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Revista Práticas de Linguagem, v. 6 especial - Escrita discente – 2016 Resumo: Este artigo tem o objetivo de refletir, a partir da observação das práticas de ensino de Língua Portuguesa em cinco escolas públicas da cidade de Juiz de Fora (MG), sobre a inserção da pedagogia dos multiletramentos no contexto escolar, analisando os fatores favoráveis e desfavoráveis ao desenvolvimento dessa abordagem em sala de aula. Para embasar as discussões, descrevem-se, inicialmente, as condições físicas das escolas. Em seguida, apresentam-se as definições e considerações acerca dos multiletramentos. Por fim, refletindo mais especificamente sobre as metodologias de ensino adotadas pelos professores, apresentam-se propostas de intervenção à luz da fundamentação teórica adotada, destacando-se quais foram as experiências positivas no que tange à implementação do tema em sala de aula. Palavras-chave: multiletramentos; escola pública; Língua Portuguesa. Introdução A sociedade moderna está inserida em um acelerado e crescente processo de desenvolvimento tecnológico, o qual exige, em contrapartida, uma constante atualização dos indivíduos sobre os novos meios e produtos advindos desses avan- ços. Paralelamente, a globalização, cada vez mais intensa, promove a expansão da comunicação por meio da interação entre diferentes culturas de todas as partes do globo terrestre. Diante dessas mudanças, a escola pública, como uma das principais instituições socialmente encarregadas de colaborar para a construção da cidadania (RANGEL, 2010), não poderia deixar de atuar no sentido de mediar o contato dos alunos com as novas tecnologias e novas culturas, propiciando uma visão crítica e analítica acerca do mundo no qual estão inseridos. Nesse contexto, o ensino de Língua Portuguesa nas escolas se torna a cada dia mais desafiador, pois as metodologias aplicadas em sala de aula precisam ser adaptadas continuamente à multiplicidade cultural e semiótica por meio das quais a sociedade se interage. Uma pedagogia dos multiletramentos é proposta, então, Multiletramentos no ensino público: desafios e possibilidades Clarisse de Paiva Garcia [email protected] Marli Regina da Silva [email protected] Silvana de Paula Castro [email protected] Vanessa Ferreira Vieira [email protected] Graduandas do curso de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)

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Revista Práticas de Linguagem, v. 6 especial - Escrita discente – 2016

Resumo: Este artigo tem o objetivo de refletir, a partir da observação das práticas de

ensino de Língua Portuguesa em cinco escolas públicas da cidade de Juiz de Fora (MG),

sobre a inserção da pedagogia dos multiletramentos no contexto escolar, analisando os fatores favoráveis e desfavoráveis ao desenvolvimento dessa abordagem em sala de aula.

Para embasar as discussões, descrevem-se, inicialmente, as condições físicas das escolas.

Em seguida, apresentam-se as definições e considerações acerca dos multiletramentos.

Por fim, refletindo mais especificamente sobre as metodologias de ensino adotadas pelos professores, apresentam-se propostas de intervenção à luz da fundamentação teórica

adotada, destacando-se quais foram as experiências positivas no que tange à

implementação do tema em sala de aula.

Palavras-chave: multiletramentos; escola pública; Língua Portuguesa.

Introdução

A sociedade moderna está inserida em um acelerado e crescente processo

de desenvolvimento tecnológico, o qual exige, em contrapartida, uma constante

atualização dos indivíduos sobre os novos meios e produtos advindos desses avan-

ços. Paralelamente, a globalização, cada vez mais intensa, promove a expansão

da comunicação por meio da interação entre diferentes culturas de todas as partes

do globo terrestre.

Diante dessas mudanças, a escola pública, como uma das principais

instituições socialmente encarregadas de colaborar para a construção da cidadania

(RANGEL, 2010), não poderia deixar de atuar no sentido de mediar o contato dos

alunos com as novas tecnologias e novas culturas, propiciando uma visão crítica e

analítica acerca do mundo no qual estão inseridos.

Nesse contexto, o ensino de Língua Portuguesa nas escolas se torna a cada

dia mais desafiador, pois as metodologias aplicadas em sala de aula precisam ser

adaptadas continuamente à multiplicidade cultural e semiótica por meio das quais

a sociedade se interage. Uma pedagogia dos multiletramentos é proposta, então,

Multiletramentos no ensino público: desafios e possibilidades

Clarisse de Paiva Garcia

[email protected]

Marli Regina da Silva

[email protected]

Silvana de Paula Castro [email protected]

Vanessa Ferreira Vieira

[email protected]

Graduandas do curso de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)

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com o intuito de romper com essa separação entre o mundo vivenciado pelas

crianças e jovens e o universo escolar, “saindo da lógica do século XIX, da educação

transmissiva” (ROJO, 2013, p.3).

A implementação do tema multiletramentos na escola pública é, portanto,

necessária e urgente. Porém, não parece ser uma tarefa simples. O que temos

observado é que essa parece ser uma abordagem precária ou, muitas vezes, não

reconhecida como promotora de resultados favoráveis. Quais seriam, então, os

impedimentos para o uso das novas tecnologias em sala de aula? Como colocar o

alunado em relação com as diversas modalidades de linguagem que o cercam?

Para tentar responder a esses questionamentos, visitamos cinco escolas de

diferentes regiões geográficas da cidade de Juiz de Fora, localizada no estado de

Minas Gerais, nas quais acompanhamos as aulas de Língua Portuguesa. Além das

salas de aula, observamos a estrutura física da escola, os livros didáticos utilizados,

a relação professor-aluno e a metodologia aplicada para o ensino do português.

A produção deste artigo foi proposta na disciplina de Saberes Escolares de

Língua Portuguesa aos alunos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de

Juiz de Fora (UFJF) como atividade final após as observações realizadas na

disciplina de Práticas Escolares. Após o acompanhamento das aulas nas escolas no

segundo trimestre do ano de 2015, fizemos uma sessão reflexiva em sala acerca

do tema multiletramentos na escola, na qual propusemos uma discussão e

registramos as colaborações dos nossos colegas de classe.

Este artigo traz, inicialmente, um relato dos dados gerais das escolas

visitadas. Em seguida, a fundamentação teórica que o sustenta. No terceiro

momento, apresenta uma análise das práticas de ensino observadas, discutindo

as metodologias aplicadas e os desafios enfrentados pelos professores. Concluindo,

são propostas algumas respostas aos questionamentos iniciais, propondo-se que

as escolas sejam mais bem equipadas de novas tecnologias e que haja interesse

do professor em se atualizar por meio de cursos de formação continuada e em

oferecer aos alunos possibilidades de contato com os multiletramentos, atuando

sempre de forma interdisciplinar.

Descrição das escolas

Refletir sobre metodologias de ensino e aplicabilidade de determinadas

abordagens, como a dos multiletramentos, implica observações e comparações

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entre as práticas reais de ensino, considerando o contexto escolar, as

possibilidades e os desafios encontrados pelos professores. Com base nesse

pensamento, relataremos aqui os dados gerais das cinco escolas visitadas por

nosso grupo de trabalho, os quais permitem uma visualização mais abrangente

sobre as diferentes realidades a serem contrastadas.

Na escola 1, pública estadual, localizada na zona sul de Juiz de Fora,

assistimos às aulas das turmas de 8º e 9º ano, no turno da tarde. Percorrendo,

primeiramente, o ambiente externo, constatamos uma infraestrutura precária,

visto que as janelas de todas as salas se voltam umas para as outras e a maioria

delas estava com os vidros quebrados. Além disso, as salas de aula são escuras e

os banheiros não possuem portas. A merenda escolar é fornecida na hora do

intervalo, sendo basicamente: arroz, feijão e carne, diariamente. A escola possui

sala de informática, mas não é utilizada, porque alguns computadores estão

estragados e constantemente são alvo de roubo. A direção prefere deixar o

laboratório fechado para evitar transtornos.

A escola 2, pública estadual, está localizada na zona norte da cidade.

Acompanhamos as aulas do primeiro ano do ensino médio. Observando as

características físicas do local, percebemos uma infraestrutura inadequada ao

universo escolar. Não há biblioteca ou laboratório de informática e as salas de aula

são escuras, pouco arejadas, densamente ocupadas e sem nenhum conforto ou

ergonomia para alunos e professor.

Na escola 3, pública federal, situada na região central de Juiz de Fora,

acompanhamos uma turma de 6º ano do ensino fundamental. A infraestrutura é

adequada aos processos de ensino-aprendizagem, com biblioteca, anfiteatros,

laboratório de informática – todos bem equipados. O colégio conta com site

institucional, contendo uma página específica para a biblioteca infantil, a qual é

alimentada por textos e ilustrações produzidos pelos próprios alunos dos anos

iniciais do ensino fundamental e pelos estudantes de outras escolas públicas da

região.

Na escola 4, pública federal, também na região central da cidade,

observamos as aulas do 2º ano do ensino médio, na modalidade EJA (educação de

jovens e adultos). As características físicas do colégio são adequadas, havendo um

prédio específico para o departamento de Língua Portuguesa e estrangeira. Há

biblioteca, anfiteatros, laboratórios e as salas de aulas têm infraestrutura favorável

ao ensino. Os professores têm acesso a equipamentos (rádio, computador,

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datashow e caixas de som) e a escola conta com departamentos de comunicação

e de informática, o que permite o suporte técnico necessário às atividades voltadas

ao multiletramento.

Na escola 5, pública estadual, situada zona nordeste de Juiz de Fora,

observamos as turmas de 8º ano do ensino fundamental e o 1º e 3º ano do ensino

médio. Apesar de pertencer ao governo estadual, a instituição é

frequentada por filhos e netos de profissionais que atuam na PMMG (Polícia Militar

de Minas Gerais). Os alunos acompanham as aulas fardados e estão sujeitos a

normas rígidas de comportamento e disciplina. A infraestrutura da escola é

mediana, contando com biblioteca, laboratório de informática, pátio e quadra

poliesportiva. Porém, as salas de aula são pequenas, mal arejadas e densamente

ocupadas.

O que são multiletramentos?

A proposta de uma pedagogia dos multiletramentos surgiu em 1996 em um

manifesto de professores e pesquisadores americanos, como resultado de um

colóquio do Grupo de Nova Londres (GNL), no qual se discutiu os propósitos da

educação de forma geral e os novos letramentos emergentes na sociedade

contemporânea. O documento sugeria incorporar na prática escolar a diversidade

de mídias, de linguagens e de culturas introduzidas pelas novas Tecnologias da

Informação e da Comunicação. Segundo a autora Roxane Rojo,

para abranger esses dois “multi” - a multiculturalidade característica das sociedades globalizadas e a multimodalidade dos textos por

meio dos quais a multiculturalidade se comunica e informa, o grupo

cunhou um termo ou conceito novo: multiletramentos (ROJO, 2012,

p.13).

O conceito de multiletramentos vai além, então, das noções de letramento

e de letramentos múltiplos, pois, mais do que focalizar diferentes abordagens de

ensino, a proposta é que a escola forme cidadãos capazes de analisar e debater a

respeito da multiplicidade de culturas e de canais de comunicação que o cercam,

podendo, assim, participar de forma ativa da esfera pública, seja no aspecto

profissional ou pessoal.

De acordo com o GNL, as novas tecnologias permitiram uma maior

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autonomia dos diferentes modos de vida, fazendo com que os limites entre essas

divergências se tornasse cada vez menos definido. A escola precisa, então,

reconfigurar as diferenças entre local e global, que agora são tão críticas. Os

processos de aprendizagem não podem mais ignorar as diferentes subjetividades

que os alunos trazem para a sala de aula. Por isso, “o papel da pedagogia é

desenvolver uma epistemologia do pluralismo, fornecendo acesso sem que as

pessoas tenham de apagar ou deixar para trás diferentes subjetividades” 1 (TNLG,

p.72).

No que tange ao ensino de Língua Portuguesa, é evidente a influência das

novas tecnologias na produção e leitura de textos, na medida em que modificam

as formas de interação e exigem adaptação constante. São necessárias novas

ferramentas e novas práticas para dar conta da multiplicidade de linguagens dos

textos em circulação. O professor não pode mais se ater à escrita manual e

impressa. As metodologias de ensino devem incluir o uso de vídeos, áudios,

tratamento da imagem, edição e diagramação (ROJO, 2012, p.21). Segundo

a autora Ângela Dionísio (2005, p. 131),

na atualidade, uma pessoa letrada deve ser [...] capaz de atribuir sentidos a mensagens oriundas de múltiplas fontes de linguagem,

bem como ser capaz de produzir mensagens incorporando múltiplas

fontes de linguagem.

Para favorecer os multiletramentos em sala de aula, Rojo (2013) pondera

que a escola deve incorporar o que se chama de repertório de mundo do aluno, ou

seja, da cultura local que esse estudante leva para a sala de aula. O que é

apresentado na mídia de massa, o que é visto na internet, deve ser colocado em

diálogo. A autora ressalta que a escola não deve abandonar seu patrimônio, mas

enriquecê-lo, visando ao futuro. Ou seja,

[...] pensando na questão da formação para o trabalho, para a

cidadania, para a vida pessoal, enfim. Portanto, funcionar, primeiro

colaborativamente, segundo “protagonistamente” implicaria em

uma pedagogia de projeto e não em uma pedagogia de conteúdos (ROJO, 2013, p.2).

1 Texto original: “The role of pedagogy is to develop an epistemology of pluralism

that provides access without people having to erase or leave behin different

subjectivities.”

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No Brasil, a orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,

1998) é clara em relação à necessidade de se contemplar, nas atividades de ensino,

a diversidade de textos e gêneros, nao apenas em funçao de sua relevância social,

mas tambem pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros sao

organizados de diferentes formas. De acordo com o documento, a compreensao e

a produção oral e escrita supoem o desenvolvimento de diversas capacidades que

devem ser enfocadas nas situaçoes de ensino (BRASIL, 1998, p. 23-4).

A inserção dos gêneros multimodais no ensino do português no Brasil

também é destaque no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A série

publicada em 2014 aponta, dentre os critérios eliminatórios para escolha das

coleções de Língua Portuguesa, que o tratamento didático dado ao ensino-

aprendizagem da leitura e da escrita deve “considerar o impacto dos novos

suportes e tecnologias de escrita sobre a construção e a reconstrução dos sentidos

de um texto; [...] abordar efetivamente os modos de ler e de escrever

característicos dos textos multimodais e dos hipertextos, promovendo os

diferentes letramentos envolvidos em sua leitura e produção” (PNLD, 2014, p.92-

3).

As Orientações Curriculares para o Ensino Medio também defendem uma

prática escolar voltada à multimodalidade, ao afirmar que estamos inseridos em

um mundo culturalmente organizado por multiplos sistemas semioticos, sendo

necessário ampliar as atividades de letramento da letra para os multiplos

letramentos, os quais envolvem uma enorme variaçao de midias, com

características multissemióticas e híbridas. Essa atitude, segundo o documento,

permite o confronto do aluno com praticas de linguagem que o prepararão para o

exercício da cidadania, respeitando as diferenças no “modo de agir e de fazer

sentido” (BRASIL, 2006, p. 29).

A partir das definições apresentadas acerca da pedagogia dos

multiletramentos e das orientações dos documentos oficiais destacados,

concluímos ser de suma importância que a escola se atente às novas tecnologias

e reconheça-se como essencial mediadora entre a sociedade e as diversas culturas

e diferentes meios de comunicação. No entanto, sabemos que muitos fatores

podem interferir nas tentativas de cumprimento desse papel em sala de aula. Por

isso, buscamos nas observações das práticas escolares, o ponto de partida para o

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debate sobre os desafios e possibilidades de aplicabilidade do tema

multiletramentos.

Reflexão sobre práticas escolares

Partindo para a análise da sala de aula, voltando nossos olhares para o

ensino da Língua Portuguesa, faremos um breve relato sobre a metodologia

aplicada pelos professores e a receptividade dos alunos, analisando se o tema

multiletramentos foi abordado ou não. Em caso positivo, destacaremos os aspectos

favoráveis e desfavoráveis de abordagem. Já nos casos negativos, questionaremos

as razões que levaram o professor a não adotar esse modo de ensino.

a) Escola 1

A escola fornece livro didático no início do ano letivo, porém, muitos alunos

não levam o livro para a escola, postergando o cumprimento das tarefas em sala.

Durante as aulas, a professora escolhe exercícios do livro e passa no quadro. Os

alunos copiam do quadro e, no final, ela faz a correção dos exercícios. Quando é

matéria nova, ela explica oralmente e depois faz um “esquema” no quadro. Depois,

passa exercícios. Percebemos que os alunos aparentam pouca disposição em

realizar as atividades propostas.

A professora tem mais de vinte anos de profissão e nos relatou que os alunos

são preguiçosos e desinteressados, por essa razão, ela não ensina literatura,

focalizando apenas na gramática e na redação. Ela nos relatou que opta sempre

pelo modelo tradicional de ensino por possuir pouco conhecimento tecnológico. A

maioria dos alunos leva o celular e o utiliza em sala, mostrando desinteresse pelas

aulas. Todas as aulas são neste estilo: os alunos copiam do quadro e realizam os

exercícios. Quando é realizada a proposta de redação, a professora pede para os

alunos fazerem em casa e levarem na aula seguinte. Uma das grandes dificuldades

da escola é a falta de professores, sendo que alguns faltam frequentemente.

b) Escola 2

Apesar das limitações impostas pela infraestrutura precária, a professora de

Língua Portuguesa busca implementar didáticas voltadas para a pedagogia dos

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multiletramentos. Durante nossa prática, acompanhamos a leitura de crônicas de

autores diversos, a realização de uma redação a partir de uma imagem e a semana

preparatória para a eleição do Grêmio Estudantil, na qual aconteceram palestras,

exibição de filme e atividades voltadas para a aprendizagem sobre cidadania.

c) Escola 3

Nas aulas do 6º ano, a professora trabalha com livros infanto-juvenis

internacionais, de coleções que figuram entre as mais vendidas no mundo para

esse público. Essas obras foram adaptadas para o cinema, o que possibilita o

diálogo entre sala de aula e outros meios de comunicação, conforme propõe a

pedagogia dos multiletramentos. A partir da leitura dos textos, a professora solicita

produções de texto, leitura em voz alta e promove debate entre o alunado.

d) Escola 4

Por ser uma turma de perfil adulto, o debate e a participação dos alunos em

sala é fluente. A professora divide o tempo de suas aulas entre o ensino da

gramática normativa e de literatura. Os multimeios disponibilizados pela escola

(datashow, computador e caixas de som) são aproveitados de forma positiva em

sala de aula, por meio da exibição de vídeos relacionados ao tema estudado nas

lições de literatura.

e) Escola 5

A duração de cada aula é de apenas quarenta e cinco minutos, o que dificulta

o desenvolvimento da dinâmica de apresentação do conteúdo da disciplina e a

realização de atividades mais elaboradas. Apesar dessas limitações, a professora

de Língua Portuguesa busca implementar didáticas voltadas para a pedagogia dos

multiletramentos.

Durante nossa prática, acompanhamos a leitura de livros e textos variados

e a realização de redações. Presenciamos, também, a apresentação oral de

trabalhos em que os alunos deveriam pesquisar vídeos do canal Youtube e contar

a história ou as curiosidades existentes por trás daqueles vídeos. É importante

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mencionar que a escola fornece livro didático e os alunos utilizam bastante esse

material durante as aulas.

Breve discussão sobre as práticas escolares observadas

Diante dos cinco cenários apresentados, concebemos o fator “motivação”,

por parte dos professores e, consequentemente, dos alunos, como ponto-chave

no enfrentamento dos desafios impostos pela pedagogia dos multiletramentos.

Porém, a motivação não deve ser entendida como algo exclusivamente subjetivo,

intrínseco. É necessário nos atentarmos à influência de questões extrínsecas. Ou

seja, a autodeterminação, entendida aqui como o prazer em exercer a profissão,

pode ser abalada pela impossibilidade de se realizar as atividades conforme se

planejou, talvez devido à falta de equipamentos técnicos ou ao desconhecimento

de como usá-los.

No caso da escola 1, a professora nos revelou não estar habilitada a usar os

recursos tecnológicos. Daí, questionamo-nos até que ponto o investimento do

Estado na formação continuada dos professores, motivando e facilitando o acesso

dos docentes aos cursos, poderia promover mudanças nas metodologias adotadas

em sala de aula. Pensamos que o incentivo externo é capaz de promover uma

motivação interna, mas a autodeterminação é condição essencial, conforme

observado na escola 2, na qual a professora consegue contornar o problema da

infraestrutura precária por meio de atividades estimulantes.

As escolas 3, 4 e 5 oferecem bons exemplos de didáticas voltadas aos

multiletramentos, pois se mostraram preparadas para enfrentar o desafio de

adequar suas práticas ao mundo contemporâneo e as professoras souberam usar

esse recurso a favor dos processos de ensino-aprendizagem. Diante disso,

voltamos a nos questionar sobre o estímulo dado ao professor, mantendo nosso

pensamento de que o resultado positivo depende da união de esforços, envolvendo

o incentivo do governo, todo o trabalho pedagógico e administrativo da escola, a

motivação e a capacitação do professor.

Em relação à implementação da pedagogia dos multiletramentos, nos casos

em que a escola não tem infraestrutura adequada, nossa sugestão seria que o

professor promovesse um diálogo inicial com os alunos, a respeito da

multimodalidade, incentivando a sugestão de ideias de temas a serem trabalhados

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em sala de modo a abordar o uso das novas tecnologias. Reconhecendo a

diversidade de meios de comunicação e interação, o professor poderá incitar o

debate e a reflexão acerca desse universo, sem necessariamente se utilizar de

mídias específicas.

Considerações finais

Em vista das considerações feitas neste artigo, compreendemos a

necessidade de se refletir no ambiente escolar sobre as mudanças no mundo social

advindas do surgimento de novas tecnologias. Entendemos ser de ampla

relevância a formação continuada dos professores em relação à temática dos

multiletramentos, visto que esses profissionais precisam estar sempre preparados

para promover o desenvolvimento de uma visão crítica e consciente nos alunos.

No que diz respeito ao ensino de português, a preocupação não deve se voltar

apenas à estrutura da língua, mas à linguagem de forma geral, considerando a

realidade social e cultural vivenciada pelo alunado.

Cabe salientar que o Ministério da Educação conta com programas de

formação continuada, dentre os quais destacamos os três seguintes (BRASIL,

2015):

Proinfo Integrado – voltado para o uso didático-pedagógico das Tec-

nologias da Informação e Comunicação – TIC no cotidiano escolar, ar-

ticulado à distribuição dos equipamentos tecnológicos nas escolas e à

oferta de conteúdos e recursos multimídia e digitais oferecidos pelo

Portal do Professor, pela TV Escola e DVD Escola, pelo Domínio Público

e pelo Banco Internacional de Objetos Educacionais;

Formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

– curso presencial de 2 anos para os Professores alfabetizadores. De-

senvolve ações que contribuem para o debate acerca dos direitos de

aprendizagem das crianças do ciclo de alfabetização; os processos de

avaliação e acompanhamento da aprendizagem das crianças; planeja-

mento e avaliação das situações didáticas; o uso dos materiais distri-

buídos pelo MEC, voltados para a melhoria da qualidade do ensino no

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ciclo de alfabetização;

Gestar II – oferece formação continuada em língua portuguesa e

matemática aos professores dos anos finais (do sexto ao nono ano) do

ensino fundamental em exercício nas escolas públicas. O programa inclui

discussões sobre questões prático-teóricas e busca contribuir para o

aperfeiçoamento da autonomia do professor em sala de aula.

Essas são algumas das oportunidades as quais, em nossa concepção, devem

ser aproveitadas pelos professores e pelas escolas. Em relação aos desafios

impostos pela precariedade de recursos tecnológicos e infraestrutura inadequada,

acreditamos que o papel fundamental do educador é facilitar aos estudantes o

acesso ao universo plural e híbrido que os cercam, melhorando as oportunidades

educacionais. Por isso, confiamos que a inserção da pedagogia dos

multiletramentos nas escolas seja uma necessidade urgente e ser aplicada em

todos os anos do ensino fundamental e médio, cabendo ao educador adaptar as

atividades a cada faixa etária.

Referências

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Brasília, 2015. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18838&Itemid=842>

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Médio – Linguagens, Códigos e Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, 2006.

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