Download - Kervegan Hegel e o Hegelianismo

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  • Ttu1o original:Hegel et I'hglianisme@ resses Universitaires de France, 2005ISBN: 2-13-053405-8

    CoNspl-rio EnttontaLIvan Domingues (UFMG)Juvenal Savian GINIFESP)Marcelo Perine (PtiC-SP)Mario A. G. Porta (PUC-SP)Rogrio Miranda de Almeida (PUC-PR)

    Pnrpenno: Carlos A. BrbaroDrecnnueo: Fivia da Silva DutraRBvtso; Renato da Rocha

    Edies LoYolaRua 1822 n'347

    -

    IPiranga04216-000 So Paulo, SPCaixa Postal 42.335

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    ISBN: 97,8-85- 15-03468-0

    @ EDIES LOYOLA, So Paulo, Brasil, 2008

    Para Bernard Bourgeors

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    captulo IHL6UN5 LU6HFE5 COMUNs...

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    captulo llENTFE TB|NGEN E IENH

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  • aptuls llH L06|CF ........73traptulo lllt]H NRTUHEZA A EsPRITO

    pBrNcrpFrS TEXTOs E HBHEVTFOE5 ................1e5 F vida: aperitivoDe Hegel, tem-se vontade de dzer o que Heidegger escreveu deAriscteles: "Nasceu, filosofou, morretr". Seu desejo de quesua pessoa se apague ante sua obra e sobretudo diante daquiloque eie nomeia "a Coisa mesma". Hegel zornba daqueles paraqlrem "pensar por si mesmo" o "ltimo caminho te" (Notas,73'11; a exaltao do Eu lhe causa horror. Entretanto, no serdemasiado dizer algumas palavras sobre sua vida; no mais, oleitor se reportar s biografias disponveis. Ern francs, Lauie dc Hegel, de Rosenkranz (1844), foi enfim traduzda, e crsbiografias recentes so preciosas: H. Althaus, Hegel Naissanced'une philosophie; J. D'Hondt, Hegel; e sobretudo T. Pinkard,Hegel. Abiograpfu.

    Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasce em 27 de outubrode L770 em Stuttgart, em uma famlia da pequena burguesialuterana

    -

    seu pai funcionrio pblico. Georg cursa o ensinomdio, no qual adquire uma slida cultura clssic4 lendo, tradu-

    PRBLO6O

    r91" Para as abreviaes ucilizadas, ver p. 125.

  • zndo e anorando os aurores gregos e lacinos. d,irecionad.o carreira eclesistica: um caminho seguro em wurcemberg, ond.eos pastores so formados e pagos pelo Estado. Assim, em lzg8Hegel admiddo no Sft de Tbingen, uma espcie d.e grand.eseminrio onde so formados os futuros pasrores. Recebe auma formao filosfica e reolgica convencional conrra aqual seus primeiros escriros reagem com vigor. assim quereflete, no "Fragmento de Tbingen,,, sobre t q,r" seria umareligio popular, que adaptasse ao dogma cristo as prticaslitrgicas das religies cvicas da Antiguid.ade. com seus cole-gas de classe schelling e Hlderlin, acompanha com paixo osacontecimenros na Frana

    -- dz a lenda que eles plantaramjuntos uma rvore da liberdade. o rerror esfriar o entusiarmodesses j.vens sem dvida girondinos: dentre as carras d.e Hegelque se conservaraln, a primeira censura "a ignornnia dos ro-bespierristas" (corresp., 1, 18). Mas, contrariamente a olrrros(dentre os quais schelling), no reverjamais sua adeso aosprincpios da Revoluo, que para ele se confundem com os ,l.amodernidade poltica e social.

    Ao fim de seus esrudos, Hegel se converce de no ter sid.ofeito para a carrera de pastor: ser portanto precepror. Chegaa Berna. Por quase trs anos ensina rudimentos s crianasda aristocrtica fanlia von steiger, da quar aproveita a'rcabiblioteca pae expendir sua cultura. Descobre a economiapoltica lendo e traduzindo o mercantilista escocs Jamessceuart; e tafvez que l a Nqueza. das naes d.e Adam smith,que cita e comeLta em seus manuscritos de Iena. L tambmHume, Gibbon, Montesquieu, Rousseau (seu ..heri,,, segundoum colega do Sft) e, claro, Kanc (o de A rekgio. maioi refe_rncia encre os escriros da juve'cude). Aproveita tambm overo para fazer uma viagem aos Alpes, mas, manifestamene,no parrilha da paixo romndca pelas sublimes paisagens damontanha! o que the inreressa so os homens, os farosiociais,

    10 I Hesel e a hegelianisms

    a histria, no as beLezas da natureza. Da estadia enr Bernadata um primeiro escriro publicado: a rraduo (annima) dasLettres confdenelles de um revolucionro da regio d,o vaud,J-J. Cart. Redige cambm um conjunto de fragmenros sobre a"positividade" da religio crist, bem como uma vid.a d.e Jesus,na qual este parece reiacar aos discpulos a crca da raz^o pr-tica; esses escritos no sero concludos nem publicados. Novero de I796,Hegel deixa a Sua e assume um novo posro deprecepror, dessa vez em Frankfurt; reenconrra Hlde;lin, quelhe arranjou esse emprego, e a permanece ar o fim de 1800.Sabemos pouce coisa sobre esse perodo. Ele mantm com umaamiga de infnciq Nanette Endel, uma correspondncia que notem nada em comum com as trridas carras de Hlderrin e suaDiocima, Suzette Gontard; freqenta assiduamenre Isaac vonsinclair, amigo e proreror de Holderlin. passa por um episdiodepressivo que, se no tem nada em comum com o cohplopsquico de Hlderlin, deixar marcas. No obstane, a estadiafrankfurriana fecunda no plano intelectual. verdade quenada publica alm da traduo comenrada d.o libero de cart,preparada em Berna; desisre de publicar urn panflero em romrepubiicano sobre a situao polrica de v/urcemberg. Almdisso, comea a redigir o que deveria ser um rivro sobre a sirua-o do Imprio, se o espriro do cempo (encarnad.o por aqueleque a seus olhos o prottipo do heri moderno, Bonaparre)no tivesse abreviado sua agonia; dar continuidade reaaodesse manuscriro, que abandonet no incio da escadia emIena. Descoberto um sculo mais carde

    , A constuio d.o imprioaletno texto marcado por um republicanismo de inspiraomaquiavlica. Mas o essencial do rrabalho de Heger gira sempreem torno de problemas f,losfico-religiosos. Menos kanriano queem Bernq invenca uma concetualzao original para pensaro que escapa linguagem comum. Se se volta ento conrra afilosofia, sua prpria filosofia que est assim send.o elaborada.

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    Lprloso i ll

  • Doravante) trata-se de uitrapassar a "separao" qiJe catacterrzaa vida dos povos modernos, ms assumindo-a e afroncando-a;. dialecamente qve necessrio chegar "coincidncia com otempo" (Frankfurt, 377).

    De 1801 ao comeo de 1807, Hegel Permenece em Iena,onde se enconcra com Schelling; graas antes de tudo a Fichte(afascado da ctedra em L799 em razo da querela do ates-mo), a cidadezinha ento o centro da vida intelectual alemijunramente com Weimar (de Goethe e Schiller). Nesse perodo,cujo fruto tardio aFenomenologia do Esprito, que se fixa suaoriencao filosfica definitiva, graas a Schelling, e depoiscontra ele. Hegel faz suas primeiras incurses no ensino uni-versicrio como Priuatdozent (docente universitrio remuneradoconforme a quantidade de estudantes inscritos; e eles no sonumerosos). Publica seus primeiros texcos: inicialmente, emIB}L, aDiferena dos sistemasflosf.cos dc Ficbte e de Schellingem que po*a-voz de seu amigo, mas j exibindo uma tonalidade quelhe prpria. A partir deJ.8O2, publica com Schellng o Jarnalcrtico da flosof.a, em que escreve alguns artigos importantes edificeis. Alm disso, redige cadernos para seus cursos, que soo incio de uma filosofia em elaborao. Esses escritos so tam-bm o laboratrio da grande obra que assinala Para o pbiicoseu nascimento como filsofo original (e ao mesmo cemPo suaruptura com Schelling): a "cincia da experincia da conscincia"que se transforma afinal na Fenornenologia do Esprito.

    Sofrendo pela precariedade de sua situao, Hegel buscauma posio mais estvel. Aps parntese de um ano e meio,quando exerce o jornalismo em Bamberg) encontra-a graas aFriedrich Niechammer, alto funcionrio bvaro que lhe consegueo posto de direcor e professor de filosofia no liceu protestante deNuremberg. Hegel aifrcacercade oito anos (1808-1816), duranteos quais redige pa.ralelamente docncia (da qaal a-PropeucafiIosfca o reflexo sucinto) seu segundo grande iivro, a Cincin'

    l2 I Heeel e o hegelianismo

    da.Lgica (18L2-I8L6). tambm em Nuremberg que se casa,em 1811, com Marie von Tucher, provenierrte da aristocracialocal, com quem tem dois filhos, Karl e Emmanuel.

    Hegel busca uma posio acadmica conforme sua notorie-dade. Aguarda uma ctedra na Universidade de Erlangen, mas finalmente a ce Heidelberg que o recruta; ele tem quarenta e seisanos. passa a dois anos, duranre os quais publica aEnciclopdia,das cincias flosfcas (18i7), compndio do sistema finalmenteexposto em. sua totalidade. Doravante, baseado nesse manual'(do qual duas outras edies so publicadas em 1827 e 1830)que ensina, desenvolvendo em aula tal ou qual segmento doconjunco. Publica tambm seu escrito poltico mais liberal, urnestudo dos ros dos Estados do reino dc'Wurtemberg ern 1815-181'6,em que analisa o confiito entre o novo rei, que deseja outorgauma Constituio ao seu Povo, e os Estados convocados Pararatificar esse projeto, os quais, em nome do "bom velho direito",na prtca o arrunam. Nessa oportunidade desenvolve umaconvico: no contexto da Europa ps-revolucionriE o mo-mento no o da Restauno daquilo que no tem mais lugarpara ser

    -

    acreditam nisso somente os reacionrios que "nadaesqueceram e nada aprenderam"

    -, mas o de uma poltica de

    reformas impulsionadas do alto e Postas em prtica Por umaburocracia competente e dedicada.ao bem pblico.

    essa imagem de um Estado moderno e reformador queatrai Hegel a Berlim,. para onde o ministro Altenstein o chamaem 1818. O prestgio da nova Universidade (criada em 1810por Humboldt) tambm contribui para isso; alguns dos gran-des nomes da poca a se ilustram: Humboldt, Fichte (a quemHegel vai suceder), o jurista Savigny, Schleiermacher. At suamorte,:Hegel a ensinar as "cincias filosficas": seus cursosacraem centeras de ouvintes, gu, como Feuerbach, podem virde muito longe. Cerca-se de uma equipe de fiis discpulos queformam um verdadeiro partido hegelia.no; entre eles, o jurista

    orlogo I 13

  • IGans, que s vezes o substitui e escrever os ad.endos aos prin-cpios daJilosofia do direito. poucas publicaes novas duranre esseperodo: alm das duas reedi es da Enciclopd.ia, quena verdadeso uma reelaborao completa do rivro, a mais nocver consri-tuda peros Princrpios (LB2o), verso desenvolvida d,a teoria doespriro objetivo da Encicropdia. Esse livro cem um importanreeco e conrribui para a m repucao do "firsofo do Escadoprussiano", conforme a imagem cunhada por Rudolf Haym.Hegel se consagra rambm pelos Anais d,a crtica cienttf.ca quecriotr: publica a longas recenses cla traduo do Baghiuact Gitade Humboldq de escriros de Hammann e d.e obras ptrrmns d."soiger. seu interesse pela portica no cessou: uma de suas rrti-mas produes o artigo'A propsito darei de reformalngresa,,(1831), que conrm juzos muito severos sobre a situao lociale polrica da Gr-Bretan.ha, cuja pubric ao censuiada pelogoverno prussiano! pouco antes de morrer, Hegel entrega aoeditor uma segunda edio, revista, do primeirolirrro d.^Ogcae dedica-se reedio da Fenomenologia.

    Enrreranto, o essencial da atividade intelecrual de Hegel emBedim no deixa rempo para pubricaes: semesrre aps semes-tre, trabalha no curso que d, alternando exposiOes sobre aspartes do sisrema. Esses cursos foram editadoi por seus alunos,que utilizararn suas noras e cadernos de ouvints, que formam,juntamente aos escriros publicados em vida, a gr".rd. parce daedio pstuma das Obras, cujos vinte,nol.rmes so p.rlli."d.osa partir de 7832. Da em diante, os cursos sobre a hisr:ria, aarte, a religio e a hisrria da filosofia ocuparo canro espaoo comenrrio hegeliano quanro os escriros publicados,

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    prraode s vezes parecerem modificar a imagem . ,.,., p"rrr"*.rrro.Nos anos 1970,K. H. Ilting comea a publicar

    "r,ii., dad.aspor Hegel sobre a filosofia do direito em Heidelberg e Berrim,com a expressa inteno de redficar a postura conservadora queHegel teria adotado no livro de 1g20: por receio da repressoIt{ I Hegel e a hegelanismot

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    que grassava com relao aos "demagogos" (riberais, francfilos_e1c.),

    eie teria com piena cincia encoberco um pensmenro maisliberal do que a aparece. Nenhuma inrerpretao escrarecida dohegelianismo pode ignorar a massa dos documenros doravancedisponveis

    -

    cada ano so editadas noras comadas nesse ounaquele curso

    --, nem os Adendos daEncicropdaou de Aftosofado d.ireito elaborados paaaedio pstuma a partir dos cadernosde estudantes; mas temerrio prerender retificar os escricospublicados por Hegei apoiand.o-se em anoraes areacrias cleseu ensinamento oral.

    Falvamos da vida de Hegel... Ela acaba em novembro de1831: o filsofo levado em poucos dias pero crera. Resramalgumas cisas a dtzer sobre esse homem que se ocuita portrs de seus escritos. Da sua senhoria em Iena, Heger reve umfilho, que experimentou o d,escino reservad.o pel" sJciedade dapoca aos fiihos do pecado. Manreve vnculos com a f."n.t-maonariq dos quais o poema Eleusis, dedicad.o a Hlderlin,contm indcios; mas a maonaria "no sabe nada de particu-lar e portano nada rem a oculrar,, (Hp Introd.,77). piezava avida social e os espetculos. Apreciava o vinho, prova de queh esprito na natueza. Nada de muito originar em rudo isso.Alis, o homem Hegel no busca a originalid"d", ,. enrend.emoscom isso a preocupao de se distinguir em seu meio: ,,Ca-d.aum quer e acredica ser melhor do que esse mund.o que oseu. Aquele que melhor somenre exprirne melhor !r.r" o,outros esse seu mundo" (Notas,73). Hegel

    'o foi melhor queseu mtrndo. Mas seus escritos so a poderosa expresso dele econforme a naJreza da filosofia: so ,,seu tempo apreend.id,o nospensamentos" (PPD, 106).

    Hegel desapareceu) resta uma obra diftcit. Ele rem cons_cincia disso, ele, a quem se atribuem escas palavras: .,IJm sfire compreendeu, e ainda assim no me compreend.eu,,. Areputao de ser o Arisrreles dos rempos modernos no lhe

    prloqo i 15

  • desagrada, e ele conclui sua Enciclopdia com uma citao da

    Urttrrno. Sua obra , em tod'o caso, dessas que desenharama paisagem d.o pensamento contemporneo' Uma convrcao

    h"Ult" J"pr"r..r.uo que dela dada aqui: a fi'losofraheg:1t"":ordena-se unicamente "tenso do conceito" (PhE' I-50)' E;;;;" que o "prezadoeu" ocupa a pouco esPao' Hegel

    tem

    horroraatd'esi.Eentretanto)comotodosessesherisdarazo pensante que so os filsofos) nos "condena a explic-lo" (tV 11,574)

    -

    ou a nos explicarmos ns prprios apaturdele. gm razo desses princpios (" tolo imaginar que umafi.losofia qualquer ultrapassa seu mundo" IPFD' 106-107])'no se pod"ria esPerar e Hegel que fale de nosso mundo'Entretanto, que Possa nos ajudar a Pensar o que ele ' portantoa ser filsofos (de outro modo que ele sem dvida); essa aconvico que se gostaria de partilhar'

    16 I Hesel e o hegelianismo

    PRIMEIHH PHHTEEm direo ao sistema

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    raptuln IHL6UN5 LU6HHE5 COMUNs

    seria ingnuo acredirar que uma obra filosfica rem senddo emsi mesma e que suas interpretaes poderiam ser julgadas confqr-me o afastamento que apresenram em relao a esse significadoautntico. certamente, nem tudo podeser sustentado em matriade interpretao: preciso ao menos levar em conra as regras deformao daproposta, pronro adenunci-las (o que, porexemplo,fezMarx ao ler Hegel). Enrreranro, as leiruras de Heger s vezesdesafiam as regras de uma herm enuticaruzovel. A compreensode sua obra assenta-se freqentemente sobre esquemas sumriosque se tornrm obstculos leirura de seus escritos. A imagem deHegel liga-se a algumas reses que lhe so atribrrdas e funcionacomo uma cortina. Para tornar a leitura possvel e sensar4 necessrio expor e demonstrar os principais lugares comuns (aexpresso deve ser considera de modo descritivo) que dominam,at entre os especialisras, a percepo do hegelianismo.

    l. "Tese-anttese-sntese"

    A dialtica, isro sabido, comporra crs tempos: a rese) aanttese e a snrese. Manifestao inconrestvel. de certo vcio da

    119

  • forma cernria que levar Hegel a violenrar o real para subme-t-lo fora a esse esquema"' Surpreendemo-nos Portantoao constata que o prprio Hegel critica essa mania entre osfilsofos danatureza de tendncia schellingiana e adverte a res-peito d,o absurdo que consiste em aplicar um esquema tridicor trrdo o que . Quando o ndice dessas obras examinado'.orrrrt

    "--re mldplas infraes suposta regra ternria' apesar

    de freqencemente respeitada: assim, na Lgica, o captulo "Aidia d.t conhecer" tem aPenas duas subdivises, enguanto "Ojulgamento" possui quatro; a histria universal divide-se emqrrrro "reinos" sucessivos. Em Hegel encontram-se explcitasdeclaraes conra o fetichismo da triplicidade: mesmo queele renha permitid.o ao "conceito da cinci t' se fazet Presente,esse modelo pode facilmente ser rebaixado a um "esquema semvida'' quand. s"r, "significado absoluto" desconhecdo (PhE'l-+Z). Nas. em Kant, autor da "filosofia da tazo pura" (e ar azo o rganiza- s e naturalmente, P o r assim dizeg em esquemas)'que U"g-"Ibaseia "o esquema

    -

    verdadeiramente despojado deesprito

    -

    d"a triplicid. ade"; for Kant, e no Hegel, que "afirmoupor codn Parte etese) a anttese e a sntese" (HP,7, L894)'^

    Reconhecendo que um "mrito infinito" devido a Kantpor essa descoberta, Hegel juiga que esse somente "o ladosuperficial, exterior, do modo de conhecer" (SI, 3, 383-384); eqao ele prprio se aventura a enumera os temPos do mtodoespeculariv o . paraconcluir que, "se afinal de contas queremosctar", ele pde ser aPresentado como "quadruplicidade" etambm como "triplicidad" e" (ibid.). Com efeito, no "mtodo doconceito", o ,.to*"rrro mediano (impropriamente chamado deanrrese) tambm se desdobra. Ele primeiramente a simplesnegao da posio inicial; Por exemPlo, proposio "o ser"

    -ope-se a anttese "o se no " (ou "o no-ser ")' Mas' e

    "q,.ri qrr. o mtodo mostra-se dialrico, essa negao simples

    drrpli."-r", volta-se conta si mesma' Assim, o "negativo primei-

    0 I em direo o sistema

    ro e formal" se perfaz em "negatividade absoiuta" (ibid') e Setauma sntese especuiativa que muico mais do que a simplesjustaposio da primeira tese e de sua anttese: ela , na ver-dade, "tanto imediacidade quanto mediao" (ibid.) enquantodenomina o processo do qual tese e anttese so os lromentosisolados. O esquema cernrio ca-mbm aPresenta "o modelo doritmo do conhecimento" (HP,7,1'894), mas no Passa de um'modeio ou esquema, e semPre incorre no risco de congelar omovimento do pensamento, sua caracterstica Processual' Don-de a invocao, no fim da Lgica, de um modelo quaternrioe mesmo) tta Filosofa da Naturezt', de uma quinruplicidade doricmo do conhecimento (Enclcl',2,5 248 A, 351).

    Mas o principal problema que o esquema "tese-antcese-sntese" coloca no o do nmero dos momentos' E queesse esquema leva a uma repfesenrao errnea da dialtica.Primeiro, preciso lembrar que o terro "dialtica'' designa arigor apenas um momento) certamente capital, do processolgico: o momento mediano, que se desdobra em mediatzadoe rnedatizance (SI, 3, 81), e que o "pncpio motor do con-ceito" (PPD, S 31, 140). Esse momento dialtico (negativamenteracional) tende a ser negado, ou altes a se negar, trazendo luz o momento especulativo (positivamene racional) no qualele se trltrapassa (Enc1cl.,1, S 81"-82, 343-344). Mas o principalinconveniente da imagem da sntese que ela parece pr tesee anttese no mesmo plano, como se fossem duas quantidadesde sinal oposto. Ora, no regime hegeliano, sempre um dosdois membros da oposio que opera aAufhebung, a superao/conservao desta, afirmando seu domnio sobre a outra' Porexemplo, na oposio da identidade e da diferena, o primeir'ldesses termos, e no o segundo, que ssegura a reunio dos dois:Hegel define o absoluto como "a idenddade da identidade e dano-iclenrid ade" (Diffrence, L40),e no como sua diferena (queele tambm , no obstante em segundo plano). A Aufhebung

    alguns lugares comuns I 31

  • hegeliana o movimento sintrico e ao mesmo rempo analti-co, graas ao qual um cermo de uma oposio conquisca suaverdadeira identidade, jamais dada, assegurando-se do domniosobre o seu outro, que, negardo, ele promove sua verdade.Cada um desses dois termos negado ao mesmo tempo queconservado pela virtude dialtica de um deles: bem o conrrriode uma sntese artificial e indiferente.

    ll. "ludol o que real racional""O que racional efetivo; o que efetivo racional"

    (PPD,104). Essa frmula, a mais (mal) citada de rodo o col,pushegeiiano, precocemente despertou suspeita. Na verdade, elapoderia dar garantia filosfica aos aspectos mais conresrveisda realidade. Na transcrio correnre, ela significaria: "[TucJo]que racional real, e ftudo] que rcaJ racional". Tal inter-pretao est no fundamento da viso dominante do hegelia-nismo. Assim, Hegel negaria radicalmenre a conringncia doacontecimento e sacrificaria a liberdade, que no entanto nocessa de invocar, em prol de um necessitarismo dispendioso. Oser seria somente avestimenta. do conceito, posio qu.e encarnaat o excesso a pretenso do idealismo de deduzir ou construirtudo o que , por mais irrisrio. Da resultaria ourro vcio des-sa filosofia: sua tendncia a dar a bno do conceico a tudoque e a tudo que se produz. De fato, a imputa.o poltica deconsen'adorismo freqentemente se associa suspeita meta-fisica sobre o que percebido como um cego necessitari.smo.Assim, em 1857, R. Haym escreve que a frmula do "Prefcio"aos Princpios da flosofa do direito "d sua expresso clssica aoesprito da Restaurao"l. Chega-se at mesmo a perceber nafilosofia hegeliana uma justificao antecipada dos totalitaris-

    1. R. HAYM, Hegel und seine Zeit,365,

    2 I em direo aB sistema

    mos nazista ou stalinisra. Da dicadura do conceiro simpiesditadura haveria conrinuidade.

    Ora., a Enciclopdia conresra essa inrerpretao, admicindoque "essas proposies simples pareceram chocantes para muirosespritos" (Enqtcl.,1, 5 6, 169): "Mas se falei de efecividade seria apensr, de si mesmo, em que sentido e'emprego esca expresso;pots numargicamais desenvolvida rrarei cambm de efervidad.ee logo a distingui, precisamente, no s do concingence, que semdvida tem tambm existnci, mtr, com maior rigor, do ser-a,da existncia e de ourras decerminaes,,2. Atribuii a Hegel que"[todo] real racional" ignorar a distino enrre a realid.ade doser-a contingenre, objero da primeira seo da lgica do ser, ea efetiuidad.e, conceitualizadapela lgica da essncia. O real oque sempre pode ser diferente do que ele , e torna-se mesmoincessantemente diferente daquilo que ele no . .,Ser com t1mno-ser" (Sl, 1, 85), a realidade um misro d,e si mesm, u L"outra. Todavia, essa negatividade permanece envoka na posi-tividade macia, ingnua do essenre. O real portanro ser-a,na sua insupervel conringncia e facricidade, mas cambm naenganosa evidncia de sua presena: ele esr a. A efetvdade,ao contrrio, "a essncia que una com seu fenmeno,, (SI,2, 6). Embora, na realidade imediara, a mediao cravestidamanifeste-se somente sob a figura corrupcora da alterao e damudana, o efetivo "subtrado passagem" (Enrycl. 1",5 L4Z,393). Mas ele o porque sua exrerioridade ou sua existnciano supem nenhum pano de fundo de que dependam seLr sere seu sentido. Portanto, em Hegel a realidade bem outra coisado que a efetividade; correspondem, pode-se zet, a diferentesnveis de inteiigncia daquilo que . Que a eferividade seja ra-

    2. Traduo, a partir do original alemo, de Paulo Meneses, in G. \[/. F.HEGEL, Enciclopdia das cincas fi.losfcas. Em compndio (1830), So Paulo,Loyola, L995, 45, v. I.

    alguns lugareE cornunE I 23

  • cional, liga-se sua deflnio. Em compensao, a realidade nopoderia s-lo absoluramenre; no se pode mesmo arribuir-lhequalquer coeficienre de racionalidade, pois a instabilidade e adesiguaidade consigo mesmo lhe so inerences. Hegel concluisimpaticamente: "Quem no esraria suficiencemence advertidopara ver no que o cerca muitas coisas que de fato no so comodeveriam ser?" (Encjtcl., L, $ 6, L7O). O real emprico freqenre-mence nada menos do que racional. Todavia, pode vir a s-loao fim de um pocesso que o comparibiliza com o seu concei-to, rornando-o portanco efetivo. essa a. tazo pela qual umcurso de 1819 expe em termos graduais a equao enunciadade maneira estrica no "Prefcio" de I82O: "O que racionaltorna,-se efetivo, e o efecivo torna-se racional" (Rp Henrich, Sl). Oequivalente do efecivo e do racional no uma verdade de fato; uma tese merafisica (que envolve a concepo processual doser exposta na L6gica) da qual a hisrria do mundo, enquanro(outra cese especulariva) exposio darazo no rempo, aos olhosdo filsofo

    -

    e sem dvida dele somente -

    a verificao.

    lll. F dialtica do senhor e do escravo uma idia difundida: Hegel o auror de uma "dialrica d.o

    senhor e do escravo", que seria ao mesmo tempo a definio doque necessrio enrender por dialtica e uma espcie de parbolasobre a gnese da sociedade e o acesso do homem humanidade.A origem dessa ida conhecida: no curso que d nacolepra-tique des hautes tudes entre 1933 e 7939 (esse curso foi publicadocom o ctuio Introduction La lecture de Hege[), Alexandre Kojvefez desse cema, que primeiro aparece no captulo 4 da Fenome-nologia do Esprito ("Independncia e dependncia da conscinciade si; dominao e servido"), o eixo de uma incerprerao deconjunto da obra cle Hegel. Segundo Kojve, o propsito dessapassegem mostrar que o acesso conscincia de si, portanto

    Q I em direo a0 sistema

    humanidade, no passa canco pelo conhecimenro mas peloreconhecimento, que o prprio reconhecimento do desejo dooutro; procede de um enfrenamenro cujo vencedor imediaco (osenhor) finalmente dominado pelo vencido (o escravo). Esre,condenado pelo medo de morrer durante o trabalho servil, 'engajado em um processo de aculturao que no fim lhe per-mitir rr:iunfar sobre um senhor devotado ao cio e ao gozoescril. Em suma, "independentemenre do que Hegel pensa arespeito, a Fenomenologia uma anrropologia filosfica".

    Orq possvel conresrar o uso que Kojve faz dessa passa-gem. Primeiramenre deve-se quesrionar a escolha dos prpriostermos. Traduzr Herr por "serhor" acetvel, ainda que essaescolha mascare o parenresco da palavra com a Herrscltaft, adominao no sentido do exerccio pelo homem de um poder(que pode ser legtimo ou no) sobre o homem; berrscben, emalemo e em Hegel, significa mais reinar do que dominar

    -

    dequaiquer modo no significa reduzir escravido. Quanto craduo de Knecht por escravo, ela induz uma confuso encrea servido originria e polca que consrirui o reconhecimen-to extorquido qtre se instaura no firn do enfrentiunento e oescaftrto econmico, social e familiar do escravo (Sklaue) nassociedades antigas. Tomando (como Kojve) liberdade com alecra do texto) se poderia falar em "dominante" e "dominado".Em segr:ndo lugar, a leirura kojeana daFenomenologiaimplicaa supresso conscienre daquilo que Hegel denomina o espritoabsoluco (que inclui a filosofia, a arte e a religio) em proveicodo esprito objetivo (digamos: da humanidade social e polrica).Com isso atribui um privilgio infundado (em rodo caso, deacordo com as exigncias do sisrema) ao que Hegel denominao espritof nito, em detrimento do esprito infnito que pensa asi mesmo por meio da filosofia. Alis, de modo algum Kojvese furta a essa leitura: somente uma "interpretao atesta" docaptulo sobre a religio "comparvel com o conjunto" da

    algunE lugares comuns i ?5

  • Fenomenologia. Enfim, no se deve esquecer que posteriormenteo prprio Hegel apresentou uma interpretao da luta peloreconhecimento. Ela no inteiramente incompatvel com opropsito de Kojve, mas impede que se faa da "dialtica dot senhor e do escravo" amatrz de uma interpretao de conjuntode sua obra. o que indica uma passagem da Enciclopdia queretoma a figura domnio-servido:

    A luta do reconhecimento, e a submisso a um senhor, ofenrne-zo do qual surgiu a vida em comum dos homens, como um come-

    . d:r Estados. Auiolncia,que fundamento nesse fenmeno,no por isso fundamento do direito, embora seja o mornento

    ::iru::i'ff "tJnmr'#:*:u:'"i:1

    de-si universal. o comeo exterior, o1r o corneo fenomnico dosEsrados, no seuprincpio substancial (Enc1cl,3, S 433,231)3.

    Para que as coisas fiquem claras, Hegel explicita verbal-mente que "a luta pelo reconhecimenco [...] s pode ocorrerno estado de natureza" (Encycl., 3, 5 432 A, 533). A "dialticado senhor e do escravo" descreve sem dvida a origern proto-histrica da sociedade; ela no indica nem o princpio racionalda relao poltica de subordinao, nem o modo de constitui-o da humanidade do homem, em sua intereza; pois estaenvolve, para Hegel, toda a esfera do esprito, a compreendidoo esprito absoluto.

    . D," tltro: Kojve reconheceu servir-se de Hegel para p-xporsua prpria viso da histria como antropognese:

    Dei um curso de antropologia filosfica utilizando-me dos extoshegelianos [...] e exclu o que me parecia ser, em Hegel, um erro.A.ssim, renunciando ao monismo hegeliano, conscientementeafastei-me desse grande fiIsofo, [...] conscientemente ressaltei

    3. Ibid., 204, v. III.

    26 i em direo as sistema

    -l

    o papel da dialtica do senhor e do escravo e [...] esquem arizer ocontedo da fenomenologiaa.

    Ao lermos Hegel, esqueamos um pouco a lendria dial-tica do senhor e do escravo; ela indispensvel, porm, paracompreender Kojve.

    lV. F astcla da razo

    A "astcia da tazo" comumente invocada por aquelesque pretendem refutar o hiper-racionalismo de que o hegelianis-mo estaria impregnado. Ela seria a conseqncia lgica

    -

    e

    escandalosa -

    da equao do real e do racional. Essa idia seinscreveria no quadro de uma teoria inclinada e negar a liber-dade prtica e objetivamenre justificaria por anrecipao oscrimes cometidos em nome da razo histrica. O que ela narealidade? Primeiramence, no a propsiro da histria q.r otema da astcia da razo aparece, mas na anlise do trabalhoe da produo material. A partir de A rqueza das naes, deAdam Smith, uma passagem do "Primeiro sistema" que estudaa forma moderna do trabalho apresenta a mquina como um"artifcto que o [homem] utIza com relao narureza", doqual esta "se vinga "comprimindo-o na alienao de um rra-balho "formal, abstrato, universal" (Esprit,1, 103); conhecidoo uso que Marx far desse cema, que nele torna-se o tema dareificao... Do mesmo modo, a "segunda filosofia do espriro"(1805-1806) apresenta as ferramencas como "a armadlba)' que"interpus entre mim e a coisidade exterior": graas mqui-na, o homem "subtrai-se inteiramente ao trabalho" e "deixaa natureza desgastar-se" a si mesma (Esprit, 2, 33-34). Essa

    4. A. KOJVE, Carta a Tran Duc Thao, 7 deAUFFRET, Alexandre Kojue. La philosophie, L'Etat,Grasset,249.

    oucubro de 1948, in D.la fin de I'histoire, Paris,

    iugares comung i 7lgung

  • anlise rctomada na Cincia da Lgica: no capculo dedicado teleologia ( finalidade exterior, cuja atividade tcnica oparadigma), Hegel ope "violncia?', que o uso iniediato doobjeto com relao a fins que the so estranhos, a "astciadarazo", que consisce em "colocar-se o fim em relao mediadacom o objeto eintercalar entre ele e o objeto um outro objeto",a ferramenta (SI, 3, 262-263). Percebe-se: a astcia da ruzoocore no concexto de uma reflexo sobre a racionalidade dasmediaes, nocadamente da mediao ccnica. Alis, a pr-cicada passagem da Lgica conclui: "Com seus instrumentoso homem possui poder sobre L r..at:u:reza exterior, mesmo se,conforme seus fins, a ela esceja submetido" (SL, 3,263).

    Entretanto, incontestavelmente, foi o recurso ao tema daastcia darazo na filosofi.a da histria que a Posteridade reteve'Uso, alis, parcimonioso: no conjunto desse corpus encontra-se apenas uma ocorrncia

    -

    famosa -

    da expresso, e seis noconjunto da obra de Hegel. Eis o que ele disse:

    No a idia universal que se expe ao conflito, ao combate e aoperigo; ela se mancm em ltimo plano, ao abrigo de todo ataquee de todo dano. Pode- senomear astcia darazo ao faro de deixaras paixes agirem em seu lugar; assim fazendo, quem sofre prejuizo aquilo por cuja fora ela assoma exiscncia. Adia Paga orributo da exiscncia e da caducidade no por causa dela mesma,mas pelo vis da.s paixes dos indivduos (R-FI, 129).

    V-se que a aplicao do esquema tcnico da astcia da razo histria diz respeito relao en[re "a idia universal" (Hegeldz tarnbrr' esprito do mundo) e as paixes que determinam aao dos homens, a compreendidos os grandes homens: aquelesnos quais a particularidade subjetiva e as paixes coincidemLrm momento com o ceor objetivo do esprito do tempo. Domesmo modo que, no trabalho, o homem Parece ausentar-se daatividade para melhor chegar sacisfao de suas necessidades

    B I em direo s sisema

    pela mediao de tcnicas, assim tambm a idia universal deixaas paixes humanas particulares se confrontarem para afinalcudo reurur. O que a astcia darczo significa para a fiiosofiada histria que o alcance histrico das aes humanas nuncase reduz s mocivaes subjetivas daqueies que as empreendem,por mais elevadas que sejam. Que historiador no adotariaesse princpio? A asccia da razo no implica o sacrifcio daliberdade no altar da necessidade histricE mas faz com queas paxes hu.manas, que so portadoras de alienao, possamtambm servir ao "progresso na conscincia da liberdade". Elatem portanto um papel fundamental, mas bem delimitado, naeconomia do esprito objetivo.

    De modo que no a astcia da razo, aplicao relativa-mente audaciosa de um modelo tcnico no cmpo da interaohumana, que apresenta problema. O que parece muito maistemerrio a tese segundo a qual h razo na histria. Talrese, inverificvel, supe uma concepo de racionalidade queexcede o modo segundo o qual ela normalmente pensada:uma racionalidade objetiva, correspondente ao que Hegel deno-mina o esprico objetivo, da qual a historicidade a dimensoconstitutiva. A ruzo no uma sirnples faculclade do espritohumano finito, nem o diretor desse teatro de sombras chamadohistria; ela ao mesmo tempo "tazo que pensa" e "tazo que", exercco por meio dos sujeitos, de capacidades discursivas,e ex-posio da racionalidade por intermdio de prticas e deinscituies presentes na histria. 4as a razo hegeliana no somente a,o rnestno temPo subjeriva e objetiva, ela em suaconstituio subjeriva-objetiva: desdobrada em sua verdade,alm da subjetividade (a razo humana) e da objetividade (arazo histrica), ela depende do esprito absoluto, cuja expressoreflexiva a filosofia. so-ente sob o ponto de vista do espri-to absoluto que se pode afirmar, de maneira evidentementeno-intuitiva, que h rczo na histria. Longe de expressar

    alguns lugares comunE I 9

  • um fantasma totalitrio, a astci dz ruzo solidria a umaconcepo do desenvolvimento da racionalidade que, nal decontas, se entaza na anistoricidade do pensar: "Sob o Pontode vista da histria lidamos com o que foi e com o que , masem filosofia no se trata somente do que foi ou do que ser,mas daquilo que e que eternamente: a tazo, e com ela nstemos bastante a faze{' (PfI, 242).

    V. O fim da histria

    F{egel, pensador do fim da hiscria: to evidente essa afir-mao que geralmente no se cuida de examinar seu significado.Ora, quem fz isso tem uma surPresa: esse tema aParece muitoporlco nos escritos hegelianos e tem um sentido visivelmentediverso daquele que lhe atribudo. Primeiramente precisoevitar um mal-entendido concernente equivocidade da palavra"frrrr". Ela pode significar "termo" (que em alemo correspondea das Ende) ou "prop sito" (der Zweck); um propsito objetivo(telos), e no aquele que qualquer um Persegue. Em Hegel noencontralnos quase nenhuma referncia ao fim (terrno) da his-tria. Ele diz que a sa oriental e a Europa transalpina so "oconeo e o termo da histria do mundo" (RI{, 244). }./.as "ter-mo", evidentemente, no significa que a histria cessaria, queno aconteceria mais nada, que o prprio acontecimento noteria mais yez: o fim da histria no o fim do mundo! Hegelquer sobretudo dizer, o que conCuz ao segundo signicado, quea histria mundial tem, para o f'lsofo, um telos corespondenteao que chama de Estado moderno, tal como ele se realza na.Europa ps-revolucionria, mas no sem sobressaltos. Somenteessa convico, evidetemente meta-emprica; Ihe permiteescrever) por exemplo, que a Europa "o cencro e o termo cloMundo Antigo e do Ocidente absoluto" (R.F/, 270). Que hajaum Ocidente absoluto e um Oriente absoluto, Qu a Terra no

    30 I em direo ao sistema

    seja bistoricarnente redonda (RFl, 280), que a histria, que notem termo emprico (Hegel admite que o futuro pode rransfor-mar profundamente o esrado do mundo. Por exemplo, se aAmrica ntfr.caque "o pas do fururo", arrancando o espriroda presente sede europia), cenha um "fim kimo" objerivo:tudo isso, bem entendido, depende da especulao fiiosfica.De resto, para quem, seno para o filsofo, h uma hxra dornundo? A histria dos historiadores plural, verdadeiramenrefrentica, em nosso tempo mais ainda do que no de Hegel. Maso postulado que a filosofia projera na hisrria do mundo no outro seno o da racionalidade. Portanro, o cema do fim dahistria exprime apenas essa "parcialidade pela razo" que ofilsofo deve testemunhar, assim como o juz inspirado poruma parcialidade pelo direito (Enc1cl 3, S 549, 328); por issoque o "fim ltimo do mundo" , muito alm do Estado moder-lo, "o pensamento tal como se apreende a si mesmo" (RF)2L2). Nguns diro que essa parcialidade suspeira, ou que foiabalada pelas monstruosidades da histria: sobre a dialticada rrzo, Horkheimer e Adorno escreveriam pginas densas,que questionariam o otimismo hegeliano e deixariam espaosomente a uma dialtica negativa, sem esprito absoluro e semfim da histria. Mas, convenhamos, esse debate, que se refere prpria racionalidade, seu estatuto e suas forrnas de manifes-tao, situa-se muito aim das representaes usualmente es-sociadas idia de fim da histria.

    alguns lugares csmuns I 3l

  • rffi:tt$-il#

    ENTRE TBINGEN E IENR

    Desde a publicao dos "escritos teolgicos da juventude", emL907, c: beneplciro dos comentadores dirige-se freqentementeao Hegel de antes do sistema, em que' alis' i se encontra umapreocupao com a sistemcica. c)s escritos de Berna, Frankfurt

    "

    I"rr" p"r...tt mais vivos que as obras da maturidade: o Hegelque a ie manifesta ainda est em busca de si mesmo, mais explo-rand.o caminhosvirgens que expandindo as retilneas avenidas dosistema. Parafalar como Glockner, a dimenso pantrgica aindano havia sido abafada pelo panlogismo que aParece livrementenos escritos berlinenses. Da a pensar que o mais interessante emHegel o que no foi publicado apenas um Psso, que no serd.ao aqui. Se nos inceressamos pelos esboos de Bernq Frank-furt e tena, porque nos insrruem sobre o longo e dificultosoporvir do pensamento hegeliano. Sem dvida, s vezes h maisasdciana escrirq mais genialidade no aprendiz filosfico con-frontado com as incandescncias do romantismo, cujo melhoramigo chama-se Hlderlin, mas o gnio uma virtude da qual preciso desconfiar, pois o que produz no "nem carne, nemp.i"., nem poesia, nem fi'losofit' (PLE,I-S8)' Portanto, leiamoso jovem Hegel como : um filsofo em devir'

    t33

  • l. Berna: a crtica da pssitividade

    Excetuando alguns trabalhos escolares e o Fragmento de'Ibingen, os escritos redigidos por Hegel duranre seus anos deprecepcorado em Bema so os primeiros sinais de sua arividade.Trata-se de um rexto inacabado, que se intitulou A positiuidadeda religio tris (L795), e de ourros fragmentos mais ou menoslongos. Hegel :ululiza os trs pilares de sua cultura inrelectual,colocando-os uns coritra os olrrros: a religio (luterana), a polrica(antiga e moderna) e a filosofia (kantiana). Seu fio condutor acrtica da positividade. Embora enconrre em Kanc a distinoentre religio natural (racional) e religio positiva (Posiuit,109),Hegel se inceressa particularmente por aquilo que faz com queuma religio se torne posiriva. Eis sua definio de positividade:"LIma f positiva um sisrerna de proposies religiosas que deveser verdico para ns, visto nos ser imposto por uma autoridade qual no podemos recusar a subrnisso da nossa f" (Berne,B!),A positividade designa o devir exrerior da f, cuja conseqncia. o esquecimento do que "a mete e a essncia de toda religioverdadeirq a moralidade dos homens" (Posiuit 30). Portanro, elase atm menos aos dogmas de uma religio do que "norma soba quel constata a verdade de sua doutrina e exige a execuo deseus mandamentos" (Posiuit,114). Hegel interroga-se sobre essaesclerose (inelutvel?) da f. viva do cristianismo primitivo) comotambm sobre a da religio cvica da cidade antiga de cuja unidadeela era o fermento. No que conceme religio crist, essa degrada-o comea desde a primeira gerao dos discpulos de Cristo, osquais, sto "no terem conquistado por si mesmos a verdade e aliberdade", transformaran esse "mestre de virtude"

    -.que naVidad.e Jesw (1795) fala alinguaguem da Crca da ruz,o prtica! -- em"mestre de uma religio positiva" (Posiuit,45). Conrrasre sur-

    preendente em relao aos discpulos de Scrares: esses, que haviam"conhecido outros mestres" e vi.am sobretudo em um Escado"que ainda merecia

    -seu interesse" (ib.d..), foram "grandes homens

    3U I em direo ao sisterrra

    por si-mesmos" (ibil..). A institucionaTizao do cristianismo len-tanente faz dessas "sociedades de amigos" que eram as primeirascomunidades um Esrado eclesiscico que impe a seus fiis o quedeveriam escolher para aderir livremente. Mas ela tambm minaa autoridade do Escado poltico: argreja tende a se impor sobreele ou a se idenrificar com ele. De faro, opresso poltica e tiraniareligiosa caminharo junras ranro no cesaripapismo bisanrinoquanto no catolicismo medieval. euando a"rgrejaconsricui umEstado" (Poiuit,65), a no mais possvel haver verdad.eiramen-te Estado, e alegalidade e a moralidade igualmenre se decompem.Em seguida, sua ccca se esende ao protescantismo, o qual censurado por ser "muito mais subordinado ao Estad.o,, que ocatolicismo (Posiuit,69). As dificeis relaes do jovem seminariscade Tbingen com a orrodoxia do Sft a. ocorrem roa.

    Como lurar conrra a esclerose da religio (que no funtouma religio situada nos limires da simples razo, uma moral)?Por meios religiosos e polricos, ranro verdade que "rerigio epoltica so consideradas unha e cane" para subjugar os espricos(Conesp., 1,29). Como posteriormenre o jovem Marx, o jovemHegel considera a crcica da religio e a crrca da porrica indis-sociveis. o trgico desfecho da Revoluo francesa seguramenreo convenceu

    -

    e a esse respeito ele no mais mudar _ de queno se pode lutar conrra a alienao simplesmenre por meiospolticos, que no basta instaurar auroritariamenre o culro deusa Razo para tornar os homens racionais e virtuosos. Es-crever, mais tarde: "Deve-se julgar uma insensatez dos temposmodemos mudar o sistema de uma eticidade corrompida, suaconstituio e legislao, sem a mudana da religo; rer feirouma revoluo sem uma reforma (EnEcl.,3, S S52, 338)1. Mas

    1. Traduo, a partir do original alemo, de paulo Meneses, in G. W. F.HEGEL, Enciclopdia das cincias flosfcas. Em compndio (i830), So paulo,Loyol4 1995, 332, v. III.

    entre tbinsen e ena I 35

  • impossvel, reciprocamente, insurar uma religio aucnticasem desenvolver a liberdade poltica' Um dos fragmentos deBerna estabelece um paralelo entre a degradao da liberdadepoitica e a corrupo positiva da f religiosa; de certo modo,a positivao do cristianismo foi favorecida, alis, pelo declniodas instituies republicanas. Na verdade, "em uma Repblica, por uma idia que se vle" (Berna, 80); Cato no tinha ne-cessidade de uma rclgio consoladora ou de uma Promessa deimortalidade pessoal, pois para ele aptra era"a meta final domundo ou a meta final de seu mundo" (Berne,98). Portanto,para combater a positividade convm estaurar simultaneamen-rc a f autntica veiculada pelas palavras de Cristo e os cultoscvicos das cidades republicanas. Tarefa difcil, Pata a qual noh soluo pronta; os escritos bernenses Parecem hesitar encreum neopaganismo que lembra a religio civil do Contrato socia'l(Rousseau, sabemos gras a um de seus colegas, era "seu Deus ")e a esperana de uma reforma do criscianismo realizada graasaos recursos da fiiosofia moderna'

    Entretanto, . da poltica que Hegel, que ainda no haviarenunciado esperana de uma restaurao da tica dos an-tigos, espera a salva-o. Na verdade, a religio s se cornarotalmente posiriva com a decadncia do esprito pblico: 'Areligio crist foi acolhida aberta e favoravelmente na ocasioem que a virtude cvica dos romanos havia desaparecido" (Beme,69). O nico trabalho bernense publicado (quando HegeL jesc em Frankfurt) foi uma traduo annima e comentada deurn libelo do advogado J.-J. Cart denunciando a opresso daregio do Vaud pela aristocracia bernense. No incio da esta-dia em Frankfurt, esse opsculo acrescido de um panfletoque Hegel redige sobre a situao poicica de Wurtemberg. Noencanto) desiste de public-lo; dele s restam algumas pginas'Incituiado "Os magiscrados devem ser eleitos pelo povo", defen-

    35 I em direo o sistem

    de profundas ransformaes na hora em que "a imagem demelhores e mais justos cempos nascem na alma dos hornens"e onde "a aspirao a uma situao mais pura e mais livre sa-cudiu todos os coraes e os separou da realidade" (Francforc,167): codo um programa!

    ll. Frankfurt: destino, amor, vida

    Durante os quatro anos, difceis no plano pessoal, queHegel passa em Frankfurc (ele reconhece ter atingido t "oponco nJturno da contradio de seu ser" lCorresp., 1,28L)),seus interesses tericos (religio e poltica) permanecma-parentemente os mesmos) mas o modo como reage a elesse cransforma profundamente. No que concerne poltica, aleitura dos economistas anglo-saxes comeada em Berna abalao modelo grego dapolis e convence Hegel de que o mundo mo-derno no se acomoda mais ao primado absoluto do espritopblico que ele sonhava restaurar. em Frankfurt que redige,em !799, um comentrio

    -

    hoje perdido -

    do tratado deJamesSteuart, An inqairl into tbe principles of political econom3t, do qualum leitor informado dz que condensa "todos os pensamenosde Hegel referentes essncia da sociedade civil, necessidadedo trabalho, diviso do trabalho e ao poder dos Escados, assistncia pblica e polcia, aos impostos etc.)) (Rosenkranz,Vie de lIegel,201). Essa leitura, segrrida da Nqueza das naes deAdam Smith (cujos primeiros craos explcitos datam, todavia,da estadia em lena), coloca Hegel no caminho de uma de suasmaiores criaes conceituais: a distino entre sociedade civil eEsta.do, que esclarece a dimenso no diretamente poltica doviver conjunamente, apoiada pelos mecanismos do mercado.Logo concluir da que "a bela e feliz liberdade dos gregos" incompatvel com a afrrmao do interesse particular, conr-ponente do " princpio superior dos ternpos rnodernos" (Esprit, 2, 93

    entre tbingen e iena I 37

  • e 95), e que portanto convm invenrar ourro ripo de polrica,diferente da ilustrada peio de da. polis.

    Hegel no 1 somente os economistas, mas tambm obrashistricas antigas (Tucdides) e modernas (Hume, Gibbon,Schiller, Raynal): essas leituras alimenram uma relexo naqual a questo da hisroricidade adquire imporrncia definiciva.Na verdade, alimentam uma refiexo especulativa sobre a uidahistrica do esprito. Esse um rrao consrance da conscituiointelectual de Hegel: ele no quer se arpoiar somenre nas grandesobras filosficas, mas tambn nas produes do encendimenroculto que oferecem acesso priviiegiado inteligncia do real.Quando morreu, sua biblioteca continha quase tantas obrascientficas no sentido amplo quanro esrriramente filosficas.

    O interesse pela histria se manifesra rambm num rrabalhc,que empreende aps a parrida de Frankfurr, abandonando-o emseguidq j que a aniquilao dos Esrados alemes pelo exrcitonapolenico tornou-o ultrapassado: a redao de uma obra queanalisa as razes da decadncia do Imprio e prope os meios deinterromp-la. O essencial dos fragmentos que se conservaramde A Constuio da Alemanha (eles foram editados em 1900)redigiu-se em Iena em 1801-1802, mas foi em Frankfurt queHegel concebeu o projeto e examinou a abundanre literarurahistrica e jurdica que deveria alimentar sua realizao. Redigiua trs primeiros esboos, obras de um "corao que abandonacom pesar a esperana de ver o Estado alemo ser arrancadode sua insignificncia" (Francfort,356; Pol.,25). Ainda no asentena lapidar: 'A Alemanha no mais um Estado", com aqual se abre a lcima redao do manuscrito (P01.,31); mas jpercebemos nesses fragrnentos o realismo poltico, a vontade deopor a fria anlise dos processos hisrricos "lend.a da liberdadealenr" (Francfort,357; Pol.,26), que so o trao disrintivo dosescritos polticos de Hegel. Aqui, seu modelo Maquiavel, esserepublicano desejoso "de elevar a Irlia categoria de Estado"

    38 I em direo a sistema

    (Pol., LL8) que exorta seus compcriotas a "liberr-la dos brba-ros". A histria (e Napoleo, esse "grande professor de direitoconscitucional") condenar a voz de Hegel, como rambm ade Maquiavel, a "ficar sem eco" (Pol., I2I). Para a posteridaderesta um escrito de severa acuidade. Alguns dos maiores remasda filosofia poltica posterior j aparecem a, mas sem a infra-estrutura que os suportar: necessidade de um Estado que noseja um "Estado na. idia" (Po|.,73, 162), recusa da reduo dodireito pblico ao direito privado (Po\.,1,03) e da polcica moral(Pol.,I05), rejeio de um pacifismo que ignora "a verdade quemora dentro do poder" (PoL.,95).

    Entretanco, o grosso do trabalho realizado em Frankfurt(e que no viria luz) dz ainda respeito a remas reolgicos:consiste em dois manuscritos, claramente parres de um projetocomum, que craram de O esprito do judasmo e de O esprito docrisanismo e seu destino (os tculos no so de Hegel). H un\antida diferena entre o modo peio qual os escriros bernensescricicavam as religies positivas opondo-lhes um kandsmo bemsumrio e uma dinmica mobilizadora dos cultos cvicos, e omodo peio qual os textos frankfurtianos estudam o "descino" dojudasmo e do cristianismo. O Jesus de Berna era a encarnaoda f moral, e o que Hegel opunha ao devir positivo da religioera a idia kantiana da religio racional (simulraneamenre a umareligio cvicacom caraccerscicas rosseaunianas). Em Frankfurt,o pano de fundo kantiano desaparece, assim como o modelo dacidade antiga. Para pensar esse destino (essa necessidade vivida,mas no assumida) que a positividade, Hegel utlizaconceirosanticonceituais2: amor, vida, destino. Por que o recurso a umvocabulrio que pode parecer pouco rigoroso, figurado? Porquese trata de pensar o que o "conceito" (que posteriormente sechamat conceito do entendimento) por oposio ao conceiro

    2. B. BOURGEOIS, Ia, pense poltique de Hegel, Paris, PUF, 1969,49.

    entre tbingen e iena I 39

  • racional ou especularivo) no permite apreender: isso que oFragmento de sistema designa, com identifr'cao vida, como a"ligao da ligao e da no-ligao" (Francfort,372); dko deourro modo, a dialtica daquilo que . Hegel ope a vida ao con-ceito, a religio filosofia porque enro identifi.cava o conceiCoe a filosofia com a expresso finita que o kantismo lhes dera:

    A fiiosofia deve necessariamente cessar quando a religio comea,porque um pensamento) e Portanto traz consigo, de um lado,a opsiao dono-pensamento [e do pensamento], de outro, dop"r,r..ta" e do pensadol cabe-ihe mostrar em tudo que finito ahnitude, exigiriua re alizao pelanzo,e em particular conheceras iluses [pioduzidas] pelo seu prprio infinito, e assim colocaro verdadeiro infiniro fora de seu campo (Francfort,ZTZ)'

    Essa razo rncaPazde apreender o infinito com a ajuda dosconceicos , no vocabulrio posterior, uma tazo do entendi-menro) desatenra dialdca e hisroricidade que somente osno-conceicos (o desrino como separao ou como hipstasedo negativo; a vida como poder unificador do que est cindido;o amor como ato de reconciliao) podem denominar

    Uma suspeita de anci-semitismo Pesa sobre a anlise dod.estino do judasmo. Para Hegei, o judasmo essencialmenteum desrino, no sencido de no ser suscetvel reconciliao noamor que a fr.gura de Cristo simboliza. O judasmo - Hegel ja-mais mudar a esse respeito

    -

    uma religio da separao: dohomem e de Deus, do homem e do homem; nesse sentido, ele o paradigma da alienao religiosa que Feuerbach denunciar nocrsdanismo. Hegei estabelece uma ligao entre a "infelicidade"do povo jud,eu, fadado disperso e opresso) e a nacurezadesua religio: "A re\igo mosaica uma religio proveniente dainfelcidade e [feita] para a infelicidade; fno uma regio] paraa felicidade, que aspira a coisas alegres; seu deus muito srio"(Francfort,132). Esse propsico reflete os Preconceitos da poca,partilhados mesmo pelos partidrios da integrao dos judeus'

    LlO I em direo s 5istema

    Encretanto, seria arriscado falar em anti-semitismo, com o que elecomporrE retrosPectivamente) de ameaador. H. Arendt demons-trou que o anti-semitismo uma inveno do sculo XIX que temaver com a exacerbao dos nacionalismos. Se olharmos de Perco,veremos que a crtica de Frankfurt ao judasmo dirige-se antes detudo passividade induzida pela teocracia; Hegel the ope notanto o cristianismo mas o belenismo, a ciwlzao da liberdade edos deuse.s politicos: "Os gregos deviam ser iguais Porque eramtodoslivres;ao passo que os judeus eram iguais Porque todos etamincapazes de auto-subsistncia" (Francfort,196). Isso est longedo antijudasmo cristo tradicional, do qual alis Hegel evitatodos os clichs. Seria prefervel-, verdade, que Hegel no tivesseescrito: "a grande tragdia do povo judeu no uma tragdiagrega, no pode despercar nem o temor, nem a compaixo, [."][ela] s pode despertar averso" (Francfort,203). Ao redigir suaFilasoJa do Direito, Hegel teria se lembrado do que esboara porvolta de 1800? A ele sempre advoga em fvor da concesso dedireitos civis e polticos aos judeus, pois eles "so antes de tudohomens, e isso no uma qualidade triai, abstrata" (PPD, S27A,357). Portanto, a lei civil teria o poder de desfazer o que aLei divina. fez: a passividade, o isolamento e a infelicidade.

    Mas a reflexo sobre o destino ulcrapassa o caso do judas-mo. Ao fim de uma reflexo sobre o carter inacabado de umareconciliao segundo a lei (no somente a lei judaica) e na formade castigo, l-se: "Esse sentimento da vida que se reencontra simesma o amor, e nele o destino se reconcilia- [...] O descino no descorrhecido, [..J a conscincia de si-mesmo, mas como a de um[ser] hostil; o todo pode restabelecer em si a arnz,ade, pode voltar,pelo amor, para a. sua vida pura; assim sua conscincia torna-senovarnente fr em si-mesma, a incuio de si-mesma torra-se umaoucra e o destino reconciliado" (Francfort,255-256). Como noperceber aqui a antecipao da futura temtica da reconciliaocomo "identidade da identidade e da no-idenddade"? Aqui a

    l

    ll

    entre tbingen e iena I Lll

  • linguagem evangca do amor e da f que mobtlizada- Enrre-tato, a "nova religio" cujo "Mais antigo programa sistemtico"(seja ou no esse texto de Hegel) se anuncia sob a forma de uma"mitolo gia d a tazo" (Francfort, 9 7) ser a superao (Aufh ebang) dareiigio, (cujo elemento permanece a representao) pela filosofiaespeculativa; mas isso Hegel ainda no sabe.

    lll. lena: na direo da "Sexta-feira santa especulativa"Em Iena, Hegel escreve e comea a publicar; nada de compa-

    rvel, enrreranto, com a produo de seu amigo Schelling, comquem prepara a redao do Jomal crco daflosofa. Os rrabalhos deIena tm importncia decisiva na formao do filosofar hegeli.ano,que prodrrz no fim desse perodo seu primeiro fruto maduro: aFmomenologia do Espto. Prosseguindo seus estudos anreriores,doravante Hegel tralha conscienternence no que ar ento per-manecia como um objerivo em longo prazo:a elaborao de umsistema Suas articulaes definitivas surgem enrre 1803 e 1805.H notveis diferenas enrre zs publicaes de Hegei em lena e osmanuscritos redigidos paraseus cursos. Em seus rextos publicados,Hegel se baliza pelo pensamenro (s vezes o no-pensamenco) deseus contemporneos (Difuma entre os sisternas de Fichte e de ScbellingF e saber, Arelao d,o cecisrno e daf.losofa, Como o senso cornarn corn-preendc a flosofa) ou rrara de uma disciplina cannica do ensinouniversitro (fuIaneiras de scutir cenfcamente o direito nauaral).Seu contexco de referncia e seu vocabulrio so os da filosofiada identidade de Scheiling de 1800-1802. O sj.stema da idenri-dade

    -

    em que Hegel embarca quase automaticamente quandotransforma a definio schellingiana do absoluto ("identidade daidentidade"

    , Exposio dc meu sistema de flosofw) em "idenridade daidentidade e da no-idenridade" (Dffirence,1.40)

    -

    a soluo dasaporias do ps-kantismo, qualificado no seu todo como "filosofiada reflexo". Entretanto, apesar de seu vocabulrio de emprsti-

    l-l? I em direo ao sistema

    mo, Hegel est em busca de sua prpria orientao. Isso se vno exemplo precedente: ao subsriruir a formula de schelling poroutra expresso, calcada na definio frankfurriana da da como"Iigao da ligao e da no-ligao',, Hegel d. um imporranrepasso na direo da concepo processual do ser e do pensar(ontolgico) que o conduzir rupcur4 no ,,prefcio,, de Lg07,com o "branco informe" da identidade, que exprirne somence "avacuidade do absoluto" (pbE,I-4S). Oucro exemplo, sempre naDiferena: o sisrema fichteano censurado por ser uma filosofia d,areflexo que se mostra incapaz de pensar a sntese a no ser comounificao de oposros considerados como dados (o Eu e o no-Eu,por exemplo): 'A reflexo parte de oposros e concebe a intuiocomo sua unificao" (Diffrence,IL4). Or4 o que importa pensar ao mesmo rempo a produo da diferena a partir da idencidadee o acesso a partir dessa diferenciao a uma idend,lade superiornsuperveniente. O que ind,ca aquia palavra,.incuio,, exaramenreo que o "Prefcio" daFenomenologiavu opor intuio, enquanropretende a apreenso imediata do absoluto: o conceto. Mas o con-ceito, aqui designado como inruio, . algo toralmente diverso doproduto de uma atividade reflexiva de um sujeico sobre um objero: "o Eu prprio do objeto" (pbE,I-2). Terceiro exemplo: o arrigosobre direito natural (1s02) recorre largamenre ao vocabulrioschellingiano: identidade, indiferen4 poder (potenz). Enrreranro,em seu ensaio juvenil de uma Noua dcduo do direito natural (esobretudo para desenvolver perspectivas que jamais sero as deschelling mas j eran as de Hegel em Frankfurr) ele o aplica aum domnio a cujo respeito Schelling no havia cogitado. Longede ser uma simples "mquina" que se pretende superar

    -

    comoescreve no "Mais antigo programa sistemtico,, (o qual, por essarazo,dificilmenre pode ser atribudo a Hegel)

    -, o Estado (a,,vida

    tica absoluta"), enquanto ensina os indivduos a ,.levarem umavida universal" (DN, 63) em vez de se aniquilarem na ..nulidadepoltica'' de uma "vida privada universal" (DN, 66, 6g), o verdadeiro

    ente tbngen e iena I Ll3

  • insrituid.or do "aro d.e filosofa/'. A forte articulao entre polticae pensamento, trao discintivo do hegelianismo, expe-se aqui,rr"dirttr" um lxico que the cai mal o de um filsofo Paa quema Acad.emia consrirui o model0 de um Estado bem formado.

    Editad.os aps sua morte, os rnanuscritos redigidos por He-gel em Iena sode um gnero diference' No se tratade posiesriri.", quanto a tal ou tal autor, mas Partes de um "sistema dacincia" em gestao, do qual Hegel conclui em L8A7 o que acre-dita ser a primeira Parte: a Fenomenologia' 'sses esboos, s vezesmuito difceis

    -

    Hegel criou a uma linguagem nova Paa Pensaobjecos novos

    -, dizern respeito a todas as Pates da futura siste-

    mtca: logica, rraturez4 esprito. Este vem primeiro, cronolgicae quanrarivamente. Em 1802, Hegel redige o sisterna da uda ca.Esse texto, ainda impregnado do vocabulario schellingiano, maisaind.a d.o que o artigo sobre direito nacural, quase contemporneo' um esboo da furura doutrina do esprito objetivo. As anlisesposteriores esro esmbelecidas em suas grandes linhas, fiIas com um

    vocabulrio fadado a desaparecer. Em 1803-1804, Hegel redige ummanusciito conhecido pelo nome de "primeiro sistema"' os temasabordados recobrem os precedentes. Encontramos a, em parcicular'

    uma reflexo sobre a linguagem como vetor de universzao darelao singular da conscincia com o objeto (EsPn41, 68s'), sobreo "poder d. irrst.om ento" (Esprit,1, 78s'), sobre o craba'lho comodesejo inesgocvel, potencialmente alienante, de apropriao dascoisas (Esprtr,1., 80) e, enfim, sobre a constitLrio dialtica do re-conhecimenro na,,conrradio absolutd' que o embate (Espi\1,BBs.). Um terceiro bloco, de l'805-1806, forma a "segunda filosofiado esprico". Hegel abord.a em conjunto o que mais tarde charnard.

    "siiriro subjerivo (aqui, "o esprito conforme seu conceito") e de

    .sprito objerivo ("o esprito eferivo"). Esse texto no mais utltzealing,r"g.*rchellingiana- Hegel que fal4 mostra-o ao constituir,rrrr a"-ittio (o do esprito) que ultrapassa a oposio herdadaenrre a subjerividade e a objerividade, e ao fazet convergir tem-

    LIQ I em direo ao sistema

    cicas aParentemente divergentes: linguagem e ffabalho' embate e

    reconhecimerto) o social e o poltico' Mas o que h de mais novo que Hegel, pela primeitavez)renuncia ao modelo g:g" e

    .se engaja

    ,r,r- p..tro d" "r..onciao com o cempo" cujo fruto sua obraposterior. Certamente, o Estado descrito na seo "Constifuio"ainda deve muito dealrzao precedente d^Po'a"'' em ouffo lugarHegel evoca "a bela e feliz liberdade dos gregos' que oi e perma-

    ,r" ,r-rrrito desejada'' (Es7nt,2, g3)' Mas em seguida observa queesse modelo no se ajusta ao "princpio supqior dns Ternpos moderwol'(Esprit,2, gS), pois repousa no sacrificio da individualidade - oilro-sobre d.i-reit., n"rurrl dizia que necessrio "reprimi-ia-'' o"deaparecimento da individudadd' rejeiado pela conscinciade si modern a, e meLhor assim: j coisa julgada

    Mas os esildos de Iena no cliscutem somente o esprito: a

    ambio de Hegel sistemcica, e nenhum domnio escaPa s suas

    irrv"stiga0"r. o caso da l6grc4com o manuscrito editado sobo drulo lgra e rlrct'fsict (1804-1805), primeira manifestao daCincAdagira, pelo rnenos em alguns de seus asPeccos' Opondo-se

    reduo d rnetafisica lgica tal como tentado por alguns ps-

    kandanos (ver Dffience, L93'L98), Hegel considera que "o conhecerversad,o na merafsi ca o suprassumk (Aufheben) da logica" (Ing'Ina,LSL).Algicadequesetrat4bemdiferentedalgicaaris-totlica da qual-incorPora alguns elementos' reside na economia'

    fornral da relao. Portanto, "alglcatermina ali onde termina a

    relao" (I'og.Ifua, L49) ed lugar metafsica enquanto frlosofiapropriamente especulativa- Somente mais tarde' renovando o sig-

    nificadodotermo,Hegelfadalgica(diatdcaeespeculativa)auadaleira merafi sica- Mas muitas caractersticas dessa fucu ralgsca

    j esto Presentes, como Por exemplo a distin@o enrre infinidade

    "'

    m' e infinidade "verdadeira" (I'og' Ima, 5 L ss')3'

    iEna

    3. Ver abaixo, P. 83.

    entre tbingen e I L{5

  • -l

    t' Depois da lgica e da merafsic4 o manuscriro de 1804-1805 trata da filosofia danatrtreza, e talvez seja nesse plano queocorra a ruprura com Schelling. Enconrramos a a anrecipaodo objetivo da Enciclopda, notadamenre no que concerne aomovimento planetrio (o "sistema dateffa,, torna-se a..mecni-ca", e depois a "mecnica absoluta"). Do mesmo modo, o ..sis-tema terrestre" tornar-se- a. "fsca". Todavia, ainda resta umcaminho a percorrer para se iiberar do clima schellingiano dostrabalhos precedentes: enquanto na Enciclop dia a

    ''atureza ,, a

    idia em seu ser-outro" e o esprito se define como sua,,verdade,,(Enc1d. 18L7,3, S 301, 97), em Iena ela ,,o esprito absoluroreferindo-se a si-mesm o" (GW, 7, IZg), ainda que nela esse es-prito aparea como "o ourro de si-memo,,. Em 1B05-1g06, umoutro manuscriro rrata da mecnica, da qumica e do orgnico.A estrutura completa da filosofia danatureza est a contida demaneira dehnitiv4 com um vocabulrio aind.a provisrio. Demodo geral, a filosofia da nasreza mostra-se mais estvel quea do espriro; mas o trabalho comeado em Iena para diferen-ciar essas duas manifesraes do absoluto influencia ranto umquanto o outro conceito. O pensamento deve alienar-se, sair desi mesmo (em relao idia lgca pura, a rretuteza e o esp-rito finito so essa alienao) para verdadeiramente chega.r a simesmo. Tal , para alm da referncia religiosa do objetivo, osencido do que Hegel chama (em F e saber) a ,.Sexta-feira sancaespeculadva": a "dor infinita" da perda do absoluco (a morte deDeus) um momento do absoluto, e necessrio reconhecer"toda a verdade" apesar da"drstezade sua impiedade,, (FS, 29g).Em Iena Hegel concebe todo o alcance da descoberra feira emFrankfurt

    -

    a fecundidade da negatividade -

    eaexploranasmais diversas direes, sem coordena.o exaramenre deliberada.Trata-se agota, para ele, de fazet da negatividade a alma de umanova concepo da sisrematicidade.

    tl6 I em direiB aE sistema

    r*ipluln llO sIsTEMH

    A idia de sistema est no centro da filosofia kantiana: ,,A uni-dade sistemtca o que transforma em cincia o conhecimenqgcomum, isto , o que faz de um simples agregado desses conhe-cimentos um siscema"l. O que distingue um sistema cienrfico deum agregado? o faco de que os conhecimenros a contidos sootganzados segundo uma "idia", um',conceito racional" quedetermina "o fim e a forma do rodo" (ibid.). Os ps-kandanosapropriam-se dessa definio para fazer dela a mola-mesra deuma rova concepo do filosofar. Para eles, a sistemadzaono diz respeito somenre ao modo de exposio, ela exprime acaracterscica autofundadora da frIosofr.a. Essa concepo fortede sistemarizao encontra-se em Hegel, que faz da apreensoda totalidade ("o verdadeiro o rodo") a pedra de toque daliberdade do saber: a "cincia do absoluco essencialmenresistema" pois "o verdadeiro somente enquanto totalidade,,, ea "necessidade" de sua diferenciao a prpra expresso da"liberdade do todo" (Encycl.,1, S 14, 180).

    1. Immanuel KA.ff, Crique da Ia raison pure, pars, Gallimard, 1990,1.384 (Oeuvres philosophiques, t. I).

    I Lt7

  • l. Em direo ao sistemaHegel escreve para Schelling em 1800: "Em minha for-

    mao centfica, que comeou pelas necessidades mais ele-mentares do homem, eu devia necessariamente ser impelidopara a cincia, e o ideal de minha juvenrude devia necessaria-mence se cransformar num sistema; agora me pergunto [...]como encontrar o meio de retornar a uma ao sobre a vidado homem" (Corresp., 1, 60). Esse propsiro evidencia umtrao original de seu pensamento; ele combina os interessesespeculativos mais elevados com a areno s realidadescomuns. o mesmo Hegel que concebe ambiciosos projerossistemticos de teor metafsico no sentido literal do rermo eque l os economistas e os historiadores ou se interessa pelodestino do Imprio alemo. Mas o que necessrio reter dacarta e Schelling que Hegel quer trabalhar no no que deveser seu sistema, mas no sistema d.a frIosofr.a. O "Mais antigoprograma sistemtico do idealismo alemo" um exemplodessa ambio, mas controversa a parernidade desse docu-menro inacabado. O "Fragmento de sistema", de 1800, , elesim, inconcescavelmence de Hegel. O propsito do texro queos pensamentos da narureza e do esprito se unifiquem sobo comando da vida compreendida como processo diaitico,essa vida que os escritos de Iena rebatzaro de conceito parafazer dela a pedra angular do sistema. Um pensamento davida (do conceito) como processualidade, permitindo

    -

    paraalm da "morte, da oposio, do entendimento"

    -

    produzir"o verdadeiro infinito" (Francfort,373): j , no primeiro voca-bulrio, uma descrio do sisrema definitivo. na "oposioabsoluta" que deve ser pensada a "reunio", a "recorciliao"cuja exigncia a religio exprime melhor que uma filosofiapresa ao finito, rnas de um modo inadequado. O siscemadeve pensar a uni.o na ciso, pensar a dialeticidade do rcaltlB i em direr: ao sistema

    em sua totalidade (nacural e espiritual). Resta dar um nomee encontrar um lugar quilo que permire pensar "a identidad.eda identiclade e da no-idenddade,, (Dffirence,I4}):esse nomeser o conceito, e esse lugar, a lgica. A Fenomenologia do Espritofaz a converso do sistema em uma filosofia do conceiro como"identidade da morte e davida',2.

    ll. Da substncia ao sujeitoO "Prefcio" de 1,807 proclama enfacicamente: ..A verdadeira

    figtrra em que exisre a verdade o seu sisrema centfrco', (pb,I-8). Mas esse casamenco supe um rerceiro termo: a circuhrid,ad,e.Por ser o conceito um processo d.ialetico que inclui o momenroda negativiclade, o sistema um "crculo de crculos, cada umdos quais um momenro necessrio,, (Enqtcl.,1, S 15, 1g1).Ao ligar conceico, verdade e circularidade, o ,,prefco,, sugerelrma concepo dinmica de sisrema" opondo-se representaocomum da complerude do saber. O sistema no um ..crculo'que permanece fechado sobre si mesmo,, (phE, I-29); sobre-tudo "o devir de si mesmo" (PbE, I-IB). Assim, portador deuma circularidade dinmica que se exprime na subjetiui,ade doprocesso de verdade: "segundo minha maneira de ver [...] tudodepend.e desse ponto essencial apreender e exprimir o verdadeirono como subst.ncia, mas como sujeiro',. O sujeito, porm, no em princpio a subjerividade finira (humana). A subjeridade antes de cudo a propriedade do conceito enquno produode si, e no de uma substnciq ainda que pensanre, ou dasubjecividade finica. Essa sobretudo uma imagem muriladada verdacleira subjetividade: 'A subjecividade tambm no simplesmerrre a subjetividade m e finita, enquanro oposta

    2.Yer P.-J, LABARRIERE, Le concepr hglien, idenrit de la morr er de lavie, in G. JARCZYK, P.-J. LABARzuRE, Hegelia.na,paris, pUF, L986, 54ss.

    o sisema I U9

  • Coisa; mas, segundo sua verdade, imanenre [prpria] Coisa"(Enrycl., L, S L47 A, 582)3.

    Conceito, sujeito, crculo, sistema: essas determinaes sosignificativas. necessrio acrescentar a o rermo que buscaunific.-las, o esprito: "Que o verdadeiro seja eferivo somentecomo siscema, ou que a substncia seja essencialmente sujeito,isso est expresso na representao que enuncia o absolucocomo esprito. t...] O esprito que se conhece a cincia" (PbE,I-22123). Porque o absoiuto esprito, o verdadeiro s se podeconsiderar sistema. Mas o que necessrio entender por esp-rito? Ao redigir o que devia ser uma cincia da experincia daconscincia e que se torna finalmente uma fenomenologia doesprito, Hegel tem a necessidade de ir alm de uma concep-o subjetiva, consciencial do esprito. isso que auroriza o"Prefcio" a identificar "a cincia" (portanto o sistema) com"o esprito que se reconhece como esprito". Tal proposta stem senticlo se o esprito capaz de acolher seu outro) se asubjecividade no a simples negao da substancialidacle,mas sua assuno. O sistema da cincia a explicitao, peloesprito, de seu prprio conceiro.

    lll. Fl "cincia da liberdade"

    por ser organizada segundo um cerro vnculo de necessi-dade que a fiIosofia a "cincia da liberdade" (Encltcl. 1.877,I,5 5, 156). Crculo dos crculos, o sisrema acolhe a concingncianaquilo que tem de aparentemenre irreducvel ao sisrema. Nadamais enganoso do que acreditar em um necessitarismo hege-iiano reduzindo-o sombra inconsciente de uma necessicla.d.e

    3. Traduo, a partir do original alemo, de Paulo Meneses, in G. \[/. F.HEGEL, Enciclopdia das cincias flosfcas. Ern compndio (1330), So Paulo,Loyola, L99 5, 27 6-277, v. L

    50 I em direo ao sistema

    cega; racional que haja o irracionala. Mas a conringncia no a liberdade; porcanro convm jusrificar a necessria ligaoentre a necessidade e a liberdade. E o que se faz na Lgca, coma passagem, apresentada como "a mais difcil" (Encycl.,1, S 1S9,405), da substncia ao conceiro. Essa transio, a da objerivi-dade subjetividade, descreve a consciruio do ser em si naalteridade, da liberdade no seio da necessidade. A necessidadeno suprimida, mas conduzida ao seu verdacieiro significado:ao mesmo tempo apresentada como necessidade e ordenada livre processualidade do conceito que gere a si mesmo e ao seuoutro. Mas se "a verdade da necessidade aliberdade", e se essaltima a determinao mais aha do conceito, enro o prpriosistema deve ser entendido como dinmica de aucoproduoda verdade. O hegelianismo no aberro no senrido de serindefrnidamente modificvel: h somente um sistema. Masesse sistema processual. Tal processo no pode se fechar emqualquer ponto, e por isso que em cada um deles esr em jogora verdade do sistema. O absoluto hegeliano utpico: no resideem parte alguma, mesmo se as suas expresses so ordenadaspelo movimento do conceiro. Verifiquemos dois exemplos.

    1) A circularidade do saber sistemtico a kima manifesra-o de sua capacidade de engendrar sua prpria alreridade: nofrm da Lgica, a idia "se despede livremente dela mesm a" (SL, 3

    ,

    393) para fazese atttreza) " idrana forma do ser-outro" (Enqtcl"2, S 247, L87). na compleca alienao que ela confirma sualiberdade: o conceito mostra seu poder ao se reconhecer comoelemenco de radical alceridade (PhE,II-31,L).2) A imediaridadeassim se tornou ou mediada. Essa a rese da Lgica a cujorespeico, na Fenotnenologia, a certeza sensvel faz a expetinciacega. Sua incapacidade de apreender o "isto" em sua singulari-

    4. Ver B. BOURGEOUIS, Hegel ec la draison hiscorique, in tudeshgliennes, Paris, PUF, L992, 27 lss.

    o sistema I 5l

  • ' _::.:.,.n:ryFFry!ry{Fi.ql'r{,.{1:".r..ir'[email protected]

    dade significa que ela s pensvel a partir de seu outro, osaber absoluto. Portanto, no fim da Fenomenologia, ela ressurgecomo resultado de uma licena que o esprito se concede; essalicena a "liberda.de suprema" do saber que o esprito tem desi (PLE,II-311). O paraleio manifesto, at no vocabulrio, entrea passagem do saber absoluto conscincia sensvel e a passa-gem da idia absoluta naeza: nesses lugares esffatgicosnos quais o sistema parece repousar em uma expresso defini-tiv, a circularidade destri a iluso de um Ponto de parada.Subtrado desse processo (aquele cuja proposio especulativaapreende o "ritmo"), o prprio absoluto seria somente "umpensamento uisto".

    lV. O diEcuso filosfico da totalidadeA Enciclopdia a execuo do programa de um siscema

    que expe o ponto de vista no de um sujeito singular (issoseta um sistema), mas do esprito apreendido como dialticada constituio de si:

    A cincia dele [do absoluto] essencialmente sistema, Porque overdadeiro, enqurto co ncreto,s6 enquanto desdobrando-se emsi mesmo e recolhendo-se e mancendo-se junto na unidade

    -

    isto, como totalidade l...l.Por sistema entende-se erroneanenre umefilosofia que tem um Princpio limitado, distinto dos outros; aocontrrio, princpio de verdadeira filosofia conter em si codosos ourros princpios particulares (EnEd.1, S 14, 180-181)s.Essa passagem contm dois ensinamentos: 1) S h cincia

    da tocalidade. Esse o nico meio de escapar ao risco da ar-birrariedade prpria a todo curso do pensamenco. As cinciaspositivas nunca so plenamente cincias: no porque sejam

    5. Traduo, a parrir do original alemo, de Paulo Meneses, in G. 17. F.HEGEL, Enciclopd,ia das ncias f.losfcas...,55, v. L

    5? I em direo eo sistema

    positivas -

    a garantia de sua fecundidade -,

    frs porque so"sem sistema", ordenadas a um ponto de vista setorial. Issoainda rnais verdadeiro a respeito de lilosofias correspondenresa um "princpio limitado"; elas so vises sobre o absoluro, noo saber do absoluco. S h uma filosofia cujos sistemas parricu-lares so os momentos em sentido ao mesmo tempo lgicr: ecronolgico do termo. A sistematicidade no somenre umaexigncia do tempo presente; Lxprime anatvezaatemporal clofi.iosofar. De onde a espantosa tese da correspondncie entre osmomentos da ida lgica e a sucesso dos sistemas reduzid.osa seu princpio: 'A histria da filosofia a mesma coisa que osistema da filosofia" (HP Introd., 4L-42 e 104-105).

    Ento, pergunta-se: o sistema de Hegel identifica-se com e.ssafilosofiaunacujo momento so as filosofias particulares? Dianreda concepo de sistema, por um lado Hegel deue dentfrcar seupensamento (que desde ento no seu pensamento) cincia doabsoluto: pois quando se chega ao ponto de vista da totalidadeque se pode discernir o verdadeiro significado da sistematizao.Mas tal viso a respeito da completude hegeliana da filosofi.a in-terromperia o dinamismo processual de :urrrarazo se ex-pondona hiscria. O sistema, para responder definio dinmica queHegel adota, no pode completar-se sem deixar de ser: ele estsempre aberto ao acontecimento do pensamento. Encontra-seaqui o fecundo dilema do hegelianismo: ele no pode

    -

    e enrre-

    tanto s pode -

    se colocar como ltima figora da frlosofia.

    o sistema I 53