Dossiê Cirio de Nazare

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    d o s s i i p h a n i Crio de Nazar{ }

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    presidente da repblica

    Luiz Incio Lula da Silva

    ministro da cultura

    Gilberto Gil Moreira

    presidente do iphan

    Luiz Fernando de Almeida

    chefe de gabinete

    Thays Pessotto Zugliani

    procuradora-chefe federal,

    interina

    Tereza Beatriz da Rosa Miguel

    diretora de patrimnio imaterial

    Mrcia SantAnna

    diretor de patrimnio material

    e fiscalizao, interino

    Cyro Corra Lyra

    diretor de museus

    e c en tr os c ultur ais

    Jos do Nascimento Junior

    diretora de planejamento

    e administrao

    Maria Emlia Nascimento Santos

    coordenadora-geral de pesquisa,

    documentao e Referncia

    Lia Motta

    coordenadora-geral de promoo

    do patrimnio cultural

    Grace Elizabeth

    superintendente regional

    no par e amap

    Maria Dorota de Lima

    instituto do patrimnio histrico

    e artstico nacionalSBN Quadra 2 Bloco F Edifcio Central Braslia

    Cep: 70040-904 Braslia DF

    Telefones: (61) 3414.6176, 3414.6186, 3414.6199

    Faxes: (61) 3414.6126 e 3414.6198

    http://www.iphan.gov.br [email protected]

    Elaborao do dossi para

    Registro do Crio de Nazarequipe tcnica iphan

    departamento do

    patrimnio imaterial

    SupervisoAna Cludia Lima e Alves gerente de registroAna Gita de Oliveira gerente de identificaoMaria das Dores Freire consultora

    apoio

    Fabola Nogueira Gama Cardoso

    2a superintendncia regional

    Coordenao-geralMaria Dorota de Lima

    apoio administrativo

    Sirley Nascimento Santana

    Raimundo Nonato Cardoso

    Lucimar Florncio de Castro

    reviso e organizao

    dos registros audiovisuais

    Nvia de Morais Brito

    equipe externa

    Consultoria de antropologiaRaymundo Heraldo Maus

    elaborao do texto

    Mrcio Couto Henrique

    Maria Dorota de Lima

    Raymundo Heraldo Maus

    fotografias e registros

    audiovisuais

    Luiz Braga

    Kmara K reproduo imagens antigasAcervo da Diretoria da

    Festividade de Nazar

    Fotos INRC/Crio 2a SR/Iphan

    imagens antigas

    Museu da Universidade Federal do Par

    Museu do Crio

    Arquivo Pblico do Par

    Biblioteca do Instituto Histrico

    e Geogrfico/RJBaslica de Nazar

    Cria Metropolitana

    Coleo Particular Victorino

    Chermont de Miranda

    pesquisa iconogrfica

    Flvio Nassar

    Coaracy Luana do Carmo Elleres

    Ana Carolina Sarmento Ferreira

    Maria Luiza Faria NassarTatiana Lima

    pesquisa histrica e cronologia

    Claudia Aline Pires

    Elielson Rodrigues da Silva

    Gilmar Matta da Silva

    Mrcio Couto Henrique

    Paulo Roberto Rodrigues Benjamin

    apoio

    Arquidiocese de Belm

    Arquivo Pblico do Par

    Baslica de Nossa Senhora de Nazar

    Biblioteca Arthur Vianna

    Diretoria da Festividade de Nazar

    Grmio Literrio Portugus

    Instituto Histrico e Geogrfico

    Museu da Universidade Federal do Par

    Museu do Crio

    Sol Informtica

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    Inventrio Nacional de Referncias

    Culturais do Crio de Nazarconsultoria de antropologia

    Raymundo Heraldo Maus

    supervisor de equipe

    Josimar Azevedo

    pesquisadores

    Elielson Rodrigues da Silva

    Gilmar Matta da Silva

    Mrcio Couto Henrique

    Paulo Roberto Rodrigues Benjamin

    assistentes de pesquisa

    Altina Marques de Almeida

    Joilma Alves de Castro

    reviso de fichas

    Carmen Slvia Viana Trindade

    Gilmar Matta da Silva

    Isis Jesus RibeiroPaulo Roberto Rodrigues Benjamin

    insero das informaes

    n o banc o de dados

    Carmen Slvia Viana Trindade

    Isis Jesus Ribeiro

    Edio do Dossi

    gerente de editorao do iphan

    Ana Carmen Amorim Jara Casco

    edio de texto

    Regina Stela Braga

    reviso de texto

    Graa Mendes

    Grace Elizabeth

    Regina Stela Braga

    projeto grfico

    Victor Burton

    diagramao

    Fernanda Garcia

    Fernanda Mello

    fotografias que no

    integram o dossi original

    Francisco Costa

    parceria institucional para

    a edio deste dossi

    Instituto Brasileiro de Educao

    e Cultura Educarte

    agradecimentos especiais

    Antonio Augusto Arantes Neto

    Cristovo Fernandes Duarte

    Miriam de Magdala Duro de Carvalho

    Silvana Lima

    Teresa Carolina Frota de Abreu

    impresso

    Imprinta

    Ficha Tcnica Crio

    registro do crio de nossa senhora

    de nazar, na cidade de belm/pa

    Processo n 01450.010332/2004-07

    proponente:

    Arquidiocese de Belm/PA e Diretoria da Festa do Crio

    data de abertura do processo:

    17/12/2001

    Pedido de Registro aprovado na 44 reunio

    do Conselho Consultivo, em 30/09/2004

    Inscrio no Livro de Registro das Celebraes,em 05/10/2004

    pgina

    detalhe brinquedos

    de miriti

    vendidos durante

    o crio. foto:

    francisco costa.

    pgina

    detalhe vendedor

    de cataventos.

    foto: francisco

    costa.

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    Meu filho vs aquela claridade a cidade na escuridoO barco singra as guas e pulsa feito um coraoCheio de alegriaBlsamo, bnoO crio de NazarTu vers ser menino algo pra no se esquecerpra colar no teu caminhofeito o som de uma viola que te fez chorar baixinho

    Quando vires a senhora ficars pequenininho.

    *

    (*) Cf. Crios, letra de Vital Lima e Marco Aurlio. CD Canto vital, Belm, Basa, s/d.

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    SUMRIO

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    40 Uma procisso de carros, motose bicicletas42 Procisso pelo rio43 Procisso dos motoqueiros

    44A celebrao da descida45 Revivendo as fugas da imagem46 O tero da alvorada47 O Crio das crianas48 Encerrando a festa50A festa e seu arraial53Almoo do Crio, o Natal

    dos paraenses56 Um espetculo de culturapopular57 L vem vindo o arrasto58A festa das filhas da Chiquita60 Computadores para asmelhores redaes60 Instrumentos musicais para as

    melhores canes61A feira de brinquedos de miriti62 Organizao e gesto do Crio

    O CRIO COMO OBJETO DE

    REGISTRO

    67 Registro de memria, tradioe identidade

    71 Elementos essenciais

    76 CONCLUSO

    78 Notas

    80 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    82 ANEXO I O Territrio do Crio

    84 ANEXO II Linha do Tempo

    A HISTRIA

    11 O Crio uma parada na vida14A promessa e o milagre16 Um culto popular

    19 Festa religiosa ou festa profana?22 O Primeiro Conflito:a questo nazarena24 O Segundo Conflito:a questo da corda26 O Terceiro Conflito:a questo dos padres e posseiros

    do Araguaia

    O CRIO CONTEMPORNEO

    29 L vem vindo a procisso31Acorda e a berlinda33 O milagre da barca e a marujada35 Nos carros, as alegorias36A missa do mandato

    37Visitas da santa aos fiis38 Traslado da imagempara Ananindeua

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    A HISTRIA

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    H 211 anos, o estado do Par,mais particularmente a capital,Belm, literalmente pra porocasio do Crio de Nossa Senhora

    de Nazar. No chamado dia doCrio, o trnsito interditado nasruas centrais da capital, as lojasfecham, as ruas pelas quais aprocisso passa so profusamentedecoradas, janelas, portas e sacadasso ocupadas pelos moradoresatentos passagem da imagem dasanta. Muitos chegam at a comprarroupa nova para vestir no diado Crio. Nas palavras de AngelimNetto, trabalha-se no Par o anotodo, sofrendo as necessidades, paraem outubro vestir uma roupa novae almoar como um prncipe no dia

    do Crio. O Par, sem a festa deNazar, no seria Par.1

    A origem do Crio e da Festade Nazar est envolta em lendasou mitos, que se misturam a fatos

    histricos. difcil separaro mito da histria apoiada emdocumentos. Sabe-se que adevoo Nossa Senhora deNazar comeou, no Brasil e noPar, em uma localidadedenominada Vigia (hoje sede

    de municpio) e de l deve teratingido a capital, Belm.

    Por volta de 1700, reza atradio, caminhava nas matas daento tortuosa estrada do Utinga,

    hoje avenida Nazar, em Belmdo Par, um caboclo agricultore caador chamado Plcido Josdos Santos.2 Levado pela sede,

    acabou descobrindo entre pedrascobertas de trepadeiras, s margensdo igarap Murutucu (localizadoatrs da atual Baslica de Nazar),uma espcie de nicho natural comuma pequena imagem da Virgemde Nazar (a imagem, hoje tidacomo a original, tem 38,5centmetros de altura). Plcidolevou-a para casa e, no diaseguinte, ao acordar, viu que haviadesaparecido. Assustado, correuat o local onde a encontrara epercebeu que a imagem haviavoltado para o mesmo lugar.

    O fenmeno repetiu-se vriasvezes, at que o governador dapoca (a lenda no esclarece o seunome) mandou que a imagem fosselevada para a capela do Palcio do

    O CRIO UMA PARADANA VIDA

    promesseiros

    na corda.foto: luiz braga.

    pgina ao lado

    detalhe de cartaz,

    milagre de d. fuas

    roupinho, ,

    acervo de baslico

    de nazar.

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    Governo, onde ficou guardadapelos soldados, que passaram anoite em viglia, para impedir quealgum ali penetrasse ou de lsasse. Mas, no dia seguinte,a santa foi de novo encontrada s

    margens do igarap, no mesmolugar para onde sempre retornava,com gotas de orvalho ecarrapichos presos a seu manto,numa prova da longa caminhada

    atravs da estrada: a santa vivanovamente se locomovera por seusprprios meios.

    Para atender aos desejos dasanta, Plcido resolveu entoconstruir uma pequena ermida

    para abrigar a imagem. A notciado milagre espalhou-serapidamente, atraindo para apalhoa do caboclo os lenhadoresseus vizinhos e os habitantes da

    cidade que, de curiosos, passarama engrossar as fileiras dos devotosda santa milagrosa. A cada anoaumentava o nmero dos que iamat a cabana do caboclo a fim deofertarem ex-votos objetos de cera

    representando membros do corpohumano, muletas ou retratos,forma utilizada pelos fiis parademonstrar o reconhecimento porgraas alcanadas aos ps do altar.

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    Nas peregrinaes sobressaam-seos crios ou velas de cera que,tal como em Portugal, depoispassaram a denominar a

    prpria procisso feita emhomenagem santa.

    O primeiro bispo do Par,Dom Bartolomeu do Pilar(que esteve frente do bispadodo Par entre 1721 e 1723), visitoua modesta ermida da santa eincentivou a devoo iniciada pelocaboclo Plcido. Entre 1730 e 1774construiu-se outra ermida. Para oantroplogo Raymundo HeraldoMaus, a aproximao dasautoridades religiosas da devoo Virgem de Nazar em Belm e tambm em Vigia marcaria

    o incio do controle eclesisticosobre essa devoo popular, que seacentuou em 1793, quando oquinto bispo do Par, Dom JooEvangelista, que tambm visitou

    a imagem de Plcido, oficializoua devoo, colocando Belmsob a proteo de Nossa Senhorade Nazar.3

    O Crio de Nazar umacontecimento que envolve,direta ou indiretamente, toda apopulao paraense, estendendosua influncia para alm doslimites do estado do Par. Apesarda existncia de Crios de Nazarem outros municpios do Pare mesmo em outros estados doBrasil, nenhum deles possui aamplitude que o Crio de Nazaralcana em Belm, configurando-ocomo um dos fenmenos religiososmais importantes do Brasil.Assim, o Crio de Nossa Senhora

    de Nazar, em Belm do Par, muito mais do que um merofenmeno religioso, podendo serobservado e compreendido sobdiversos pontos de vista: religioso,

    esttico, turstico, cultural,sociolgico, antropolgico etc.

    A devoo pela santa partedo cotidiano dos paraenses.

    Est presente nos pequenos altaresdomsticos, no movimentadoMercado do Ver-o-Peso, nasbancas de peixe, nossupermercados, em bancos,instituies governamentais emeios de comunicao. NossaSenhora de Nazar chega a serchamada carinhosamente pormuitos devotos de Tia Naza oumesmo Nazica, o que evidenciaa relao direta estabelecida entreo devoto e a Virgem, fenmenorecorrente nas devoes popularesno Brasil.

    imagem original

    de nossa senhorade nazar, coleo

    manuel barata,

    ihg rio de janeiro.

    pgina ao lado

    carro do foguetes

    durante a

    procisso, revista

    a semana, .

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    Etimologicamente, a expressocrio, do latim cereus,

    significa uma grande vela de cera.Em Portugal, os criosrepresentavam um ajuntamento depessoas que se organizavam para,em romaria, ir ao Santurio de

    Nossa Senhora de Nazar.Posteriormente, as velas de cera oucrios levados pelos romeiros nessasperegrinaes passaram adenominar a prpria romaria.4

    De origem portuguesa, adevoo a Nossa Senhora de Nazartem uma longa histria. Diz-se emPortugal que a imagem que deu

    origem a esse culto foi esculpidapor So Jos, tendo a prpriaVirgem por modelo, e teria sidopintada por So Lucas. Depois demuitas idas e vindas, nos primeirosanos do cristianismo, esta imagemchegou s mos de So Jernimo ede Santo Agostinho, tendo idoparar na Pennsula Ibrica e depoisnas mos do monge Romano e dorei Rodrigo, dos visigodos,derrotado pelos mouros na batalhade Guadalete. Abandonada numagruta pelo rei fugitivo, a imagemficou perdida durante sculos,

    at ser encontrada por pastores,reavivando-se o seu culto a partirdo sculo xii, depois do famosomilagre de D. Fuas Roupinho,fidalgo portugus salvo de cair num

    abismo por intercesso de NossaSenhora de Nazar. O fidalgo,agradecido, passou a propagar adevoo em Portugal.

    A primeira parada na vidados paraenses proporcionada peloCrio de Nazar ocorreu em 1793.Dois anos antes, o ento presidenteda Provncia do Par, Francisco deSousa Coutinho, vido porfomentar o comrcio regionalparaense, resolveu organizar umagrande feira na qual os produtosagrcolas e extrativistas de toda aprovncia seriam expostos ecomercializados. Estrategicamente,Sousa Coutinho determinou quea feira deveria ocorrer no finaldo segundo semestre de 1793,

    na mesma poca em que osdevotos costumavam homenageara Virgem de Nazar.

    A oficializao da devoo pelaIgreja e a feira organizada pelo

    A PROMESSA EO MILAGRE

    fiel com rplica da

    berlinda na cabea.foto:

    francisco costa.

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    presidente da provncia ocorreramno mesmo ano, o que demonstraum indcio da popularidadeda devoo imagem, bem como

    evidencia a preocupao dospoderes institudos, Estadoe Igreja, no sentido de exercero controle sobre ela. Alvo dasatenes e dos interesses da Coroae da Igreja, a devoo popular Nossa Senhora de Nazarcaminhava para uma futurainstitucionalizao.

    Em junho de 1793, pouco antesda feira, o presidente da provnciaadoeceu e fez uma promessa:se recuperasse a sade e pudesseinaugurar a grande feira, levaria aimagem at o palcio do governo

    e, de l, esta seria conduzida, emprocisso, de volta igrejinha.Sousa Coutinho se recuperou e,no dia 8 de setembro de 1793,cumpriu a promessa feita.

    O primeiro Crio foi acompanhadopor quase dois mil soldados, almda populao civil de Belm e dointerior da provncia.

    Participavam ainda do cortejo,alm do presidente da provncia,os vereadores da Cmara e o vigriogeral, substituindo o bispo, queviajara para Portugal. frente,desfilava um esquadro decavalaria com seus clarins,anunciando ao povo a aproximaodo cortejo. Ao centro, fidalgosa cavalo formavam alas, entre asquais desfilavam as grandes damaslocais, sentadas nas almofadas deseus palanquins.

    Naquele primeiro Crioa imagem da santa foi transportada

    no colo do vigrio geral, em umcarro puxado por juntas de bois,como se fazia em Portugal. Quandoo cortejo chegou ermida da santa,foi rezada uma missa, aps o que o

    presidente da provncia inauguroua feira que mandara montarno arraial. Foi tambm lanada,solenemente, a pedra fundamental

    da igreja de pedra e cal que deveriaser erguida no lugar da ermida,sob a responsabilidadeda irmandade de Nossa Senhorade Nazar.5 Esse primeiro Criorevivia a lenda: a imagem da santa,levada na vspera para a capelado Palcio do Governo, refazia seucaminho mtico, no dia seguinte,at o local do primitivo achado.Ainda hoje esse movimento de ire vir da imagem da santa repete-senas procisses da trasladao e doCrio, a primeira antecedendo asegunda, do mesmo modo que foi

    realizado por Souza Coutinho.

    berlinda modernosa,

    coleovicente salles,

    museu da ufpa.

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    A origem dos fogos no cortejoparece ser mais antiga do quea alegoria do castelo medieval quepassou a ser mais tarde o carro dos

    fogos, em substituio aos clarins decavalaria. Tanto os clarins, como osfogos, tinham a finalidade explcitade anunciar ao povo, que aaguardava, a aproximao daromaria e, ao mesmo tempo,servir de guia aos que conduziama berlinda, quanto ao adiantamentoda vanguarda da procisso. Fazendouma analogia com os prstitoscarnavalescos, era tambm umaespcie de abre-alas ou comissode frente.

    O carro dos fogos foi introduzidono Crio de Belm no ano de 1826,

    pelo presidente da provncia doPar, Flix Pereira Burgos.6

    Em 1983, sob a alegao de que osfogos de artifcio causavam muitosacidentes, a diretoria da festividade

    resolveu suprimir esse carro. Mas apresena dos fogos de artifcio noscrios algo essencial e faz parte dashomenagens que a santa recebe

    durante a realizao do prstito.Apesar de a motivao do Crio

    de Nazar ter tido inicialmente umcunho institucional, tendo sidoutilizada pelos poderes constitudoscomo forma de afirmar seu poder,de desfilar sua autoridade, nuncadeixou de expressar os diferentessegmentos que compem asociedade. Ao longo dos anos,ndios, negros, brancos, mulatose outros mestios elaboramestratgias para impregnar o ritualde representaes de sua culturaespecfica, de significados muitas

    vezes alheios a polticos e padres.Segundo Arthur Vianna, doslongnquos sertes da provnciado Par vieram, para o primeiroCrio, ndios de diversos grupos,

    UM CULTOPOPULAR

    promesseiros

    na corda. foto:francisco costa

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    mestios de todos os cruzamentos,modificando a fisionomia das ruasda capital. Nas barracas de palhaorganizadas pelo presidente da

    provncia podia-se encontrar,para a alegria dos comerciantes,cacau, baunilha, guaran,urucu, tabaco, pirarucu salgado,alm de utenslios da culturamaterial indgena.7

    A relao entre Crio ecomrcio bem antiga. No sculoxix, a proximidade do Crioaumentava a procura por fogos,velas, tecidos e outros adereos,o que no passava despercebidopelos comerciantes da poca, queaproveitavam a oportunidade paraaumentar seus lucros graas ao

    fervor religioso dos devotos. Nessesentido, Fonseca Coutinho e Cia.procuravam convencer os devotosda importncia de sua fbrica decera pelos meios que doravante

    proporciona a qualquerIrmandade, de poder comprar ceralegtima por preos mais cmodosdo que os de Lisboa. Na fbrica decera, os devotos poderiam encontrarvelas de todos os tamanhos, almde ex-votos (reprodues em cera

    de rgos do corpo humano ou deobjetos que so oferecidos emagradecimento a um milagreocorrido) de todos os feitios.Na loja havia grande sortimento

    de tintas finas vindas da Europa,apropriadas para retoque deretratos e encarnao (pintura) dossantos. Manoel da Costa Val, comsua oficina de batineiro e alfaiate,atendia ao clero com fazendasprprias para batinas e outros

    misteres sacerdotais8

    .Desde o incio era ntimaa relao entre os negcios da fe os negcios do comrcio no Criode Nazar. A preocupao das

    fiel com pedao da

    corda no finalda procisso. foto:

    francisco costa.

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    autoridades constitudas coma moralidade que deveriaacompanhar os devotos ecomerciantes em todo o evento

    sempre foi grande. Ao anunciara feira de produtos regionais,o presidente da provnciarecomendava que os diretores daprovncia s permitissem a vindade ndias solteiras se acompanhadasde seus pais, e das casadas, emcompanhia dos maridos.9

    Outro aspecto que marcatambm o Crio de Nazar desdesuas origens a sua extremapopularidade. Apesar da iniciativade o primeiro Crio ter partido deum governante, historicamente aprocisso representa o predomnio

    de uma romaria de origem popularsobre as frmulas tradicionais deorigem oficial. O Crio de Nazarno se firmou em funo doprestgio oficial que o cercou

    desde o incio, mas se imps porsi mesmo, graas decisivaparticipao popular e recusados devotos em transformar sua

    principal manifestao religiosaem ciridromo, com horacerta de sada e tempo exato dechegada, na curiosa expressode Flvio Nassar.10

    Contriburam para estapopularidade as muitas lendasem torno da imagem da santa(seu achado na mata por umsimples caador, suas fugas etc.),bem como os muitos milagres quelhe so atribudos. como se aatitude da prpria imagemsimbolizasse o espao detransgresso que marcaria o Crio

    ao longo de sua histria. Afinal,a prpria santa teria se recusado aficar encarcerada no ostentosopalcio do governo, cumprindoordens do presidente da provncia,

    preferindo a simples ermidaconstruda por Plcido, ondepoderia dedicar sua ateno a todosos devotos.

    A prpria condio humildee popular dos dois primeirosguardies dessa imagem, o cabocloPlcido e o devoto AntnioAgostinho11, ambos pobres emestios, contribuiu paraa popularizao do culto. Quandoda realizao do primeiro Crio,a imagem estava sob a guarda deAntonio Agostinho, posto quePlcido j havia morrido. Poroutro lado, no se pode negarque a pompa e o carter oficial quedepois passou a ter a procissotambm contriburam para o maior

    esplendor da festa, atraindo aindamais a multido de devotos.

    a emoo dos fiis

    diante da imagem denossa senhora

    de nazar. foto:

    francisco costa

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    D eve-se entender os elementosdo sagrado e do profanoque marcam o Crio de Nazarcomo fruto de uma relao e no

    como elementos opostos.A fronteira entre um e outro ,muitas vezes, quase imperceptvel.Os conflitos oriundos desta relaono fazem mais do que demonstrarformas diferenciadas de concebera religiosidade entre devotos eclrigos. No podem seresquecidas, ainda, as motivaese oportunidades profanas que afestividade proporciona, comoespao de sociabilidade. Muitosnoivados e casamentos comearamnas festas do arraial, j que os paisaproveitavam o Crio para

    apresentar a beleza de suas donzelase o vigor dos filhos moos.O Crio tambm sempre

    representou tempo de mesa farta,de bebida abundante, ocasio para

    FESTARELIGIOSAOUFESTAPROFANA?

    a procisso na

    doca do ver-o-peso.foto:

    francisco costa.

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    jogos de azar e brinquedos noparque de diverses. A prpriafestividade funcionouoriginariamente como feira de

    produtos regionais. Em suma,a festa tambm faz parte dahomenagem dos devotos santa,j que, alm de lhes agraciar com omilagre, ela ainda os brinda commsica, dana, espetculo.12

    O Crio uma procissoespecial, que no aparece em todasas festas de santos. Em suasorigens lusitanas, j no sculoxviii, os crios apresentavammais um carter de espetculo,organizados por corporaesreligiosas que, em setembro,durante a festa anual da santa,

    dirigiam-se vila de Nazar.Na ocasio do desfile dos crios,o povo se juntava para apreciar suapassagem, em meio ao repique dossinos e ao foguetrio.13

    Ao longo do tempo, o Crio deNazar, em Belm, sofreu diversasmodificaes: quanto data e aohorrio de realizao; e quanto

    organizao do cortejo, ao qualforam agregados diversos elementosnovos e alegorias, embora seuitinerrio tenha se mantido semgrandes alteraes. No incio,no havia data certa para a festa,podendo esta ser realizada emsetembro, outubro ou novembro.A romaria era vespertina e atmesmo noturna, da o uso de velas.A partir de 1854, em funo daschuvas que comprometeram o Criono ano anterior, a procisso passoua ser realizada no horrio matinal.

    Entre 1793, data do primeiro

    Crio, e 1882, o cortejo saa dopalcio do governo. Em 1882,o bispo Dom Macedo Costa (queesteve frente do bispado do Parentre 1861 e 1890) e o presidente

    da provncia Justino Ferreiradecidiram que a procisso sairiano mais do palcio do governo,mas da Catedral da S.

    Dom Macedo Costa foi umrduo defensor do fim do regimedo padroado, que colocava a IgrejaCatlica sob os auspcios damonarquia portuguesa, e tambmum ferrenho lutador contraa autonomia dos devotos docatolicismo popular. Estes fatorespodem t-lo motivado a transferira sada da procisso para a Catedralda S, favorecendo seu controlesobre ela. Em 1901, o bispoDom Francisco do Rgo Maia fixouo segundo domingo de outubrocomo a data oficial do Crio.

    No ano de 1973, quando eragovernador do Par o engenheiroFernando Guilhon, o Crio saiunovamente da Capela do Palcio,que havia sido restaurada.

    detalhe brinquedo

    de miriti. foto:francisco costa.

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    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 2 1

    Uma nica vez, em 1891, o Criosaiu da igreja de Santo Alexandre,tambm localizada na praa da S.14

    Nos primeiros crios realizados

    em Belm a imagem da santa eraconduzida no colo dos bispos,sendo mais tarde introduzida aberlinda, no interior da qual ficavaa imagem, que era transportadanum carro puxado por juntas debois. Em certos anos, quando oCrio percorria a rea do mercadoVer-o-Peso, havia dificuldade parao carro passar por causa da guaque transbordava da baa,inundando e enlameando a rua,que no possua calamento.Por isto surgiu a idia, em 1855,de passar uma grande corda em

    volta da berlinda, para que o povopudesse ajudar a pux-la, a fim deque o carro transpusesse melhor oatoleiro. Somente 13 anos depoisa corda foi oficializada pela diretoria

    da Irmandade de Nazar, adotando-se tambm outras medidas querestringiam o uso de carros, cavalose foguetes no cortejo.

    Estas medidas, que agradaram maioria do povo, provocaram,porm, certo descontentamentoentre pessoas abastadas, poissignificavam simplificao eempobrecimento da procisso.Mais tarde surgiriam muitaspolmicas por causa da corda,que um bispo da primeira metadedo sculo xx Dom Irineu Joffily tentou suprimir, provocando umagrande reao popular. Depois, acorda perdeu a finalidade inicial,passando a ser utilizada somentepara separar o ncleo estruturado,

    no qual iam a berlinda, as autoridadese os convidados, da massaindiferenciada que acompanhavao Crio.15 Hoje, at mesmo essafuno da corda desapareceu.

    Tambm em 1855 irromperaem Belm a epidemia de clera,trazida pela galera Defensor, vindade Portugal com 304 passageiros,

    sendo que 36 destes morreram natravessia. Os doentes caam nas ruase nas igrejas, famlias inteiraseram contaminadas. A epidemiagrassava sem poupar uma casa;as embarcaes ficavam ao lu,pois tripulaes eram dizimadas;o comrcio fechava as portas.O bispo Dom Jos Afonso deMoraes Torres promoveu oraes,recitaes de teros, bnos doSantssimo, recomendando semprea confiana em Nossa Senhorade Nazar, celebrada mais uma veznaquele ano, apesar da epidemia,

    que s seria debelada alguns mesesdepois, em fevereiro de 1856.16

    detalhe banca de

    venda de brinquedos

    de miriti. foto:

    francisco costa.

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    N o final do sculo xix o Diriode Belm fez uma denncia queteve grande repercusso, dandoinicio chamada questo nazarena.

    Segundo o jornal, numa das noitesdo arraial da santa foramapresentados quadros comrepresentaes indecorosas(mulheres despidas). A reao dasautoridades religiosas veio rpida.Em outubro de 1877, o bispo doPar, Dom Antnio de MacedoCosta, suspendeu as funesreligiosas da Festa de Nazar efechou a porta da ermida. O fatoteve grande repercusso, na cidadee no interior, sendo a atitude dobispo duramente criticada,sobretudo pela imprensa liberal.

    Apesar da proibio, o povo,instigado por membros daIrmandade de Nazar (que eraresponsvel, na poca, pelaorganizao do Crio e da Festa),

    abriu por conta prpria a portada ermida, apoderando-se dosinstrumentos de celebrao,acendendo velas e lustres, tocando

    os sinos, para em seguida entoar,com todo o recolhimento, umaladainha que era acompanhada porgrande nmero de pessoas,ajoelhadas at na rua17.

    Aquesto nazarena prolongou-se at o ano de 1880, envolvendouma disputa entre a autoridadeeclesistica e a Irmandade de NossaSenhora de Nazar, da qual faziamparte alguns membros damaonaria, e cuja legitimidade eracontestada por Dom Macedo Costa.Na poca estava sendo concludaa construo da igreja que deveria

    substituir a antiga ermida, sendoque a disputa se fazia tambm pelocontrole do novo templo, quea irmandade desejava manter sobsua guarda. Alm das ladainhas civis

    foram tambm realizados doiscrios civis, em 1878 e 1879,sem a participao do clero e dasautoridades religiosas.

    A questo chegou a repercutirno Senado do Imprio,provocando debates inflamados.O governo provincial, a princpio,deu todo apoio irmandade,desconsiderando, de vrias formas,a autoridade religiosa. O impasse,entretanto, chegou ao fim pelamediao do prprio presidenteda provncia, Jos Coelho da Gamae Abreu, o baro de Maraj18,com a criao de uma comissopara organizar a festa, formada porconfreiros e religiosos, nomeadapelo bispo.

    A partir de ento, a irmandadecomeou a perder o poderde deciso que tinha sobre aorganizao do Crio. Uma dasconseqncias desse declnio foi

    O PRIMEIROCONFLITO:A QUESTONAZARENA

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    um crescente distanciamentoespacial entre o povo e a imagem dasanta durante a procisso, devidoao gradual aparato disciplinadorque marca a romaria nos dias dehoje (diretoria da festa, em 1910 eguarda da santa, criada em 1974, por

    exemplo). A ao centralizadorado prelado paraense fazia parte doprocesso conhecido comoromanizao, que marcou, a partirde meados do sculo xix,

    as relaes entre Igreja e Estado,bem como entre Igreja e adeptos docatolicismo popular. O objetivo erasintonizar a Igreja brasileira com as

    diretrizes da Santa S, situada emRoma, da o termo romanizao.19

    O episdio ilustra umadas situaes de aliana, oposioe conciliao entre Igreja e Estado,em relao aos interesses religiososdos leigos (estes mesmosdiferenciados, por sua condio

    de classe e status, no conjunto dasociedade). A separao entreIgreja e Estado no Brasilrepublicano, marcando o fimdo regime de padroado, nosignificou, por sua vez, o fim dosconflitos, que se estenderam ao

    longo do sculoxx

    .

    procisso do

    crio no largo

    de santana,

    acervo imgb -

    rio de janeiro.

    abaixo:

    construo da

    baslica de nazar.

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    E sta foi outra situaoconflituosa envolvendo oCrio, no final da dcada de 1920.Acusada de responsvel pelo atraso

    da procisso, a corda conduzidapelos promesseiros quecircundavam a berlinda da santafoi muitas vezes desatrelada destapara antecipar a chegada da imagemda santa Baslica de Nazar.

    As primeiras tentativas desupresso da corda ocorreram no

    mbito de uma espcie de segundaquesto nazarena, entre 1926 e 1931,e estavam relacionadas separaoentre a Igreja e o Estado e aoperodo de transio entre a Velhae a Nova Repblica. O episdioestava ligado aos esforos

    romanizadores de Dom IrineuJoffily (que ocupou o arcebispadodo Par entre 1925 e 1931), o qual,alegando normas emanadas daSagrada Congregao dos Ritos,

    introduziu uma srie de mudanasno Crio de Nazar, visando atransform-lo numa procissodevota, com a participao

    ordenada de associaes religiosas,oraes e cnticos pios.

    Os aspectos mais polmicos dasreformas diziam respeito abolioda corda e abolio do prpriocarro que a conduzia, sendo estetransformado em andor, carregadonos ombros dos fiis. Apesar da

    forte reao popular e de umaparte da imprensa, as modificaesforam mantidas, com apoio dogovernador do estado, DionsioBentes, que colocou a polcia nasruas para garantir, de forma atmesmo violenta, o cumprimento

    das ordens do arcebispo.A questo s foi resolvida depoisda Revoluo de 1930, quandoassumiu a interveno do estadoo ento tenente Magalhes Barata

    que, colocando-se ao lado dasmanifestaes populares emanipulando-as em benefciopoltico, assumiu a causa da volta do

    Crio tradicional. A rennciade Dom Irineu Joffily, em julho de1931, alegando motivos de sade,levantou a hiptese de que o motivotambm estivesse ligado ao conflitoque se estabelecera entre asautoridades laica e eclesistica.

    Com a mediao do interventor,

    entretanto, foram feitos apelos,pelo governo brasileiro, ao nncioapostlico, ao cardeal do Rio deJaneiro Dom Sebastio Lemee ao Vaticano, por intermdiodo Ministrio do Exterior, peloretorno da forma do Crio

    tradicional, com a corda e aberlinda. A questo passou a serintegralmente assumida peloEstado, num sentido de conciliao.Em outubro de 1931, antes da

    O SEGUNDOCONFLITO:A QUESTO DACORDA

    pgina ao lado

    caricatura sobre a

    festa do crio,

    jornal o puraqu,

    .

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    chegada a Belm de Dom AntnioLustosa, o sucessor de Dom Irineu,a corda foi restabelecida no Crio,cessando o conflito.20

    Mais do que a ao populista deMagalhes Barata, deve-se destacara ao autnoma dos devotos docatolicismo popular paraense, queno mediram esforos para amanuteno da tradio, havendomesmo quem sugerisse o seutombamento: Tombar a corda para

    declar-la, formalmente,patrimnio cultural dos paraenses,parte integrante do nosso modode viver e dos nossos sentimentos,e assim preserv-la de qualquertentativa de extingui-la ou mudarsua funo. Isso implicaria

    reconhecer que a corda e a berlindaformam um conjunto indivisvel eque s devem separar-se ao chegarao Largo de Nazar. Assim, quemviesse a atentar contra este

    conjunto estaria atentando contraum bem tombado e, portanto,

    passivo das penas da lei.21

    A polmica quanto aodesatrelamento da corda e da berlinda,entretanto, no ainda um casoencerrado. Como todos os anos

    surgem rumores sobre possveismudanas na programao

    do Crio, os devotos ficampreocupados quanto permanncia dos elementosque eles consideramindispensveis procisso.

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    O terceiro episdio importante deconflito na histria do Criode Nazar est ligado a questespolticas que envolviam sacerdotes

    catlicos, num momento detransio entre a ditadura militar eo que mais tarde se chamou de NovaRepblica (a segunda com esse nomeem nossa histria). O fato maisproeminente, do ponto de vista daIgreja, foi a priso e condenao dospadres franceses Aristides Camio e

    Francisco Gouriou pelas autoridadesmilitares acusados de teremincitado os posseiros da regio doAraguaia a aes consideradas ilegaise subversivas ainda no perododitatorial (1982), mas j nummomento em que se vislumbravam

    os sinais mais evidentes da chamadaabertura democrtica.Alm disso, a campanha poltica

    para as eleies daquele ano,as primeiras, depois dos anos do

    governo militar, viria eleger, deforma direta, os governadoresdos estados, senadores, deputadosestaduais e federais, e vereadores.

    As eleies (posteriores ao Criode 1982), no Par, provocarammudanas, ainda que superficiais,no domnio das oligarquias doestado, possibilitadas, de certaforma, por uma aliana de polticosde oposio ditadura com grupose partidos de esquerda (incluindo

    os ento clandestinos partidoscomunistas) e com facesdissidentes ligadas s oligarquiasmais tradicionais. O peso simblicoda unio de todas as foras na lutacontra a ditadura repercutiuexcepcionalmente no Crio daquele

    ano, ocorrido em pleno perododa campanha poltica.A Igreja Catlica desempenhou,

    pois, um importante papel nessamudana poltica no estado do Par,

    devido, sobretudo, condenaodos padres franceses pelo governo,o que permitiu a unio de vriasfaces do episcopado paraense

    de modo, at certo ponto,surpreendente. Chegou-se mesmo,na ocasio, a uma espcie depequena questo nazarena s avessas,envolvendo a realizao do Crio de1982. Devido aos protestos da Igrejacontra a condenao dos padresfranceses, manifestados at durante

    sepultamentos e tambm destituio, pelo arcebispo deBelm, de Demcrito Noronha,auditor militar que havia acusadoos padres, do cargo que ocupavana diretoria da festa de Nazar,as autoridades civis e militares,

    ligadas ditadura, recusaram-se aacompanhar o Crio no espao ritualdo interior da corda a elas reservado.

    Um outro tipo de protesto, no

    decorrer do Crio, este, em vrios

    O TERCEIROCONFLITO:A QUESTO DOSPADRES EPOSSEIROSDO ARAGUAIA

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    momentos reprimido pela polcia,

    foi o dos militantes do Movimento

    pela Libertao dos Presos do

    Araguaia (mlpa). A despeito da

    apreenso pela polcia do material depropaganda, realizado nas vsperas

    do Crio, ainda foi possvel organizar

    novas faixas, cartazes e panfletos.

    Como smbolo do protestocontra a priso e condenao dospadres e posseiros, os manifestantestraziam, durante a procisso, uma

    enorme cruz de papelo. Chegarama percorrer algumas quadras comela, at que um grupo de soldadosda Polcia Militar retirou-a das mosdos manifestantes. Mais adiante,padres, seminaristas e militantesleigos do mlpa desenrolaram suas

    faixas de protesto; algumas, com umsimples x e a imagem de NossaSenhora de Nazar; outras, com osdizeres: Liberdade para os presosdo Araguaia e Nossa Senhora,

    este povo passa fome. O grupodesfilava atrs da barca das promessas,entoando cnticos que falavam emliberdade e justia. Mas, chegando

    ao Largo de Nazar (onde seencerra a procisso do Crio),os manifestantes tambm tiveramsuas faixas arrancadas por um grupode soldados da Polcia Militar,que agia com alguma prudncia,para no comprometer a imagemdo governo do estado, aliado dos

    candidatos de oposio ditadura.22

    O Crio de Nazar pode entoser percebido como uma festapolissmica, um campo deconflitos, fruto do embatepermanente entre diferentestradies, entre experincias

    mltiplas tecidas no contextoda romaria. Num espao quesugere a ordem, possvelperceber momentos de desordem,transgresso e conflito com

    a oficialidade da festa. Se a devoosugere a relao ntima do devotocom a divindade, pode-se perceber,alm disto, a tentativa de controle

    do episcopado em relao a essaforma de devoo popular,procurando expurgar os festejos doselementos considerados profanos.

    Ao separar bailes e missas, rezase danas, para o bem da noode esprito religioso, a Igrejacria uma espcie de modelo de

    comportamento cristo,significando uma perfeitaadequao aos seus ensinamentose uma absoluta obedincia aosmembros do clero. Na lgica dosadeptos do catolicismo popular,pr a festa de cabea para baixo,

    fazer da festa e do encontro que elapropicia um momento de protesto,muitas vezes uma forma decaricaturizar as instituiesque tentam adestr-lo.23

    manifestaes

    polticas durante

    a procisso.

    foto: luiz braga.

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    O crio contemporneo

    { }

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    A s festividades do Crio deNazar a chamada quadranazarena comeam bem antesda procisso principal, realizada

    no segundo domingo de outubro,e se prolongam durante 15 dias.Da procisso propriamente dita,que corresponde ao trasladoda imagem de Nossa Senhora deNazar da Catedral da S, nobairro da Cidade Velha, localem que Belm nasceu, at a praa

    Santurio, no bairro de Nazar.O percurso, de cerca de cinco

    quilmetros, feito nos limites darea mais antiga e mais urbanizadada cidade de Belm, passando pelarua Padre Champagnat, pelaavenida Portugal, pelo boulevard

    Castilhos Frana, e pelas avenidasPresidente Vargas e Nazar.Em anos recentes, o trajeto foisendo ampliado, agregando umasrie de outras celebraes, tais

    como a romaria rodoviria, a romariafluvial e a romaria dos motoqueiros.

    Dias antes da procisso,a avenida Nazar, no trecho da

    praa da Repblica at a Baslica, decorada com arcos, utilizando-se motivos que homenageiam asanta e que so escolhidos por meiode concurso. Caixas de som soestrategicamente colocadas nospostes e mangueiras, ao longodo trajeto, para a sonorizao da

    procisso. Tambm so construdasarquibancadas na praa daRepblica, pela avenida PresidenteVargas, sendo os espaos vendidosaos fiis e turistas que quiseremassistir a procisso de forma maiscmoda. Centenas de vendedores

    ambulantes espalham-se por todoo trajeto, oferecendo produtoscomo gua mineral, sucos,refrigerantes, cerveja, brinquedosde miriti e fitinhas do Crio.

    So montados palcos ao longodo trajeto, onde ocorremhomenagens Nossa Senhora deNazar, como apresentaes

    de corais, canto lrico e hinosde louvor Santa. Quase todaa cidade participa da procisso,de uma forma ou de outra.Mesmo os que ficam em casaacompanham-na pela televisoou pelo rdio. Os jornais locaisfazem edies especiais, com

    cadernos dedicados exclusivamenteao evento, oferecendo psterescoloridos da imagem da santa.A publicidade gira em torno doacontecimento. O nome da santae o fato de aquele ser um diaespecial so evocados. Todos

    ressaltam que este o maior diados paraenses e, para alguns,o Natal dos paraenses.

    Para poder acompanhar asmudanas ocorridas no ritual

    L VEM VINDO APROCISSO

    pgina ao lado

    fiis na corda. ao

    fundo casario da

    doca do ver-o-peso.

    foto:

    francisco costa.

    { C d N }

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    do Crio de Belm necessrioconsiderar no apenas suaestrutura, mas tambm os diversoselementos que, ao longo do tempo,

    o caracterizam como tal. Deve-sedestacar a presena de vrioselementos que combinam, numamesma festa, a carnavalizao,o civismo e a devoo, pois setratam de aspectos essenciais deuma representao simblicado conjunto da sociedade

    brasileira, pensada pela tica doritual, na concepo de Da Matta.24

    Com efeito, muitos doselementos que compem o Crioso verdadeiros carros alegricos,semelhantes aos que desfilamno carnaval, embora sejamdenominados simplesmentede alegorias.

    pgina ao lado

    berlinda durante

    a procisso,

    coleo vicente

    salles, museu ufpa.

    Esquema de Posicionamento da Procisso

    carro dos anjos

    b. banda musical

    e. estandarte da diretoria

    o. peloto

    . barca dos escoteiros

    . barca nova

    . barca com velas

    . barca portuguesa

    . barco com remos

    . carro de d. fuas roupinho

    . cesto de promessas

    . carro plcido

    { C i d N } 3 1

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    A procisso do Crio possui umaestrutura e alguns elementoscaractersticos, essenciais ou no.O elemento central a berlinda,

    um andor envidraado, semelhantea uma liteira dos tempos coloniais,profusamente adornada de flores,na qual transportada a rplica daimagem da santa a peregrina durante a trasladao e o Crio.A imagem tida como original,encontrada pelo caboclo Plcido,

    permanece o ano inteiro naBaslica de Nazar.

    Aperegrina, uma imagem comfeies caboclas, mais prxima dafisionomia dos devotos da regio,foi feita no final da dcada de1960. E em torno dela que seorganizam a procisso e os demaiselementos que a integram: a cordapuxada pelos promesseiros, asbarcas, os carros, os fiis e asautoridades laicas e religiosas.

    A estrutura organizacional doCrio foi pela primeira vez descritae analisada, do ponto de vistaantropolgico, por Isidoro Alves

    (1980), distinguindo-se, na poca,um ncleo estruturado, no interiorda corda, que circundava a berlinda eno qual desfilavam as autoridadese convidados especiais. Acordaservia originalmente para puxara berlinda, constituindo hoje umelemento guardado pela tradio.

    Tem atualmente de 400 a 450metros de comprimento,sendo transportada por pessoasde ambos os sexos que, aoconduzi-la, geralmente estopagando uma promessa.

    Acorda puxada pelos devotos ,atualmente, um dos elementos maiscaractersticos do Crio de Nazar.Inserida na procisso em 1855,para que o povo pudesse ajudar atirar a berlinda de um atoleiro, hoje

    ela perdeu seu significado prticooriginal, muito embora o seuaspecto simblico de sacrifcioe aproximao do sagrado tenha

    permanecido ao longo dos anos.Apesar das polmicas suscitadas,a cada ano aumenta o nmerode promesseiros (ou penitentes)ao longo da corda, que passou de50 metros de extenso, em 1982,para 350 metros em 1988, e para420 metros em 1990.25

    Momentos antes do incioda procisso da trasladao, a corda estendida no cho da avenidaNazar pela guarda de NossaSenhora. Assim que iniciadaa procisso, os fiis pagantes depromessas rapidamente disputamum lugar para agarr-la, a fimde levant-la, puxar a berlinda,homenageando assim a Virgem deNazar. Finda a procisso, a corda retalhada e cada centmetro

    A CORDA E ABERLINDA

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    disputado pelos romeiros. Almdesta recordao, os promesseirosda corda levam para casa os pscansados e doloridos, cheios de

    bolhas, assim como os ferimentoscausados pelo esforo realizado ea satisfao da promessa cumprida,seja por mais um ano, pelaprimeira ou pela nica vez.

    Acorda, entretanto, tem seulado polmico e se constitui numespao de tenso permanente entre

    devotos e clrigos. No Crio de1999, em funo da lentido daprocisso, promesseiros da frenteda corda e diretores encarregadosda segurana da romaria decidirambaixar a corda para que a berlindapudesse sair e continuar o seutrajeto. Na avenida PresidenteVargas, a berlinda foi desatrelada.A notcia espalhou-serapidamente entre os devotosque decidiram no abandonar

    a corda e, seguros nela, seguiramatrs da berlinda. Quando a cordachegou praa Santurio, emfrente Baslica de Nazar,

    restavam poucos devotos no local,uma vez que a missa j haviaterminado duas horas antes,o que redundou em muitas crticas organizao e prpria igreja.

    Os romeiros madrugam emfrente ao mercado de peixe doVer-o-Peso, local em que a corda

    estendida j na madrugada do diado Crio. Esta feita de fibras dejuta, sendo grossa o suficiente parasuportar a tenso a que submetida durante a procisso. um espao da f, do pagamentoda promessa, da devoo, da dorexacerbada, mas tambm da uniodos corpos e dos espritos. Ementrevista realizada com pagadoresde promessa, uma devota relatouque um pai no falava com a filha

    h um ano e no dia do Criode 2002, na procisso, voltarama se falar.26

    Nas proximidades da praa

    Santurio, em frente ao ColgioSanta Catarina, na avenidaNazar, a berlinda liberada e ospromesseiros do um espetculo parte: visivelmente emocionados,com os olhos cheios de lgrimas,ajoelham-se, levantam os braos e,de mos dadas, rezam, enquanto

    a berlinda com a imagemda santa passa entre eles, paraalcanar o altar no centro dapraa Santurio.

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    Aorigem das numerosas barcase das crianas vestidas de

    marinheiros que acompanhamo Crio est ligada, de um lado, aofato de Nossa Senhora de Nazar,desde Portugal, ser uma espciede santa protetora dos homensdo mar, tendo sua devoo sedesenvolvido numa aldeiade pescadores. Por outro lado,remete a um caso mais especfico:ao milagre ocorrido em 1846,

    O MILAGREDA BARCA E AMARUJADA

    gravura

    representando

    escaler comcrianas

    na procisso,

    jornal o liberal.

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    { }

    quando 12 nufragos do brigueportugus So Joo Batista, que sedirigia de Belm a Lisboa, teriamconseguido salvar-se graas interveno da Virgem.Estes nufragos usaram o mesmoescaler em que, alguns anos antes,a imagem da santa tinha sidotransportada, quando foi enviadaa Portugal para ser restaurada.Consta que os nufragos, noperigo, lembraram-se dos poderes

    de Nossa Senhora e prometeramque, se conseguissem voltar aBelm, transportariam o escalerdurante a procisso do Crio.

    Tendo obtido a salvao, nopuderam cumprir a promessa porinteiro, pois encontraram restriesda parte do presidente da provncia edo bispo do Par, que osdesaconselharam a levar o escaler noCrio. A embarcao foi levada para aermida de Nazar, onde ficou em

    exposio. Pouco depois, umaepidemia de clera alastrou-se nacidade e muitos atriburam o fatoa um castigo da santa. Por isso, apartir de 1855, o escaler passou a serconduzido, todos os anos, no Crio,com 12 meninos vestidos demarinheiros, simbolizando osnufragos do brigue So Joo Batista.Foi essa a origem da marujada no Criode Belm. Mais tarde o escaler foisubstitudo pela miniatura do brigue

    e, com o passar do tempo, outrasbarcas foram sendo introduzidas.

    Alm do sentido simblicodas barcas, pois Nossa Senhora de

    Nazar considerada a protetoradaqueles que viajam pelas guas,h tambm o simbolismo prprioda regio amaznica, em quegrande parte do transporte feitoem embarcaes, por seusnumerosos rios. Como bem captoua cano de Paulo Andr e Rui

    Barata, para muitos amaznidas,esse rio minha rua.27

    carro dos anjos

    durante a procisso,

    jos cruz e ascaniosaraiva, 1948.

    abaixo

    fiel com rplica

    de barco de miriti na

    cabea. foto:

    francisco costa.

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 3 5

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    { }

    O s carros compem diferentesalegorias, como o carro daSantssima Trindade, que reproduzcom imagens esse elemento

    central da doutrina crist. O carrodo caboclo Plcido, por sua vez,representa o momento doachado da imagem da santa porPlcido. J o carro dos milagres traz asalegorias de dois episdiosfundamentais da devoo NossaSenhora de Nazar: o ocorrido

    com D. Fuas Roupinho, fidalgoportugus que, no sculo xii,teria sido salvo de cair numabismo por intercesso da Virgemde Nazar, e o milagre dosnufragos do brigue So JooBatista. E, finalmente, os carrosdos anjos: o do anjo Custdio (anjo daguarda), o do anjo do Brasil(simbolizando a nao brasileira),alm de mais dois que transportamcrianas vestidas de anjos.

    Esses anjinhos geralmentepagam promessas feitas pelos pais.S podem vestir-se de anjos ascrianas que ainda no perderama inocncia (aproximadamente atos 10 anos de idade), pois, casomorram at ento, iro compora corte celeste, na condio deanjinhos. O simbolismo evidente: essas crianas, com apureza dos serafins, representariama prpria corte celeste baixando

    terra para acompanhar a padroeiraque, tambm descendo para o meiodo povo, mistura-se a ele na grandehomenagem que lhe prestada.

    Os adolescentes so tambmuma presena crescente naprocisso do Crio. A maioria constituda por alunos de escolasconfessionais, mas tambm,recentemente, so muitos aquelesde colgios laicos. Esses estudantesaparecem junto s alegorias,

    portando o pavilho nacional ouajudando a conduzir os carros querecolhem ex-votos e promessas dosromeiros durante a procisso.

    A procisso que recebe o nomede Crio, em Belm e que hoje serealiza em homenagem a diferentessantos e santas, no Par e mesmofora desse estado apresenta duascaractersticas fundamentais que adistinguem das demais procissesem homenagem a santos catlicos.

    NOS CARROS,AS ALEGORIAS

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 3 6

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    Em primeiro lugar, trata-se de umaprocisso que se desdobra em duas.A primeira, a trasladao da imagem, realizada noite, luz de velas

    (crios), e vai da capela do ColgioGentil Bittencourt at a igreja daS. A procisso principal, o Criopropriamente dito, acontece no diaseguinte, pela manh, luz do dia(sem que os crios sejam acesos,embora algumas pessoas os levemcomo promessa, no mesmo

    tamanho da pessoa beneficiadacom a graa), quando a imagemretorna pelo mesmo caminho ata praa Santurio, em frente Baslica de Nazar.

    Alm disso o Crio umaprocisso que, ao contrrio dasdemais, inaugura em vez deencerrar a festa da santa.

    Aprocisso do Crio foi crescendoao longo do tempo, at chegar

    s propores gigantescas de hoje.

    Aos poucos foram sendo

    acrescentadas novas celebraes

    Festa de Nossa Senhora de Nazar e

    novos espaos de culto e devoo que

    compem o Crio em sentido amplo.

    Essas celebraes, de carter

    religioso, comeam em agosto e se

    prolongam at o ms de outubro,

    quando se encerra a quadra nazarena.

    A MISSA DOMANDATO

    Em 1986, o padre LucianoBrambilla, sentindo a necessidadede um ato que marcasse o incio dapreparao das novenas de peregrinao,

    resolveu criar a missa do mandato.Desde ento, essa celebrao marcaoficialmente o primeiro ato da

    festividade nazarena . Alguns dias apsa missa acontece a manh deformao para dirigentes dasperegrinaes, uma preparao aonovenrio por meio de palestras e

    explicao da sistemtica dos encontros. realizada em um dos sales doCentro Social de Nazar e conta coma participao de representantes dequase todas as parquias de Belm.

    Aps essa preparao, os padresbarnabitas distribuem para todasas parquias imagens de NossaSenhora de Nazar, livros dasperegrinaes e cartazes do Crio.A distribuio estende-se tambms parquias do interior do estado.

    missa de mandato.

    pgina anterior,acima

    o carro dos

    milagres, lbum

    de 1936.

    pgina anterior,

    abaixo

    carro dos anjos na

    festa do crio de

    . foto:francisco costa.

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 3 7

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    Anualmente so produzidos maisde 120 mil exemplares do livro dasperegrinaes, sob a coordenaoda diretoria de evangelizao.

    Amissa do mandato inicia o ciclode preparao para o Crio.Comea s 20 horas, com umaprocisso de carter solene, queganha o interior da Baslica deNazar e prossegue at o altar-mor,com um cortejo formado poraclitos segurando objetos rituais

    (crucifixo, naveta, turbulo),representantes do Apostolado daOrao empunhando bandeiras,os guardas de Nazar, a diretoria da festa,os padres concelebrantes e,ao final, o arcebispo. Todos osfiis presentes recebem o mandato juntamente com uma pequenaimagem de Nossa Senhorade Nazar para conduzira evangelizao nos diversosbairros de Belm.

    As peregrinaes de Nossa Senhorade Nazar so realizadas

    durante o ms de setembro quando,levadas pelos fiis mandatrios,diversas imagens percorrem todaa arquidiocese de Belm,promovendo momentos de reflexo,orao e louvor santa. Os devotosacompanham as romarias pelosbairros auxiliados pelo livro das

    peregrinaes, que trata do Crio e dafigura de Nossa Senhora de Nazar.

    VISITAS DASANTA AOS FIIS

    No final das peregrinaesas imagens so sorteadas entre osproprietrios das casas quereceberam a visita da Virgem.

    As peregrinaes da imagemacontecem nos diversos bairros deBelm e no interior do estadodo Par, mais propriamente nascasas dos devotos que se dispema receber a visita da santa. Sotambm realizadas em repartiespblicas, hospitais e escolas.

    As famlias que aceitam a visitada imagem de Nossa Senhora deNazar recebem-na em suas casascom um dia de antecedncia.

    As imagens so conduzidas porgrupos de vizinhos em romaria,segurando velas acesas. freqente,aps as oraes, o oferecimentoaos peregrinos, pelas famliasque recebem a imagem, de umlanche com caf, biscoitos,bolos, mingau e refrigerantes.

    rplica da nossa

    senhora de nazar

    na casa dos fiis nosdias que antecedem

    o crio. foto:

    francisco costa.

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    O incio da Festa de NossaSenhora de Nazar marcadopor uma solenidade realizadana barraca da santa28, s 20 horas, na

    sexta-feira que antecede a trasladaoe o Crio de Nazar. O evento foiinstitudo em 1991, pela diretoria da

    festa, e conta com a presenade autoridades civis, militares ereligiosas convidadas. A aberturaoficial do Crio acontece,inicialmente, com a inaugurao

    das luzes que enfeitamexternamente a baslica, a barracada santa e os arcos decorativos queenfeitam a avenida Nazar,no percurso da romaria.

    O traslado da imagem deNossa Senhora de Nazar parao municpio de Ananindeua,vizinho de Belm, umevento incorporado ao calendriodas festividades do Crio deNazar desde 1992, por ocasio das

    TRASLADODA IMAGEM PARAANANINDEUA

    Devotos entrevistados afirmaramque algumas pessoas, geralmentemoradores de bairros muitopobres, por essa razo deixam de

    aceitar a visita da imagem de NossaSenhora de Nazar em suas casas.Nos anos de 1991 a 1993, dentro

    do projeto Crio 200, foramrealizadas peregrinaes com aimagemperegrina de Nossa Senhorade Nazar, a mesma que sai naprocisso do Crio, pelas cidades

    do interior e pelas principaiscapitais e cidades brasileiras.

    Um devoto revelou que, porocasio da visita da imagem deNossa Senhora de Nazar cidadede So Lus, no Maranho, umasenhora idosa perguntou aodirigente que carregava a imagemda santa: Meu senhor, essa santa a mesma de Belm que acompanhao Crio?. O dirigente respondeuque sim e ficou muito emocionado

    quando a senhora lhe disse quepoderia morrer naquele dia, poish anos havia feito uma promessade acompanhar o Crio na corda,em Belm, mas como nunca deucerto, ela aproveitaria para pagarsua promessa no Crio de Nazarocorrido em So Lus.

    detalhe da banca

    de vendedor de

    rplicas da imagemde nossa senhora de

    nazar. foto:

    francisco costa.

    pgina ao lado

    transladao da

    imagem na noite

    que antecede

    o crio. foto:

    francisco costa.

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 3 9

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    da cidade de Ananindeua. Aolongo de todo o trajeto rodovirio,diversas homenagens so prestadas imagem de Nossa Senhora.

    Os devotos enfeitam as frentesde suas casas, outros acompanhamo traslado em bicicletas, motos oucarros. uma celebrao religiosaque vem crescendo em importnciaa cada ano. No Crio de 2002,o percurso desse traslado estendeu-se pela primeira vez at Marituba,

    atendendo solicitao do procodo municpio. De Maritubao traslado retorna para a igrejamatriz de Ananindeua, onde aimagem da peregrina fica expostaat a manh seguinte, recebendodurante a noite inteira a visitaode peregrinos devotos e penitentes.No dia seguinte, aps uma missa,a berlinda com a imagem da santa conduzida at um carro do corpode bombeiros, seguindo na romaria

    comemoraes do Crio 200.Antes disso, a romaria rodoviria,que ocorre no sbado e vaide Ananindeua at o distrito de

    Icoaraci, saa do monumentoda Cabanagem, em Belm, e doterminal de cargas, jem Ananindeua, mas distanteda praa central.

    A idia de vir para Ananindeuasurgiu de um cidado donode um posto de gasolina de nome

    Ribeiro, proprietrio do postoTokyo. Nesse ano, ele solicitou diretoria que a imagem viesseat Ananindeua. E foi assim quecomeou. O principal objetivoda celebrao para que as pessoassintam-se mais prximas deNossa Senhora, tenhamoportunidade de prestar estahomenagem da maneira comoelas querem, por meio da queimade fogos, flores, caminhada,

    da peregrinao, diz OdonCarlos, organizador do traslado.29

    O primeiro traslado da imagemde Nossa Senhora de Nazar em

    carro aberto ocorreu em 1997.A partir desta data que a romariarodoviria comeou a sair da igrejamatriz de Ananindeua. O sentido fazer com que as pessoas maisdistantes daqui da Baslica deNazar tambm tenham contato,sintam mais de perto o que

    a romaria rodoviria, diz Jos dosSantos Ventura, membro dadiretoria da festa.30

    Atualmente, a berlinda com aimagem peregrina31 sai da Baslica deNazar na sexta-feira que antecedea procisso principal do Crio,sendo conduzida em carro abertoda Polcia Rodoviria Federal eacompanhada por outros carros demembros da diretoria da festa, guardas de

    Nazar e devotos at a praa central

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 4 0

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    rodoviria at o ancoradouro deIcoaraci, distrito de Belm.

    Ao longo de todo o percursopodem ser vistas crianas vestidas

    de anjos, pequenos altares coma imagem de Nossa Senhora deNazar, faixas saudando a passagemda santa, papel picado sendoatirado das residncias e passarelas,e uma multido postada ao longoda estrada, estendendo as mosquando da passagem do carro que

    conduz a berlinda. Todo o trajeto acompanhado pelo estourar demuitos fogos de artifcio.

    Aromaria rodoviria uma celebrao

    religiosa em forma de procisso,

    da qual participam veculos

    motorizados e bicicletas, fazendo

    parte do conjunto de celebraes doCrio de Nazar. O percurso desta

    romaria de 24 quilmetros, saindo

    da praa da Igreja Matriz de

    Ananindeua at o ancoradouro

    (trapiche) da vila de Icoaraci.

    A primeira romaria rodoviriaocorreu em 1989, com o objetivo

    de atender a populao que nopodia se deslocar (por doena,deficincia, falta de dinheiro) at ocentro de Belm para acompanharo Crio. A romaria foi criada peloSindicato das Empresas deTransporte de Cargas do Estadodo Par - Sindicarpa.

    At 1988 o transporteda imagem de Nossa Senhora deNazar para Icoaraci era realizadoem carro fechado, o que impedia as

    pessoas de verem a passagem dasanta. Em 1989, por sugestode um membro da diretoria da festa,a romaria rodoviria passou a sair

    da Baslica de Nazar, sendoa imagem conduzida num andor,em cima de um caminho.

    Em 1990 um carro de somfoi utilizado para convidar osdevotos moradores da rodoviaAugusto Montenegro, por ondepassa a romaria, a renderem suas

    homenagens Nossa Senhorade Nazar. A romaria comeou acrescer e as pessoas passarama decorar as frentes de suas casase ruas com bales, flores, faixas equeimas de fogos em homenagem imagem da santa. No mesmoano foi colocado um caminhoda Texaco para conduzir a imagem,j que a empresa apoioufinanceiramente a realizaoda romaria.

    UMA PROCISSODE CARROS,MOTOS EBICICLETAS

    pgina ao lado

    percursos das

    procisses do crio.

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    Em 1991 a romaria passoua sair do terminal de cargas, sendoa imagem levada, em carro aberto,na sexta-feira tarde. A partir de1992 a romaria rodoviria passou a sairda praa matriz de Ananindeua.Em 1999 foi confeccionadamais uma rplica da berlinda paraessa romaria.

    Durante o percurso da romariarodoviria, a imagem de Nossa

    Senhora de Nazar recebe muitashomenagens, desde a sada da praade Ananindeua at a chegada, notrapiche de Icoaraci. Centenas depessoas fazem o trajeto embicicletas, famlias inteiras serenem em frente a suas casas paraver a passagem da imagem da santa.A romaria tem incio na praa daIgreja Matriz de Ananindeua,s 6 horas da manh, no sbado

    que antecede o Crio de Nazarem Belm. Sai da rodovia br 316,passando pelo monumento Cabanagem (no local conhecidocomo Entroncamento), entrandona rodovia municipal AugustoMontenegro e seguindo para otrapiche de Icoaraci, de onde parte,em seguida, a romaria fluvial.

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 4 2

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    as motivaes religiosas e asprofanas, que marcam o Criode Nazar desde seu incio.

    No sbado que antecede

    o Crio, aps terminar a romariarodoviria, celebrada uma missano trapiche de Icoaraci. Logo emseguida, a imagem de NossaSenhora de Nazar transportadapara o navio balizador da Marinha,Guarnier Sampaio, que zarpaconduzindo a imagem num altar

    armado na proa. O navio seguido de perto por centenas debarcos. Partindo de Icoaraci,a romaria fluvial perfaz um percursode 10 milhas nuticas na baa doGuajar, at o porto de Belm,terminando no local conhecidocomo escadinha do cais do porto.

    Ao longo do percurso, a imagemde Nossa Senhora de Nazarrecebe muitas homenagens, comoo lanamento de ptalas de rosas

    e de papel picado de helicpterose ultraleves, e a queima de fogos,por devotos, nas margens da baado Guajar.

    Participam da procissoromeiros de todas as camadassociais, provindos da reametropolitana de Belm e dointerior do estado do Par, alm deturistas nacionais e internacionais,que compram com antecednciaum pacote turstico que inclui

    a romaria fluvial. As empresas deturismo contratam embarcaesnas quais servido caf-da-manh,com frutas regionais, e sodistribudos bons e bandeirinhas.No ano de 2002 participaramda romaria fluvial mais de 600embarcaes de diversos tipos,

    desde iates, jet skis e lanchas devrios portes, at pequenas canoas,tpicas de ribeirinhos que moramnas proximidades.

    A romaria fluvial foi criada em1986 pelo historiador CarlosRocque, quando presidente daCompanhia Paraense de Turismo.

    um dos eventos emblemticos doCrio de Nazar, devido a suagrande magnitude. A princpio,a motivao para a criao daromaria surgiu da iniciativade possibilitar aos ribeirinhosprestarem suas homenagens NossaSenhora de Nazar. No entanto,

    o fato de a romaria ter sido criadapor uma companhia de turismoevidencia a clara associao doCrio de Nazar com odesenvolvimento do potencialturstico da capital paraense,fundamentado no chamadoturismo religioso a Embratur

    (Empresa Brasileira de Turismo)incluiu a romaria no calendrio deeventos do pas. Nesse caso tambmpodemos perceber as relaes entre

    PROCISSOPELO RIO

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 4 3

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    Amoto-romaria foi criada em13 de outubro de 1990, pela

    Associao dos Motoqueiros deBelm, com a finalidade de escoltara imagem de Nossa Senhora,conferindo mais pompa aopercurso de 3,3 quilmetros dapraa Pedro Teixeira s escadarias

    do Colgio Gentil Bittencourt.Antes disso, a imagem fazia estepercurso em um nibus, nas mosdo arcebispo de Belm, junto com

    a diretoria da festa, sem a participaoda populao.

    Amoto-romaria uma procissorealizada essencialmente por

    motoqueiros, oriundos tanto deBelm quanto de diversaslocalidades do interior do estado. realizada no sbado que antecedeo Crio, logo aps a chegada ao caisdo porto da romaria fluvial (s 11horas) e das homenagens de honrasde Estado prestadas Nossa

    Senhora de Nazar. Ao chegarao Colgio Gentil Bittencourt realizada uma beno para osmotoqueiros e a imagem expostapara os presentes. Em seguida,os motoqueiros aceleram suasmquinas, como forma de saudao Nossa Senhora de Nazar. Aps

    o trmino dessa procisso, muitosdos participantes juntam-se s outraspessoas, na baslica, para assistir celebrao da descida, s 12 horas.

    A imagemperegrina de NossaSenhora de Nazar permanece noColgio Gentil Bittencourt at oincio da procisso da trasladao,

    nesse mesmo dia, s 18 horas.Em 2000 a Polcia RodoviriaFederal passou a participar docortejo, fortalecendo a organizaoda moto-romaria. Atualmente, estaprocisso conta com o apoio daCompanhia de Trnsito de Belm,das Polcias Civil e Militar,

    da Secretaria de Estado deSegurana e do Corpode Bombeiros. A primeira moto-romaria contou com a participaode 40 motocicletas, nmero esteque, em 2002, j era de 5 mil.

    PROCISSO DOSMOTOQUEIROS

    pgina ao lado

    romaria fluvial.

    foto: luiz braga.

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 4 4

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    T odas as imagens queparticipam das celebraes, atmesmo a da procisso principaldo Crio, no segundo domingo deoutubro, so rplicas da imagemoriginal. Aquela que, segundo atradio, foi achada pelo cabocloPlcido, no ano de 1700, noparticipa de nenhuma outracerimnia deste grande ritualreligioso, excetuando-se a celebraoda descida e a celebrao da subida.

    A imagem dita original permaneceguardada, durante o ano todo,no ponto mais alto (glria) do altarprincipal da Baslica de Nazar.Acelebrao da descida consiste emretirar a imagem de seu nichohabitual, para que possa ficar,durante todo o perodo da Festa de

    Nazar, mais prxima dos devotos.Foi padre Miguel Giambelli,

    vigrio de Nazar, que decidiu,em 1969, descer a imagem de Nossa

    Senhora de Nazar da glriado altar-mor da baslica para opresbitrio para, desse modo, ficarmais perto do povo. Acelebrao dadescida, em seus anos iniciais, erarealizada no sbado que antecedeo Crio, s 23 horas, aps atrasladao. Entre 1979 e 1980o ritual de descida da imagem erarealizado a portas fechadas,com a participao de um nmeroreduzido de pessoas. A partir

    de 1983 as portas da baslicaforam abertas para o povoparticipar da celebrao.

    Segundo o padre LucianoBrambilla, a imagem da santaficava acessvel para quem quisessebeij-la, o que gerou umasituao inconveniente: no final

    da cerimnia, o mantoencontrava-se todo manchadode batom. Em funo disso, aimagem no pde mais ser beijada32,

    ficando protegida por umaredoma de vidro.

    A celebrao realizada s12 horas do sbado que antecedeo Crio, logo aps o encerramentoda moto-romaria. A imagem deNossa Senhora de Nazar descidada glria do altar da capela-morda baslica, com cuidados especiaispara sua preservao, como ouso de luvas brancas para evitaro contato das mos com a imagem.

    Durante a celebrao sorealizados cantos, rezas e muitasaclamaes de louvor santa.Aps a descida a imagem colocada em um pedestal juntoao altar-mor, decorado comflores, onde permanece acessvel visitao pblica durante

    toda a quadra nazarena.

    A CELEBRAODA DESCIDA

    detalhe ps dos

    promesseiros. foto:

    francisco costa

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 4 5

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    N esse mesmo dia, o segundosbado de outubro, sai noite, do Colgio GentilBittencourt, situado prximo praa Santurio, a procisso querecebe o nome de trasladao,seguindo em direo Catedral deBelm. Fazendo o trajeto do Criono sentido contrrio, seguemmilhares de pessoas em procisso, amaioria com velas acesas, muitasdelas cumprindo promessas,

    rezando contritas e entoando ohino de Nossa Senhora de Nazar.

    A procisso tem incio s18 horas, logo aps a missacelebrada nas escadarias docolgio, tendo como principaiselementos de destaque no cortejoa corda e a berlinda iluminada

    que conduz a imagem da santa.Essa procisso, em conjunto como Crio propriamente dito, queser realizado na manh do dia

    seguinte, revive o mito das fugasda imagem da santa quandoencontrada por Plcido, em 1700.

    Durante o trajeto, muitashomenagens so prestadas NossaSenhora de Nazar, sendo que asprincipais so promovidas peloBanco do Brasil e pelo Sindicatodos Estivadores e dos Arrumadoresdo cais do porto de Belm, comum espetculo de fogos de artifcio.No decorrer dos ltimos anos,

    o aumento do nmero departicipantes dessa procisso,sobretudo de jovens, bastantesignificativo. voz corrente queo aumento do nmero depromesseiros na corda da trasladaoe na prpria procisso est ligadoao clima mais agradvel noite,

    beleza do espetculo dos fogos noperodo noturno e ao crescimentosurpreendente do nmero depessoas na procisso principal

    do Crio, na manh seguinte,o que faz com que muitosparticipem apenas da procissonoturna. Os jovens, no intuito deconseguirem graas (na sua amplamaioria, a aprovao no examedo vestibular), participam dacaminhada da trasladao segurandoa corda at o mercado Ver-o-Peso e,com o restante do povo, conduzema berlinda para a Catedral da S.

    Na manh seguinte, com a

    procisso do Crio propriamentedito, a imagem retorna baslica,cumprindo um ritual de mais de200 anos.

    REVIVENDOASFUGASDAIMAGEM

    transladao da

    imagem, a berlinda

    iluminada na noiteque antecede

    o crio. foto:

    francisco costa

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 4 6

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    T erminada a procisso do Crio,as festas do arraial se estendempela tarde e noite do domingo,prolongando-se por duas semanas.A prxima celebrao religiosa o tero da alvorada, procisso realizadadiariamente no entorno da baslicade Nossa Senhora de Nazar,a partir da segunda-feira, aps aromaria principal, at oencerramento da quadra nazarena.

    Em 1972, o padre Giovane

    Incampo, proco de Nazar,criou o tero da alvorada, coma denominao de procisso penitencial.Participam desta procisso os padresbarnabitas, a guarda da santa,a Confraria de Nossa Senhora deNazar, os sacristos e ascomunidades da parquia de Nossa

    Senhora de Nazar. O percurso docortejo varivel, com o intuito deabranger o maior nmero possvelde ruas no entorno da baslica.

    O TERODA ALVORADA

    berlinda com

    a imagem de nossa

    senhora de nazardurante a

    transladao.

    foto: luiz braga.

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 4 7

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    As crianas sempre foram parteimportante no Crio e Festa

    de Nazar. Aparecem na procissoprincipal do Crio vestidas deanjos, nos carros, nos ombrose nos colos de mes e de pais.Aparecem tambm vestidas demarujos ou usando mortalhas em

    pagamento de promessas. Vo igreja rezar e participam dasbrincadeiras do arraial. Por isso,a diretoria da festa teve a idia de

    criar a romaria infantil, uma espciede miniprocisso em que ascrianas participam com rezas ecantos prprios escolhidos pelodepartamento de catequese infantilda parquia de Nazar.

    O primeiro crio das crianas foirealizado no dia 21 de outubro de1990. Em 1994, o andor foisubstitudo por um cibrio em umcarro. Este cibrio era o antigonicho que ficava no Colgio Gentil

    Bittencourt com a imagem deNossa Senhora de Nazar, durantea quinzena da festa. At 1999,eram as esposas dos diretores queorganizavam o crio das crianas, desdea decorao at os atos litrgicos.A partir de 2000, o padreFrancisco Silva, proco de Nazar,

    passou esta responsabilidade para acomisso de culto e pastoral. Desde 1999os carros do anjo custdio e do

    anjo protetor da cidade participamda procisso.

    O crio das crianas realizado noprimeiro domingo aps a procissoprincipal do Crio, saindo s8 horas e 30 minutos da praaSanturio para percorrer as ruasdo bairro de Nazar. As crianasparticipam acompanhadas por seuspais. A durao deaproximadamente duas horas.Ao retornar, o proco da baslica

    recebe a imagem e abenoaos presentes.

    O CRIODAS CRIANAS

    carro dos anjos no

    crio de . foto:

    francisco costa.

    d o s s i i p h a n i { C r i o d e N a z a r } 4 8

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    N a maioria das festas de santos,a procisso final, ou da festa, a mais importante. Isso noacontece na Festa de Nazar, emBelm, onde a procisso do Crio a mais importante de todas.Aprocisso da festa realizada pelamanh, sempre no ltimo domingoda quadra nazarena (quarto domingode outubro, dia de Nossa Senhorade Nazar), quando ascomunidades da parquia, junto

    com os diretores da festa e demais fiispercorrem as ruas do bairrode Nazar.

    Esta procisso umacontecimento dedicado aos leigosda parquia, os quais soresponsveis pelo planejamentoe execuo das atividades

    desenvolvidas ao longo dopercurso, que tem cinco paradaspredeterminadas. Em cada umadelas ocorrem reflexes e

    homenagens Nossa Senhora,seguidas de bnos aos presentes.O trajeto da procisso alteradoa cada ano, visando a contemplar asdiversas ruas e comunidadespertencentes parquia de Nazar.

    A celebrao oficial doencerramento da festa, entretanto, uma missa solene realizada noaltar-monumento da praaSanturio, em frente baslica,tambm no ltimo domingo

    da quadra nazarena, com a presena doarcebispo, sacerdotes e diretores.O ato litrgico inicia-se s 20horas, com uma procisso soleneque sai da baslica, sendo o cortejointegrado pela diretoria da festa(que conduz a imagem de NossaSenhora de Nazar) e o clero,

    entre a multido de fiisposicionados em frente ao localda celebrao. apenas umadas celebraes que marcam

    o fim da festividade nazarena.Ao trmino da missa realiza-seuma procisso com velas instituda em 1982, a partir dainaugurao da praa Santurio at as dependncias da Baslicade Nazar.

    J a celebrao da subida realizadas 6 horas da segunda-feira, apso encerramento da festa, antesda procisso do recrio. A imagem deNossa Senhora de Nazar

    recolocada na glria, acima doaltar da capela-mor da baslica,com os mesmos cuidados com suapreservao que so tomados nacelebrao da descida. Cantos, rezase muitas aclamaes de louvor Nossa Senhora de Nazar marcameste acontecimento aberto ao

    pblico e presidido pelo arcebispometropolitano.

    Finalmente, o recrio, umacelebrao que ocorre na manh de

    ENCERRANDOA FESTA

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    segunda-feira, ao final dos 15 diasde festividades, o verdadeiroencerramento da quadra nazarena.Nesse dia Belm tem suas atividadesreduzidas, os servidores pblicos sodispensados e o comrcio s abreas portas aps o meio-dia. Colgiostambm suspendem as aulas eliberam estudantes e professorespara participarem da tradio quese incorporou aos festejos nazarenosh mais de um sculo.

    quando a imagem peregrinaretorna para as dependncias doColgio Gentil Bittencourt, parasair somente no prximo ano,revivendo e atualizando a devoonazarena33. Trata-se de umaprocisso marcada pela despedida,em que os fiis, emocionados,

    acenam com lenos brancos ouleques para a imagem de NossaSenhora de Nazar, dando, assim,o seu ltimo adeus.

    Esse derradeiro ato religiosoda festa de Nazar inicia-se com amissa na praa Santurio, de ondesair a procisso que percorreralgumas quadras do bairro deNazar, at o Colgio Gentil.Ali o arcebispo de Belm abenoatodos os presentes com a imagem

    de Nossa Senhora.Ao final da missa ocorre a

    incinerao das splicas, uma cerimniapresidida pelos membros da diretoria

    de evangelizao e introduzida entreos rituais de celebrao dasfestividades do Crio em 1994.Consiste na queima dos pedidosescritos pelos fiis e depositados emuma caixa de vidro no altar-morda Baslica de Nazar, durante os15 dias das festividades. Inicialmenterealizado na lateral da baslica,em frente sala dos milagres, hojeacontece na praa Santurio esimboliza a elevao dos pedidos

    at a presena de Deus, pelaintercesso de Nossa Senhora.

    pgina ao lado

    pedao de corda,

    fim da procisso.foto: francisco

    costa.

    fiel com pedao

    da corda a volta da

    cabea. foto:francisco costa.

    abaixo

    fim da procisso,

    o corpo do fiel.

    foto: francisco

    costa.

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    Padre, a rainha entrou na suasala. Segundo o padre

    Luciano Brambilla, foi com essaspalavras que o coronel AlacidNunes definiu a primeira vez quea imagem de Nossa Senhora deNazar entrou na praa Santurio,no Crio de 1982.34 Com a

    construo da praa, cercadade grades, no local do antigo arraial,este teve de mudar-se paraum terreno ao lado da baslica.

    dentro da praa Santurio ouConjunto Arquitetnico de Nazar(can), antigo largo de Nazar, quese realizam as celebraes religiosasda festividade. O largo, com seuscoretos peculiares e pavilhesarmados para o arraial, deu lugar Praa Santurio, com suas linhasmodernas, materiais refinados,gradil, altar-central, conchaacstica e, mais tarde,o monumento de mrmore cuja

    forma remete ao manto de NossaSenhora de Nazar.Com a inaugurao da praa

    Santurio ampliou-se o espaopara as apresentaes de artistaslocais, sobretudo msicos, noperodo das festividades do Crio.Durante a quinzena festiva do

    arraial, a concha acstica existentena praa transforma-se em espaopara a apresentao da culturaparaense, desde a performance

    erudita dos msicos da FundaoCarlos Gomes e do Servio deAtividades Musicais daUniversidade Federal do Par,passando pelos grupos ecompositores de msica popularparaense, at os ritmos regionaiscomo o carimb, o xote bragantinoe o sirimb.

    A praa, situada em frente Baslica de Nazar, propriedadeda Prefeitura Municipal de Belm.

    Alm de ter gerado conflitos entreos devotos e os padres, o espaotambm local de disputas entre oclero e o poder municipal, a partirdo seu nome. A coisa mais triste que num santurio regionalchamado Baslica de NossaSenhora de Nazar tenha uma

    praa que se chama JustoChermont. Quem era esteilustrssimo senhor Joo Ningumdeste Justo Chermont? Isto no

    A FESTA E SEUARRAIAL

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    baslica de nazar

    durante a festa

    do crio.foto: luiz braga.

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    cabe na cabea de ningum, dizo padre Luciano Brambilla.35

    J muitos devotos questionamas razes que levaram os padres aconstrurem a praa Santurio todarevestida de mrmore36, to distantedos modelos arquitetnicosregionais, cercada de grades quelimitam o acesso pblico, apesarde a praa ser propriedade daPrefeitura Municipal, aberta s seishoras e fechada s 22 horas por um

    funcionrio remunerado pelaparquia de Nazar. Segundo opadre, a idia de construir a praafoi para evitar que a Baslica deNazar fosse sufocada pelos prdiosque estavam surgindo ao seu redor.Os edifcios no entorno da igreja,entretanto, no deixaram de surgir,

    apesar da construo da praa,j que a proteo do tombamentoestadual da baslica no foisuficiente para det-los.

    A concha acstica construdadentro da praa Santurio foi feitapara que no Centro Arquitetnicode Nazar se pudesse realizar aparte artstica, constituda mesmode cnticos, msica, concertose de apresentaes teatrais, dizo padre Brambilla, admitindoque surgiram descontentamentospor ocasio da construo dapraa, principalmente por causadas grades.37

    Tal como no incio dascelebraes do Crio, o arraialcontinua sendo um local decomrcio e tambm de festa,o principal ponto de encontrodas pessoas durante os 15 dias daquadra nazarena. H parque dediverso e barracas de bebidas

    e comidas regionais tais como otacac, pato-no-tucupi, maniobae vatap. As noites do arraial soum momento de encontro,

    de circulao de pessoas, denamoro e de um conjunto de fatosque, por sua prpria natureza, noesto sob o controle da diretoria da

    festa. Em funo disso forammuitos os momentos de tenso quemarcaram a histria do arraial, vezpor outra acusado de contribuirpara a corrupo dos valoresdo povo paraense, momentos queexpressam o prprio conflito entreos adeptos do catolicismo popular

    e a tica eclesial e oficial dosorganizadores da festa.

    festa com crianas

    durante o crio.

    foto: franciscocosta.

    pgina ao lado

    pimenta de cheiro

    usada no tempero do

    pato-no-tucupi.

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    T o logo acaba a procisso,com a chegada da imagem dasanta na praa Santurio em frente Baslica de Nazar, as famliasdos devotos se renem nos larespara uma grande confraternizaoe tambm para saborear osdeliciosos pratos tpicos da cozinharegional paraense, principalmenteo pato-no-tucupi e a manioba.Essas comidas expressam umaidentidade cultural que o paraense

    faz questo de exibir, especialmenteao visitante que vem de outroslugares, que poder ser convidado,por alguma famlia, para participardo almoo.

    No almoo do Crio percebe-seuma certa continuidade de algumasrelaes encontradas na procisso

    principal, como formalidade einformalidade, sagrado e profano,pblico e privado. Os conflitosfamiliares tambm se fazem

    presentes no almoo, apesardo clima de confraternizao.

    O almoo do Crio umaoportunidade para as famliasdemonstrarem a prodigalidade e afartura da comida, correspondentetambm prodigalidade dasbnos e das graasproporcionadas pela Virgem deNazar. O nmero de participantes muito varivel entre as famlias,chegando algumas a reunir em

    torno de 30 pessoas. Outras tmeste nmero diminudo quandoalguns membros decidem criar suaindependncia no almoo doCrio e comeam a organiz-lo emsuas prprias casas, deixando departicipar na casa dos pais ouparentes. A gente se separa,

    mas leva a tradio junto, n?comenta uma devota.

    Em funo do elevado preo dopato, muitas famlias trocaram-no

    por frango, porco ou mesmo peloperu-no-tucupi, o pato-no-tucupi genrico, como dizem.Mas, para os devotos, a substituiogera conflitos com a tradio comonos comentrios do tipo Olha, nacasa do fulano era pato mesmo!Era verdadeiro o pato-no-tucupi.Criar o pato tornou-se umaatividade arriscada, pois grande apossibilidade de a ave ser roubadana poca do Crio. Uma mulher

    j chegou a guardar um pato nobanheiro, com medo de que fosseroubado. A sina dos patos noCrio j foi motivo at de chargespublicadas em jornais, como ttulo de paticdio.

    comum os devotos sereferirem ao almoo do Crio como

    o Natal dos paraenses. Algunsdizem que podem at deixar defazer a ceia do Natal, mas nuncadeixariam de fazer o almoo do Crio.

    ALMOO DOCRIO, O NATALDOS PARAENSES

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    Uma entrevista realizada comuma famlia de devotos revelou umaspecto curioso do almoo doCrio: a participao de adeptosde outras religies. Eu participo deuma religio evanglica, no possofestejar por causa da minha meque da crena evanglica e noaceita essas coisas do Criona minha casa. Mas s que euparticipo, vou na casa dos amigos,como, bebo, festejo junto com

    eles, diz um rapaz oriundo de umafamlia evanglica, seguidora daAssemblia de Deus. E justificavasua participao no almoo doCrio da seguinte forma: Nesseponto eu no sou nem evanglico,nem catlico, entende? O almoo doCrio s uma festa para mim,

    como outra qualquer. Acho que uma festa muito bonita.38

    De fato, o almoo do Crio pode terdiversos significados. Para uns,

    uma prtica religiosa; para outros,trata-se de uma tradio. Mas htambm os que dizem: A gente sepreocupa bem mais com a reunioda famlia do que com areligiosidade. Para esses o almooseria mais um momento deconfraternizao, quando assensibilidades esto flor da pele.Esta uma opinio comum entreos mais jovens39. Crio sem almoono existe, assim como no existe

    o Crio sem a manioba, diz umentrevistado. E todos, afinal,concordam que o almoo do Criotanto faz parte de uma cerimniareligiosa, quanto de um momentode confraternizao, de reuniodos amigos e familiares.

    mas carameladas

    vendidas durante a

    festa do crio. foto:francisco costa

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    barraca de venda

    do tucupi. foto:

    francisco costa.

    abaixo

    ingredientes usados

    no preparo do