A INTERNAÇÃO DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A …

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112 Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, 2011 (5): 112-133 A INTERNAÇÃO DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: UMA REFLEXÃO TEÓRICA SOBRE O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO BRASILEIRO. Resumo Este artigo apresenta uma reflexão teórica sobre a medida socioeducativa de internação, que se constitui como um recorte do sistema socioeducativo, propondo uma sistematização dos estudos que têm sido produzidos sobre este tema. Inicia-se por uma exposição sobre adolescência e ato infracional e a seguir abordamos o caso dos adolescentes em conflito com a lei do ponto de vista legal. A partir disso, apresentamos uma sistematização dos estudos sobre a internação, subdividindo-os em duas categorias: 1) a realidade da internação no sistema socioeducativo brasileiro; 2) as propostas teóricas para a internação no sistema socioeducativo brasileiro. Ao final do trabalho, articulamos as ideias apresentadas e apontamos, como conclusão, que há uma expressiva distância entre o real e o ideal quanto à internação no sistema socioeducativo, indicando que ainda há muito a ser feito para que esta medida seja operada de acordo com os estudos e as normativas vigentes. Palavras-chave: Adolescente em conflito com a lei. Medida socioeducativa. Delinquência juvenil. Jana Gonçalves Zappe 1 Iara da Silva Ferrão Cristiane Rosa dos Santos Katia Simone da Silva Silveira Lizinara Pereira da Costa Thatiane Veiga Siqueira 1 Mestre em Psicologia pela Universidade Federal e Santa Maria(2011). Psicóloga da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul, Professora da Faculdade Integrada de Santa Maria. Autor para correspondência: [email protected] Zappe

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112 Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, 2011 (5): 112-133

A INTERNAÇÃO DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: UMA REFLEXÃO TEÓRICA SOBRE O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO BRASILEIRO.

Resumo

Este artigo apresenta uma reflexão teórica sobre a medida

socioeducativa de internação, que se constitui como um recorte

do sistema socioeducativo, propondo uma sistematização dos

estudos que têm sido produzidos sobre este tema. Inicia-se por

uma exposição sobre adolescência e ato infracional e a seguir

abordamos o caso dos adolescentes em conflito com a lei do

ponto de vista legal. A partir disso, apresentamos uma

sistematização dos estudos sobre a internação, subdividindo-os

em duas categorias: 1) a realidade da internação no sistema

socioeducativo brasileiro; 2) as propostas teóricas para a

internação no sistema socioeducativo brasileiro. Ao final do

trabalho, articulamos as ideias apresentadas e apontamos, como

conclusão, que há uma expressiva distância entre o real e o

ideal quanto à internação no sistema socioeducativo, indicando

que ainda há muito a ser feito para que esta medida seja

operada de acordo com os estudos e as normativas vigentes.

Palavras-chave: Adolescente em conflito com a lei. Medida

socioeducativa. Delinquência juvenil.

Jana Gonçalves Zappe1

Iara da Silva Ferrão

Cristiane Rosa dos Santos

Katia Simone da Silva Silveira

Lizinara Pereira da Costa

Thatiane Veiga Siqueira

1 Mestre em Psicologia pela

Universidade Federal e Santa

Maria(2011). Psicóloga da

Fundação de Atendimento

Socioeducativo do Rio Grande do

Sul, Professora da Faculdade

Integrada de Santa Maria.

Autor para correspondência:

[email protected]

Za

pp

e

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INSTITUTIONALIZATION OF ADOLESCENTS IN

CONFLICT WITH THE LAW: A THEORETICAL

REFLECTION ABOUT THE BRAZILIAN SOCIO-

EDUCATIONAL SYSTEM

ABSTRACT

This paper presents a theoretical reflection about the

institutionalization for social-educational term, characterized as an

aspect of the brazilian social-educational system, proposing a

systematization of the studies that have been produced on this topic.

Begins with an exhibition on adolescence and infractional acts, then

we addressed the case of adolescents in conflict with the law from a

legal standpoint. We present a systematic studies about

institutionalization, divided them into two categories: 1) the reality of

institutionalization in the Brazilian social-educational system, 2) the

theoretical proposals for institutionalization in the Brazilian social-

educational system. At the end of the paper, we articulate the ideas

presented and noted, in conclusion, that there is a significant distance

between the real and ideal in the social-educational system, indicating

that there is much to be done so that this measure is operated

according with the studies and the current regulations.

Keywords: Adolescent in conflict with the law. Socioeducational

terms. Juvenile delinquency.

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Introdução

Nosso trabalho apresenta uma reflexão teórica a respeito da

medida socioeducativa de internação, que se constitui como um

recorte do sistema socioeducativo, propondo uma sistematização dos

estudos que têm sido produzidos sobre este tema. O termo sistema

socioeducativo refere-se ao conjunto de todas as medidas privativas de

liberdade que são a internação e semiliberdade até as não privativas de

liberdade (liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade) e

ainda a internação provisória (BRASIL, 2006a).

No Brasil, em média, para cada 10.000 adolescentes entre 12

e 17 anos, 8,8 encontram-se privados ou restritos de liberdade,

segundo dados da última edição do Levantamento Nacional do

Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei

(BRASIL, 2011). Este levantamento indicou ainda que, em novembro

de 2010, havia 17.703 adolescentes em restrição e privação de

liberdade, sendo 12.041 em internação, 3.934 em internação

provisória e 1.728 em medida de semiliberdade.

No contexto do atendimento socioeducativo, o Sistema

Nacional Socioeducativo (SINASE), apresenta-se como uma política

pública destinada à inclusão do adolescente em conflito com a lei,

propondo um conjunto de princípios, regras e critérios de cunho

jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo que envolve

todas as fases do processo socioeducativo (desde a apuração do ato

infracional até o cumprimento da medida socioeducativa). Prioriza a

intersetorialidade, em que vários serviços devem se integrar e formar

uma rede, agilizando a proteção e o exercício dos direitos de quem é

encaminhado para o sistema. Os dados obtidos através do sistema

devem ser transformados em informações que auxiliem em melhorias

e desenvolvimento de futuros planos, políticas e ações, reduzindo a

fragilidade e a exclusão social que muitos convivem, assim buscando

minimizar as consequências para o indivíduo que está em

desenvolvimento (BRASIL, 2006a).

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O trabalho socioeducativo é transversal, intersetorial,

complexo e especializado, se efetiva através das ações de três esferas

de governo, facilitando a inserção sócio-cultural dos adolescentes

(BRASIL, 2011). Nosso trabalho busca investigar sobre a realidade do

trabalho socioeducativo, assim como sobre as propostas teóricas e

legais para a qualificação deste trabalho.

O texto foi construído da seguinte maneira: inicia-se por uma

exposição sobre adolescência e ato infracional e a seguir abordamos o

caso dos adolescentes em conflito com a lei do ponto de vista legal. A

partir disso, apresentamos uma sistematização dos estudos sobre a

internação, que faz parte do sistema socioeducativo, subdividindo-os

em duas categorias: 1) a realidade da internação no sistema

socioeducativo brasileiro; 2) as propostas teóricas para a qualificação

da internação no sistema socioeducativo brasileiro. Ao final do

trabalho, articulamos as ideias apresentadas e apontamos, como

conclusão, que há uma expressiva distância entre a realidade e as

propostas teóricas quanto à internação no sistema socioeducativo,

indicando que ainda há muito a ser feito para que esta medida seja

operada de acordo com os estudos e as normativas vigentes.

A adolescência e a prática de atos infracionais

A adolescência configura-se como um processo psicológico e

social que está inserido no processo mais amplo do desenvolvimento

do sujeito, caracterizando-se pela busca de autonomia e

reconhecimento social. Oliveira (2001) salienta que esta operação de

busca de reconhecimento social torna-se dramática na atualidade

tendo em vista que há uma grande escassez de chances sociais e

oportunidades de reconhecimento num contexto de amplas

desigualdades sociais. Assim, a violência e a identificação com

a criminalidade podem se constituir como um caminho para a

obtenção de reconhecimento social, ainda que às avessas. Soares

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(2005) analisa esta questão a partir da ideia da invisibilidade social

que caracteriza a vivência dos adolescentes de classes populares.

Neste contexto, a identificação com a violência e a criminalidade pode

ser compreendida como um recurso para tornar-se visível, numa

tentativa desesperada de garantir uma existência social.

De acordo com Gonçalves e Garcia (2007), a opção pelo ato

infracional surge como script de um drama atravessado por conflitos

pessoais e sociais, os quais dificultam o processo de construção da

identidade do jovem. Inclui-se neste drama a dificuldade de inserção

no mercado de trabalho, a busca de inclusão social que é frustrada, a

precariedade de educação, profissionalização e trabalho que

caracterizam as vivências da grande maioria dos jovens brasileiros

que se tornam autores de atos infracionais.

O processo socioeducativo deve considerar que os conflitos

pessoais e sociais vivenciados pelo adolescente configuram uma

situação de crise em que pode-se supor a possibilidade de

desenvolvimento. Assim, trata-se de um momento favorável ao

estímulo à crítica do ato infracional em todos os seus aspectos: sociais,

históricos, jurídicos, políticos, culturais, abrindo-se a perspectiva de

uma nova consciência no adolescente e despertando a possibilidade de

ressignificação de sua história e reconstrução de sua existência.

O exercício desta liberdade coloca-se como um pressuposto da

cidadania (OLIVEIRA, 2003).

Desta forma, a medida socioeducativa deve ser planejada no

sentido de oferecer novas oportunidades de desenvolvimento pessoal e

social, visando à superação das dificuldades que levaram o jovem à

prática do ato infracional (COSTA, 2006; VOLPI, 1997). Nosso

trabalho pretende contribuir com esta questão ao discutir em que

medida isto tem sido possível na prática da execução da medida de

internação.

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O adolescente em conflito com a lei do ponto de vista

legal e o sistema socioeducativo

Atualmente, a legislação pertinente aos casos de adolescentes

que cometem atos infracionais é o Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), que regulamenta os direitos das crianças e dos

adolescentes inspirado pelas diretrizes fornecidas pela Constituição

Federal de 1988, internalizando uma série de normativas

internacionais, em especial a Doutrina da Proteção Integral (BRASIL,

1990). Segundo Costa (2005), a função principal dessa doutrina é

assegurar que sejam mantidas condições adequadas ao pleno

desenvolvimento de crianças e adolescentes, independente de sua

situação jurídica.

Zappe e Ramos (2010) indicam que a legislação que

antecedeu o ECA foi o Código de Menores de 1979, o qual estava

fundamentado na Doutrina da Situação Irregular e foi amplamente

criticado por diversos setores da sociedade. Esta legislação se

caracterizava por concentrar o poder no Juiz de Menores, com forte

tendência à criminalização da pobreza e à internação do público

infanto-juvenil. Além disso, esta doutrina produzia grande

estigmatização, ao dirigir-se apenas aos menores considerados em

situação irregular, ou seja, aos abandonados, carentes e infratores e

não à totalidade do público infanto-juvenil. Assim, o ECA representou

significativos e fundamentais avanços ao considerar as crianças e os

adolescentes como sujeitos de direitos, pessoas em condição peculiar

de desenvolvimento e prioridade absoluta, dirigindo-se a todas as

crianças e adolescentes e assim superando a estigmatização presente

na legislação anterior.

Segundo Gonçalves e Garcia (2007), o ECA foi o marco da

condição de saída de um olhar repressor e moralizante até então

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destinado às crianças e adolescentes em situação socioeconômica

desfavorável, para o surgimento de um reconhecimento da condição

de sujeito de direito de forma igualitária a todas as crianças e

adolescentes, independente de fatores socioeconômicos, de gênero ou

etnia. Assim, constitui-se como um divisor da história brasileira

relativa às políticas de atenção a crianças e adolescentes em dois

momentos absolutamente distintos.

A partir do ECA, os adolescentes em conflito com a lei

passam a contar com as garantias processuais básicas do Direito Penal

dos adultos e são responsabilizados pelos atos infracionais cometidos

a partir da aplicação de medidas socioeducativas, que são as seguintes:

advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à

comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade

e internação em estabelecimento educacional. Na aplicação das

medidas socioeducativas, devem ser consideradas as características da

infração e as circunstâncias sociofamiliares, visando possibilitar que o

adolescente supere sua condição de exclusão por meio da reinserção

na sociedade (BRASIL, 1990).

Os programas socioeducativos direcionados aos jovens

privados de liberdade devem respeitar as peculiaridades de cada

pessoa em desenvolvimento, assim como devem assegurar proteção à

vida desses jovens e dos trabalhadores, evitando a discriminação por

meio de rótulos que expõem estes indivíduos a situações que

impedem a superação das dificuldades para viabilizar a inclusão

social. Assim, consideram-se as medidas socioeducativas como ações

pedagógicas que visam a reeducação e a prevenção de novos delitos

(BRASIL, 1990).

De acordo com as mudanças doutrinárias introduzidas pelo

ECA, as medidas socioeducativas devem assumir a seguinte

caracterização, tal como proposto por Volpi (1997): 1) Devem ser

aplicadas e operadas de acordo com as características da infração,

circunstância sociofamiliar e disponibilidade de serviços; 2)

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comportam aspectos de natureza coercitiva e aspectos de natureza

educativa; 3) Os regimes socioeducativos devem constituir-se em

condições que garantam o acesso do adolescente às oportunidades de

superação de sua medida de exclusão, bem como de acesso à

formação de valores positivos de participação social; 4) a

operacionalização deve prever, obrigatoriamente, o envolvimento

familiar e comunitário, mesmo no caso de privação de liberdade; 5) a

estrutura de funcionamento dos programas deve contemplar a

participação de grupos da comunidade que contribuirão com

atividades e participação no planejamento e controle das ações

desenvolvidas na unidade de trabalho, oportunizando a relação entre o

interno e a comunidade; 6) os programas socioeducativos deverão

utilizar-se do princípio da incompletude institucional; 7) os programas

socioeducativos de privação de liberdade deverão prever os aspectos

de segurança, na perspectiva de proteção à vida dos adolescentes e

dos trabalhadores; 8) os programas socioeducativos deverão,

obrigatoriamente, prever a formação permanente dos trabalhadores,

tanto funcionários quanto voluntários; 9) as denominações das

unidades de aplicação das medidas, dos adolescentes envolvidos e das

demais formas de identificação das atividades a eles relacionadas

devem respeitar o princípio da não-discriminação e não-estigmação,

evitando-se os rótulos que marcam os adolescentes e os expõe a

situação vexatória, impedindo-os de superar suas dificuldades na

inclusão social.

Com relação à medida de internação, as instituições que

atendiam à Doutrina da Situação Irregular tiveram que passar por um

reordenamento com vistas a se adequar ao novo ordenamento legal

introduzido pelo ECA. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, a

Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), criada em

1969, passou por um reordenamento institucional e, no ano de 1999

houve a separação dos atendimentos na área de proteção especial

(abrigos) e na área de socioeducação. Neste contexto foi criada a

Fundação de Atendimento SocioEducativo (FASE/RS) como o órgão

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estadual responsável pela execução das medidas socioeducativas de

internação e semiliberdade.

Porém, pode-se pensar que este reordenamento não é tudo no

sentido de materializar as novas diretrizes legais preconizadas pelo

ECA, e que ainda há muito a ser feito. Gonçalves e Garcia (2007)

apontam que a efetivação das políticas sociais previstas no ECA ainda

encontra-se em andamento, já com avanços bastante significativos na

vida de crianças e adolescentes no Brasil. As ações mais focadas

seriam relativas à proteção social (educação fundamental, programas

de suplementação de renda familiar associados à frequência escolar e

ao combate ao trabalho infantil, atenção primária a gestantes e recém-

nascidos, etc.). No entanto, as autoras apontam que ainda existem

barreiras para a efetivação da noção ampliada de cidadania e

dimensões menos tangíveis sobre as quais talvez o ECA ainda não

tenha se consolidado como prática, principalmente nas relações

sociais com os adolescentes autores de atos infracionais. Para estes,

pensam as autoras, um dos principais desafios seria a superação das

práticas criminalizantes, amparadas por uma cultura política que

estigmatiza o adolescente autor de ato infracional e exige que

simplesmente este seja excluído e banido do convívio social numa

espécie de higienização social.

É preciso lembrar que a questão do adolescente autor de atos

infracionais teve sempre uma visão penitenciarista, com o predomínio

da tendência de punir, o que surgiu e se mantém desde longa data,

embora esteja claro que a mera prisão não seja suficiente para a

recuperação (SOARES, 2000). Os frequentes apelos da opinião

pública pelo rebaixamento da idade penal decorrem desta visão que

enfatiza a punição em detrimento da ressocialização.

Embora o predomínio desta tendência de associar a privação

de liberdade à prisão e reduzi-la a seu caráter punitivo, as medidas

socioeducativas são mais complexas que uma medida meramente

repressiva. A prisão e o atual sistema carcerário são extremamente

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rigorosos e, na maior parte dos casos, o resultado é o fracasso. No

caso das medidas socioeducativas, estas estão fundamentadas na

concepção de que se trata de um sujeito em peculiar condição de

desenvolvimento e, portanto, passível de se beneficiar com um

processo de ressocialização. Neste sentido, entende-se que a medida

socioeducativa comporte aspectos de natureza coercitiva, mas deve

comportar principalmente aspectos de natureza protetiva e educativa

(SOARES, 2000). A ênfase na proteção, na educação e na garantia de

direitos foi introduzida no sistema socioeducativo a partir das

mudanças paradigmáticas propostas pelo ECA (BRASIL, 1990).

A partir desta mudança paradigmática do ponto de vista legal,

bem como do consequente reordenamento do ponto de vista

institucional, torna-se relevante investigar como o sistema

socioeducativo está estruturado atualmente, quais têm sido suas

dificuldades e quais os resultados que tem produzido. A

sistematização de estudos que têm investigado esta questão configura-

se como um diagnóstico da situação atual, o que pode indicar as áreas

mais carentes de estudos e propostas de intervenção, daí a

contribuição que nosso trabalho pretende oferecer.

A realidade da internação no sistema socioeducativo

brasileiro

A realidade da internação no sistema socioeducativo tem sido

alvo de críticas frequentes, as quais se direcionam a diferentes

aspectos da execução das medidas privativas de liberdade. Segundo

Costa (2006), atualmente contamos com um sistema que, além de

privar os adolescentes de sua liberdade, acaba privando-os de outros

direitos como ao respeito, à dignidade, à privacidade, à identidade e à

integridade física, psicológica e moral. Oliveira (2003) aponta que

ainda é um grande desafio introduzir neste sistema o reconhecimento

de que, ainda que tenha violado direitos de outrem, o adolescente

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permanece sendo sujeito de direitos, não podendo ser privado de

nenhum outro direito a não ser aquele objeto de decisão judicial. Uma

consequência imediata dessa realidade é a ocorrência constante de

revoltas, rebeliões, motins, levantes e principalmente os grandes

índices de reincidência dos adolescentes institucionalizados. Estes

fatos apontam para o fracasso do sistema que na prática ainda não

consegue efetivar a garantia de direitos prevista nos textos legais.

Com relação a isso, Costa (2005) salienta que a prevalência

de experiências negativas, aliada à lacuna de experiências exitosas

nesse contexto, tende a reforçar concepções que vinculam ao

comportamento infracional um alto padrão de repetição e estabilidade,

sugerindo que os sujeitos enredados nas tramas da prática infracional

tenderão a continuar protagonizando infrações e crimes. Desta forma,

pode-se compreender que o próprio sistema acaba promovendo a

repetição e a reincidência.

Oliveira e Assis (1999), em um estudo exploratório composto

por uma abordagem mista, realizado em três instituições responsáveis

pela custódia judicial de adolescentes em conflito com a lei,

demonstraram os efeitos danosos da vida imposta a estes jovens pelas

próprias instituições de custódia. Entre estes efeitos danosos, cita-se o

distanciamento do adolescente de sua família, provocado ou

intensificado pela institucionalização, e a precariedade dos recursos

humanos institucionais, que reduz a qualidade do atendimento e

reproduz uma relação marcada pelo distanciamento. As instituições de

custódia não encaravam o atendimento aos jovens como uma

prioridade, funcionando superlotadas, inapropriadas para a

socialização, desumanas e descumprindo o ECA, acrescentando ainda

mais danos à trajetória destes jovens.

Uma parceria entre o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e

o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

resultou na realização de uma inspeção nacional às unidades de

internação de adolescentes em conflito com a lei, com visitas

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simultâneas em 22 estados brasileiros (BRASIL, 2006b). O relatório

desta visita apontou que várias unidades encontravam-se superlotadas,

apresentando instalações físicas precárias, ausência ou irregularidades

de atendimento jurídico e de saúde, oferta irregular de escolarização e

profissionalização, além das graves denúncias de espancamentos e

maus-tratos físicos e psicológicos. Houve, inclusive, a sugestão de

imediata desativação de uma unidade, localizada em São Paulo, dada a

gravidade das situações verificadas durante a visita (BRASIL, 2006b).

A superlotação e a precariedade da estrutura física das

unidades de internação também são apontadas no estudo de Oliveira

(2001, p. 170), que entende que isso contribui para a fragilização do

trabalho socioeducativo, acarretando uma série de dificuldades:

enfraquecimento do vínculo, formação de grupos rivais e acirramento

das rixas, progressão do comprometimento institucional através da

mistura de perfis entre adolescentes em uma mesma unidade,

comprometimento do zelo pela integridade física e psicológica dos

adolescentes, comprometimento do atendimento técnico, degradação

das condições de trabalho (...), estimulação do desrespeito aos

funcionários e ao seu papel na medida socioeducativa, deslocamento

do trabalho com ênfase na educação (reinserção social) para o trabalho

com ênfase na segurança”, configurando-se uma situação de “depósito

de adolescentes infratores.

A presença de maus-tratos nestas instituições também é

apontada na pesquisa de Oliveira (2001). A autora descreve que, na

FEBEM/RS, os adolescentes costumavam receber pancadas e os canos

ou tacos utilizados para as agressões portavam inscrições, tais como

“diploma pra ladrão, direitos humanos, sossega leão, vem cá neném,

ECA”, assim como nomes de alguns militantes pelos direitos

humanos. Esta situação parece bastante significativa sobre o quanto a

realidade está distante do que é preconizado pela atual legislação em

termos de proteção integral e direitos humanos.

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Além da existência de maus-tratos físicos, a pesquisa

realizada por Oliveira (2001) revelou a existência de posturas e

comportamentos preconceituosos de funcionários com relação aos

adolescentes institucionalizados, o que se caracteriza como uma

violência psicológica. A autora cita como exemplo desta situação o

fato de que os funcionários afirmam comumente que trabalham com o

“lixo social”. Neste sentido, a instituição se configura como um local

de sofrimento e amargura, em que o intuito é que o castigo sirva como

pagamento por um passado repleto de erros e, assim, se reproduz a

percepção histórica do sistema prisional.

Do ponto de vista da estruturação das instituições de

internação, Oliveira (2001) afirma que, assim como as condições

propiciadas aos adolescentes são muito precárias em relação ao que

determina o ECA, as condições de trabalho proporcionadas aos

funcionários também são bastante desfavoráveis. Estes não possuem

um plano de carreira ou formação adequada, a jornada de trabalho é

extremamente desgastante, inexistem espaços apropriados para

refeições e outras atividades. Num sentido mais amplo, considera-se o

estresse de quem coloca a vida em risco, e ainda o estigma

relacionado ao desempenho destes funcionários, que frequentemente

são desrespeitados ao receber qualificações como incompetentes e

violentos, por exemplo. Em virtude disso, torna-se um entrave para os

funcionários trabalhar a partir da valorização da resiliência dos

internos, justamente porque a própria instituição se descobre, na cena

social, desamparada. Neste sentido, a experiência institucional de

internos e funcionários caracteriza-se por um intenso abandono

(OLIVEIRA, 2001), o que reproduz o descaso da sociedade com estes

casos, que tende a querer eliminá-los do convívio (GONÇALVES e

GARCIA, 2007; OLIVEIRA e ASSIS, 1999).

O Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo

ao Adolescente em Conflito com a Lei apresenta um relato atualizado

de que estes problemas persistem em uma realidade marcada por

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situações flagrantes de desrespeito aos pressupostos legais do ECA,

por violação dos direitos humanos, ameaças à integridade física dos

adolescentes, violência psicológica, maus tratos e tortura, passando

por situações de insalubridade, negligência em questões relacionadas à

saúde e o comprometimento dos direitos processuais com internação

provisória que excedem em muito os 45 dias, ausência de Defensorias

Públicas e de Núcleos Especializados da Infância e Juventude,

cumprimento de medidas em celas de delegacia, falta de acesso à

justiça dos adolescentes privados de liberdade e carência pedagógica

nas ações desenvolvidas dentro das unidades socioeducativas

(BRASIL, 2011).

Oliveira (2003) apresenta uma discussão sobre as

dificuldades do sistema socioeducativo a partir do estudo de um caso

bastante revelador dos danos que a institucionalização pode causar à

vida do jovem. A partir do discurso da autoridade judicial que recebeu

o adolescente que cometeu um ato infracional, o jovem entendeu que

iria para um lugar onde não iria cumprir pena, mas se reeducar, se

tratar. Discurso que logo foi questionado a partir da prática cotidiana

das instituições que recebem adolescentes privados de liberdade. Ao

chegar à Instituição, o jovem tomou contato com agentes que o

aterrorizaram dizendo que seu lugar deveria ser uma vala, devendo

apanhar e sorrir para não apanhar muito mais. Ao cumprir a medida

socioeducativa, o jovem garante: tudo o que aprendeu com isso foi a

não sonhar, revelando uma grave situação de desesperança e os efeitos

danosos causados em sua vida. Este relato demonstra que há um sério

descompasso entre o discurso jurídico, sintonizado com o ECA, e a

prática institucional, que reproduz uma política carcerária, punitiva e

violadora de direitos, em total descompasso com o ECA.

Soares (2000) é enfático ao afirmar que todos sabemos que o

sistema de internação é falido desde o seu nascimento. A cadeia pode

ser considerada como uma sociedade dentro de outra sociedade, com

regras e leis próprias. Utilizando este conceito, veremos que há mais

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que correlação entre prisão e internação, entre pena e medida

socioeducativa, de forma que a privação de liberdade por si só causa

transtorno indeletável ao comportamento de qualquer ser.

Costa (2005) apresenta um contraponto a estas experiências

negativas, lembrando que é preciso considerar que o encontro que se

dá no contexto socioeducativo, como outros que ocorrem ao longo da

existência humana, carrega um potencial para produzir efeitos,

significados e sentidos – positivos ou negativos – para os que dele

participam. Se aprendemos que é possível destituir o adolescente da

condição de sonhador, entendemos ser possível, também, construir o

seu retorno à condição de sonhador, de construtor de seu projeto de

vida, de participante de um projeto coletivo, contribuindo, assim, para

que mudanças significativas efetivamente ocorram em sua trajetória.

Partindo destas ideias, a autora aponta a existência de algumas

experiências bem-sucedidas no Brasil, como a de uma unidade de

internação em Roraima onde todos os funcionários se reconhecem

como responsáveis pelo processo educativo, envolvendo-se

diretamente na proposta pedagógica. Outra experiência que a autora

apresenta é de um projeto de extensão da Universidade do Estado do

Rio de Janeiro, que possibilita diferentes alternativas de inserção

social aos adolescentes autores de ato infracional.

Veronese (2000) apresenta um relato sobre o projeto

Ressocialização através da Arte, que foi uma iniciativa de introduzir a

arte no âmbito socioeducativo com o objetivo de ressocializar,

proporcionando o resgate dos adolescentes autores de atos infracionais

e promovendo reinserção social. A arte foi utilizada como um recurso

para tentar minimizar os efeitos perniciosos da privação de liberdade

no comportamento dos internos. O autor avalia que as aulas de artes

representam momentos únicos, nas quais os adolescentes podem

expressar sentimentos e emoções, além de denunciar a situação em

que vivem, utilizando a expressão artística como uma forma de

comunicação. Nas atividades iniciais do projeto, os adolescentes

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pintavam sempre os símbolos da violência, como armas e outros

símbolos da criminalidade. Com a evolução das aulas, mudou

significativamente a temática da pintura, pois os adolescentes

começaram a pintar a família, casas, borboletas, horta, mulher na

janela, etc. Veronese (2000, p. 212) interpreta que esta oscilação na

temática das pinturas revela o conflito vivenciado pelos jovens: apesar

dos atos infracionais cometidos, da violência de seus atos e da

identificação com o mundo do crime, no fundo se trata de meninos

frágeis, carentes de afeto e de família: “(...) era só e ainda uma

criança, louca por colo. O resto era uma armadura comportamental só

para se defender da barra pesada que é a vida deles”.

Esta experiência demonstra que as diferentes formas de

expressão artística (pintura, música, etc.) proporcionam a

oportunidade de exteriorizar emoções e sentimentos, bem como uma

possibilidade de profissionalização. Além de minimizar os efeitos

perniciosos da privação de liberdade, é possível desenvolver a

criatividade e outras potencialidades, motivar a interação com o

grupo, e promover a integração social e a humanização da medida

socioeducativa. Trata-se de um recurso que deve ser utilizado nos

programas de atendimento socioeducativo (COSTA, 2006).

Diante disso, percebe-se que, apesar de mais escassos, é

possível encontrar na literatura alguns relatos de iniciativas exitosas.

Porém, é muito mais fácil encontrar relatos sobre experiências mal-

sucedidas, o que indica que estas talvez sejam, de fato, mais

numerosas.

As propostas teóricas e legais para qualificação do

sistema socioeducativo

Oliveira e Assis (1999) apontam que a prática de atos

infracionais deve ser considerada como um problema a ser enfrentado

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pelo conjunto da sociedade, através de um conjunto de ações, em

diferentes níveis, considerando-se a necessidade de se enfatizar

trabalhos com envolvimento comunitário. Neste sentido, defendem

que a privação de liberdade deve ser restrita a casos extremos, e deve

ser rigorosa principalmente quanto à qualidade da assistência prestada.

Para isso, sugerem que o atendimento seja oferecido a pequenos

grupos de adolescentes, e que siga uma ótica essencialmente técnica,

priorizando-se a oferta de ensino regular e profissionalização.

Costa (2006) salienta que o ponto principal quanto à

aplicação da medida socioeducativa é sabermos que tudo que se utiliza

para trabalhar com adolescentes serve para trabalhar com adolescentes

autores de ato infracional. Não podemos esquecer que estamos diante

de um adolescente que cometeu ato infracional e não de um infrator

que por algumas circunstâncias é um adolescente.

Gonçalves e Garcia (2007) pensam que é necessário

fortalecer o binômio teoria/prática para que o ECA se aproxime mais

do cotidiano das pessoas e possa sedimentar a cidadania infanto-

juvenil na sua fragilidade maior, a proteção dos adolescentes autores

de atos infracionais. Costa (2006) amplia esta questão ao afirmar que

a aplicação jurídica das medidas socioeducativas deve respeitar de

forma plena o que está disposto não apenas no ECA mas também na

Constituição e nas normativas internacionais. Quanto ao caráter

socioeducativo, para este autor a aplicação deve estar baseada em

preceitos de humanidade, severidade e justiça.

Para Oliveira (2003), uma contribuição importante para

melhoria da situação atual do sistema socioeducativo é revelar com

clareza o que está nas entrelinhas da conduta do corpo de funcionários

de cargos de direção com relação à aplicação de medidas punitivas

aos adolescentes. É preciso esclarecer que esta – punição – não é uma

função a ser exercida por estes agentes institucionais, que são, na

verdade, responsáveis pela tutela do adolescente, zelando por sua

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integridade física e moral, e a execução da medida socioeducativa, de

acordo com a lei.

Costa (2006) salienta que, para as medidas socioeducativas

serem aplicadas de modo eficaz, requerem sistemas de atendimento

estruturados, constituídos por redes locais de entidades de

atendimento. Quanto aos órgãos especificamente encarregados da

execução das medidas, é fundamental que estes possuam um

regimento interno claro e bem estruturado.

Abordando questões internas do adolescente

institucionalizado, Soares (2000) salienta a necessidade elevar a

autoestima do jovem para que ele possa reconstruir seu projeto de

vida. Para este autor, o processo de recuperação passa por três fases:

reflexão, elevação da autoestima e o projeto de vida. Se não fizermos

o adolescente refletir e melhorar a autoestima, não adiantará propor

que ele faça um projeto de vida.

Considerações finais

A análise dos trabalhos consultados revelou que há uma

expressiva distância entre a realidade e as propostas teóricas para a

internação de jovens autores de atos infracionais no sistema

socioeducativo, indicando que ainda há muito a ser feito para que esta

medida seja operada de acordo com os estudos e as normativas

vigentes.

Entende-se que a Doutrina da Proteção Integral não foi

assimilada de modo uniforme pelo conjunto da população brasileira.

O frequente clamor público pelo rebaixamento da idade de

imputabilidade penal revela que, para a opinião pública, a punição

ainda é o principal aspecto considerado no atendimento aos jovens em

conflito com a lei. Em geral, pode-se considerar que a mídia também

compartilha deste entendimento. A partir do trabalho de Oliveira

130 Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, 2011 (5): 112-133

(2003), percebe-se que o discurso jurídico constrói-se em sintonia

com o ECA, enquanto que a prática institucional ainda reproduz uma

política carcerária, punitiva e violadora de direitos, em total

descompasso com o ECA.

Essa situação revela que, de fato, a efetivação das políticas

sociais previstas no ECA ainda encontra-se em andamento,

principalmente nas relações sociais com os adolescentes autores de

atos infracionais, conforme apontado por Gonçalves e Garcia (2007).

Tomando-se como um dos principais desafios para esta efetivação a

superação das práticas punitivas e criminalizantes, entende-se que é

crucial investir na assimilação da Doutrina da Proteção Integral pelo

conjunto da população, especialmente os trabalhadores do sistema

socioeducativo.

Alguns trabalhos demonstraram que os adolescentes em

conflito com a lei estão longe de ser considerados como prioridade

como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento,

pois eles costumam ser vistos como “lixo social” (OLIVEIRA, 2001),

cujo lugar a ocupar deveria ser uma “vala” (OLIVEIRA, 2003) pelos

próprios trabalhadores do sistema socioeducativo. Neste sentido,

enfatiza-se a necessidade de investir em mudanças destas concepções,

o que pode ocorrer através da assimilação dos conteúdos do ECA.

Um exemplo paradigmático da existência de diferenças

quanto à assimilação dos princípios do ECA foi revelada no trabalho

de Oliveira (2001), que descreve que os materiais para agressões aos

adolescentes institucionalizados portavam inscrições como “direitos

humanos”, “ECA”, ou nomes de militantes pelos direitos humanos. A

partir deste relato, percebe-se que o ECA não é desconhecido neste

contexto, mas que não é aceito e não foi internalizado como um

princípio norteador do trabalho.

Com relação a isso, entende-se que é necessário intervir no

sentido de promover mudanças físicas nas instituições e nas

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concepções sobre os jovens que cometem atos infracionais e sobre as

formas de atendimento a estes casos, em dimensões amplas, incluindo

desde a opinião pública até – e principalmente – os trabalhadores do

sistema socioeducativo. Entendendo-se que mudar concepções é

tarefa complexa, indica-se que ainda há muito trabalho a ser realizado

para que finalmente a Doutrina da Proteção Integral seja internalizada

e possa então produzir os resultados esperados.

O Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo

ao Adolescente em Conflito com a Lei salienta a necessidade de

avançar no caminho de consolidação do SINASE como uma política

pública que ganha relevância cada vez maior no projeto societário de

igualdade, justiça e oportunidades. Segundo este levantamento, tal

política encontra-se em estágio recente de desenvolvimento,

apresentando disparidade entre estados e municípios no que se refere

ao status institucional reservado a esta área, ao financiamento das

ações e a qualidade no atendimento. Desta forma, acredita-se que o

investimento no sentido da efetivação do SINASE seja a principal

ferramenta para a qualificação do sistema socioeducativo e a

consequente oferta de um atendimento humanizado, protetivo e

garantista de direitos para o adolescente em conflito com a lei, capaz

de oferecer oportunidades legítimas de inclusão e reinserção social.

132 Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, 2011 (5): 112-133

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