Post on 24-Jul-2020
II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades
Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
A ESCULTURA DO DEUS MERCÚRIO DA TORRE DO MERCADO MUNICIPAL DE PELOTAS, RS: A TRAJETÓRIA DE UM SÍMBOLO
DIVINO
TORINO, ISABEL HALFEN DA COSTA (1); CERQUEIRA, FÁBIO VERGARA. (2)
1. Universidade Federal de Pelotas. Instituto de Ciências Humanas. Programa de Pós-graduação em
Memória Social e Patrimônio Cultural. Rua Santos Dumont, 715, Pelotas – RS. CEP 96020-380.
bel.torino@hotmail.com
2. Universidade Federal de Pelotas. Instituto de Ciências Humanas. Programa de Pós-graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural.
Rua General Telles, 861, Apartamento 1105, Pelotas – RS. CEP 96010-310. fabiovergara@uol.com.br
RESUMO
Este trabalho aborda um bem cultural da cidade de Pelotas que esteve desaparecido por longo tempo, embora esteja presente no imaginário pelotense e seja reivindicado por parte da população. Trata-se da escultura em metal representando o deus Mercúrio na mitologia romana ou Hermes, na mitologia grega que, segundo fontes orais, esteve fixada no alto da torre do Mercado Público Municipal desde aproximadamente 1914, desaparecendo entre a década de 1950 e 60. Sua história é cercada de informações escassas e contraditórias. Essa escultura não possui documentação e tampouco sua localização inicial foi comprovada. Alguns afirmam tê-la avistado no alto da torre do Mercado Público; outros duvidam que ela algum dia tenha estado lá. Tampouco o motivo de seu desaparecimento temporário, para mais tarde surgir em uma sala da Secretaria Municipal da Cultura de Pelotas, foi esclarecido até hoje. Além da falta de provas documentais, há escassez de informações sobre ela e, quando obtidas, essas são desencontradas e não fidedignas. Ao esclarecer a trajetória desse patrimônio cultural, estima-se contextualizá-lo histórica e culturalmente, evitando seu processo de dissociação e, ao mesmo tempo, perguntar-se sobre o sentido da recepção da tradição da imagem clássica da divindade grega no contexto da iconografia urbana de Pelotas.
Palavras-chave: Escultura. Reinvindicação patrimonial. Memória. Esquecimento.
Desde o início dos tempos ouvimos falar da preocupação dos homens com a guarda
de objetos que possuíam alguma importância para eles, seja pela sua funcionalidade ou
mesmo pelo simbolismo que podiam representar. Essa vontade de guardar esteve sempre
relacionada com o desejo de reter, de não perder lembranças que de alguma maneira
pudessem dar algum significado a sua existência. Nesse sentido, desde a antiguidade até a
contemporaneidade, podemos observar a prática de diferentes processos de representação
do passado, que ocorrem em tentativas de reafirmar, no presente, laços que consideramos
caros no passado, ou seja, com o propósito de resgatar vínculos identitários. Uma destas
práticas se traduz na reivindicação patrimonial, pela valorização de bens culturais a partir de
valores de percepção que lhe são atribuídos.
Se considerarmos que tudo o que sabemos de nós mesmos e do mundo nos vem do
passado, observamos, também, que é nesse passado que buscamos as memórias que nos
mantêm vivos, que nos identificam culturalmente e, quando nos propomos a preservar um
bem, é porque admitimos haver alguma ameaça à continuidade da sua existência, que
consideramos significativa; essa importância pode estar diretamente ligada à nossa vida, às
nossas memórias, ou estar relacionada a outro grupo de pessoas. A necessidade de se
conservar, de se estender, de tornar esse bem mais durável, relacionando-o temporal e
culturalmente é motivada por um desejo do ser humano de escapar à fugacidade de sua
própria existência, encenando ou reativando, no presente, um passado que se julga
importante.
Não se pretende aqui abordar o processo de formação do patrimônio cultural; apenas
tentar relacioná-lo à memória, à identidade e à cultura material como um bem alcançado direta
ou indiretamente, capaz de evocar imagens, representações e simbolismos e que, conforme a
maneira como nos “ancoramos” ao passado e nos identificamos a determinados objetos ou
coisas, tentamos preservá-los, tornando-os sempre presentes.
Segundo Ulpiano Bezerra de Meneses (1984, p.33), a memória, suporte fundamental
da identidade “é mecanismo de retenção de informação, conhecimento, experiência individual
ou social, constituindo-se em um eixo de atribuições que articula, categoriza os aspectos
multiformes de realidade, dando-lhes lógica e inteligibilidade”. Portanto, preservar, tornar
esses bens sempre presentes, disponíveis, ativa a nossa memória e, consequentemente,
nutre a nossa identidade cultural.
A palavra memória tem sido utilizada com muita frequência ultimamente. Andreas
Huyssen (2000) afirma que as últimas décadas do século XX foram impregnadas pela “cultura
da memória”, quando houve a valorização de um passado como algo que dá substância e
coerência à nossa experiência, frente a um presente fragmentado, que não vislumbra um
futuro promissor. O autor considera que essa “volta ao passado” tenha ocorrido talvez pela
tentativa de se combater o medo e o perigo do esquecimento com estratégias de
sobrevivência de rememoração pública ou privada, explicando que:
O enfoque sobre a memória é energizado subliminarmente pelo desejo de nos ancorar em um mundo caracterizado por uma crescente instabilidade do tempo e pelo fraturamento do espaço vivido. (HUYSSEN, 2000, p. 20).
A maioria dos teóricos de estudos culturais concorda com essa “impregnação” da
memória que vem acontecendo nos últimos tempos. Faz parte de um consenso, também, o
pensamento que o homem contemporâneo vive uma crise de identidade agravada pelas
mudanças de valores ocorridas na passagem da modernidade para a pós-modernidade,
refletindo-se na revalorização de objetos ou antigos valores que já foram importantes, na
procura pela mode rétro e na busca exagerada por registros, vestígios e referenciais para se
localizar no presente, ou seja, para afirmação de sua identidade cultural.
Essa mesma sociedade contemporânea que tem à disposição as inovações
tecnológicas e é cotidianamente assediada pelo domínio da imagem visual e, portanto, vítima
de um processo unificador e homogeneizante, busca seus referenciais legitimadores em
suportes materiais com os quais compartilha relações importantes com o passado. Nesse
sentido, o antropólogo José Reginaldo Santos Gonçalves (2007, p.14) afirma que um vasto
conjunto de objetos materiais circula significativamente em nossa vida social por meio das
categorias culturais ou sistemas classificatórios. Segundo o autor, nós separamos, dividimos
e hierarquizamos esses objetos que consideramos importantes, dando existência e
significado a eles.
Em meio a esse esforço de inventariar e patrimonializar os bens culturais que
consideramos como detentores de um potencial de memória e identidade cultural, surgem a
necessidade de preservar esses suportes de possíveis alterações prejudiciais e de colocar em
prática estratégias capazes de suprir essa “necessidade social” de tudo preservar.
BENS PATRIMONIAIS DE PELOTAS
Considera-se que a cidade de Pelotas possui um expressivo número de bens culturais,
hierarquizados e classificados como móveis e imóveis. E, deslocado de seu tempo,
dissociado também pela falta de documentação, de pesquisa histórica e, portanto,
descontextualizado, encontra-se atualmente no prédio da Secretaria Municipal da Cultura de
Pelotas (SECULT) um bem cultural que faz parte de uma história repleta de desinformações,
contradições e, ao mesmo tempo, de anseios por parte da população em conhecer a sua
verdadeira trajetória. Trata-se de uma escultura (figura 1) em metal que representa o deus
Mercúrio na mitologia romana ou Hermes na mitologia grega. Essa escultura não possui
origem documentada e tampouco sua localização inicial foi comprovada até hoje. Algumas
pessoas afirmam tê-la avistado no alto da torre do Mercado Público Municipal (figura 2 e 3);
outras duvidam que ela algum dia tenha estado lá. Tampouco o motivo de seu
desaparecimento temporário, para mais tarde surgir em uma sala da Secretaria Municipal da
Cultura de Pelotas (SECULT) é conhecido até hoje. Além da falta de provas documentais, há
escassez de informações sobre ela e, quando obtidas, essas são desencontradas e não
fidedignas. Joël Candau (2011, p.98) afirma que conhecer a origem de um objeto não basta
para que a memória possa organizar as representações identitárias. O autor acrescenta que:
“é preciso um eixo temporal, uma trajetória marcada por essas referências, que são os
acontecimentos”. Assim, considera-se que essas informações e indícios devem ser
acompanhados, esclarecidos e, se possível, confirmados ou não.
Figura 1- Fotografia - escultura representando o Deus Mercúrio, na SECULT
Fonte: Isabel Torino
Figura 2 – Cartão Postal - Mercado Municipal de Pelotas (aproximadamente 1930).
Fonte: Acervo Nelson Nobre
Figura 3 – Detalhe da torre do Mercado Público, retirado da figura 2, com o Mercúrio.
Fonte: Acervo Nelson Nobre
De acordo com relatos orais, algumas citações em trabalhos acadêmicos e matérias
veiculadas em periódicos, a escultura de Mercúrio teria sido colocada no alto da torre do
Mercado Público de Pelotas após a grande reforma1 que o prédio sofreu de 1911 a 1914,
quando foram acrescentados quatro torreões adornados e uma torre metálica de 30 m de
altura, com um grande relógio, vinda de Hamburgo, na Alemanha (ALMANAQUE DE
PELOTAS, 1914, p.222). A escultura, além de fazer uma alusão ao comércio, pela iconologia
do deus Mercúrio, teria a função de catavento. Além das controvérsias quanto a sua
permanência ou não no alto da torre do Mercado Municipal, há informações desencontradas
que tanto atribuem o seu desaparecimento a um temporal seguido de ventos fortes que
assolou a cidade de Pelotas na década de 1950, como ao incêndio que destruiu o Mercado
Municipal de Pelotas em de 04/09/1969.
A escultura em questão é uma réplica da obra do escultor Giambologna (1529-1608),
que está no Museu Nacional de Bargello, em Florença, na Itália. Mais conhecida e citada
pelos pelotenses como Mercúrio (na mitologia romana), na mitologia grega, essa divindade é
denominada Hermes. Segundo o Dictionnaire des Anquitités Grecques et Romaines de
Daremberg e Saglio, antes mesmo que os gregos tivessem começado a dar aos seus deuses
a figura humana, enquanto eles ainda os representavam por seus símbolos, Hermes era
1 O prédio do Mercado Municipal de Pelotas foi construído entre os anos de 1849 a 1850, segundo Atas da Câmara
Municipal.
venerado tanto sob a forma de pedras apanhadas nos campos e espalhadas pelo caminho,
que serviam de vestígios de guia aos viajantes na ausência de trajetos traçados, como sob a
forma de um enorme falo, representando a fecundidade das plantas e dos animais. Aos
poucos, segundo Daremberg e Saglio (1900), o símbolo fálico se transforma em ídolo,
representado em estelas antropomorfizadas (figura 4). Essas estelas, na época clássica,
constituíam-se em marcos pitorescos que representavam o deus Hermes nas cidades, nas
esquinas, em frente às portas das residências, nas praças e pórticos, sendo atribuído a ele,
por esse motivo, o papel de protetor das ruas, dos vendedores e do comércio. As
representações de Hermes foram passando por etapas sucessivas de mudança de
pensamento da arte grega, até chegar ao tipo clássico que conhecemos hoje.
Figura 4 – Ilustração - Estela em pedra, representando Hermes antropomorfizado.
Fonte: Dictionnaire des Antiquités Grecques et Romaines.
Divindade complexa, com muitos atributos e funções, Hermes ou Mercúrio é também
considerado como o mensageiro dos deuses, o protetor dos viajantes, o deus dos sonhos e do
sono (CARR-GOMM, 2004). O bastão ou caduceu que carrega, com cobras enroscadas, seria
para lançar um encanto sobre os olhos humanos ou para despertá-los do sono mais profundo.
Ao explorar os domínios da Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicanálise, História e
crítica literária, Paiva (2012, p. 153) reconhece o espírito de Hermes como o
intérprete-mediador diante das grandes causas da humanidade. Segundo ele, “Homero,
Petrônio, Dante, Shakespeare, Proust, Dostoievski, entre outros arcanos do pensamento
ocidental, modelaram a imagem de Hermes como fonte de leitura do grande livro do mundo”.
Hermes foi assimilado ao deus Mercúrio com o domínio da Grécia em Roma e, pela influência
egípcia, sofreu um sincretismo também com Thot, criando-se o personagem de Hermes
Trimegisto (PAIVA 2012, p. 154). A origem do nome desse deus está ligada à “herma”, que
significa um platô feito de cipós, grande pilar emanando o sentido de consistência, altivez e
perpetuidade (PAIVA, 2012, p.155). Assim “Hermes tem o poder de ligar, desligar, formar
laços afetivos, comerciais e políticos”. O autor salienta o capacete (que ganhou de Hades)
como um detalhe importante na sua indumentária, concedendo-lhe a astúcia, a inteligência, o
poder da gnose, do saber e da magia. E acrescenta:
Hermes, sendo uma divindade complexa, é agrário (também protege os pastores) e simboliza o dom da astúcia, do ardil, de uma sabedoria sagrada. E na versão latina, Mercúrio, é o deus dos comerciantes (dos mercadores, dos negociantes e dos “ladrões”). (PAIVA, 2012, p. 156).
OS “USOS DO PASSADO” EM PELOTAS
Na paisagem urbana de Pelotas pode se claramente observar, nas fachadas de alguns
prédios, a presença de elementos clássicos (colunas com capitéis dóricos, jônicos e coríntios,
arcadas), assim como um conjunto expressivo de imagens que se referem à arte e à cultura
greco-romana (estátuas, chafarizes, esculturas). Embora se observe a intenção deliberada de
reprodução dessas formas, os diálogos entre elas são variados, o que contribui para a
caracterização da arquitetura dos prédios históricos de Pelotas como eclética. Essa
apropriação contemporânea de elementos da cultura greco-romana poderia ser entendida
como processos de representações que usam o passado para legitimar o presente (CANDAU,
2011, p.161). Essas representações fariam alusão a uma época próspera que Pelotas
vivenciou e permaneceriam como uma espécie de “legado clássico”, que serve de referencial
para a construção identitária de parte da população da cidade.
Segundo o professor Fábio Vergara Cerqueira (2012, p.3), torna-se necessário
compreender melhor por que “o espaço urbano de Pelotas recebeu uma densidade tão
elevada de imagens que nos reportam ao mundo antigo”. Essa apropriação do clássico, que
ele considera como fenômeno nacional, está presente em várias cidades brasileiras. No
entanto, em Pelotas, sua presença no patrimônio cultural se enfatiza pelo bom estado de
conservação de seus suportes materiais:
A riqueza desta iconografia urbana, ainda conservada na cidade de Pelotas, deve-se a dois fatores primordiais: a proeminência da economia pelotense, em nível nacional, no séc. XIX, e a crescente recessão econômica local na segunda metade do séc. XX, época em que muitas cidades brasileiras viram sua paisagem urbana neoclássica e eclética ceder lugar à chamada “selva de pedra”, a dita cidade “genérica”, onde o progresso foi sinônimo de verticalização e destruição do “velho”, substituindo-o pelo “novo”, como foi o caso de várias praças cujo paisagismo e monumentos foram substituídos pelo concreto (CERQUEIRA, 2012, p. 3)
Nos “usos do passado”, outra questão a ser entendida é a relação entre as
representações e o imaginário da população pelotense como tentativa de recriação da cidade.
No discurso urbano, segundo Pesavento (1995, p. 15), o imaginário faz parte de um campo de
representação e, “como expressão do pensamento, se manifesta por imagens e discursos que
pretendem dar uma definição da realidade”. De acordo com a autora:
A sociedade constrói a sua ordem simbólica que, se por um lado não é o que se convenciona chamar de real (mas sim uma sua representação), por outro lado é também uma outra forma de existência da realidade histórica...Embora seja de natureza distinta daquilo que por hábito chamamos de real, é por seu turno um sistema de ideias-imagens que dá significado à realidade, participando, assim, de sua existência. Logo, o real é, ao mesmo tempo, concretude e representação (PESAVENTO, 1995, p. 16).
Sob esse aspecto, é interessante observar as diferentes narrativas de um mesmo
objeto, como no caso específico do “Mercúrio pelotense”, cercado por tantas controvérsias.
Pessoas de uma mesma geração e que, portanto, deveriam ser testemunhas de uma mesma
história apresentam discursos opostos. Algumas relatam que ele foi derrubado por um forte
temporal; outras, afirmam com veemência ter sido o incêndio de 1969 o real motivo de seu
desaparecimento; uma terceira parcela da população, por sua vez, apagou de sua memória a
permanência do deus Mercúrio no alto da torre do Mercado Municipal de Pelotas.
As tentativas de recuperação da escultura
A escultura do Deus Mercúrio que, de acordo com fontes orais, já teria sofrido duas
intervenções de restauro, desaparecido por longo período e passado pelas mãos de uma
família pelotense, permaneceu muito tempo guardada na Biblioteca Pública Pelotense.
Segundo reportagem do Diário Popular2, ela foi restaurada pela primeira vez em 1996,
pelo artista César Brito. Nessa ocasião, a escultura, que era oca, foi preenchida com massa,
tornando a peça pesada demais para retornar à torre. Essa era a intenção inicial dos
preservacionistas que, inclusive, já haviam agendado com o Corpo de Bombeiros a sua
recolocação no alto do mercado.
Em 2003, em nova tentativa3 de restauro, a escultura foi levada para a Maquetaria da
Universidade Católica de Pelotas, que tinha como responsável na ocasião o professor Cláudio
Pinto Nunes. Segundo ele, que atualmente é funcionário administrativo dessa instituição,
encontrava-se naquela época em fase de elaboração um projeto de recuperação da peça, em
colaboração com o Instituto Goethe, para a vinda de profissionais alemães para colaborar no
2 O Diário Popular é um periódico pelotense fundado em 1890. Segundo sua superintendente, em matéria
veiculada na edição de 10/03/2003, todas as etapas do primeiro restauro sofrido pela escultura de Mercúrio, em 1996, estão registradas em farta documentação fotográfica, a qual ainda não se obteve o pretendido acesso. Disponível em: <http://srv-net.diariopopular.com.br/10_02_03/mercurio.html>. Acesso dia 17/10/1012.
3 Matéria redigida por Carmem Abreu, veiculada na página eletrônica da Prefeitura Municipal de Pelotas no dia
25/03/2003. Disponível em: <http://www.pelotas.com.br/noticia/noticia.htm?codnoticia=2159>. Acesso em 17/10/ às 3 h.
seu processo de restauro, já que a torre tinha vindo de Hamburgo, Alemanha. Esse projeto,
por questões administrativas, não foi desenvolvido.
Por último, em 2006, a escultura foi submetida à nova intervenção de restauro, dessa
vez pela restauradora Alice Prati4 (figura 5). Depois disso, ela foi colocada em uma sala da
Secult, onde permanece até hoje em processo de dissociação.
Figura 5 – Fotografia Mercúrio durante e após intervenção de restauro de Alice Prati, em 2006.
Fonte: PRATI, Alice. Blog S.O.S Monumentos por Alice Prati. Porto Alegre, 10 de janeiro de 2012. Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/sosmonumento/2012/01/10>. Acesso em 15/07/2013.
As reivindicações patrimoniais
Consideramos importante trazer à tona aspectos até então obscuros em relação a um
bem patrimonial tão lembrado e reivindicado por boa parte dos pelotenses e, ao mesmo
tempo, tão desconhecido ou esquecido por outra parte dos habitantes locais. Questiona-se
em que momento essas informações se perderam ou se distanciaram da identidade da
população pelotense.
Como um bem de natureza material, o patrimônio expressa aspectos da memória e
identidade cultural. Julian Thomas (1999, p.18) considera que a cultura material não é um
simples produto de uma sociedade; ela é integral a essa sociedade. Para o autor, “os
materiais que restam do passado são mais que testemunhos de uma entidade extinta: são
uma parte daquela entidade que ainda está aqui conosco no presente”.
Se nas diferentes formas de perceber os monumentos históricos o desejo de
preservação é motivado pelo reconhecimento de um valor cultural, simbólico, ou de memória,
4 Matéria redigida por Michele Ferreira, veiculada no Diário Popular do dia 07/03/2006 .
Disponível em: <http://srv-net.diariopopular.com.br/07_03_06/p31.html>. Acesso em 19/10/2012 às 21h.
essa atribuição, ao mesmo tempo em que os torna merecedores de serem preservados para
gerações futuras, deveria guiar as ações preservacionistas. Beatriz Mugayar Kühl (2006,
p.18) afirma que na concepção contemporânea, alargada sobre os bens culturais, a tutela não
mais se restringe apenas às "grandes obras de arte", como ocorria no passado, mas se volta
também às obras "modestas" que, com o tempo, assumiram significação cultural enfatizando
o uso da expressão monumento histórico no seu sentido etimológico, como interpretado por
Riegl, ou seja: “como instrumentos da memória coletiva e como obras de valor histórico que,
mesmo não sendo ‘obras de arte’, são sempre obras que possuem uma configuração, uma
conformação” (RIEGL apud KÜHL, 2006, p.18). Citando, ainda, a Carta de Veneza de 1964, a
autora argumenta que a questão da conservação de monumentos históricos deve ser
trabalhada de acordo com a realidade na qual está inserida, com os instrumentos de cada
época, ressaltando que o fato de, no futuro, as posturas serem diversas não nos exime da
responsabilidade pela preservação dos bens culturais e nem da necessidade de agirmos em
relação ao legado de outras épocas (KÜHL, 2006, p. 29).
A presente pesquisa, em fase inicial, busca, além de abordar aspectos da presença
desse personagem da antiguidade clássica em Pelotas, elucidar a trajetória de um bem
patrimonial repleta de informações contraditórias e desencontradas, documentando-o,
contextualizando-o e contribuindo para reconstituir sua história de forma fundamentada para a
memória da comunidade pelotense.
Como metas iniciais, pretende-se identificar a origem da escultura de metal, descobrir
sua real localização inicial, desvendar e esclarecer as controvérsias acerca deste
monumento, apontar o motivo de seu desaparecimento do local original, analisar o número de
vezes e em que circunstâncias a obra foi submetida a restauro, estudar os materiais do
suporte e procedimentos de recuperação sofridos e, finalmente, por meio de registros gráficos
e fontes fidedignas, fundamentar informações que possam ser divulgadas à população de
Pelotas e a quem mais possa interessar.
Para a pesquisa histórica, serão buscadas informações em fontes documentais e
bibliográficas. Como as fotografias encontradas até o momento não evidenciam claramente a
presença da escultura na torre do mercado municipal, pretende-se refinar a busca por meio de
levantamento de fontes primárias (entrevistas e antigos cartões5 postais da época) com o
objetivo de obter informações referentes à origem da escultura de Mercúrio, sua aquisição,
instalação na torre, sua degradação física e estrutural, as intervenções pelas quais passou e o
seu percurso até chegar a uma sala da SECULT.
5 Junto a acervos de colecionadores de Pelotas e região, como Flávio Azambuja Kremer e Nelson Nobre
Magalhães.
Pretende-se, ainda, realizar pesquisa sobre os materiais constituintes do suporte da
escultura, assim como os utilizados nas suas restaurações6, visando à elaboração de um
diagnóstico e uma possível proposta de recuperação futura. Para isso, será utilizada
bibliografia específica 7 e serão realizados exames e análises em laboratório para
caracterização desses materiais, a partir de amostras retiradas.
Acredita-se que a investigação proposta irá esclarecer, expandir e documentar as
escassas informações existentes sobre a escultura do deus Mercúrio, da torre do Mercado
Municipal de Pelotas. Ao mesmo tempo em que colaborará para a reconstituição da trajetória
de existência de um bem cultural que pertence à história de Pelotas e, portanto a sua
identidade cultural, esta investigação irá proporcionar uma reflexão sobre as ações sofridas
por ele ao longo do tempo, as posturas adotadas até então e os problemas decorrentes de
falhas na gestão patrimonial e da quase inexistência de instrumentos de proteção legal.
Estima-se, ainda, que esta reflexão estimule uma nova concepção de políticas responsáveis
de preservação patrimonial dos bens móveis em nossa cidade.
7 Relacionada nas referências bibliográficas deste projeto.
Referências bibliográficas
ALMANAQUE DE PELOTAS, 1914. CARTA DE VENEZA DE 1964.
ARRIADA, E. 1994. Pelotas, gênese e desenvolvimento urbano, Pelotas, Ed. Armazém Literário. CANDAU, J. 2011. Memória e identidade. São Paulo, São Paulo, CARR-GOMM, S. 2004. Dicionário de símbolos na arte: guia ilustrado da pintura e da escultura ocidentais, São Paulo, EDUSC. CERQUEIRA, F. V. 2012. Apolo e Musas, liras e cítaras. Estudo da releitura do legado clássico na iconografia urbana de Pelotas e outras cidades do Brasil meridional (Arroio Grande, Bagé, Jaguarão e Pinheiro Machado), 21 páginas. In: Silva, G. J. & Garrafoni, R. S. Funari, P. A. (org.). 2012. Antiguidade e modernidade: usos do passado, São Paulo: Annablume, Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná (no prelo). CHOAY, F. 2001. A Alegoria do Patrimônio, São Paulo, São Paulo. COSTA, V. 2008. Ligas Metálicas: estrutura, propriedades e conservação de objetos culturais. In: Memória e Patrimônio: ensaios sobre a diversidade cultura, Pelotas, Editora da UFPel. DAREMBERG, C. & SAGLIO, E. 1900. Dictionnaire des Antiquités Grecques et Romaines. D’ après les textes et les monuments. [e-book] Paris: Librairie Hachette. Available : http://dagr.univ-lse2.fr/sdx/dagr/feuilleter.xsp?tome=3&partie=1&numPage=132&nomEntree =HERMAE. [Accessed 22 Out 2012].
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