: “Uma das fotos mais antigas do livro. Fiz com uma Hasselblad, uma câmera médio formato, para a extinta revista Bizz. Foi tudo super na boa, falamos de música e futebol. Já jogamos a mesma pelada juntos. O Dado tem estilo.”
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A EXPERIÊNCIA DE TER VIVIDO EM UMA LIVRARIA MUDOU SUA PERSPECTIVA COMO ESCRITOR?
ANDRÉA BELTRÃO PERGUNTA:
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JEREMY MERCER RESPONDE: Mudou. A maior lição que aprendi foi humildade. Quando mais
jovem, eu tinha uma noção exagerada do meu talento. Acreditava que poderia mudar o mundo com as minhas palavras. Mas, ao viver
tendo em volta de mim tantos livros e absorvendo tudo aquilo que aqueles grandes autores têm para dizer, percebi o lugar insignifi cante
que eu ocupava no universo literário. Comecei a lidar com minha obra com mais carinho e desenvolvi um interesse maior pelo meu leitor. Quando você dorme ao lado de 30 mil dos maiores livros já
escritos, você entende de verdade a assustadora responsabilidade que é pedir a alguém para que ela leia o seu livro quando poderia estar
lendo um Camus, um Tolstói, um Joyce ou um García Márquez.
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POR Daniel Setti, de Saint Maime, Provence ILUSTRAÇÕES Adriana Komura
VIDA DURA O escritor Jeremy Mercer passou seis meses dormindo na Shakespeare and Company, a livraria mais famosa
do mundo, e nunca mais foi o mesmo
EM PARIS
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PERSONNALITÉ
“S e você teve a sorte de viver em Paris, quando jovem, sua presença irá acom-panhá-lo pelo resto da vida, onde quer que esteja, porque Paris é uma festa
ambulante.” A frase – presente no livro de memórias sobre a temporada que Ernest Hemingway passou na Cidade Luz na década de 1920 – martela diariamente na ca-beça do escritor Jeremy Mercer. Em dezembro de 1999, Mercer, um canadense de 28 anos vindo de Ottawa, desembarcou em Paris a poucos dias da virada do ano. A data tinha aquele tipo de simbolismo ideal para quem buscasse um recomeço digno de uma jornada de formação: jovem que abandona um passado algo promissor em busca das excitantes incertezas de um futuro sem um tostão no bolso no outro lado do Atlântico. Descascada a lorota romântica, a verdade trazia muito mais desespero do que fantasia.
Repórter policial do jornal The Ottawa Citizen, Jeremy tinha uma boa vida em seu país. Emprego estável, “um salário invejável, um elegante sedã alemão preto fi nan-ciado, um apartamento em um bairro elegante do centro, uma coleção de camisas e paletós caros pendurada no armário”, lembra. Parecia tudo certo, até tudo dar errado. Jeremy caiu na lista negra de um ladrão cujo nome ele revelara em um de seus dois
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JEREMY MERCER
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livros-reportagem sobre crimes, The Champagne Gang (1997, inédito no Brasil). Amea-çado, o escritor se refugiou na França às pressas, praticamente com a roupa do corpo.
Após um início depressivo, topou em um domingo chuvoso com a livraria especia-lizada em língua inglesa Shakespeare and Company. Aberta em 1951 por George Whit-man (1913-2011), um folclórico colecionador literário e viajante americano, o estabe-lecimento – hoje dirigido por sua fi lha – foi inspirado na lendária librairie homônima que a norte-americana Sylvia Beach manteve entre 1919 e 1941 em outro edifício de Paris, reduto de gente como James Joyce (Sylvia publicou a primeira edição da obra-prima Ulisses), Ezra Pound e Hemingway.
Ao ser convidado para um chá no andar superior, o rapaz descobriu o hábito de meio século de George: abrigar, entre as estantes apinhadas de raridades, romancistas, poetas e sonhadores andarilhos. O lugar tinha história. Nos intervalos da redação de Quarteto de Alexandria, Lawrence Durell tomava tragos na livraria, parada estratégia para Allen Ginsberg em suas idas e vindas à Índia. Na Shakespeare, outro beatnik, Gregory Corso, foi visto roubando velhas antologias em mais de uma ocasião.
Em troca de cama e teto, Whitman, que se gabava de ter hospedado 40 mil pes-soas em 50 anos, lhes pedia que atendessem no balcão, faxinassem, escrevessem suas biografi as e lessem um livro por dia. Uma ética anárquica e romântica que contrastava com o status de “livraria mais famosa do mundo” do negócio. Quando deu por si, Mer-cer, duplamente apto ao perfi l dos alojados pelo livreiro – “pessoas em apuros e escri-tores pobres”–, já contabilizava seis meses no prédio. A escassez de dinheiro o obrigou a ser criativo – fi lava boias em vernissages –, e a falta de chuveiro da biblioteca-comuna o transformou em um especialista em higienização pessoal improvisada. Mas em Paris até mesmo a mais pé de chinelo das vidas tem algo de feérico e inesquecível.
MOMENTO DEFINIDOR
A experiência em Paris é tida pelo escritor como um “momento defi nidor” de sua vida. A bagagem armazenada em meio ano na Shakespeare supera em muito os 88 volumes devorados em sua missão de ler um livro por dia. O canadense saiu dessa primeira temporada na capital francesa qual um explorador, alguém capaz de recriar uma faceta alternativa, charmosa e aventureira de uma Paris que não está nos guias.
Protegido de George Whitman, conheceu em primeiro lugar pessoas – fi guras possíveis só na literatura – como Simon, o poeta que chegara para duas semanas e acumulava cinco anos de casa; travou contato com autores que admirava (Sparkle Hayter, Lauren Davis, Christopher Cook Gilmore); ajudou o dono a editar revistas; e se envolveu com diferentes mulheres – uma o levou às Ilhas Maurício. Entre os desa-fi os pessoais, prometeu e cumpriu que leria Ulisses, de Joyce, antes dos 40.
Uma segunda herança dos tempos que gastou sobretudo na Rive Gauche (a porção de Paris à esquerda do Sena) é sua peculiar visão da cidade. A Paris de Jeremy Mercer é uma Paris pé no chão, uma urbe que mistura os grandes museus e as paisagens des-lumbrantes de Montmartre (“de onde se veem os domos de pedra calcária e os cavalos de pedra da Sacré-Coeur e é possível brincar de identifi car os monumentos, como o Panthéon, o Louvre, a Ópera e a estrutura de ferro da Torre Eiff el”). Mas é também uma Paris de vielas, como a rua com 1,80 metro de largura que fi ca próxima à char-mosa pracinha em que sobrevive a árvore mais antiga da cidade. É a Paris dos queijos baratos e inesquecíveis da place Maubert-Mutualité e das feirinhas de rua.
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_A Paris de Jeremy MercerO escritor canadense ainda vai ao menos quatro vezes por ano a Paris.
Para não perder o costume, e também porque a personagem de seu novo
projeto – uma sobrevivente do Holocausto – mora na capital francesa. O foco
de suas memórias na cidade, no entanto, circunda o Quartier Latin, onde a
Shakespeare and Company ocupa o epicentro, no número 37 da rue de la
Bûcherie. Sempre que pode, revisita seus lugares e hábitos favoritos.
1. LA CHOPPE DU CHÂTEAU ROUGE
Em tempos de verba zero, Jeremy vinha atrás do cuscuz
gratuito que acompanhava as garrafas de vinho.
(40, Rue de Cligancourt, Montmartre)
2. LES FONTAINES
“Cada vez que venho, passo aqui, como o delicioso pato
e revivo aqueles tempos.”
(9, Rue Souffl ot, Sorbonne)
3. LES DEUX MAGOTS
Tem 202 anos de história, durante os quais alimentou
de Picasso a Sartre, passando por, claro, Hemingway.
Mercer frequentava a convite do dramaturgo e poeta
irlandês Ulick O’Connor, hoje com 86 anos, e garante:
“dá para sentir o peso da história ali.”
(Place St. Germain de Près)
4. POLLY MAGGOO
Em Um livro por dia, Jeremy descreve assim uma noitada
em seu bar favorito: “Entre goles de cerveja e tragos
de cigarro, a conversa abordava as viagens planejadas,
os fi lmes que pensavam em dirigir, os livros que tinham
que escrever. Nos olhos de todos brilhava algo parecido
a um sonho. Isso era o melhor de Paris”. Mesmo crítico
quanto ao atual aspecto do local, mais turístico e
asséptico, Mercer nunca esquecerá do Polly Magoo.
(3-5, Rue du Petit Pont, Quartier Latin)
5. LE TENNESSEE
O bar de jazz onde o escritor aprendeu a apreciar música
ao vivo, sob um critério: volume que permita a conversa.
(12, Rue André Mazet, Quartier Latin)
6. CAFÉ PANIS
A segunda “não casa” dos que habitam a Shakespeare and
Company naturalmente ocupa “um lugar especial
no coração” do autor.
(2, Quai de Montebello, Quartier Latin)
7. A ÁRVORE MAIS ANTIGA
Nos arredores da livraria, há um pequeno jardim, Square
René Viviani-Montebello, defronte à igreja Saint Julien le
Pauvre, e que exibe provavelmente a árvore mais velha
de Paris, uma falsa acácia plantada em 1601. Ali, nos
arredores, há uma rua, Rue du Chat qui Pêche, que tem
1,80 metro de largura, uma raridade dos tempos da cidade
antes das reformas projetadas por Haussmann.
8. FEIRAS DE RUA
Um dos charmes discretos de Paris são as feiras de rua.
A mais famosa fi ca na Bastilha, mas nos arredores da
livraria existe uma bastante charmosa. Na place Maubert-
Mutualité é possível comprar queijos, vinhos, frutas de
produtores locais, lembrancinhas e roupas.
9. JARDIN DES PLANTES
Uma das dicas de Mercer é praticar caminhadas
vespertinas pelo Jardin des Plantes, um parque “a apenas
15 minutos de caminhada do Sena”, na Rue Cuvier,
e que conta com um pequeno zoológico.
10. ABBEY BOOKSHOP
Mesmo vivendo entre livros, Mercer adorava visitar
outras livrarias de porte pequeno, como esta,
especializada em literatura canadense.
(29, Rue de la Parcheminerie, Quartier Latin,
abbeybookshop.wordpress.com)
11. RED WHEELBARROW
Outra que se dedica a autores anglofalantes.
(22, Rue St. Paul, Le Marais)
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PERSONNALITÉ
PARIS É UMA FESTA
Ernest Hemingway (1964)
“Li no avião quando estava a caminho e me tocou”, diz
Jeremy. “Tive a mesma impressão que Hemingway: a cidade
te marca tanto que, pelo resto de sua vida, você vê o mundo
pelos olhos de Paris.”
IS PARIS BURNING?
Larry Collins e Dominique Lapierre (1965)
Uma reportagem sobre a liberação de Paris das mãos
dos nazistas, em agosto de 1944. “É fascinante ler sobre
Hitler querendo destruir a cidade”, diz Mercer. “De fato, as
pontes foram envolvidas por dinamite, mas um soldado
alemão rebelde se recusou a acionar os comandos,
porque achava que Paris tinha que ser salva.”
VIAGEM AO FIM DA NOITE
Louis-Ferdinand Céline (1932)
“É importante recordar que Paris é bem mais do que
uma fantasia. Céline é controverso por suas opiniões
políticas e um feio antissemitismo, mas este é um
clássico francês e um lembrete de que há um mar
revolto de depressão e desespero em Paris, como em
qualquer cidade.”
_Os melhores livros para ler em Paris
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JEREMY MERCER
O relato sobre toda essa experiência é o saboroso Um livro por dia – Minha tem-porada parisiense na Shakespeare and Company (ed. Casa da Palavra). O volume já foi traduzido para 14 idiomas e vendeu 150 mil exemplares no mundo. “Em Paris há tanta gente atrás dos seus sonhos, e tanta energia vindo disso”, explica o autor, um homem alto e magro que carrega seis tatuagens espalhadas pelo corpo, entre elas, cravada no peito, a pequena folha de bordo da bandeira canadense. “A cidade me deu uma pro-funda sede por leitura, ópera, música, todos esses bens mentais”, conta. “A cultura do Canadá é tão naïf... Já a experiência europeia cria uma complexidade que simples-mente não existe lá. Por isso, Paris foi romantizada por tantos norte-americanos.”
Ao deixar a peculiar “utopia socialista disfarçada de livraria”, como a defi nia George Whitman, ele nunca mais seria o mesmo. Viveria por mais de um ano na capi-tal em um edifício comunitário, onde organizava exposições e shows. Abandonou de vez a cidade em 2003. Passou cinco meses em Pequim, seis em Oia, na Grécia; visitou a Índia. Só começaria a assentar ao conhecer Geraldine, uma enfermeira belga, na fi la do supermercado em Marselha, em 2007. No ano seguinte, inauguraram uma família.Jeremy residiu em Marselha até o ano passado, quando se afi ncou num povoado de 900 habitantes: Saint Maime, na Provence. Foi ali que ele recebeu Revista Personnalité, no fi m de julho. Naquela tarde, Mercer, um ruivo sardento de 42 anos, puxou pela me-mória aquilo que dividiu com George Whitman e seus colegas. Paris, seu lar por mais de três anos, é, enfi m, “inesquecível”: “Ela nunca sairá do meu ser”. Em um cinemato-gráfi co casarão de 300 anos, ele mora com a mulher, os fi lhos Santoline, 5, e Rosco, 4, e uma fauna composta de duas cadelas, quatro gatos, três galinhas, um coelho e uma galinha-d’angola – uma égua estava prestes a chegar.
Em cerca de 8 horas de convívio, absorve-se um pouco a rotina do escritor, divi-dida entre a preparação de um calhamaço sobre lendas da Provence, outro com uma sobrevivente do Holocausto, artigos para veículos como World Literature Today, tra-duções e aulas na faculdade de jornalismo na Universidade Aix-Marseille. Sobretudo, seu tempo é gasto nas infi nitas tarefas do lar. Em um momento ele está operando a máquina de cimento para erguer o tão sonhado escritório com vista paradisíaca (“fi -cará lindo... quando pronto”, diz aos suspiros Geraldine); minutos depois, “cata milho” ao velho piano para tocar o “Frère Jacques”, que aprendeu só para ensinar aos fi lhos.
“Como Hemingway, eu sempre medirei as coisas em comparação com o que vivi em Paris”, afi rma. O ex-repórter policial, cujo título mais recente é When the guillo-tine fell, de 2008, sobre o último condenado à morte na França (inédito no Brasil), me leva para um passeio. Acabamos de cruzar com um burro em plena via principal da formidável vila vizinha Forcalquier. “Se Paris me defi ne? Sim e não”, diz. “Por exemplo: eu estaria vivendo aqui se não tivesse tido aquela experiência? Teria vi-vido em uma ilha grega? Então, isso mudou minha vida toda. Tive os melhores dez anos desde que me mudei de lá, por causa de Paris, por causa daquela livraria. Dez anos de vida livre. E agora... vida dura.”
Fim de tarde em Saint Maime. Não muito tempo depois de proferir o lamento sobre a “vida dura” – sem muita ênfase, é verdade –, Jeremy irrompe aos berros no banheiro térreo e arranca as crianças do banho. Partem em disparada em direção ao enorme jardim da casa, o que reserva a mais fabulosa das vistas. De longe, a reportagem vê ele e a companheira, cada um com um fi lho molhado no colo, con-templando o transcendental arco-íris completo que acaba de se formar sobre os campos de lavandas e fl ores. A vida dura.
Leia no tablet como foi a experiência
de Jeremy Mercer no Brasil
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A TOPOGRAFIA PLANA DE AMSTERDÃ É UM
CONVITE A PASSEIOS DE BICICLETA PELA CIDADE
POR Sergio Pinheiro
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No ritmo das bicicletas, tudo pode ser diferente. Quatro experientes ciclistas criam roteiros para surpreender você em Amsterdã, Barcelona, Londres e São Paulo
CIDADE EM
DUAS RODASGIO
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AMSTERDÃ
Não seria exagero dizer que em Amsterdã as bicicletas venceram. Contas feitas, na capital mundial do ciclismo urbano existem 800 mil habitantes e 880 mil bikes. Diaria-mente, são realizados mais deslocamen-tos de bike do que de carro (32% contra 22%). Amsterdã é plana e exige pouco dos pulmões. É também segura: ciclovias, bici-cletários e outras infraestruturas atendem bem às necessidades. Pedalando menos de meia hora é possível chegar a praticamente qualquer ponto de interesse cultural ou aos parques. Em 2013, o jornalista Eduardo Dias, 34 anos, viajou de bicicleta pela Eu-ropa. A seguir, ele divide com o leitor um roteiro por Amsterdã. “A cidade, por si só, já é um atrativo”, diz.
1. Aproveite a manhã para fugir do
centro. No oeste, o Rembrandtpark
é uma enorme área verde bem mais
tranquila do que os badalados Mu-
seumplein e Vondelpark. Ideal para
um piquenique.
2. Após o Rembrandtpark, corte ca-
minho pelo Sloterpark, que além de
ser o maior e um dos mais bonitos
parques da urbe, é palco do Love-
land Festival, de música eletrônica.
3. Seguindo ao sul, curta o Keuke-
nhof, o maior jardim de tulipas do
mundo: 32 hectares. Nesse ponto,
você estará a mais de 30 quilôme-
tros do centro, mas, na volta, é pos-
sível colocar a magrela no trem.
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43O VISUAL QUE SE TEM DAS PONTES QUE CRUZAM OS CANAIS DE
AMSTERDÃ É SEMPRE UM CONVITE PARA DESCER DA BIKE E FAZER
UMA FOTO. NA IMAGEM MENOR, O JORNALISTA EDUARDO DIAS
4. Uma boa pedida para a tarde é o
museu da cervejaria Heineken (Sta-
dhouderskade 78) para ver como
é produzida a cerveja e tomar uns
goles direto da fonte. Você estará
ao lado do Museu Van Gogh.
5. Ainda pelo centro, cervejeiros fi -
carão contentes com o Cafe Belgi-
que (Gravenstraat 2, cafe-belgique.
nl), um pequeno pub com dezenas
de opções belgas.
6. Pedale à noite. A cidade tem um
ar romântico com canais e pon-
tes iluminados. Comece o roteiro
na praça central de Leidseplein.
Siga pela Prinsengracht até
chegar ao rio Amstel. Passe pela
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Magere Brug, uma antiga ponte de
madeira no estilo clássico holandês.
Vá pela margem do Amstel e atra-
vesse a ponte Blauwbrug, cruzando
as praças Waterloo Plein, Joden-
breestraat e Nieuwmarkt, onde há
vários coffee shops.
7. Uma boa pedida é fi nalizar no
pub Waag (Nieuwmarkt 4, indewa-
ag.nl), um casarão que fazia parte
da muralha que protegia a cidade.
Distância aproximada: 5 km.
Fique ligado: o tour pode ser feito
com uma bicicleta sem marchas,
conhecida como Grandma bike.
As estações de trem têm estacio-
namentos e ofi cinas mecânicas.
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De Clercqstraat
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BARCELONA Os moradores de Barcelona abraçaram a bi-cicleta como meio de vida. Na capital catalã há um sistema de bicicletas públicas desde 2007, o Bicing, efi ciente e voltado apenas aos moradores. Mas há fartura de opções de aluguel para turistas. Nada melhor do que conhecer Barça sobre duas rodas. Em menos de meia hora é possível percorrer a orla da capital catalã. Há uma grande harmonia entre ciclistas e pedestres. Bares e restaurantes, que dão o tom da vida no-turna, são acessíveis às bikes. A metrópole tem um diferencial: a coexistência do mar e da montanha. Por conta de sua geografi a, o visitante pode conhecer a paisagem do Montjuic, uma colina de 184 metros de alti-tude coalhada de museus, parques e bares, e, numa pedalada de 15 minutos, alcançar as areias de Barceloneta, a praia mais popular da região. O paulista Henrique Stryjer, 32 anos, que mora há dois anos em Barcelona e usa a bicicleta como meio de transporte, bolou um roteiro para o visitante conhecer o melhor da cidade sem suar demais.
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45O PAULISTA HENRIQUE STRYJER, QUE ESTÁ
EM BARCELONA HÁ 2 ANOS, PEDALA PELAS
RUAS DO BAIRRO EL BORN
1. Comece em Gràcia, bairro
habitado principalmente por
estudantes, chegando de trans-
porte público ao Parque Güell,
que pela manhã é bem tranquilo.
Ele é decorado no melhor estilo
Antoni Gaudí (1852-1926), já que
ali está a casa em que o artista
e arquiteto morou por quase 20
anos. Tome um café da manhã
no parque ou numa das padarias
do bairro. Inicie a sua pedalada
a partir daí, um dos pontos mais
altos da cidade.
2. Siga no sentido litoral, descen-
do pelo bairro de Gràcia e pas-
sando pela praça de Sol e pelo
Mercado da Abaceria. Desvie de
modo a gastar uns minutos cir-
cundando o Templo da Sagrada
Família, uma obra-prima arquite-
tônica de Gaudí. Por ali, há char-
mosas lojas de roupas e
mercados de comida orgânica.
3. Em seguida, monte de novo na
bike e pedale um trecho da exten-
sa ciclovia da Avenida Diagonal
até a luxuosa Passeig de Gràcia,
endereço de alguns dos mais im-
portantes monumentos
da cidade (como a Casa Batlló,
um lindíssimo e peculiar edifício
projetado por Gaudí). No caminho
até a Praça de Catalunya, já na
região central, se localizam as prin-
cipais vitrines de moda e a grande
loja El Corte Inglés.
4. Mais ao sul, no bairro do Raval,
estão o Museu de Arte Contem-
porânea (MACBA), o Centro de
Cultura Contemporânea (CCCB), a
Filmoteca e o Bar Marsella (Carrer
de Sant Pau, 65, aberto a partir
das 23 horas), onde o pintor
surrealista Salvador Dalí tomava
seus bons absintos. Siga pela
La Rambla del Raval para conhe-
cer a cultura do bairro e a célebre
escultura Gato, do colombiano
Fernando Botero.
5. Atravesse o Raval até chegar
à Rambla de Catalunya. Na
mais famosa via da cidade (lo-
tada de turistas, pedale com
cuidado), tome um suco de
frutas no Mercado La Boqueria,
o primeiro mercado municipal
da cidade. Tapas e cervejas são
especialidades do El Quim de la
Boqueria, que tem um atendi-
mento de primeira.
6. No bairro gótico, ainda na
cidade velha, o Satan’s Coffee
Corner (satanscoffee.com) é o
melhor café de Barcelona,
muito frequentado por artistas,
tatuadores, músicos e viciados
em bicicletas.
7. Desça a Avenida Laietana até
o bairro El Born, charmoso,
cheio de predinhos baixos e de
forte vida noturna. Por ali, há as
tradicionais tapas e sangrias do
Mercado Princesa. Ao fi nal da
Laietana, o ciclista encontrará o
mar e, a pouca distância, a Praia
da Barceloneta, a mais próxima
do centro.
Distância aproximada: 10 km.
Fique ligado: alugue uma
bicicleta na Green Bikes
(greenbikesbarcelona.com) e
fi que atento aos lugares onde
vai acorrentar a magrela para
diminuir a chance de furto.
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LONDRES LONDRES
“Quem está acostumado a pedalar em São Paulo vai achar Londres um paraíso: é toda plana e respira bi-cicleta”, diz o paulista Fel Meirelles, 30 anos, editor-chefe do site Bike é legal (bikeelegal.com). “É possí-vel chegar a inúmeros lugares seguindo por ciclovias e pistas compartilhadas – em calçadas e corredores de ônibus. Além disso, é ótima para aproveitar os lindos e agradáveis caminhos na beira dos canais.” A capital inglesa guarda surpresas para ciclistas de diferentes perfi s. É obrigatório gastar horas, até dias, circulando por seus imensos parques, como o Hyde e o Regent’s. Mas também é fácil observar como as magrelas entraram no dia a dia londrino. Basta passear pela Clerkenwell Road, uma via que chega a ter engarrafamentos de bikes em horários de pico, conectando as regiões leste e oeste. Essa mescla de concreto e verde dá o tom do roteiro criado por Fel.
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47A PERSPECTIVA DA TOWER BRIDGE, UM DOS PRINCIPAIS
CARTÕES-POSTAIS LONDRINOS, DO SELIM DE UMA BIKE
1. Partindo do Limehouse, no
leste de Londres e à beira do
rio Tâmisa, na região das marinas,
siga em sentido nordeste. Em
poucos minutos estará cruzando
os parques Victoria e Millennium,
dois de vários oásis verdes que
a cidade possui.
2. Menos de 4 quilômetros do
Parque Victoria, o Haggerston
tem vastos campos gramados,
quadras, trilhas e uma pista de
BMX que merecem a visita
(nem que seja para observar).
3. De volta ao Canal Regent, o
pedal continua em sentido oeste.
O próximo destino é Camden
Town, um distrito central de Lon-
dres bastante associado às cultu-
ras punk e gótica, mas que hoje é
multicultural e repleto de lojinhas.
Se você estiver por lá cedo, não
deixe de experimentar o delicioso
café da manhã vegetariano no
Cakes ‘n’ Treats (15 Pratt Street,
cakes-n-treats.co.uk), que serve
tortas, sanduíches e bolos.
7. Por ciclovias, siga até a
Oxford Street, onde está a
Catedral de São Paulo, que
foi construída no século 17.
8. Quem pretende esticar um
pouco mais pode continuar
rumo ao nordeste da cidade,
pela Whitechapel Road, em
direção ao Queen Elizabeth
Olympic Park (queenelizabe-
tholympicpark.co.uk). O par-
que olímpico é aberto à visita-
ção, além de oferecer opções
de restaurantes e atividades.
Distância aproximada: 25 km.
Fique ligado: As famosas
Boris Bikes, as magrelas do
sistema de compartilhamen-
to – ofi cialmente conhecido
como Barclays Cycle Hire (tfl .
gov.uk) – são simples de ser
usadas e foram pensadas
para uma cidade que está
sempre cheia de turistas.
Diversos pontos de locação
bem sinalizados estão espa-
lhados por Londres.
4. Siga ao sul, atravesse o
Regent’s Park e, em poucos
minutos, estará no Hyde Park,
o maior de Londres, que conta
com ótima infraestrutura de
restaurantes, cafés e banheiros
públicos. Ou seja, ideal para um
piquenique de tarde inteira. O
Hyde Park também é conhecido
por sediar shows e outros even-
tos, como paradas e exposições.
Vale fi car ligado na programação.
5. Saindo do Hyde, a Exhibition
Road é uma rua obrigatória. Foi
reformada para receber mais de
10 milhões de turistas (em gran-
de parte ciclistas) que passam
ali todo ano, principalmente para
visitar os museus de História
Natural, de Ciências e o Victoria
and Albert.
6. Próximo ao Hyde Park fi ca o
Palácio de Buckingham, o Big
Ben e a London Eye (uma roda-
gigante com 135 metros de altu-
ra), alguns dos cartões-postais
de Londres.
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SÃO PAULO São Paulo caminha para se tornar a capital da bicicleta na América do Sul. Ainda que distante do volume de uso popular visto na Europa, a cidade tomou impulso nos últimos dois anos com a implementação de ciclovias (são 60 quilômetros atualmente, com previsão de chegar a 400 quilômetros até o fi m de 2015). Além disso, a metrópole já conta com programas de bicicleta públi-ca, como o Bike Sampa. Aos domingos, dois temperos deixam essa mistura ainda mais atraente: faixas exclusivas para bicicletas por toda a cidade e a liberação do metrô para embarcar a bike. O roteiro assinado por Gustavo Angimahtz, 29 anos, diretor de comunicação da Pediverde Cicloturismo (pediverde.com.br), resgata a essência da cidade em um “domingão de pedal rechea-do de história e gastronomia”.
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1. Inicie na estação Paraíso do
metrô, próxima à avenida Paulista.
Caso queira alugar uma bicicleta
do Bike Sampa (leia acima), há
uma estação do programa perto
deste metrô. Desça pela rua Ver-
gueiro rumo ao centro da cidade
– aos domingos, a ciclovia cobre
todo o trajeto.
2. Cruze pedalando o bairro da
Liberdade, a maior colônia japo-
nesa da cidade. Explore a rua da
Glória e passeie pelos arredores,
que estão cheios de lojas de
roupas e objetos típicos, além de
restaurantes tradicionais.
3. Retorne à rua Vergueiro e
siga até a praça da Sé, chegan-
do por trás da catedral. Lá, veja
a igreja da Sé e o marco zero de
São Paulo, além do Palácio da
Justiça, que foi projetado em
estilo neoclássico no início do
século 20 pelo arquiteto Ramos
de Azevedo (1851-1928). Para
ver a catedral, prenda sua bike
com cadeado.
4. Pegue a rua Senador Feijó
até a Faculdade de Direito São
Francisco. Desça a rampa pela
parte de trás do prédio até o vale
do Anhangabaú. Avance rumo à
estação Anhangabaú do metrô e
pedale até o fi nal do vale, onde
poderá sair pela direita para o
Mosteiro de São Bento e o Pateo
do Collegio. Ali, os jesuítas cate-
quizaram indígenas no século 16.
5. Siga pela rua Líbero Badaró
até o prédio da prefeitura de São
Paulo. De lá, atravesse o viaduto
do Chá e contemple a praça da
Bandeira. Ao fi nal do viaduto, o
Shopping Light e o Theatro Muni-
cipal, dois edifícios tombados.
6. Contorne o Municipal pela di-
reita, seguindo o fl uxo de carros,
e dobre à direita na rua Conse-
lheiro Crispiniano, alcançando a
avenida São João. Atravesse a
praça e pegue a rua Antônio de
Godói, que o deixará em frente
ao Viaduto Santa Ifi gênia. Após
o Mosteiro de São Bento, vire
à esquerda na rua Florêncio de
Abreu, à direita na ladeira da
Constituição e chegue à
rua 25 de Março.
7. Cruze a 25 de Março até a rua
Comendador Afonso Kherlakian.
Siga por ela até chegar ao Mer-
cado Municipal, ponto fi nal do
roteiro. Ali, a pedida são os san-
duíches (o de mortadela do Bar
do Mané é um clássico), pastéis
(como o de bacalhau do Hocca
Bar) e bolinhos, que caem bem
acompanhados de excelentes
cervejas artesanais. Há também
uma gama de produtos naturais,
como frutas e legumes fresquís-
simos e exóticos.
8. Retorne à estação São Bento
do metrô. Aos sábados (após
as 14 horas), e durante todo o
domingo, é possível embarcar
com a bike.
Distância aproximada: 7,5 km.
Fique ligado: Caso não esteja
acostumado a encarar o trânsi-
to de bicicleta, solicite um vo-
luntário do Bike Anjo (bikeanjo.
org): ele vai ensinar medidas
de segurança.
_Bike Sampa espalha bicicletas em 200 pontos de São PauloProjeto da prefeitura em parceria com o Itaú, o Bike Sampa é um
marco na uso da bicicleta como opção de transporte em São Paulo.
Inaugurado em maio de 2012, o sistema já possui quase 200 esta-
ções e mais de 150 mil usuários cadastrados – até o fi m de agosto,
cerca de 700 mil viagens haviam sido registradas. Para usar o ser-
viço é preciso fazer um cadastro no site (bikesampa.com). As bi-
cicletas têm quadro em alumínio e geometria confortável, e fi cam
disponíveis diariamente, das 6 horas às 22 horas. As viagens de até
1 hora são gratuitas, desde que realizadas com intervalo de pelo
menos 15 minutos. O programa conta com versões no Rio
de Janeiro, em Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre e Recife.1
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praça da Sé
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GUSTAVO ANGIMAHTZ EM FRENTE AO THEATRO MUNICIPAL
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COMO O SEU TRABALHO SE RELACIONA COM O PENSAMENTO MODERNISTA DE LE CORBUSIER?
JEREMY MERCER PERGUNTA:
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THIAGO BERNARDES RESPONDE:Os conceitos corbusianos de estrutura e limpeza continuam no meu trabalho. A arquitetura moderna que esses caras [Le Corbusier e os
brutalistas] criaram é o que a gente faz hoje. Mas, não posso responder a essa pergunta, porque me sentiria pretensioso ao relacionar o que faço
com Corbusier. Nele, os conceitos são muito fortes e fi rmes. Talvez, aos 39 anos, os meus ainda estejam escondidos na arquitetura que pratico.
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POR Fausto Salvadori FOTOS Gil Inoue
Neto e fi lho de dois gigantes da arquitetura, Thiago Bernardes precisou superar o peso do passado para achar seu próprio caminho. Cinco projetos marcam a sua trajetória. “Para mim é muito natural fazer arquitetura. Virei arquiteto por preguiça”
ARQUI-TETO EM CONS-TRUÇÃO
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PERSONNALITÉ
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Era para ter sido uma garçonnière, um lugar criado por Sergio
Bernardes, arquiteto favorito da elite carioca nos anos 50, para
receber suas inumeráveis amantes. Aconteceu que a esposa de
Sergio tomou conhecimento da existência do imóvel, e aí seu uso
teve de ser modifi cado. Virou uma casa da família.
Anos depois, Claudio Bernardes, fi lho de Sergio, que também
se tornou uma das estrelas da arquitetura brasileira do século 20,
reformou a casa do Alto da Gávea, onde passou a morar com a
esposa e os três fi lhos – um deles, Thiago Bernardes.
Thiago viveu ali até os 10 anos, mas nunca se esqueceu das
impressões deixadas pelas formas diferentes daquela casa, con-
duzidas pelo avô e pelo pai. “Tudo ali era invenção”, lembra. Hoje
com 39 anos, ainda se recorda com detalhes do teto solar sobre
o seu quarto, ou da piscina interna com jatos para todos os lados.
Os desenhos de criança, Thiago fazia em papel-manteiga,
vegetal, milimetrado – papéis de arquiteto, enfi m. Vivia
acompanhando seu pai nos canteiros de obras. No começo da
adolescência, já fazia pequenas colaborações em seus projetos.
Com 13 anos, desenhou as portas de bambu para uma casa
em Angra dos Reis. Era arquitetura por todos os lados. Foi um
cerco que se mostrou sufocante. Aos 16 anos, foi trabalhar como
assistente do fotógrafo Luís Garrido, um mestre dos retratos,
durante ano e meio. “Estava tentando fugir da arquitetura”, diz.
A fuga não durou muito.
CASA DE RUY SOLBERG (1992)Rio de Janeiro – Projeto de Thiago Bernardes
Chegou uma hora em que Thiago parou de fugir e começou a cursar
arquitetura na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Queria entender
aquela arte, para saber se era o que queria. Percebeu que levava jeito.
“Para mim é muito natural fazer arquitetura. E eu não sabia fazer outra
coisa. Virei arquiteto por preguiça.” Mas o peso da tradição continuava
lá. “Quando comecei a estudar, escondia meu sobrenome.” O mesmo
peso de um Kennedy que se lança na política, ou de um Caymmi que
se torna músico – e que é pior quando o herdeiro do sobrenome é um
sujeito tímido. Thiago, ao posar para as fotos desta reportagem, sorriu
sem graça e comentou que achava “foto pior do que injeção”.
Claro que ser fi lho e neto de dois gigantes da arquitetura também
trouxe vantagens. Ainda estudante, já era chamado por clientes da famí-
lia para colaborar em projetos. Aos 18 anos, construiu sua primeira casa,
na ilha de um amigo do pai, o cineasta Ruy Solberg, apenas ele e um
operário trabalhando nos fi ns de semana. “Foi a primeira casa que colo-
quei em pé”, lembra. A essa altura, já tinha tanto trabalho no escritório
do pai que mal dava conta da faculdade: passou por outras três, além da
UFRJ, e concluiu o curso sem buscar o diploma.
Em 1993, aos 19 anos, rompeu profi ssionalmente com o pai e criou
seu próprio escritório, com o sócio Miguel Pinto Guimarães. “Tinha que
voar e me arriscar”, diz. Claudio Bernardes era um homem grande e de
personalidade forte, que chamava a atenção por onde passasse. “Meu
pai era enorme, era um Sol”, diz. Ele sentia que precisava sair da órbita
da família para construir sua própria arquitetura.
Soube pela mãe que o rompimento deixou Claudio muito contra-
riado. No dia em que recebeu a notícia, ao chegar em casa ele disse
para a esposa, aos prantos: “Como o Thiago vai sair do escritório? Ele
não sabe de nada. Nada”.
CASA POVOADO DAS CANOAS (1958)Alto da Gávea, Rio de Janeiro – Projetada por Sergio e reformada por Claudio Bernardes
AOS 16 ANOS, THIAGO TENTOU A FOTOGRAFIA.
“QUERIA FUGIR DA ARQUITETURA”
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THIAGO BERNARDES
A parceria de Thiago e Miguel deu certo. Este era extrovertido e
falante, bom para fazer as apresentações aos clientes, enquanto
aquele preferia os bastidores, nada de aparecer muito. Ficaram
juntos por uma década.
Um dos primeiros projetos importantes da dupla foi a casa de
uma amiga, no Jardim Botânico. “Ela foi corajosa. A gente tinha 20
e poucos anos e ela nos contratou para um projeto superousado”,
diz Thiago. O resultado foi uma casa em estrutura metálica, quase
industrial, com laje aparente e instalações expostas para o mundo.
Para Thiago, “arquitetura boa é a que está bem inserida –
no terreno onde ela está, na cidade, no país”. Ele não gosta de
“arquitetura burra”, a que usa formas sem motivo. O arquiteto
não se vê como um artista criador de obras, mas como alguém
que sabe ouvir o que o chão e o morador têm a dizer. “As ca-
racterísticas do terreno e o programa do cliente já dizem como
o projeto tem que ser. Eu tento me encaixar.” Aos poucos, o
escritório foi se encaixando no mercado carioca, crescendo
um passo por vez, como os sócios achavam que tinha de ser.
Seus planos mudaram em 24 de outubro de 2001, quando o pai
morreu em um acidente de carro no Mato Grosso do Sul, aos 52
anos. Da noite para o dia, Thiago se viu obrigado a crescer de
um jeito que não tinha imaginado.
CASA DO JARDIM BOTÂNICO (ANOS 90)Rio de Janeiro – Projeto de Thiago Bernardes e Miguel Guimarães
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PERSONNALITÉ
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Com a morte de Claudio Bernardes, Thiago teve de assumir os pro-
jetos e os clientes deixados pelo pai. “Não tive escolha”, diz. “Tinha
uma mãe, duas irmãs e uma porrada de gente que dependia da
estrutura que ele havia montado.” Gastador e amante de uma boa
vida, Claudio havia deixado menos de R$ 30 mil no banco. Para se
adaptar à nova demanda, Thiago mudou tudo na vida. Uniu-se a um
antigo sócio do pai, Paulo Jacobsen, e trocou o surf e o tempo livre
que gostava de passar junto à natureza por uma rotina de traba-
lho de horas sem fi m, movido a remédios. A cobrança dos antigos
clientes do pai se misturava com a pressão dos olhares que diziam
o tempo todo “esse cara não vai conseguir”. Tudo de uma vez. “Se
não dormir, você vai morrer”, ouviu de um médico, a quem procurou
após passar 72 horas trabalhando.
No escritório recém-aberto em São Paulo, precisou criar uma nova
clientela, numa cidade em que os Jacobsen não eram tão conhecidos.
No Rio, a fama é que era um desafi o, pois Thiago teve de convencer
os clientes de que tinha o seu jeito próprio de trabalhar e não estava
interessado em repetir as obras do pai. “Eu dizia: ‘Olha, isso morreu, eu
quero fazer outra coisa’.” Foi se libertando aos poucos, tanto no estilo
como na escala dos trabalhos. “Eu não queria ser taxado como um ar-
quiteto que faz casa”, diz. Um marco que mostrou como podia ir além
das casas foi a construção do Museu de Arte de Rio (MAR). O desafi o
ali era unir um palacete de 1910 e um prédio modernista de 1940. Para
isso, criou uma grande cobertura ondulada de concreto entre os edifí-
cios. “No meu primeiro rabisco, essa cobertura era plana. Meu primeiro
gesto para deformar a estrutura foi queimar um pedaço de plástico.”
Inaugurado no ano passado, o museu virou uma referência da
paisagem da zona portuária carioca e marcou o fi m da sociedade com
Paulo Jacobsen. Ainda em 2011, Thiago comunicou ao antigo sócio do
pai que queria se separar, dizendo: “Quero contar minha história”.
MUSEU DE ARTE DO RIO (2013)Praça Mauá, Rio de Janeiro – Projeto de Thiago Bernardes, Paulo Jacobsen e Bernardo Jacobsen
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THIAGO BERNARDES
Faz dois anos que Thiago vem contando sua história no escritório
Bernardes Arquitetura, com os sócios Camila Tariki , Márcia Santoro,
Nuno Costa Nunes e Dante Furlan. Entre os projetos atuais da em-
presa, estão um hotel no Uruguai e um centro cultural em Paraty.
Sua rotina continua intensa. Toda semana, passa três dias em
São Paulo e dois no Rio. Mas ele aprendeu a criar um tempo nos
fi ns de semana para deixar o trabalho de lado e escapar para algum
refúgio ao lado da esposa, a atriz Bia Bernardes – com quem se
casou há cinco anos –, e os fi lhos Antonio, 4 anos, e Vicente, 2. São
dois mundos que ele gosta de manter separados. “Aprendi que é
bom ter um afastamento entre família e trabalho, que meu pai não
tinha muito e meu avô não tinha nada.”
Um dos refúgios da família é uma casa projetada por seu pai,
em Angra dos Reis – uma cabana indígena com estrutura
moderna, feita de madeira, com cobertura de piaçava, que
ainda mantém as portas que Thiago desenhou quando tinha
13 anos. O outro é uma casinha de pescador, em Paraty, sem
telefone nem energia elétrica. “Sou totalmente a favor de
tecnologia, mas gosto da sensação de saber que você pode
viver sem ela. De ter contato com outras coisas: céu, mar, na-
tureza...” Há qualquer coisa de simbólico nisso. Como se, sob
a luz do sol, encarasse um outro tipo de sombra, mais suave,
e o peso do passado ilustre, de ser neto e fi lho de referências
da arquitetura brasileira, evaporasse. Vivendo e criando com
leveza, Thiago equilibra a sua herança. É a arquitetura dos
Bernardes em plena reconstrução.
CASA EM ANGRA DOS REIS (1990)Projeto de Claudio Bernardes
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PERSONNALITÉ
N os anos 60, a casa do avô de Thiago Bernardes era um endereço badalado na avenida Niemeyer, do Rio de
Janeiro. Ali, a família Kennedy ia jantar, os Mutantes iam ensaiar e Brigitte Bardot precisou... correr. A atriz francesa teria sido fl agrada com Sergio Bernardes aos beijos e algo mais – e logo pela esposa do arquiteto, Clarice. Mas há uma história ainda mais incrível.
Foi numa madrugada. Sergio e a mulher dormiam. Escutaram barulhos na sala. Instado por Clarice, Sergio levantou-se e foi conferir. Diante do bandido, Bernardes não quis chamar a polícia. Preferiu puxar papo. Enquanto conversavam, o arquiteto se livrou de todos os objetos que odiava, entregando ao ladrão pratarias e presentes de casamento. No dia seguinte, arrumou um emprego para o ladrão na loja de materiais de construção de um amigo. Anos depois, virou padrinho do fi lho do ex-bandido.
No processo de contar sua história, como diz, Thiago Bernardes mergulhou fundo na do avô. Episódios como os narrados acima por parentes e amigos levariam ao documentário Bernardes, de Gustavo Rodrigues e Paulo de Barros, lançado este ano. No fi lme-tributo, Sergio aparece do tamanho de suas contradições. Autor dos icônicos Pavilhão
São Cristóvão, no Rio, e do Hotel Tambaú, em João Pessoa, parceiro de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, um certo dia, sem aviso prévio, Sergio abandonou a família e deu as costas à boa vida para se aventurar em ideias ambiciosas. Como diria, ele queria reformar o Brasil. “Depois que o fi lme fi cou pronto, fi quei um mês deprimido. Era muita exposição”, conta Thiago. Foi duro, mas ele sente que se aproximou da fi gura do avô.
O ponto de virada na vida de Sergio aconteceu em 1968, aos 49 anos. “Representei muitos anos, no mesmo teatro, a mesma peça com os mesmos cenários, com o mesmo público, com os mesmos artistas, com a mesma estrela. Estou farto de representar. Serei autenticamente eu e minha sensibilidade”, escreveu, numa carta enviada de Nova York para a família, em que anunciava a vida zerada e os novos rumos. Gravando, Thiago descobriu que o ostracismo a que Sergio seria relegado junto aos colegas viria a reboque de obras para a ditadura militar, como o mausoléu do presidente Castello Branco, em Fortaleza, e o mastro da bandeira na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Mas a censura parece não tê-lo incomodado. “Como um ser maldito, eu fi co com liberdades enormes de fazer o que eu quero”, dizia. Sergio passou a se denominar um “inventor social” e mergulhou em projetos
OS BERNARDES, DA ESQUERDA PARA A DIREITA: THIAGO,
SERGIO E CLAUDIO, EM FOTO DE 1998. NA PÁGINA AO LADO,
THIAGO NA MESA DO SEU ESCRITÓRIO EM SÃO PAULO
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grandiosos. Comprou um avião para conhecer todos os rios navegáveis do país e criar um projeto de ligação das regiões por meio fl uvial. Nada sairia da prancheta e seu escritório faliu. Em 1985, se lançou candidato a prefeito do Rio, propondo integrar as favelas à cidade e dividir o município em 69 regiões autogeridas. Teve 0,36% dos votos. Passou os últimos dias sendo sustentado por diferentes pessoas, mas feliz – “Quem não tem dinheiros não tem limites” era seu lema.
O PROCESSO
A vontade de entender essa “fi gura enigmática”, como Thiago defi ne, veio durante uma crise pessoal, em 2008. Na época, ainda mantinha a rotina de trabalho ensandecida que adotara após a morte do pai. Pegou a estrada por um mês, numa viagem de 6 mil quilômetros pelo país. “Comecei a pensar em
muitas coisas e veio a ideia de buscar meu passado.” A busca começou na forma de conversas despretensiosas com pessoas do círculo mais próximo de Sergio. Thiago pediu a amigos para gravar os papos em vídeo. Os amigos se empolgaram tanto que deu no que deu.
“Hoje entendo que o meu avô foi um gênio, um missionário, um cara que abriu mão de tudo por não acreditar no modelo que a gente vive. É fácil chamar ele de maluco, porque a gente está encaixado na sociedade, mas é uma sociedade que não está certa.” À luz de Bernardes, Thiago revela uma frustração. “Eu não sei ainda como posso fazer para ajudar a sociedade. Mas vejo como meu avô provocou isso em mim e num monte de gente.” E o que Thiago tem em comum com o gênio e missionário Sergio Bernardes? Ele responde rindo: “Tenho em comum a bochecha. Acho que só isso”.
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O designer e pesquisador Chico Homem de Melo, autor do livro Linha do tempo do design gráfi co no Brasil, elege e analisa cinco das mais importantes logomarcas do país
POR Fabiano Rampazzo
A HISTÓRIA POR TRÁS DA MARCA
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PIRAQUÊ (1965) Biscoito neoconcretoO logo e a arte estampados nas embalagens da marca carioca de biscoitos surgiram em 1965 e são obra de Lygia Pape (1927-2004), artista que teve sua trajetória atrelada à vanguarda brasileira da década de 1950 – ao lado de Lygia Clark e Hélio Oiticica. “O logotipo traz na fi guração um calor”, explica o designer Chico Homem de Melo, pro-fessor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autor de Linha do tempo do design gráfi co no Brasil (editora Cosac Naify, 2012, escrito em coautoria com Elaine Ramos). “Lygia sugere um pirulito ao mesmo tempo em que insinua a letra P. Com isso, consegue se servir da geometria para trazer graça. O trabalho tem um signifi ca-do de infância que ajudou a construir a marca.”
Para a crítica de arte Daniela Name, a obra de Lygia Pape oferece outras imagens. “Além do P, entendo a fi gura como um talher e um prato”, diz. “Em termos de patrimô-nio simbólico, a contribuição dela, nessas embalagens, é gigantesca. Lygia aplica vários dos princípios ópticos que nortearam o construtivismo brasileiro, especialmente a obra neoconcretista, que tornou a geometria mais subjetiva, aberta e afetiva.” Daniela desta-ca, ainda, o uso da tipologia. “É a mais simples possível, sem serifas, de leitura imediata, usando apenas minúsculas, como era comum nessas vanguardas dos anos 1950.”D
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LIGHT (1966)O toque do mestreO trabalho do pernambucano Aloisio Magalhães (1927-1982) na Light, companhia distribuidora de energia elétrica do Rio, é um dos pontos altos da carreira do designer. Responsável por algumas das mais importantes logomarcas do país [leia boxe na últi-ma página desta reportagem], foi ele quem concebeu, em 1965, o símbolo original da TV Globo (um cata-vento formado pela junção de quatro números 4, o canal da emis-sora à época). Para a Petrobras, em 1970, idealizou um projeto de identidade visual que resultaria em uma das marcas mais reconhecidas do país – a ponto de se populari-zar como um termo mundial. “Até então, o ‘BR’ não gerava uma identifi cação de Brasil tão instantânea”, explica Homem de Melo. Mas foi ao espelhar duas letras “L” que o designer chegaria à síntese de seu estilo inventivo. “O Aloisio se notabilizou por uma certa invenção gráfi ca, uma habilidade para criar imagens formadas por fi guras dife-rentes”, diz Homem de Melo. “Ele utilizava bastante o recurso das rotações e espelha-mentos. No caso da Light, fez de duas letras ‘L’ um raio e um símbolo no sentido clás-sico: funciona em qualquer tamanho mantendo a informação. É um sinal sensacional.”
Veja no tablet uma seleção de charges de
logotipos feitas pelo cartunista Fortuna
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METRÔ (1967) Em cima e embaixoO símbolo do Metrô de São Paulo, criação de João Carlos Cauduro e Ludovico Martino (morto em 2011), é “um dos pilares do design modernista”, na defi nição de Chico Homem de Melo. O pesquisador destaca a simplicida-de estrutural que favorece o reconhecimento instantâneo pelo usuário. “O desenho traduz a natureza do serviço oferecido pela empresa, com o par de setas verticais indicando tanto o movimento de ir e vir como a ligação entre superfície e subsolo. Pode ser aplicado e reco-nhecido em um bilhete único de 3 centímetros tão bem quanto em uma parede de 5 metros. É brilhante.” O designer e professor da PUC-Rio João de Souza Leite destaca o esforço para fi s-gar o conceito elementar do serviço de trans-porte: “Não há no logo um centro irradiando para alguma coisa, apenas o princípio básico da locomoção: ‘você vai para frente ou para trás’. É um símbolo perfeito”.
EUCATEX (1967) Ouvido humanoO paulistano Alexandre Wollner fi gura ao lado de Aloisio Magalhães entre os gigantes do design brasileiro. O símbolo da Eucatex merece um destaque. “O desenho pode ser entendido como um diagrama do labirinto do ouvido humano”, explica Chico Homem de Melo. “Isso remete às qualidades acústicas do produto que ele quer vender.” Wollner es-tudou na Escola de Ulms, na Alemanha, onde surgiu o design modernista. “A precisão que ele aplica ao símbolo da Eucatex fi ca visível e é fruto dessa formação.”
Para o professor João de Souza Leite, a obra amplia o repertório do designer. “Esse é o único trabalho do Alexandre construído a partir de curvas compostas”, explica. “Ele rompe com o geometrismo que caracterizava a época e faz esse trabalho fantástico.”D
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SPOT (1994)No escurinho do cinema“A criação de Rafi c Farah questiona a geometria e a concisão do design modernista”, diz Chico Homem de Melo. “Este logotipo foge da nitidez máxima dos bancos, por exemplo, e não precisa da instantaneidade que se vê no símbolo do metrô paulistano.” Para João de Souza Leite, os traços mais livres e o rompimento de regras são sacadas que conferem um toque de leveza, ideal a um espaço como um restaurante. “Ao usar letras que remetem à Futura, tipografi a desenhada em 1927 por Paul Renner [1878-1956], ele entrelaça as linhas e letras”, explica. “É um trabalho para um restaurante com um único endereço, com um público selecionado”, continua Homem de Melo. “Fosse uma rede com 2 mil lojas, como o McDonald’s, não funcionaria.”
Rafi c Farah concebeu o símbolo em uma tarde de 1994. O designer falava ao tele-fone com Maria Helena Guimarães, uma das sócias do estabelecimento. Ouvia as ins-truções, rabiscando despretensiosamente um papel com seu lápis mina 6b. Desligou. Olhou para a folha e percebeu que algo ali fazia sentido. Notou que as linhas se jun-tavam, havia uma unidade. Guardou a ideia. Naquela noite, o artista foi ao cinema ver um fi lme sobre Andy Warhol com seu amigo e colega Guto Lacaz. Durante a sessão, relembrou dos rascunhos. “Eu não saberia explicar exatamente por que, mas houve uma conexão entre o fi lme e o Spot”, conta Rafi c. “A certeza de que o logo estava na-quele rabisco veio ali na hora.” Ao apresentar a encomenda, em tempo recorde, esta-beleceu uma marca de sucesso na cena gastronômica paulistana. Seria a criação mais rápida de sua carreira de mais de 45 anos como designer. D
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“Hoje há pelo menos uns quatro designers por esquina. Na década de 60, se houvesse cinco,
era muito. Aloisio Magalhães era um deles.” A citação acima, dita por João de Souza Leite –
o autor de A herança do olhar: O design de Aloisio Magalhães (editora Senac Rio, 2004) e
curador da Ocupação Aloisio Magalhães, evento organizado pelo Itaú Cultural em julho passado
– constata o pioneirismo do artista pernambucano.
Um dos fundadores do design brasileiro moderno ao lado de Alexandre Wollner, João
Carlos Cauduro e Ludovico Martino, Magalhães é nome incontornável na trajetória de algumas
das mais importantes logomarcas do país. Além de conceber o símbolo original da TV Globo
e estabelecer marcas como Petrobras, o designer foi responsável por trabalhos de sucesso no
açúcar União e na Comgás. Para a Fundação Bienal, em 1965, o artista entregou um símbolo
que pode sugerir tanto a letra B como o número 6 (a quantidade de letras na palavra bienal).
No ano seguinte, o governo brasileiro o contrataria para desenhar as notas de Cruzeiro que
entrariam em circulação em 1970.
“Aloisio se destacou não só pela escala e quantidade, mas pela qualidade dos sinais”,
explica Souza Leite, ex-assistente de Magalhães. “Ele promoveu uma revolução na área cultural.
Foi o primeiro a ganhar projeção na imprensa, a fi car mais conhecido e a levantar a bandeira
do design.” O artista morreu em 1982, aos 54 anos, à frente de seu escritório, a PVDI. A data
de seu nascimento, 5 de novembro (de 1927), tornou-se, desde 1998, o Dia Nacional do Design.
_Aloisio Magalhães, um marco do design brasileiro
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THIAGO BERNARDES PERGUNTA:
VOCÊ FAZ ALGUMA RELAÇÃO ENTRE COMIDAE MÚSICA?
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BELA GIL RESPONDE: Engraçado você perguntar isso. Muita gente costuma cozinhar escutando
música. E, por eu vir de uma família de músicos, várias pessoas acham que a música está presente na minha vida o tempo todo. Acontece
que a hora de cozinhar é uma hora de bastante foco, de conexão com os alimentos e os sentidos. A música preenche vazios e gera sensações, mas
a cozinha já me apresenta muitas coisas e muitas sensações. Às vezes, a música pode me atrapalhar. Não quero confundir o sabor
do aipo com a sensação de saudade da infância provocada por uma canção. Deixo a cozinha, a comida e o tempero tomarem conta dessas sensações.
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RECEITA
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DE VIDA
Como Bela Gil aprendeu o caminho da cozinha com o pai, Gilberto Gil, tornou-se nutricionista, chef e, aos 26 anos, apresentadora de um programa de alimentação saudável na TV brasileira: “Troco uma porção de prazer por uma porção de bem-estar”
POR Mariana Filgueiras, do Rio de Janeiro FOTOS Daryan Dornelles
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BELA GIL
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A rroz, feijão, carne moída e banana. O prato preferido de tantas crianças brasileiras era também o de Bela Gil.
Com uma pequena diferença: antes de raspar o prato, a pe-quena Isabela comia com gosto um bom punhado de rúcula, até hoje sua verdura predileta. Ela ri quando conta. Não eram alface nem cheiro-verde disfarçados em meio à refei-ção. Nada disso. Era rúcula mesmo, amarga, inteiriça.
Na casa do pai de Bela, Gilberto Gil, havia uma especial predileção por refeições balanceadas. Macrobiótico desde a década de 1970, quando passou a se interessar também pela ioga, o músico acabou infl uenciando aos poucos a família in-teira. E tudo por culpa de John Lennon e Yoko Ono. Em um dos períodos em que esteve preso durante a ditadura militar, o compositor baiano pegou uma revista para ler em sua cela. A publicação trazia uma reportagem sobre os recém-adquiridos hábitos macrobióticos do ex-Beatle. Interessado naquela fi lo-sofi a de vida frugal, em parte calcada na ingestão de cereais, começou a buscar livros sobre o tema.
“Nunca fomos forçados a só comer coisas saudáveis, não funcionava assim”, diz Bela, fi lha da empresária Flora Gil, 54 anos, e irmã de Bem, 29, e José, 23. Ainda que tenha despertado sua paixão pela alimentação natural apenas na juventude, por volta dos 14 anos, os ingredientes que determinariam a carreira de Bela Gil estavam ali desde seus primeiros anos. “Tomávamos refrigerante, comíamos chocolates e, nessa época, só lembro de ir à cozinha de vez em quando, para ajudar a minha avó a preparar bolinho de chuva”, conta. “Mas o simples fato de ter muitas opções naturais em casa nos fazia conhecer os legumes, vegetais, grãos, frutas. Isso tudo ajudava a desenvolver o paladar. Ver nossos pais optando por um estilo de vida mais saudável nos dava mais responsabilidade sobre nossas escolhas.”
Aos 26 anos, Bela Gil é uma nutricionista e chef com a agenda bem apertada. Poucas horas depois desta entrevista, ela pegou um avião para Copenhague. Ao lado de nomes como Alex Atala, passaria uma semana em um congresso sobre ali-mentação. Capitaneado por René Redzepi, o dinamarquês que comanda o Noma (o melhor restaurante do mundo segundo a revista Restaurant), o MAD é o mais importante encontro gas-tronômico do mundo. “Eu quero aprender tudo o que puder”, diz Bela. “Estou só começando.”
Bela Gil começou bem, aliás. A primeira temporada do seu programa de culinária no GNT, Bela cozinha, estreou em
março. Teve tão boa aceitação que o canal emendou uma segunda fornada de episódios, exibidos desde setembro. Nas feiras orgânicas que frequenta, a nutricionista percebe o re-sultado por conta da quantidade de gente que a aborda con-tando histórias. “Outro dia uma mulher me disse que já tinha perdido 23 quilos desde que começou a mudar a maneira de encarar a alimentação, seguindo minhas dicas”, conta. “Fiquei muito impressionada. Gente, 23 quilos! Como assim?” A chef e apresentadora Rita Lobo reconhece a relevância da atuação de Bela: “Ela tem um trabalho muito importante no sentido de despertar a consciência das pessoas para uma alimentação melhor. Bela é séria e bem-intencionada. Ela se alimenta de duas dietas orientais, a ayurvédica e a macrobiótica – para atingir mais pessoas, talvez ela busque uma fórmula mais bra-sileira, que leve em conta nossos hábitos alimentares”.
DUAS TANGERINAS E UM PACOTE DE CASTANHAS
A receita de seu sucesso é tão simples quanto o arroz, feijão, carne moída e banana da infância: à frente das câmeras – ex-periência que nunca havia tido –, Bela é natural, curiosa, es-pontânea. A baiana surge na tela disparando combinações de alimentos com simplicidade. Quando solta uma dica valiosa – como quando explicou que o leite de amêndoas é melhor para a digestão do que o leite de vaca –, a frase surge entre sorrisos.
Há mais um tempero que torna o Bela cozinha um progra-ma que se aprecia sem a menor azia: a chef grava cercada de amigos. Assim, Zeca Pagodinho aparece provando um ham-búrguer de feijão-preto. Com Fafá de Belém, falou de vinhos e ressacas. Ao lado da atriz Maria Ribeiro, trocou os macetes para preparar salgadinhos e docinhos de uma festa infantil. Carolina Dieckmann, uma confessa fã de açúcar, aprendeu como assar um bolo de chocolate saboroso sem leite, ovos, manteiga e adoçantes industrializados.
Na semana em que estreou na TV, Caetano Veloso a en-controu por acaso num restaurante no Rio de Janeiro. En-cantado, elogiou: “Engraçado, o programa é tão você”. Bela concorda. “Faço tudo, do roteiro até os detalhes das gravações, que são na cozinha da casa dos meus pais”, diz. “Escolho os convidados, as receitas. A intenção é desmistifi car a alimenta-ção natural, com substituições e conceitos simples, voltando àquela comidinha da vovó, feita com ingredientes locais, sem conservantes e processos de industrialização.”
A chef garante que é possível viver seguindo esse caminho.
GILBERTO GIL, NO HOTEL MACKSOUD PLAZA, EM SÃO PAULO, COM OS FILHOS
JOSÉ GIL (NO COLO), BELA GIL E BEM GIL, EM FOTO DE JANEIRO DE 1996
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PERSONNALITÉ
Fui testemunha disso. Naquela tarde em que falamos, Bela levava na bolsa duas tangerinas e um pacote de castanhas, para devorar até a hora de embarcar no avião. Ela não come as refeições de voo. Levava também uma lista de pedidos da mãe, que incluía granola especial sem açúcar e sem glúten. “Conta-minei toda a minha família”, diz, lembrando que até o irmão Bem, um dos poucos em casa que não se rendem à alimenta-ção natural, já aprendeu a fazer algumas das suas receitas.
DO BRIGADEIRO AO ARROZ INTEGRAL
Foi na adolescência que Bela começou a ir mais para a co-zinha. Curioso era o que gostava de preparar: brigadeiro de panela. A receita marcou o início da sua juventude. “Era um clássico do fi nal da noite lá na Bahia...”, conta. “Levava mi-nhas amigas para passar o Carnaval em Salvador, e a gente chegava em casa e fazia, para fi car comendo de colher no quarto, fofocando. Eu deixava queimar um pouquinho, para fi car empelotado.” Aos 14 anos, Bela passaria por uma trans-formação. Aconteceu num dos muitos fi ns de semana que a família passava na casa de Araras, região serrana do Rio. A fa-mília Gil mantinha o costume de receber amigos, explica Bela, e uns dos que iam com mais frequência era o casal Andrucha Waddington (que hoje dirige o Bela cozinha) e Fernanda Torres. Certa manhã, a atriz começou a fazer seus exercícios diários de Ashtanga, uma linha de ioga. A fã de brigadeiros se interessou por aqueles movimentos leves e plásticos. “Eles pareciam fazer tão bem”, lembra. Começou a praticar quando voltou ao Rio e nunca mais parou.
“Quando a ioga entrou na minha vida, passei do brigadeiro ao arroz integral”, explica. “Comecei a pegar os livros do meu pai na estante, tanto os que falavam sobre ioga como os sobre macrobiótica, veganismo. Tinha um livro em casa que meu pai já leu sete vezes, e que sempre citava, A autobiografi a de um io-gue. Foi fundamental para a minha percepção sobre a relação entre os alimentos e as curas. Como sempre fui muito estudio-sa, fui ‘comendo’ os livros que falavam desses assuntos. O pa-ladar foi mudando.” Dessa forma, o doce de chocolate e os lan-ches do McDonald’s que costumava ingerir pareciam cada dia menos saborosos do que um peixe fresco feito com temperos ainda mais. Diminuiu também as quantidades. Ia a rodízios de pizza com as amigas e se satisfazia com um pedaço.
Aos 16, tornou-se vegetariana. Aos 18, mudou-se de mala, talheres e cuia para estudar em Nova York. Lá, formou-se em culinária natural pelo Nature College Gourmet Institute e em nutrição e ciência dos alimentos pela prestigiada Hunter College. Certo dia, foi parar num médico que a apresentou à
_A bíblia alimentar de Bela e Gilberto Gil
Publicado em 1946, A autobiografi a de
um iogue é um dos maiores best-sellers
de todos os tempos (estima-se que tenha
vendido mais de 4 milhões de cópias em
33 países). O livro, escrito pelo indiano
Paramahansa Yogananda, que morreu em
1952, aos 59 anos, fala sobre os poderes
iogues, além de relatar as rotinas de
estudo e meditação do autor, que incluem encontros com
Mahatma Gandhi. Perpassa as experiências de sua infância;
os encontros que teve com santos e sábios durante a busca
que empreendeu em sua juventude, por toda a Índia, na
procura de seu mestre; os dez anos de treinamento que
recebeu no eremitério de Sri Yukteswar, assim como os
30 anos que lecionou nos EUA. A obra tornou-se popular
inclusive entre celebridades, como Elvis Presley, João Gilberto
e George Harrison. Único livro digital encontrado no iPad
de Steve Jobs, no Brasil foi traduzido pelo imortal Antonio
Olinto. Pouco tempo depois de conhecer Flora, Gilberto Gil
deu-lhe de presente um exemplar. “Ele estava fascinado”,
lembra sobre o marido, ainda fã da obra aos 72 anos.
NO ALTO, BELA E A FILHA, FLOR, NA PRAIA DE MONTAUK, EM NOVA YORK (2011)
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BELA GIL
É dessa época em Nova York que Bela lembra a receita que marcou sua transformação: o macroplate, prato básico da macrobiótica. Como um sistema que ensina que toda refeição deve ser composta de um cereal, uma proteína, folhas verdes, uma raiz e vegetais, um macroprato reúne arroz integral, al-gas marinhas, além de legumes, raízes e vegetais da estação. O incremento fi cava por conta de um molho especial feito à base de semente de gergelim. Veio daí seu apreço por grãos. Não há um só prato das suas receitas que não leve uma boa porção deles. “Toda base das minhas receitas tem sementes. Gosto muito de usá-las, dá textura, crocância”, explica. “Se-jam nozes, amêndoas, sementes de gergelim, girassol, abó-bora, castanhas doces ou salgadas. Fui vegetariana um bom tempo, mais ou menos uns quatro anos. Usava as sementes como fonte de proteína, como o tofu e o feijão.”
Durante a gestação de Flor (hoje com 6 anos), Bela voltou a ingerir carne. Ela entendeu que aquela dieta fazia sentido em uma determinada fase de sua vida, mas que dali em dian-te, já com uma alimentação equilibrada, poderia voltar a co-mer principalmente peixe, sempre em pequenas porções. Não foi só a mãe, Flora Gil, que foi “contaminada”, como Bela diz, por seus hábitos naturais. O marido, o produtor João Paulo Demasi, com quem está desde os 18 anos, é mais um converti-do. De uma dieta junkie, hoje é ele o vegetariano da casa.
No ano passado, depois de sete anos vivendo em East Village, em Nova York, o casal voltou ao Brasil. O convite para apresentar o programa na TV a fez desistir de um mes-trado e desembarcar no Rio. Sua rotina é um refl exo do que
fi losofi a ayurveda, medicina tradicional hindu que se baseia na ideia de equilíbrio dos sistemas corporais. O especialista a orientou a fi car uma semana só tomando sopas. “Foi ali que entendi tudo, de verdade”, conta, citando uma frase do pai que virou uma espécie de mantra: “Troco uma porção de pra-zer por uma porção de bem-estar”.
Depois daquela semana, percebeu que não precisava co-mer tantas vezes ao dia. Notou que se sentia melhor quando comia menos. Atinou que não fazia sentido “contar caloria”, como diz, pois muitos alimentos calóricos fazem bem, en-quanto os de baixas calorias nem sequer têm nutrientes. Foi registrando que alguns alimentos contribuíam para a diges-tão, para o sono, para o humor, enquanto outros atrapalha-vam. Passou a frequentar restaurantes e mercados orgânicos, a desvendar a cidade natural que existe nas entranhas do país do fast-food. Morando sozinha, teve de aprender a cozinhar.
NO ALTO, ELA COM O MARIDO, JOÃO DEMASI; E NO CENÁRIO DO
PROGRAMA BELA COZINHA. ACIMA, COM O PAI, GIL, A MÃE, FLORA,
OS IRMÃOS JOSÉ E BEM, O SOBRINHO BENTO (FILHO DE BEM), E BELA
COM A FILHA, FLOR, NO ANIVERSÁRIO DE 1 ANO (2009)
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PERSONNALITÉ
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se vê nas telas: plácida e leve. Acorda por volta das 8 horas. Medita e executa uma série de exercício físicos. Não costuma frequentar a noite carioca. Na intimidade, gosta de observar a atração que a pequena Flor tem pela cozinha (a menina, que é até capaz de beliscar um brigadeiro, não toma refrigerantes). Flor é a principal ajudante da chef nas refeições que prepara para família e amigos, um dos programas favoritos de Bela. A chef explica que faz de tudo para naturalizar a relação da fi lha com a cozinha e os alimentos, sem criar medo exagerado de panelas nem fazer pressão para que a criança siga seus passos.
“Ela é meu orgulho”, diz. “Claro que, como toda criança, quer bolo e chocolate, mas a Flor sabe que se comer muito vai passar mal. Ela sempre pergunta o que é, se pode; é curiosa, interessada na própria dieta, gosta mais de suco verde do que de brigadeiro.” A relação com a fi lha e a conexão da menina com a alimentação saudável tomam conta da conversa. Bela lembra de duas histórias curiosas. “Outro dia, a Flor me ajuda-va a fazer um prato quando quebrei um ovo. Ela meteu a mão na gema, lambeu, achou delicioso. E teve uma vez, há uns dois anos, que fomos a um restaurante... e ela pediu ouriço!”
FEIJOADA VEGETARIANA
Bela Gil não se sente muito confortável quando é chamada de chef. Ela, de fato, é algo além disso. Como nutricionista, tem pacientes. Como cozinheira, comensais. Como apresentadora, espectadores. Por isso, sua comida é indissociável de seu jeito de ver o mundo. Tanto que a baiana costuma entrar em reti-cências quando perguntada sobre o tipo de gastronomia que pratica. Sua cozinha é um retrato do que gosta. Simples assim. Dessa forma, surgem pequenas maravilhas. Nas reuniões de cozinha em família, um dos pratos que fazem mais sucesso é o bolinho de arroz integral com painço.
A chef e nutricionista segue uma espécie de decálogo que divide com seus fãs, sejam pacientes ou espectadores. É uma espécie de receituário da boa vida: só come quando tem fome, só bebe água quando tem sede. Não gosta de obrigar o organismo a trabalhar o tempo inteiro, quebrando o estigma das dietas de emagrecimento, que dizem que é preciso comer de três em três horas. Libera frutas no verão, mas as evita no inverno – por acreditar que uma dieta “fria” facilita o apareci-mento de gripes. Aos pacientes – Bela mantém um consultó-rio no Rio, e suas consultas incluem leitura da íris, questioná-rio ayurvédico e exame de urina –, indica sal marinho e açú-car mascavo em substituição ao sal e ao açúcar convencionais.
Bela está fi nalizando o primeiro livro de receitas. Em se-guida, quer abrir um restaurante. E não é só na TV que tem
chamado a atenção. No ano passado, foi convidada pelo cria-dor do movimento Slow Food, Carlo Petrini, a dar uma pales-tra ao lado de Gilberto Gil na Itália.
Pouco antes de encerrar a entrevista, quando o horário do voo se aproxima, pergunto se ela imagina um prato que re-presente o futuro e a fase cheia de projetos. Bela não titubeia. “Ah, feijoada vegetariana! Ela representa tudo o que acredito. É possível comer bem sem abrir mão do sabor. Simboliza essa passagem da culinária tradicional para uma mais natural. Muitas pessoas provam e não acreditam que possa fi car tão parecido com uma tradicional. Tem tudo: arroz, farofa, couve, laranja, feijão preto, e, no lugar da carne de porco, linguiças de tofu defumado, além de legumes, como abóbora e quiabo. Você devia provar...”, diz, já mordiscando as castanhas que vão segurá-la até desembarcar na Dinamarca.
_Bolinho de arroz integral, por Bela Gil
INGREDIENTES
1 xícara de arroz integral
1 xícara de painço (ou quinoa)
4 xícaras de água
1 cenoura ralada
½ cebola picada
1 dente de alho picado
1 colher de chá de sal
½ xícara de azeitona picada (opcional)
½ copo de semente de girassol moída
½ xícara de salsa picada
1 colher de chá de tomilho fresco
3 colheres de sopa de óleo de gergelim torrado
3 colheres de sopa de shoyu
MODO DE PREPARO
Preaqueça o forno a 200 oC. Lave o painço e o arroz,
escorra bem e coloque numa panela. Adicione a água,
deixe ferver e tempere com o sal. Assim que ferver,
abaixe o fogo, tampe a panela e cozinhe por 30 minutos.
Quando o arroz estiver pronto, coloque num recipiente
grande e misture todos os outros ingredientes. Faça os
bolinhos e coloque no tabuleiro untado com azeite ou
óleo para assar de 30 a 40 minutos.
Baixe a Revista Personnalité no tablet
e veja vídeo com a execução da receita
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O COMPOSITOR AYLTON ESCOBAR, 71 ANOS, EM CASA,
NO BAIRRO DO ITAIM BIBI, SÃO PAULO
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POR Irineu Franco Perpetuo FOTOS Victor Aff aro
MEMÓRIA VIVA
Selo Digital da Osesp abre espaço para a música erudita brasileira e apresenta obras de Almeida Prado,
Gilberto Mendes e Aylton Escobar, três dos nossos mais importantes compositores contemporâneos
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78GILBERTO MENDES, DE 92 ANOS, EM CASA, NO BOQUEIRÃO, EM SANTOS
(SP). NA PÁGINA AO LADO, ELE SEGURA UMA DE SUAS PARTITURAS
U ma abertura de ópera de Mozart, um concerto de Tchaikovsky to-
cado por um solista de reputação global e, depois do intervalo, uma sinfonia de Brahms. Para muita gente, a experiência de ver uma apresentação na Sala São Paulo se resume a isso. E, na verdade, boa parte da reputação da Osesp como me-lhor orquestra do Brasil se deve ao fato de ela ser capaz de executar o grande reper-tório internacional em altíssimo nível.
Porém, em seus 60 anos de histó-ria, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo jamais se conformou em ser “apenas” um excelente museu sonoro, reproduzindo o consagrado cânone da música europeia. A ligação com a cultura brasileira está no DNA da Osesp, que vem se empenhando em divulgar, editar, executar e gravar as principais obras de nossa música erudita – uma produção de qualidade que segue, de modo ininter-rupto, dos tempos coloniais até hoje.
Tal produção, a Osesp vem resga-tando com diversas iniciativas, como a execução de obras em sua temporada e a publicação de partituras pela edi-tora Criadores do Brasil, além de uma série de CDs que tem merecido elogios da crítica especializada internacional. A orquestra já dedicou caprichados discos a compositores como Camargo Guarnieri (1907-1993), Claudio Santoro (1919-1989) e Francisco Mignone (1897-1986), sem falar em um especial esforço em cima da obra de nosso maior músico de todos os tempos, Heitor Villa-Lobos (1887-1959), do qual a Osesp gravou a integral das Bachianas brasileiras e dos Choros, estando agora engajada no re-gistro da totalidade de suas sinfonias.
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_Cinco obras fundamentais da música erudita contemporânea brasileira“Santos Football Music” (1969)
Gilberto Mendes
A reprodução de um jogo de futebol,
sobrepondo som orquestral, gravações
de locutor esportivo e a atuação do pú-
blico como a torcida.
“Cartas celestes n. 1” (1974)
Almeida Prado (1943-2010)
A descrição do céu do Brasil nos meses
de agosto e setembro engendra uma obra
para piano solo arrojada e original, com
efeitos novos e inesperados a serviço de
uma enorme capacidade sugestiva.
“Ukrinmakrinkrin” (1964)
Marlos Nobre
Com texto do compositor, baseado
no dialeto dos índios xucuru, a cantata
lançou a carreira internacional de
Nobre depois de ser premiada na
Tribuna Internacional de Compositores
da Unesco, em Paris, em 1966.
“Crase” (2006)
Flo Menezes
Encomenda da Osesp, a obra é marcada
por radicalidade vanguardista, mesclan-
do orquestra e sons eletrônicos difundi-
dos ao vivo.
“Quinteto Angelus” (2005)
André Mehmari
Referências a Brahms e Mozart emoldu-
ram o idioma musical desse sofi sticado
quinteto para piano e cordas.
E não para por aí. A criação musical, no Brasil como no mundo, não fi cou estagnada no tempo, não se resumindo, portanto, às peças dos séculos 18 e 19 que tradicionalmente constituem o cerne do repertório orquestral. A Osesp estimula a criação contemporânea brasileira com encomendas regulares de novas obras, oferecendo-as ainda por meio do Selo Digital Osesp. Trata-se de uma iniciativa que permite o acesso à música erudita de forma completa-mente gratuita no site da orquestra. Lá é possível ouvir na íntegra ou bai-xar (com direito a capa e encarte com notas de programa) discos cuja ênfase tem sido a música brasileira.
O mais recente lançamento traz o pianista baiano de carreira internacio-nal Ricardo Castro interpretando, ao lado do Quarteto da Osesp, a refi nada música de câmara do compositor fl uminense Henrique Oswald (1853-1931). Outros três álbuns contemplam alguns dos mais importan-tes compositores brasileiros da segunda metade do século 20 e começo do 21: Almeida Prado (1943-2010), Gilberto Mendes, 92 anos, e Aylton Escobar, 71. Esses três nomes, essenciais para o entendimento do cenário musical, ganham a seguir pequenos perfi s. Para ouvir suas obras, acesse o site www.osesp.art.br e comece uma jornada por
mundos sonoros ricos, originais e pou-co explorados.
Gilberto MendesPapa das vanguardas brasileiras da déca-da de 1960, o santista Gilberto Mendes se aproxima dos 92 anos de idade lúcido e ativo. “Devo muito à Osesp, que enco-mendou, pagou, editou, executou e gra-vou obras minhas”, diz o compositor. Em 1962, Mendes fundou o Festival Música
Nova, que divulga no Brasil a música das mais ousadas cor-rentes europeias da época, capitaneadas por Boulez e Sto-ckhausen. Este ano, o festival acontece em Ribeirão Preto, Santos e São Paulo.
Desse período, o disco lançado pelo Selo Digital traz o Coro da Osesp can-tando o “Motet em ré menor – Beba
Coca-Cola” (1967), um provocativo “anti--jingle” com texto de Décio Pignatari. As outras obras representam a produção tardia de Mendes, quando sua estética tornou-se mais melódica e acessível, tra-balhando com referências nostálgicas ao passado (incluindo as trilhas sonoras do cinema hollywoodiano) e se aproximando da escola minimalista. O CD inclui uma encomenda da orquestra ao composi-tor: “Alegres trópicos, um baile na Mata Atlântica”, de 2006. “É uma obra bastante pesada”, afi rma Mendes. “Felizmente, a Osesp é uma orquestra muito boa.”
Ouça no tablet trechos das cinco obras
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O compositor acompanhou as gravações, na Sala São Paulo, sob a regência da me-xicana Alondra de la Parra. “Ela tem uma regência muito bonita, e nos divertimos durante o processo”, conta. “Ela canta-rolava passagens da obra, nós comíamos juntos... Foi uma experiência bastante agradável. O disco fi cou muito bonito.”
Aylton EscobarAlém dos 60 anos da orquestra, 2014 marca também os 20 anos do Coro da Osesp. O Selo Digital traz um CD do gru-po com obras de Aylton Escobar – cujos 70 anos o disco homenageou, em 2013. “Eu conheço o Coro da Osesp desde quando ele era apenas uma ideia”, recor-da o compositor, festejando os talentos da maestrina Naomi Munakata e de seus integrantes. “Eles são fantásticos. Podem cantar uma obra imensa e com-
plexa como o ‘Réquiem polonês’, de Penderecki, e a afi nação não cai. Muitos dos cantores ali têm ouvido absoluto”, elogia, chamando a oportunidade de ser gravado pelo coral de “privilégio”.
O repertório abarca cinco décadas, e inclui peças que, apesar de antigas, jamais haviam sido executadas. Como uma Ave-Maria de 1963, que brinca com a linguagem do jazz e da música francesa do começo do século 20. O destaque é o “Tombeau”, encomenda da Osesp de 2012, em memória ao colega e amigo Almeida Prado. Para a homenagem, Escobar escolheu como texto os “Pequenos funerais cantan-tes”, de Hilda Hilst. A poeta era prima de Prado, que musicou os mesmos versos na década de 1960, ganhando com a peça o Festival da Guanabara. “Ao escrever essa obra para o Coro da
“O CORO DA OSESP É
FANTÁSTICO. ELE CANTA UMA OBRA IMENSA E A AFINAÇÃO NÃO CAI”
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81NA PÁGINA AO LADO, FOTO DO COMPOSITOR ALMEIDA PRADO
(1943-2010), SOBRE PARTITURA QUE LEVA SUA ASSINATURA.
ACIMA, MARIN ALSOP REGE A OSESP NA SALA SÃO PAULO
_Ensaios abertos e concertosgratuitos: visite a Sala São PauloProjetado em 1925 por Christiano Stock-
ler das Neves (1889-1982), o imponente
edifício que abriga a Sala São Paulo é
hoje um dos marcos arquitetônicos da
cidade. Concluído em 1938, para a estra-
da de ferro Sorocabana, o prédio foi re-
modelado na década de 1990, para abri-
gar o Complexo Cultural Júlio Prestes.
Inaugurada em 9 de julho de 1999, com
uma execução da “Sinfonia n. 2 – Res-
surreição”, de Mahler, pela Osesp e Coro,
sob a batuta de John Neschling, a Sala
São Paulo tem um programa de visitas
monitoradas, que custam R$ 5 em dias
de semana e são gratuitas aos sábados
e domingos. Podem-se obter informa-
ções ou fazer agendamentos escrevendo
para [email protected], ou telefonando
para (11) 3367-9573 (segunda a sexta,
exceto feriados, das 9 horas às 18 horas).
A Sala São Paulo costuma receber
atrações internacionais das séries por
assinatura da Sociedade de Cultura Ar-
tística, Mozarteum Brasileiro e Tucca —
além da série Osesp Personnalité. O foco
principal de suas atividades, contudo, é
a temporada de concertos que a Osesp
faz ao longo do ano, tocando um pro-
grama orquestral diferente por semana,
na quinta e sexta-feira à noite, e sábado
à tarde. Além disso, há recitais de músi-
ca de câmara, apresentações do coro,
e uma programação de concertos mati-
nais gratuitos aos domingos, às 11 horas.
A orquestra promove ainda uma série
de ensaios abertos na Sala São Paulo, às
quintas-feiras, às 10 horas, com ingres-
sos a R$ 10. Toda a programação está
no site da Osesp (www.osesp.art.br).
Osesp, eu sabia que as exigências técni-cas eram coisas que podiam ser resol-vidas sem sustos”, conta o compositor. “No ‘Tombeau’, atua também um grupo instrumental, que tem solos difi cílimos, mas os músicos que participaram da gravação não poderiam ser melhores.”
Almeida PradoCom mais de 450 obras no catálogo, o santista José Antônio Rezende de Al-meida Prado (1943-2010) foi um dos mais prolífi cos compositores brasileiros da segunda metade do século 20. Aluno dos nacionalistas Camargo Guarnieri e Osvaldo Lacerda, era pupilo informal do vanguardista Gilberto Mendes em 1969, quando, aos 26 anos, com os “Pequenos funerais cantantes”, conquistou o pri-meiro lugar no Festival da Guanabara. O prêmio lhe permitiu morar em Paris por quatro anos, onde teve aulas com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen. De volta ao Brasil, lecionou na Unicamp.
Almeida Prado era um mago dos sons, que sabia apelar ao intelecto e inebriar os sentidos, deixando parti-turas de forte conteúdo espiritual e um uso pessoal de efeitos timbrísticos e harmônicos. “Gravar um CD com obras sinfônicas de um compositor tão multifacetado e interessante como o Almeida foi um privilégio enor-me”, afi rma Celso Antunes, regente associado da Osesp, que comanda o álbum incluído no Selo Digital. “O CD apresenta obras estilisticamente ins-tigantes: a originalidade da ‘Sinfonia dos orixás’, a belíssima orquestração e a riqueza harmônica da ‘Fantasia con-certante’ (com o fenomenal Claudio Cruz como solista), além do perfume e da elegância dos ‘Estudos sobre Paris’”, descreve Antunes. “São obras que merecem ser incluídas no reper-tório de qualquer orquestra: essa gra-vação certamente é uma contribuição enorme nesse sentido.”
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POR Ruy Castro, do Rio de Janeiro
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DORIS DAY,CONHECE?A eterna virgem do cinema? O símbolo da “pureza” americana? Ou uma mulher que passou o diabo em sua vida pessoal. Aos 90 anos – ou 92 –, o nome de uma das maiores cantoras do século 20 reserva algumas surpresas
J oão Gilberto, respondendo em 1951 à enquete de uma revista sobre seus
favoritos no jazz e na música americana, escalou os dois cantores que mais admi-rava: Frank Sinatra e Doris Day.
“Doris Day???”, dirá você. “Aquela loura que interpretava solteironas vir-gens nos fi lmes com Rock Hudson?”
Pronto. Com isso, você terá demons-trado ser mais uma vítima da campanha que quase conseguiu desconstruir (e
destruir) uma das maiores cantoras do século 20 – sim, cantoras –, reduzindo-a ao estereótipo criado por uma frase infe-liz do pianista Oscar Levant: “Estou em Hollywood há tanto tempo que conheci Doris Day antes de ela fi car virgem”.
Na verdade, de seus 39 fi lmes, entre 1948 e 1968, em apenas um, e não dos melhores, Carícias de luxo (1962), Doris fez jus a esse estereótipo. Nele, seu pa-pel é o de uma mulher madura e atraen-
te que o playboy Cary Grant quer sedu-zir de todo jeito e, para isso, enche-a de presentes, entre os quais um casaco de pele. Mas ela só cederá se ele lhe pro-puser casamento – o que, naturalmente, acontecerá. Pode-se julgar toda uma carreira por um papel? Seria o mesmo que exigir de Marlon Brando que fi zes-se um haraquiri somente porque, no fi l-me Casa de chá do luar de agosto (1956), ele interpretou um japonês.
DORIS DAY EM RETRATO DO FILME ESTRELAS EM DESFILE (STARLIFT, 1951)
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84 PÔSTER DO FILME DILEMA DE UMA CONSCIÊNCIA (STORM WARNING,
1951). DORIS FAZ UMA JOVEM RECÉM-CASADA CUJO MARIDO (STEVEN
COCHRAN) É UM ASSASSINO, MEMBRO DA KU KLUX KLAN
Mas, por causa de Carícias de luxo, todos os papéis que Doris já fi zera e viria a fazer renderam-lhe o estigma de sím-bolo da “pureza” americana, numa época, meados dos anos 60, em que o mundo parecia despertar para a permissividade total: fi m da virgindade, sexo livre, casa-mento aberto, troca de casais e sexo gru-pal – pelo menos nas fantasias de homens e mulheres. Era como se, de repente, Do-ris Day – a bilheteria número 1 do cinema no começo daquela década – fosse a su-prema guardiã do hímen universal.
Pois acontece que, nos outros 38 fi l-mes de sua carreira, a maioria comédias românticas (das quais duas, excelentes, com Rock Hudson), Doris viveu toda es-pécie de personagens: meninas solteiras e sapecas, profi ssionais liberais e inde-pendentes, mulheres casadas e realizadas e até viúvas e divorciadas na ativa. É ver-dade que seus grandes papéis dramáticos tiveram como cenário o casamento – mas prenda o fôlego e veja quais foram:
Em Dilema de uma consciência (1951), ela faz uma jovem recém-casada cujo marido (Steve Cochran) é um assassino, membro da Ku Klux Klan (mas, quando ela descobre isso e o denuncia, já é tarde demais, e um líder da Klan a mata no fi m). No excepcional Ama-me ou esquece-me (1955), Doris é uma cantora surrada e estuprada por seu arquicruel marido gângster (James Cagney). Em O homem que sabia demais (1956), de Hitchcock, ela faz a mulher cujo fi lho é sequestrado para que seu marido (James Stewart) não impeça um atentado contra um chefe de Estado. No intrigante Julie (1956), ela descobre que seu primeiro marido foi morto pelo homem (Louis Jordan) com quem agora está casada. E, em A teia de renda negra (1960), que se passa em Londres, Doris faz uma americana que
seu marido inglês (Rex Harrison) tenta enlouquecer, cercando-a de ameaças in-visíveis para induzi-la ao suicídio. Bem, estes foram alguns dos seus maridos na tela. E os da vida real?
TINHA UM TREM NO CAMINHO
Quando ela nasceu, em 1924, em Cincinat-ti, Ohio, linda, loura e sardenta, fi lha de um maestro alemão e de uma mulher sensível, o que poderia dar errado? Tudo. Um dia, seu pai, homem rígido e moralista, foi para a cama com a melhor amiga de sua mulher num quarto contíguo ao de Doris. Pensou que a menina estivesse dormindo. Mas, aos 8 anos, ela ouviu e entendeu tudo. Não demorou para que o maestro fosse embora de casa para viver com a outra. Para pio-rar, Larry, irmão de Doris, dois anos mais velho, levou um taco no crânio ao jogar beisebol e fi cou tantã para sempre.
Aos 13, o sonho de Doris era ser dan-çarina, e ela levava jeito. Formou uma dupla com Jerry, garoto de sua idade. Ganharam todos os concursos de dança da região e receberam um convite para um teste em Hollywood. Na véspera da viagem, os amigos saíram de carro com Doris para celebrar. Era de noite e o rádio tocava alto. Não perceberam quando o carro atravessou uma linha férrea exa-tamente ao passar um trem de carga. O trem jogou longe o carro e Doris se feriu gravemente, com múltiplas fraturas, in-clusive expostas, na perna esquerda. Não morreu, mas passou todo o ano imobili-zada, esperando que os pinos e arames se consolidassem ao redor de seus ossos. Não é que não pudesse mais dançar – temia-se que nunca voltasse a andar.
Mas Doris não só andou como fanta-siou que voltaria a dançar. Ainda de mu-letas, ensaiou na cozinha alguns passos de sapateado para a mãe (ao som de “Tea D
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85PÔSTER DO FILME CARÍCIAS DE LUXO (THAT TOUCH OF MINK, 1962):
RESPONSÁVEL PELA FAMA DE “SOLTEIRONA VIRGEM” DE DORIS DAY
for two”). A muleta escorregou, ela caiu e quebrou tudo de novo. Mais um ano de cama. Por mais de 20 meses, seu grande companheiro foi o rádio – o qual, a cada minuto, despejava as últimas novidades de Cole Porter, Irving Berlin, George e Ira Gershwin, Jerome Kern, Richard Rodgers e Lorenz Hart, Harold Arlen e Johnny Mercer, nas vozes de cantoras como Jo Staff ord, Billie Holiday, Helen Forrest, Lee Wiley, Lena Horne e outras que ela aprendeu a admirar. Mas uma de-
las, ainda nem tão famosa, foi a que mais a marcou: Ella Fitzgerald. Quando se viu novamente de pé, Doris já abandonara a ideia de dançar. Sabia que seria cantora.
Uma professora de canto deu-lhe um conselho: “Cante como se fosse para uma única pessoa”. Ao fazer isso, numa esta-ção de rádio local, foi descoberta por Bob Crosby, irmão de Bing, que a levou para Chicago com sua orquestra. Desta, Doris passou para a de Les Brown, que tinha tudo para se tornar uma das mais impor-
NA VÉSPERA DO TESTE DE DANÇA EM
HOLLYWOOD, DORIS SAIU
COM OS AMIGOS E FOI ABALROADA
POR UM TREM
tantes dos Estados Unidos. Mas Doris se enrabichou pelo trombonista Al Jorden – 23 anos, bonitão e talentoso, ciumento e paranoico. Contrariando a opinião de Les e dos colegas, largou a orquestra para se casar com Jorden. O ano era 1941 e ela ainda não completara 17 anos. Aliás, foi quando perdeu a virgindade.
Com dois meses de casamento e ou-tros tantos de gravidez, Doris começou a entender por que seus colegas tinham sido contra o casamento. Jorden era um D
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PERSONNALITÉ
DORIS DAY EM CONQUISTANDO WEST POINT (THE WEST POINT
STORY, 1950). NA PÁGINA AO LADO, A ATRIZ EM ROMANCE EM
ALTO MAR (ROMANCE ON THE HIGH SEAS, 1948)
psicopata. Dava-lhe surras tremendas, jogava-se ao chão para lhe pedir perdão e, em seguida, surrava-a de novo. Certa vez, no carro, à beira de um penhasco, tirou as mãos do volante para bater em Doris e quase despencaram lá de cima.
Ela só não abortou por milagre. Teve seu fi lho, Terry, e divorciou-se de Jorden. Ele não se conformou e passou a persegui-la. Por sorte, não demorou a voar com o carro por uma ribanceira, e só então Doris se viu a salvo. Voltou para a orquestra de Les Brown, gravaram em 1945 “Sentimen-tal journey” – sucesso em toda parte onde houvesse um soldado americano voltando para casa com o fi m da guerra – e, de novo, apaixonou-se por um músico: o saxofo-nista George Weidler. E mais uma vez deixou a orquestra para se casar. Mas esse casamento foi curto. Weidler percebeu que Doris inevitavelmente voltaria a cantar, fi caria muito famosa e ele seria reduzido a “Mr. Doris Day”. Como não queria isso para si, pediu a separação – que Doris con-cedeu a contragosto.
CASO DE AMOR
E só então Doris pôde concentrar-se no trabalho. Em 1947, Les Brown liberou-a para seguir carreira solo. A Columbia a contratou e, quando Doris já tinha uma legião de fãs de seus discos, foi descoberta pelo... cinema. Já em seu primeiro fi lme, o musical Romance em alto-mar (1948), cuja história termina no Rio, ela chamou a aten-ção por seu absoluto à-vontade em cena. Nascera – também – para o cinema. Sim, porque Doris nunca foi uma atriz que can-tava. Era uma grande cantora que venceu como atriz. Não admira que, em 1951, até João Gilberto se encantasse por ela.
E não havia nada de mais nisso. O mundo também estava tendo um caso de amor com Doris Day. Ela tinha tudo que os homens – meninos, adolescentes, adultos, K
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os mais velhos e os muito mais velhos – queriam numa cantora.
Dava sempre a nota exata. Sua voz era líquida, sem linhas retas, cantos ou arestas – mas, de repente, podia ganhar uma tonalidade rouquinha, que a tornava moleca, morna, sensual. A enunciação era clara, de cristal. E, com seu controle da respiração, era capaz de cantar de uma vez as frases mais longas – e, quando menos se esperava, lá vinha aquela to-mada de fôlego a que nenhum cantor se atrevia. Ali se dava a conquista defi nitiva do ouvinte. Ela respirava, donde existia. Uma mulher de carne e osso, e não uma abstração sonora, girando a 78 rpm.
Em seus primeiros discos (ainda os 78, quebráveis, com apenas uma música de cada lado), ela cantou “It’s magic”, “Imagination”, “Bewitched”, “I want to be happy”, “You’re getting to be a habit with me”, “Do, do, do” e tantas outras, novas ou velhas, a que deu a interpreta-ção defi nitiva. Então surgiu o LP (vinil, para você), e Doris se consagrou com uma série de álbuns memoráveis (Day by day, Day by night, Show time, Hooray for Hollywood, Cuttin’ capers etc., e as trilhas sonoras de seus fi lmes), contendo muitas das maiores canções da música americana, como “But beautiful”, “Re-mind me”, “Close your eyes”, “You’re my thrill”, “Ten cents a dance”. O material de segunda ordem, mais fadado ao sucesso, ela reservava para os compactos em 45 rpm. (Sim, ela cantou “Que será, será”, essencial para o enredo de O homem que sabia demais. Mas sempre detestou essa música e nunca a gravou de novo.)
A atriz de cinema não fazia por me-nos. Doris emplacou direto uma fi eira de sucessos, como Êxito fugaz (1950), No, no Nanette (1950), Rouxinol da Broadway (1951), Lua prateada (1953), Ardida como pimenta (1953), Corações enamorados K
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DOS MENINOS
AOS COROAS, TODO
MUNDO ERA LOUCO POR DORIS NOS ANOS 1950
(com Sinatra, 1955) e todos os outros já citados. E, se alguém tivesse a errada ideia de que ela era apenas a típica “girl next door”, bastou assistir a Um pijama para dois (1956), de Stanley Donen, para pensar diferente. É nesse fi lme que, gra-ças aos vestidos e malhas justas criados por William e Jean Ackert, Doris melhor revela seus – como direi? – atributos físi-cos: as pernas compridas, as peras à guisa de busto (com consistência de pera) e um insuspeitado e surpreendente derrière. Atributos esses que, por fi gurinos inade-
quados, tinham passado despercebidos em fi lmes anteriores – o que não impedia que, dos meninos mais atilados aos adul-tos conscientes e aos coroas tarados, todo mundo nos anos 50 fosse louco por Doris Day. De minha parte posso garantir isso – porque eu era um daqueles meninos atilados. Ou tarados.
Em 1951, Doris se casou de novo, desta vez com um agente de atores, cha-mado Marty Melcher. Ele era o simpático profi ssional – um traço indispensável ao pilantra. Por ser marido de Doris Day e
ALGUNS DISCOS DE DORIS (EM SENTIDO HORÁRIO, A PARTIR DO
AZUL): YOU’RE MY THRILL (1949); TRILHA SONORA DE BILLY ROSE’S
JUMBO (1962), TRILHA DE CORAÇÕES ENAMORADOS (STATE FAIR,
1945); WHAT EVERY GIRL SHOULD KNOW (1960); CUTTIN’ CAPERS (1959)
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tê-la como sua cliente, passou a represen-tar outros astros de Hollywood. Sua fun-ção era a de conseguir bons papéis para eles, representá-los na assinatura dos contratos e investir o dinheiro que eles ganhavam. Enquanto se viveu na prospe-ridade dos anos 50, ninguém se queixou. Mas, de repente, os clientes começaram a acusá-lo de aplicações duvidosas. Doris o defendia, mas ela própria sentia que havia algo errado – Melcher começou a obrigá-la a fazer fi lmes que não lhe agra-davam e a só cantar canções comerciais. Era como se ela não pudesse parar de trabalhar. Em 1968, Melcher morreu.
Foi quando abriram a escrita e des-cobriram que, depois de quase 30 anos como uma das artistas mais bem-sucedi-das da história, Doris Day não tinha um centavo. Seus contratos fabulosos, discos milionários e fi lmes recordistas haviam resultado em nada. Melcher aplicara tudo em poços (de petróleo) secos, ações falidas e outros negócios inconsistentes. Doris estava devendo US$ 1 milhão à pra-ça, de adiantamentos que Melcher toma-ra e ela agora teria de honrar. Até como vigarista, Melcher era incompetente.
O ROSÁRIO DE DORIS
Seu fi lho, Terry, era produtor musical, famoso por ter descoberto o grupo The Byrds. Todos os hippies de Los Angeles o paparicavam para que ele os transfor-masse em astros do rock. Um deles era um homem chamado Charles Manson, líder de uma “família” de rapazes e mo-ças que não trabalhavam, viviam de fru-tas que os supermercados jogavam fora e usavam maconha e ácido como se fosse Grapette. Manson procurou Terry para mostrar suas composições. Terry não viu nelas nada de diferente, mas Manson não se conformou. Perseguiu Terry até este lhe dizer que parasse de amolá-lo.
Meses depois, Manson e seus asseclas invadiram uma casa em Cielo Drive, onde, até bem pouco, Terry morava com sua namorada, Candice Bergen. Terry já se mudara, mas Manson não sabia disso. Donde as vítimas da chacina a que ele estava condenado – a revólveres, facas e porretes – foram a atriz Sharon Tate, mu-lher do cineasta Roman Polanski e grávi-da de oito meses, e outras quatro pessoas inocentes que estavam na casa.
Os problemas de Terry – e de Do-ris – por causa de Manson não pararam aqui. Terry foi ameaçado de morte para não depor contra Manson, acusaram-no de pertencer à “família” do assassino e ele enfrentou meses de processo judicial para provar sua inocência. Entregou-se a um estupor de vodca e teve um acidente de moto em que quebrou as duas pernas em 37 lugares. No fi m, recuperou-se, mas até quando o rosário de desgraças conti-nuaria perseguindo Doris Day?
Naquela época, Doris encerrou sua carreira nos discos e no cinema, e limitou-se a alguns seriados de televisão, que foi obrigada a fazer para pagar as dívidas. Anos depois, graças a um pro-cesso bem conduzido, recebeu de volta parte do dinheiro perdido e fi cou rica de
novo. Mudou-se para Carmel e passou a dedicar-se à defesa dos cães e gatos. E, merecidamente, foi feliz para sempre.Nós é que não nos conformamos com sua decisão de nunca mais gravar um disco.
Doris fez 90 anos em junho último. Deram-lhe um lindo jantar em Los An-geles e as imagens correram o mundo, mostrando como ela estava tão bem para sua idade. Mas, na verdade, Doris teria 92, segundo seu mais recente bió-grafo, David Kaufman, para quem ela nasceu em 1922. Se isso for verdade, é mais impressionante ainda. Pelo que vi-mos, aparenta uma mulher pelo menos 20 anos mais jovem.
Aos que sempre se perguntaram sobre o que aconteceu a Doris depois de largar tudo, Kaufman sustenta que ela teve uma bela vida sexual crepuscular. Casou-se pela quarta vez, descasou-se e namorou jogadores de beisebol e atores. Agora, caia duro: um de seus romances, em 1973, teria sido com nada menos que o roqueiro Sly Stone, do grupo Sly and The Family Stone, amigo de seu fi lho e 20 anos mais novo do que ela. E que não seria, segundo Kaufman, o único negro na sua vida.
Pois é. Essa é a virgem eterna do cinema.
DORIS DAY EM SUA FESTA DE 90 ANOS, DIA 4 ABRIL DE 2014, EM
CARMEL (CALIFÓRNIA), AO LADO DE JEANNE COX LEVETT. FOI A
PRIMEIRA APARIÇÃO DE DORIS EM 20 ANOS. O EVENTO REUNIU 175
CONVIDADOS E TEVE UM VÍDEO COM OS DESTAQUES DA CARREIRA
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PRIMEIRA PESSOA | HUMBERTO WERNECK
_ MÁQUINA DO TEMPOO escritor Humberto Werneck, 69 anos, admite: já não datilografa mais na querida Olivetti Lettera 22, presente que ganhou do tio Jayme Werneck, em 1962. “Deixei de usar no fi m dos anos 1980. Dia desses, fui tentar e enterrei os dedos entre as teclas.”
HUMBERTO CONFESSA QUE NÃO USA OS DEZ DEDOS PARA
DATILOGRAFAR. “SE ATÉ HOJE NÃO PRODUZI ALGUMA OBRA
MINIMAMENTE PRIMA É PORQUE OS DEDOS NUNCA TIVERAM
PERNAS PARA ACOMPANHAR O TROTE FOGOSO DA INSPIRAÇÃO”
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