Pleines, J-e. Hegel

132
HEGEL FRIEDRICH Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:21 1

Transcript of Pleines, J-e. Hegel

  • HEGELFRIEDRICH

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:211

  • Alceu Amoroso Lima | Almeida Jnior | Ansio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho

    Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy RibeiroDurmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos

    Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires AzanhaJulio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim

    Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo FreireRoquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas

    Alfred Binet | Andrs BelloAnton Makarenko | Antonio Gramsci

    Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin FreinetDomingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim

    Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich HegelGeorg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich

    Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques RousseauJean-Ovide Decroly | Johann Herbart

    Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev VygotskyMaria Montessori | Ortega y Gasset

    Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

    Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco

    Coordenao executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari

    Comisso tcnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)

    Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle,Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas,

    Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero

    Reviso de contedoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto,Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia

    Secretaria executivaAna Elizabete Negreiros Barroso

    Conceio Silva

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:222

  • Jrgen-Eckardt Pleines

    HEGELFRIEDRICH

    Traduo e organizaoSilvio Rosa Filho

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:223

  • ISBN 978-85-7019-553-1 2010 Coleo Educadores

    MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana

    Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbitodo Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo

    a contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoriada equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no

    formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidosneste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as

    da UNESCO, nem comprometem a Organizao.As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao

    no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCOa respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio

    ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

    A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia,estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98.

    Editora MassanganaAvenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540

    www.fundaj.gov.br

    Coleo EducadoresEdio-geralSidney Rocha

    Coordenao editorialSelma Corra

    Assessoria editorialAntonio Laurentino

    Patrcia LimaReviso

    Sygma ComunicaoReviso tcnica

    Erick Calheiros de LimaIlustraes

    Miguel Falco

    Foi feito depsito legalImpresso no Brasil

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca)

    Pleines, Jrgen-Eckardt. Friedrich Hegel / Jrgen-Eckardt Pleines; Slvio Rosa Filho (org.). Recife:Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 132 p.: il. (Coleo Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-553-11. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 1770-1831. 2. Educao Pensadores Histria. I. Rosa Filho, Slvio. II. Ttulo.

    CDU 37

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:224

  • SUMRIO

    Apresentao por Fernando Haddad, 7

    Ensaio, por Jrgen-Eckardt Pleines, 11A moderna cultura terica e a prtica, 19A noo moderna de entendimento, 23

    Hegel na sala de aula, por Slvio Rosa Filho, 27A sombra de Hegel, 28Temporada nas zonas de sombra, 33Novos aspectos de Emlio, 38

    Textos selecionados, 411. Transio a uma nova poca, 41

    1.1. Nova educao do esprito, 411.2. O conceito do todo, o todo mesmo e o seu processo, 41

    2. A meta da educao: fazer do homem um ser independente, 483. Mudanas naturais: uma visada antropolgica, 49

    3.1. As idades da vida em geral, 493.2. As idades da vida: determinao da diferena, 503.3. As foras do hbito, 60

    4. Luta e reconhecimento da autoconscincia, 615. Dominao e servido, 636. O esprito prtico, 64

    6.1. Direito, 656.2. Moralidade, 66

    7. Deveres para consigo, 67

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:225

  • 68. O sistema das carncias, 708.1. As modalidades da carncia e da satisfao, 708.2. As modalidades do trabalho, 728.3. A riqueza patrimonial, 748.4. Os estamentos, 75

    9. Estado, 789.1. Na filosofia do direito, 789.2. Na enciclopdia das cincias filosficas, 791) Direito poltico interno, 802) O direito poltico externo, 873) A histria mundial, 88

    10. Histria, 9010.1. O curso da histria do mundo, 9010.2. Que a razo governa o mundo, 93

    11. Filosofia da histria e revoluo francesa, 9412. Arte, 96

    12.1. Nas prelees sobre esttica, 9612.2. Na enciclopdia das cincias filosficas, 99

    13. Religio, 10113.1. Religio e filosofia, 10113.2. Religio revelada, 10213.3. Passagem filosofia, 103

    14. Filosofia, 10414.1. Na enciclopdia, 10414.2. Na histria da filosofia, 110

    Cronologia, 115

    Bibliografia, 119Obras de Hegel, 119Obras sobre Hegel, 119Obras de Hegel em portugus, 128Obras sobre Hegel em portugus, 128

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:226

  • 7O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educa-dores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colo-car disposio dos professores e dirigentes da educao de todoo pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeramalguns dos principais expoentes da histria educacional, nos pla-nos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentosnessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importantepara o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas aoobjetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e daprtica pedaggica em nosso pas.

    Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao insti-tuiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes doMEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unescoque, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros etrinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimentohistrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avanoda educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-leo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau ofEducation (IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos mai-ores pensadores da educao de todos os tempos e culturas.

    Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projetoeditorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto PauloFreire e de diversas universidades, em condies de cumprir osobjetivos previstos pelo projeto.

    APRESENTAO

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:227

  • 8Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC,em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favo-rece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, comotambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a pr-tica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transiopara cenrios mais promissores.

    importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coinci-de com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao esugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, emnovembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de espe-ranas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas quese operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulga-o do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundao, em 1934, da Uni-versidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tobem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.

    Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e doEstado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosado movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passa-do, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-bilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas edu-cacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprova-o, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases nocomeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas easpiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetiza-das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido porFernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidasem 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.

    * A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste

    volume.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:228

  • 9Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio daeducao brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com otempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, doPlano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanis-mo de estado para a implementao do Plano Nacional da Edu-cao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educa-cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no serdemais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cujareedio consta da presente Coleo, juntamente com o Manifestode 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos pro-blemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao daeducao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideiase de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer daeducao uma prioridade de estado.

    Fernando HaddadMinistro de Estado da Educao

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:229

  • 10

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2210

  • 11

    GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL1

    (1770-1831)

    Jrgen-Eckardt Pleines2

    Conforme ao uso da lngua alem, Hegel emprega o termoBildung em sentidos vrios: a ele recorre tanto nos juzos que profe-re sobre a natureza, sobre a sociedade e sobre a civilizao (Kultur),como nos desenvolvimentos e configuraes que delas apresenta.Tal conceito, portanto, se estende, passando pelos processos dematurao tica e espiritual [nisus formativus], at as formas espiri-tuais mais elevadas da religio, da arte e da cincia, em que se ma-nifesta o esprito de um indivduo, de um povo ou da humanida-de. No caso, a acepo especificamente pedaggica ou educativada palavra desempenha um papel inteiramente subalterno.

    No que se segue, portanto, se a obra de Hegel, sob seu as-pecto pedaggico, primeiramente encarada na perspectiva deuma teoria da educao, no se trata de uma deciso preconcebidae arbitrria, em detrimento do contedo do texto e de sua inter-pretao legtima. Ao contrrio, apenas encarando-a desse modo que se est em condies de apreciar, justamente, a eventual im-portncia de reflexes tipicamente hegelianas acerca do que hojecomumente se chama de ao educativa e, nas circunstnciasatuais, fazer-lhes novamente justia, sob uma forma modificada.

    1 Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle dducation compare.Paris, Unesco: Escritrio Internacional de Educao, v. 23, n. 3-4, pp. 657-668, 1993.2 Jrgen-Eckardt Pleines (Alemanha) professor nos departamentos de educao e de

    filosofia da Universidade de Karlsruhe, assinou numerosas publicaes sobre a razo, a

    esttica, a tica, e, em particular, o autor de Hegels Theorie der Bildung [A teoriahegeliana da cultura] (dir. publ., 1983-1986) e de Begreifendes Denken: Vier Studien zuHegel (1990) [Compreender a filosofia: quatro estudos sobre Hegel (1990)].

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2211

  • 12

    A favor de Hegel, preciso notar que, por razes histricas eatinentes lgica de sua exposio (diferentemente de Kant, porexemplo), ele atribui ao conceito de Bildung um nus de prova muitopesado, tanto na Fenomenologia do esprito como nos Princpios da filoso-fia do direito. So esses os textos que permitem ver melhor de quengulo Hegel podia apreciar o ponto de vista da cultura e emque ele enxergava os seus limites e problemas.3

    Entretanto, para dispor de uma imagem de conjunto dos di-ferentes ngulos a partir dos quais visto o problema da Bildung,tanto em seu aspecto natural e intelectual como moral e cultural, preciso ir alm das fontes mencionadas e tomar em consideraotextos concernentes esttica, filosofia da religio e mesmo lgica, em que, constantemente, encontram-se vises espantosassobre a paideia grega e sobre o princpio de cultura tpica dos tem-pos modernos. Em todo o caso, os mais distintos hegelianos nodomnio pedaggico sempre se pronunciaram nesse sentido; e nessenvel se permanece quando se chega a perguntar, com Willy Moog,se o princpio mais totalizante da Bildung, quase inteiramente elabo-rado por Hegel, no relativizaria a misso da educao (Erziehung),ou mesmo a tornaria suprflua.4

    O conceito de educao, no entanto, no era estranho a Hegel.Fazia parte das grandes ideias da poca, mesmo se o seu lugar nofosse inconteste na oposio entre educao, cultura e ensino, nummomento em que no era mais possvel abranger as orlas de todaeducao que se soubesse devedora do princpio da razo prtica.Ao termo educao, Hegel associava tambm ideias mais slidas

    3 Gustav Thaulow, Hegels Ansichten ber Erziehung und Unterricht [As opinies de Hegelsobre a educao e o ensino], v. 4, Glashtten, 1974, (Kiel, 1853); J.-E. Pleines (dir.

    publ.), Hegels Theorie der Bildung [A teoria hegeliana da cultura], v. 1: Materialen zu ihrerInterpretation [Materiais de apoio interpretao]; v. 2: Kommentare [Comentrio];

    Hildesheim/Zurique/Nova Iorque, 1983-1986. O primeiro volume contm textos originais,

    provenientes de diversas edies da obra de Hegel; o segundo d conta das interpreta-

    es importantes formuladas a partir de 1900.

    4 Willy Moog, Grundfragen der Pdagogik der Gegenwart [As questes fundamentais empedagogia hoje], Osterwieck/Leipzig, 1923, p. 114.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2212

  • 13

    que, na verdade, em nenhuma outra parte haviam sido desenvolvi-das em contexto to amplo; o intrprete, portanto, se v obrigadoa recolher, na obra completa, anotaes isoladas, dispersas, oca-sionalmente rapsdicas e reuni-las maneira de um mosaico, antesde tirar delas as suas concluses. Assim, vamos nos ater antes detudo aos Escritos de Nuremberg e s passagens da Enciclopdia dascincias filosficas, que do informaes sobre a evoluo natural,intelectual e tica. A esse respeito, com efeito, tambm encontra-mos reflexes sobre a necessidade e os limites das medidas a to-mar em matria de educao, assim como sobre a misso de umensino geral, especializado e filosfico.

    Mas, mesmo nesses escritos que em circunstncias diversas tra-tam de questes pedaggicas, muitas expectativas sero frustra-das, pois preciso no superestimar o interesse que Hegel dedicaao que ordinariamente chamamos de educao da vontade ouformao do carter. No sem razo, com efeito, ele receava queesforos educativos desse tipo no recassem sub-repticiamente nadoutrinao ou no adestramento, abandonando, no meio do ca-minho, a razo tal como ela se exprime no entendimento, na pru-dncia e na sagacidade do indivduo. E no entanto, no domniomais restrito dos esforos intencionais e das atividades docentes, possvel extrair, da obra de Hegel, os elementos de uma doutrinada educao cuja meta mais nobre consiste em vencer, no planoterico e no plano prtico, a teimosia e os interesses egostas, parafinalmente conduzi-los quela comunidade do saber e da vontadeque a condio primeira de toda via tica e civilizada.

    significativo que Hegel assinale, para a pedagogia, a culturado esprito subjetivo5; que, a propsito da situao do docente,ele recorde a que ponto Cristo, em seu ensino, s tinha em vista a

    5 Lgica. II, 177. As citaes de Hegel so extradas de Theorie-Werkausgabe (obras deHegel em vinte volumes), Frankfurt, Suhrkamp Verlag, 1971 (citada com a abreviao

    WW); ver, a seguir, a rubrica Principais obras de Hegel sobre a educao, ou, excepcio-

    nalmente, da edio Meiner, Philosophische Bibliothek (PhB), Leipzig, 1928, e Hamburgo,

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2213

  • 14

    formao [Bildung] e a perfeio do indivduo.6 Nos dois casos,segundo Hegel, a tarefa tornar os homens morais. Por conse-guinte, a pedagogia considera o homem como um ser natural emostra a via para faz-lo renascer, para transformar sua primeiranatureza numa segunda que espiritual, de tal modo que esse ele-mento espiritual se torne para ele um hbito.7 Por essa via, o serhumano toma posse do que ele tem por natureza, e, assim, esprito.8 Mas para chegar a tanto, preciso que inicialmente a sin-gularidade da vontade se ponha a tremer; preciso que sobreve-nha o sentimento da nulidade do egosmo e o hbito da obe-dincia.9 No interesse de sua prpria educao, o homem deveaprender a renunciar a suas representaes puramente subjetivas ea acolher os pensamentos de outrem,10 se certo que estes sosuperiores aos dele.

    1962. Conservaram-se as referncias do original quando as obras ou passagem citadas

    no foram traduzidas para o francs ou quando, como no caso da edio Meiner, o original

    pde ser consultado. As referncias das obras citadas em sua traduo francesa so as

    seguintes: Abrg: Encyclopdie des sciences philosophiques, trad. Bourgeois, Vrin,Paris, 1970 A terceira parte: A filosofia do esprito, 1988, traduz a verso de 1817,

    enquanto WW, X, reproduz a verso de 1830; manteve-se, no caso, a referncia do

    original. Esthtique: Leons sur lesthtique, trad. Janklvitch, coll. Champs, Flammarion,Paris, 1979; aqui tambm, a verso do texto traduzido em francs no a reproduzida em

    WW, XII. Por isso, quando necessrio, foram traduzidas as citaes de Hegel, mantendo

    em nota a referncia ao original. O mesmo ocorre, em certos casos, com outros textos.

    HPh: Leons sur lhistoire de la philosophie, trad. Garniron, Vrin, Paris, 1985. Log: Sciencede la logique, trad. Labarrire et Jarczyk, Aubier-Montaigne, Paris, 1972 e 1976. PhD:Principes de la philosophie du droit, trad. Drath, Vrin, Pars, 1982. Phno: Phnomnologiede lesprit, trad. Hyppolite, Aubier-Montaigne, s.d. Assinalemos a nova traduo de J.-P. Lefebvre, Aubier, Paris, 1991. PhR: Leons sur la philosophie de la religion, trad.Gibelin, Vrin, Paris, 1970-1971. Propd: Propdeutique philosophique, trad. Gandillac,Editions Gonthier, coll. Mditations, Paris, 1963. RH: La raison dans lhistoire, trad.Papaioannou, UGC, 10/18, Paris, 1979. Textes pdagogiques: crits de Nuremberg, in:

    Textes pdagogiques, trad. Bourgeois, Vrin, Paris, 1978.6 H. Nohl, Hegels theologische Jugendschriften [Escritos teolgicos de juventude], Tbingen,1907, p. 360.7 PhD, 196, ad.8 HPh, II, 368.9 WW, X, 225.10 WW, XVIII, 228.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2214

  • 15

    Por isso, no convm permitir que o homem se entreguesimplesmente a seu bel-prazer, o que deixaria as portas inteira-mente abertas ao arbtrio. Tal capricho, que nele contm o germedo mal, deve mesmo ser quebrado pela disciplina.11 emconsiderao a essa tarefa que preciso compreender a passagemdo amor natural na famlia ao rigor e imparcialidade da escola,onde a criana no somente amada, mas tambm criticada ejulgada segundo determinaes universais.12 Por conseguinte, aescola se funda na vontade comum, e o interesse do ensino seconcentra unicamente na coisa que deve ser apresentada e captada.

    Logo, a tarefa da educao consiste no somente em tomar asmedidas necessrias para que o desenvolvimento natural e espiritualtranscorra, tanto quanto possvel, sem entraves, mas, tambm, paraque a vida individual e comunitria seja conduzida a sua mais eleva-da perfeio num discurso refletido, num pensamento penetrante enuma ao conforme razo. Segundo a convico de Hegel, issos seria possvel se, de um ponto de vista ao mesmo tempo prticoe potico, fossem ultrapassadas a separao psicolgica entre a von-tade e a razo, assim como a disjuno, imposta pela moral moder-na, entre virtudes ticas e dianoticas. Com efeito, essas duas oposi-es tendem a destruir a unidade da ao e confinam na incapacida-de de reconhecer-se em seus atos e em suas obras.

    De um ponto de vista filosfico, essa alienao conduzira,como se sabe, a uma tica superficial do sucesso, de um lado, e,como reao, a uma tica da opinio, na interiorizao da qualHegel via o perigo do isolamento tico e moral. Da a dureza deseu juzo sobre a ironia romntica e suas consequncias para atica filosfica. Desmembrada entre o alm desejado e o aqumdecepcionante, a nova filosofia moral refletia manifestamente umaconscincia dilacerada e desbaratada, cuja certeza e cuja verdade

    11 WW, X, 82.12 Ibid.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2215

  • 16

    eram, no fundo, a contradio em que ela se achava cativa, e aesperana de sair, graas a um auxlio externo, dessa situao efeti-vamente desesperada. Incrustada nesse horizonte de questes, queconduz muito alm dos interesses pedaggicos, que precisocompreender a anlise hegeliana da cultura: essa anlise buscavaelevar, ao plano do conceito, um problema simultaneamente his-trico e sistemtico, que abrangia todas as formas da conscinciada poca e impelia a uma mediao.

    No que respeita s concepes antiga, medieval e modernada cultura, Hegel estudou a fundo as possibilidades e os limites,sem dvida como nenhum outro, antes ou depois dele: no pro-cesso de formao moral e intelectual, assim como em suas eta-pas e em suas manifestaes, o filsofo distinguia lados diversos,planos diversos, formas diversas. Em todo momento, via ali operigo do excesso de cultura (berbildung)13 ou da perversoda cultura (Verbildung), e enumerava, tambm, as razes pelas quaiso ponto de vista esclarecido da cultura,14 apesar de sua im-portncia absoluta e reconhecida,15 devia legitimamente cair emdescrdito.16 Assim, Hegel foi certamente o maior terico da cul-tura do idealismo alemo, mas, ao mesmo tempo, o crtico maisincisivo do princpio moderno de cultura, o qual ameaava serrevertido em egosmo da cultura ou em puro meio para exer-cer dominao e dar livre curso ao arbtrio.17

    Quanto indispensvel aquisio de conhecimentos,18 que aomesmo tempo enriquece, transforma e libera o sujeito cognoscente

    13 Esthtique, I, 339 e ss.14 WW, VII, 345; cf., tambm, XII, 89.

    15 WW, VII, 344.

    16 WW, VII, 345.

    17 PhD, 304.

    18 O que o homem deve ser, ele no o sabe por instinto, mas preciso que o adquira.

    nisso que se fundamenta o direito da criana a ser educada (PhD, 208, nota 26).

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2216

  • 17

    e agente,19 Hegel lembrava que era preciso, nesse processo, tomarem considerao no apenas o lado subjetivo-formal da assimila-o e do uso do saber absorvido, mas tambm refletir o seulado objetivo, pelo qual o prprio saber se torna vivo e remodeladoconforme ao esprito do tempo.20 Decerto, segundo Hegel, o sersingular deve inicialmente percorrer, no processo de aprendizado,os graus de cultura do esprito universal; porm, mediante consi-derao refletida da natureza e razovel moldagem da histria, aprpria substncia seria transformada. Nesse duplo sentido, o pro-cesso da cultura no deve ser visto como o calmo rolamento doselos de uma cadeia; antes, a cultura deve ter uma matria e um obje-to anteriores que, de maneira autnoma, ela trabalha, modifica ereformula.21 Mas isso s ser possvel se o esprito, por sua vez, tiverse desapegado da imediatez da vida substancial, adquirido oconhecimento dos princpios fundamentais e dos pontos de vistauniversais e elevado ao pensamento da coisa,22 que ento elemanejar racionalmente, em pensamento e em ato. Por conseguinte,o lado subjetivo do processo da cultura, que permite pr a condi-o do ser humano numa base de livre esprito,23 descrito nosseguintes termos: tal individualidade se cultiva ao que ela em si, esomente assim ela em si um ser-a efetivo. Quanto mais culturativer, maior a sua efetividade e a sua potncia.24

    19 Meiner, PhB, 165, p. 311. Cf., tambm, PhD, 219: Em sua destinao absoluta, a

    cultura , portanto, a libertao e o trabalho da libertao superior [...]

    20 Phno, I, 12. Cf., ibid, p. 57: O que, sob o ngulo do indivduo singular, se manifesta

    como sua cultura o momento essencial da prpria substncia, isto , a passagem

    imediata de sua universalidade pensada na efetividade ou na alma simples da substn-

    cia, aquilo mediante o qual o em-si um Reconhecido e um ser-a.

    21 Meiner, PhB, 165, p. 311.

    22 Phno, I, 8. Cf. HPh, I, 75: A verdadeira cultura [Bildung] no consiste tanto em dirigir

    sua prpria ateno sobre si, ocupar-se de si como indivduo, o que vaidade, mas

    esquecer-ser, aprofundar o universal na coisa, o que esquecimento de si.23 WW, X, 52.24 Phno, II, pp. 56-57.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2217

  • 18

    Desses diversos pontos de vista e desses diversos nveis da ideiamoderna de cultura, ressalta-se tambm a distino decisiva entrecultura terica e cultura prtica, distino que decorre da diferenaentre razo observadora e razo ativa;25 com isso, ela traz luz duasformas do saber que se distinguem essencialmente, no somente doponto de vista de seu objeto e de sua gnese, mas, tambm, de sualegitimao. Elas tm em comum, entretanto, a capacidade de re-nunciar particularidade do saber como do querer, para impri-mir em ambos o selo da universalidade. Considerada desse modo,a cultura sempre uma forma do pensamento que consiste nofato de que o homem sabe se conter, no se limita a agir segundosuas inclinaes e desejos, mas se recolhe. Graas a isso, ele confereao objeto uma posio livre e habitua-se vida contemplativa.26

    Tal produo da universalidade do pensamento, tal consumaoda abstrao racional o valor absoluto da cultura,27 valor que nose instaura por si mesmo. Tendo em vista o saber terico e o saberprtico, Hegel fala de um duro trabalho contra a subjetividade28

    do sentimento e da conduta, da opinio e do querer enquanto segui-rem o simples bel-prazer.29 A cultura terica comporta, antes detudo, conhecimentos variados e determinados, assim como a uni-versalidade dos pontos de vista, a partir dos quais emitir juzo so-bre as coisas; em outros termos: o sentido dos objetos em sua livreautonomia, sem interesse subjetivo.30 Da cultura prtica, em com-pensao, ressalta-se o fato de que o ser humano, ao satisfazer suas

    25 PhD, 72, nota 19. Cf. Ibid. a concepo segundo a qual a diferena entre o

    pensamento e a vontade somente a diferena entre a atualidade terica e a atitude

    prtica [...], pois a vontade uma forma particular do pensamento: o pensamento que se

    traduz na existncia emprica [Dasein], o pensamento como inclinao a dar-se uma

    existncia emprica. Cf., tambm, WW, X, 240-246.26 RH, 87.27 PhD, 84 e 218-219.28 PhD, 219; cf., tambm, as pginas seguintes.29 Meiner, PhB, 165, pp. 184 e ss.30 Propd., 42.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2218

  • 19

    carncias naturais, d provas de sabedoria e de medida. Isso s possvel se ele estiver liberto da natureza cega, se entregar-se a fundo sua vocao e, finalmente, se for capaz no somente de limitarsuas carncias naturais ao estritamente necessrio, mas, tambm,sacrific-las a tarefas mais elevadas.31

    A moderna cultura terica e a prtica

    O que Hegel soube apreciar, mas tambm lamentar, na formamoderna da cultura terica e prtica, foi o seu carter puramenteformal e o seu subjetivismo estreito. Teoricamente, antes de tudoo ponto de vista gnoseolgico da filosofia moderna da reflexo32

    que, conjugado com a psicologia moderna do poder, turva o olharpara a coisa mesma em sua originalidade e em sua adequao in-terna.33 Praticamente, Hegel desaprovava, indo mais longe, aincompreenso dos poderes do esprito objetivo, tais como eles semanifestam publicamente nas instituies morais, com toda auto-nomia e liberdade transmitidas pela lngua da sociedade e da civi-lizao. Por isso, estimava altamente a originalidade da culturagrega enquanto intelectualidade pessoal para si mesma;34 ao mes-mo tempo, graas ao exemplo dos sofistas, advertia contra umacultura frouxa, subjetiva ou estrategicamente orientada, afirmandoque ela se confunde com o mal moderno.35 Esse ponto devista [...] da subjetividade s pode aparecer numa poca de altacultura, num momento em que a seriedade da f desapareceu e aconscincia s tem sua essncia na vaidade de todas as coisas.36

    31 Propd., 43.32 PhD, 81 e WW, XII. pp. 25 e ss.33 Cf. Kant, Critique du jugement, Vrin, Paris, 1928, 63 a 66 e o desenvolvimento deHegel: Log., II, 247-271; op. cit., II, pp. 177 e ss; Abrg, 184-187; WW, XVII, 31-45.

    34 Hegel, Fragmente nos Hegelstudien, vol. 1, p. 18.35 WW, VII, 283 (ad. Ao 140, no traduzido em PhD mas, cf., tambm, PhD, 189.

    36 Ibid. ad.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2219

  • 20

    Mas a esse mesmo ponto de vista que se dirige o reproche deceder lugar ao bel-prazer e ao arbtrio, tanto no plano terico comono plano prtico.

    Hegel tambm tinha conscincia da origem e da necessidade daideia de cultura: nos sofistas, aos quais a filosofia devia toda a suaformao (Bildung)37, a posio intermediria da cultura chamava aateno para um dilema que haveria de permanecer at a pocamoderna. Com efeito, ao referir-se a Scrates, Hegel afirmava queo esprito, subjetiva e objetivamente, deve ter atingido certo graude cultura intelectual antes de chegar filosofia;38 por isso, atribui cultura um valor infinito.39 Por outro lado, fala de um absolutoponto de passagem, para indicar a fronteira de toda cultura que seobstina em seu ponto de vista, no lugar de passar ao pensamentoconceitual.40 Tal perigo rondava j os sofistas;41 porm, ele s sedesenvolveu plenamente na escolstica tardia e na filosofia modernadas luzes. Segundo essa opinio, a caracterstica comum s duas for-mas da filosofia das luzes seria a de que s tiveram como objeto acultura formal do entendimento, mas no a razo.42

    No que concerne ao princpio de cultura tpico da modernidade,Hegel certamente reconhece que a cultura sempre teve significaodeterminante, e que, na poca da Reforma, adquiriu uma significa-o com valor particular.43 Ora, tal cultura da reflexo, precisa-mente, engendrou, tanto no plano da vontade como no do juzo, anecessidade de manter firmemente pontos de vista universais e, deacordo com eles, regular o particular de tal modo que formas, leis,

    37 HPh, II, 243; cf., tambm, pginas seguintes.38 Cf. RH, 202-215.39 PhD, 219.40 Phno, pp. 50-51 e ss.41 Cf. HPh, II, 239-378 e Meiner, PhB, 171, p. 915: Sophistik des Denkes.42 Meiner, PhB, 165, p. 311.43 Meiner, PhB, 165, p. 311.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2220

  • 21

    deveres, direitos, mximas universais assumem valor bsico para de-terminao e reinam essencialmente.44 Entretanto, essa cultura atin-giu apenas o livre juzo, mas no o conceito que pensa a si mesmo.Logo, permaneceu formal e apegada unilateralmente subjetivida-de do sujeito que se sabe e que quer. Isso apareceu por ocasio daanlise da conscincia cvica (brgerlich), assim como no juzo sobre aRevoluo Francesa, que estava em condies de colocar o sujeitoem situao de liberdade absoluta, mas que no podia conferir liberdade um sentido positivo, isto , um contedo firme e umaforma objetivamente convincente. Por isso, sua cultura tornou-se afonte de sua runa45, cujos efeitos haveriam de se fazer sentir rapida-mente nos domnios terico e prtico, ainda que de modo diferente.

    Ao tomar como objeto de sua crtica essa ambiguidade de todacultura moderna, Hegel chegou a falar em problemas de cuja som-bra, at hoje, no pudemos sair. Com efeito, o duplo sentido deexteriorizao (Entusserung) e de alienao (Entfremdung), que consti-tui algo prprio a toda cultura, inelutavelmente deixou os seus tra-os na histria do esprito e se insinuou de modo igualmenteirrevogvel em nosso pensamento, em nosso discurso e em nossocomportamento. Nesse sentido, como se sabe, Hegel consideravaque a tarefa primeira da Fenomenologia do esprito era a de conduzir oindivduo de seu estado inculto ao saber46 , o que, naturalmente, sparecia possvel pela exteriorizao de seu Si imediato.47 Hegeltambm gostava de falar nesse contexto de alienao, que sempreintervm praticamente quando o esprito descaiu da confiana namoralidade imediata e tomou conscincia de si mesmo como deum sujeito moral.48 Nesse mesmo movimento de bscula, a cultura

    44 Cf. Esthtique, I, p. 27; cf., tambm, WW, XIII, pp. 80 e ss.45 RH, 87.46 Phno, I, p. 24; cf., tambm, pginas seguintes.47 Meiner, PhB.48 Meiner, PhB, 171, pp. 243 e ss. (em particular, p. 250).

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2221

  • 22

    consumada chega a ser posta em relao com os perigos damorte,49 situao que, para a histria do esprito, se aproxima dofenmeno da ironia romntica50 e ser discutida no quadro dasociedade burguesa e de seus sucedneos.51

    Entretanto, a contradio intrnseca na qual se achava o con-junto da cultura moderna, e que ela no estava em condies decompreender nem de ultrapassar, desviou a concepo do mun-do moral, que nela se fundava, para uma autocerteza arrogante epara uma crtica infundada de tudo o que estava presente e exis-tente. Hegel exprimiu essa duvidosa certeza de toda cultura mo-ral nos seguintes termos: Intrinsecamente, esse mesmo negativodiz respeito, portanto, cultura; o carter do sentimento da maisprofunda revolta contra tudo o que est em vigor, o que querser para a autoconscincia um ser estranho, o que quer ser sem ela,ali onde ela no se encontra; uma segurana extrada da verdadeda razo, que, afrontando toda a perda de si que o mundo inte-lectual, est certa da perda deste ltimo. A isso se acrescenta, demodo significativo, o reverso do ponto de vista moral: O as-pecto positivo, so pretensas verdades imediatamente evidentesdo grande bom senso [...], que no contm nada mais do que averdade e a exigncia de encontrar-se a si mesmo, e permanecenessa exigncia.52 Contra essa irnica suspenso de todo dado,suspenso que no deixa subsistir nada de real diante de seu pr-prio juzo e que proclamou a si mesma como a nica medida doBem e do Justo, objeta Hegel: Os iniciantes so sempre levados acriticar tudo; em contrapartida, os que tiverem uma cultura acaba-da, em todas as coisas veem o que h de positivo.53

    49 Cf. Phno, II, pp. 199-200.50 Meiner, PhB, 171, p. 263.51 WW, XVIII, 460; cf., tambm, PhD, pp. 186-189 (a propsito de Solger).52 WW, XX, 291; HPh, VI, p. 1718.53 PhD, 270, ad. (sobre a ironia, cf., tambm, HPh, II, 288 e ss.).

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2222

  • 23

    A noo moderna de entendimento

    O problema da cultura tipicamente moderna captado demaneira ainda mais fundamental, quando lhe feito o reproche dese achar em estado de dilaceramento interno e manifest-lo emsua linguagem.54 Essa crtica termina com a seguinte considerao:A cultura intelectual, o entendimento moderno, suscita no ser hu-mano essa oposio que faz dele um anfbio, no sentido de quedoravante ele deve viver em dois mundos que se contradizemtanto que tambm a conscincia agora se arrasta nessa contradioe, lanada de l para c, incapaz de encontrar para si mesmasatisfao aqui ou ali.55 Porm, se a cultura essa mesma contra-dio, contradio que no sabe resolver racionalmente, ento elapermaneceu guindada em seus juzos que emanam do entendi-mento, que separam, enquanto oposies imediatas, essncia e fe-nmeno, ser e dever-ser, o prosaico mundo terreno e o alm ideal,o incomparavelmente divino e o deploravelmente humano.

    Para Hegel, porm, isso era apenas a meia verdade dessa for-ma de conscincia profundamente irnica ou mesmo desespera-da: nessas mesmas oposies escondia-se a esperana de umamediao ou de uma reconciliao. Como se pode ler namesma passagem, um pouco adiante:

    Ora, nessa dualidade da vida e da conscincia, para a cultura modernae para seu entendimento, h somente a exigncia de resolver tal con-tradio. Porm, como o entendimento no pode desdizer a fixidezdas oposies, essa resoluo permanece, para a conscincia, um purodever [...]

    Se, com Hegel, o ponto de vista da cultura for consideradodessa maneira, tanto sob o aspecto da histria como sob o do siste-ma, ento ele aparece como um momento necessrio no processode amadurecimento universal e simultaneamente individual do esp-

    54 PhD, 270, ad.55 WW, XIII, p. 82.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2223

  • 24

    rito, que, na verdade, por causa de seu dilaceramento interior, aindano chegou a si mesmo e espera por sua consumao futura. Logo,segundo a concepo de Hegel, essa conscincia no somente estcindida, mas impele o seu automovimento mediao das prpriasoposies que ela mesma engendrou sem dar cabo delas. Como avida nesse mundo se revela afinal insuportvel,56 a cultura acabouesperando que a filosofia oferecesse uma resposta para as questesque ela prpria havia colocado, mas para as quais, nos limites de seuhorizonte, ela no podia responder:

    Da a questo: tal oposio, to universal, to radical, que no vaialm do puro dever-ser e do postulado da soluo, ser ela o verda-deiro em si e para si, ser a suprema meta final? Se a cultura universalcaiu nessa mesma contradio, ento cabe filosofia superar essestermos opostos, isto , mostrar que nem o primeiro deles, em suaabstrao, nem o outro, em sua igual unilateralidade, tm verdade,mas so aquilo que a si mesmo se dissolve; que a verdade s poderesidir na reconciliao e na mediao de ambos, e que tal mediao ,no pura exigncia, mas o consumado em si e para si, o que sempreest para se consumar.57

    A fissura em dois mundos, profundamente sentida pela cultu-ra, e a necessidade de filosofia,58 filosofia que devia regrar essacontradio sem a negar simplesmente em nome de um saberimediato ou absoluto, concernia em particular ao saber prtico.Pois o crescente afastamento entre vida tica e moralidade, quedevia acelerar-se no mundo moderno, conduzia a uma falta deorientao na palavra e na ao, onde a cultura estava profunda-mente implicada.59 Assim, o reproche que Hegel j fizera culturados sofistas, da qual a filosofia de um Plato ou de um Scrates

    56 WW, XIII, p. 80.57 WW, XIII, p. 81.58 WW, XIII, pp. 81 e ss.59 Diffrence des systmes de Fichte et de Schelling, trad., Mry, Ophrys, Gap-Paris,1970, pp. 86-90: A necessidade de filosofia; cf., tambm, pginas seguintes.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2224

  • 25

    permaneceu amplamente devedora, um reproche ainda mais forteperante exigncias de uma pura moral que, lanada em nome doabsoluto, numa crtica radical das condies existentes, esquecia arealidade e o presente.

    A verdade dessa cultura que ou bem se comprazia em con-tradies irreconciliveis ou bem, tomada de melancolia, esperavanostalgicamente sua redeno vinda do exterior era ou o senti-mento da mais profunda revolta,60 ou a incapacidade de agir61

    em um mundo que no se dobrava a suas exigncias ideais e que,legitimamente, impunha suas prprias exigncias a uma moral tor-nada estranha a si mesma. Assim, mediante a cultura moderna comoporta-voz, foi suspensa a relao entre praxis e razo e abriram-seas portas para ideologias que deviam se tornar, sob muitos as-pectos, perigosas para a ao dos homens. Esse perigo concerniaigualmente a pedagogia, cuja defesa de uma cultura da personali-dade62 aparece ocasionalmente to duvidosa quanto a tendncia auma doutrina da educao, que, h tempos, no est segura de seufundamento racional e que busca cada vez mais a sua salvao emirracionalismos que, comparados posio hegeliana, ameaam re-tirar o solo sob os seus ps.

    60 Cf. Tp, pp. 147-153; HPh, VI, p. 1718.

    61 Ibid.

    62 WW, X, pp. 84 e ss.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2225

  • Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2226

  • HEGEL NA SALA DE AULA(notas para leitura de uma pequena antologia)

    Slvio Rosa Filho63

    Houvesse uma filosofia hegeliana da educao, no Brasil elabrilharia, justamente, pela ausncia. Afora evocaes avulsas oumenes feitas de passagem, o sistema da cincia de Hegel noenfibrou na modernizao conservadora destes trpicos, esforode construo nacional em que o positivismo, por exemplo, japareceu como protagonista. Sua dimenso mais assertiva nocomparece, tampouco, na oferta contempornea de doutrinaspedaggicas, onde, facilmente, ela poderia ser confundida comalguma forma remota de holismo, ou com alguma oportunida-de para substituir refis de propostas generalistas.

    Acresce que, se os textos de Hegel no dedicam tratamentoexplcito a problemas de natureza pedaggica, a frequentao maisassdua de suas obras tende a confirmar as dificuldades proverbi-ais de um mtodo que nem sempre responde pelo nome dedialtica. Esta palavra-chave, com efeito, no obedece a trata-mentos hermenuticos convencionais, nem se presta a abrir asportas e os portais de uma instituio de ensino mdio ou su-perior. Palavras, frases e excertos, isolados do movimento argumen-

    63 Slvio Rosa Filho (Brasil). Professor de filosofia na Universidade Federal de So Paulo.

    Publicou Eclipse da moral: Kant, Hegel e o nascimento do cinismo contemporneo (SoPaulo, Discurso Editorial Barcarolla, 2009) e estudos sobre Hegel como O sentido do

    engajamento (In: Questes de filosofia contempornea; So Paulo, Discurso Editorial,2006; org. Anderson Gonalves et. al.) e Martial Guroult, crtico da crtica hegeliana:

    observaes sobre o lugar da exegese em filosofia (In: Cadernos de filosofia alem; SoPaulo, Publicao do Departamento de Filosofia FFLCH-USP, 1996; n. 1).

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2227

  • 28

    tativo em que se poderia colher o seu sentido, permitiriam antever,de sada, mais uma srie de lugares comuns que por toda a parteassolam as filosofias da educao.

    Na melhor das hipteses, estaria o pensamento hegeliano cum-prindo o destino moderno de permanecer onde sempre esteve.Certamente, desde o fim da filosofia clssica alem, trata-se de umafora histrico-cultural considervel, confinada no locus amoenus dasvirtudes e virtualidades especulativas. Como se ficasse, nas altitudesde um estado em potncia, preservado das desventuras de umaefetiva passagem ao ato: exumado, mas no submetido prova dosnove de uma realidade local que lhe seria cordialmente avessa oufrancamente inspita; mas privando, em contrapartida, da boa com-panhia de Goethe e de Humboldt, ideais altivos de um humanismoem que ocorre ao pensamento de Hegel ser subsumido64 e fazer, ali,as vezes de um autor bem comportado. Promessa no cumpridada modernidade, portanto, poderia esta situao desfavorvel de fatoser revertida em benefcio de direito? Pelo sim ou pelo no, vantagensde um atraso que se prolonga por mais de dois sculos?

    A sombra de Hegel

    No incio do sculo passado, mile Chartier, mais conhecidopelo pseudnimo de Alain, prope a seu pblico leitor o tema dacriana como aspirante vida adulta.65 Empenhado em condensar acrtica hegeliana ao ideal iluminista que tentara reunir aprendizado edivertimento, imagina um dilogo entre o filsofo alemo e um

    64 Como, por exemplo, na obra de Franco Cambi, Histria da pedagogia; So Paulo,Edunesp, 1999; trad lvaro Lorencini; pp. 416-420.65 Alain, Propos sur lducation. Paris, PUF, 1932; pp. 17-18. No Brasil, Maria ElisaMascarenhas traduziu o livro com o ttulo de Reflexes sobre a educao (So Paulo,Saraiva, 1978; cf. pp. 1-2). Originalmente, o texto em pauta foi publicado em 16 de

    agosto de 1913. Trata-se, na verdade, de um livre comentrio da Enciclopdia dascincias filosficas ( 396 e adendo; v. 3, trad. bras., pp. 76 e ss.).

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2228

  • 29

    ensasta em plena crise da Terceira Repblica Francesa.66 Para inciode conversa, Alain segue a encantadora ideia de construir, para acriana, uma ponte que v de seus jogos s nossas cincias. Passa,ento, a enumerar as serventias providas por tal engenho: excitarprodigiosamente a ateno a primeira; a segunda, permitir, desdeos primeiros hbitos de infncia e durante toda a vida adulta, a asso-ciao entre o estudo, o repouso e a alegria; exorcizar, de resto, ofantasma medieval que fizesse confundir os labores modernos doestudo com as prticas tenebrosas do suplcio. Desse modo o jorna-lista de ideias palmilhava o seu caminho, ao lado de Montaigne.67

    A sombra de Hegel, entretanto, comea a falar mais alto. Pormais zeloso e simptico que parea o jogo sugerido pelo pedagogoilustrado, importa advertir que o ardil pode voltar-se contra simesmo: o educador, ao fazer de conta que no ensina, provvelque, de fato, no ensine nada; e o mesmo pode valer para a crianaao fazer de conta que, por sua vez, no aprende. Antes de haverum processo civilizatrio que ultrapassasse a barbrie, haveria, nolimite, um tipo de passagem no contrrio, o que os estudiosos deHegel conhecem, precisamente, como interverso:68 nesses termos,a civilizao se interverte em barbrie, e a prpria barbrie seinterverte em barbrie, ou seja, no mesmo. O que assim se anun-cia, de sada, so as iluses perdidas do educador iluminista, pois,no fundo, o que civilizao e barbrie dizem uma da outra seriaverdade, mas no exatamente o que cada uma diz de si mesma.

    No segundo movimento desse dilogo interior, revolve-se, en-to, o problema da alteridade: a criana, tal como surge para o edu-

    66 A este respeito, ver o estudo de Philippe Foray, Alain et lducation. In: Perspectives:Revue trimestrielle dducation compare; Paris, Unesco: Bureau international dducation,v. 23, n. 1-2, 1993, pp. 21-36.67 Deste ltimo, por exemplo, cf. Livro I, captulos XXV e XXVI, de seus Ensaios (SoPaulo, Abril Cultura, 1972; pp. 73-93; coleo Os Pensadores).68 Graas, antes de tudo, aos trabalhos de Ruy Fausto. Cf., notadamente, a primeira

    parte de Marx: lgica e poltica; So Paulo, Brasiliense, 1987; tomo I.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2229

  • 30

    cador, no apenas diferente da criana tal como ela para si mesma,porm, ainda, oposta. Visto que no se trata de um ser esttico, vistoestar ela em movimento entenda-se: em processo de cresci-mento , totalmente criana enquanto j se encontra nessa curiosadinmica pela qual est em vias de rejeitar seu estado de criana.Graas ao exerccio da reflexo que peculiar a sua idade, quer jtornar-se homem. As alegrias especficas da criana, contudo, no seconfundem com as alegrias um tanto vagas, e raras, do educador.Quando, por exemplo, brinca de ser adulto, sem dvida ela genu-inamente criana; ao passo que o educador, quando busca colocar-se na posio da criana, no apenas emerge para ela sob os as-pectos de uma criana deslocada e postia, como tambm corre orisco de parecer-lhe, simplesmente, adulto ridculo. Numa palavra, aastcia da criana veraz zomba dos ardis do iluminista contumaz.Ora, comprazer-se na representao nostlgica da infncia, no tarefa do educador propriamente dito, mas caso discutvel de re-gresso, aparentado aos prazeres de uma vida vegetativa ou estrita-mente animal. Distinto, em contrapartida, o prazer do ser que seeleva acima de si mesmo, pois o estado de homem belo paraquem a ele chega com todas as foras da infncia.

    Para essa grande sombra, com efeito, instruir no embalar.quela ponte que iria do jogo s cincias, o filsofo preferealgo como um fosso entre a brincadeira e o estudo, entre a serie-dade singular na infncia e a seriedade de emprstimo na idiotice.Quem com tudo se diverte, de todos merece o nome de idiota:brincar com pigmentos como se fossem pintura, com sons comose fossem notas musicais, uma pitada de poltica ali, outra de reli-gio acol, captar o incognoscvel em seis palavras, encenar seri-edade e multiplicar atarefamentos, sempre dizer-se contente con-sigo mesmo, eis uma sada da infncia que s cumpre a promes-sa da educao como desdobramento de uma domesticao. Nolugar de formar-se um homem, o que se amolda , com efeito,

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2230

  • 31

    um escravo feliz. Distinta, todavia, a criana que, uma vez mais epor si mesma, no confunde a seriedade de suas brincadeiras coma seriedade do estudo. Com algum paradoxo, portanto, passemosde novo a palavra a Alain: aprender dificilmente as coisas fceis.Depois, saltar e gritar, segundo a natureza animal. Progresso, dissea Sombra, por oposies e negaes.69

    Assim, quer diante do educador que imita (e mal) a criana, querdiante do idiota que desempenha (e mal) papis de autocomplacenteseriedade, o ensasta assumia uma voz interposta e uma posiosituada altura de seu tempo, limitada perante os dias que estavampor vir e que ele no estaria em condies de prever. Dizia, s vspe-ras da Primeira Guerra Mundial, como num aparte: tenho medodesse selvagem disfarado de homem.70

    Do incio do sculo XX ao incio do XXI, a passagem que naescola se enforma da famlia sociedade civil e a oposio docidado moderno ao indivduo contemporneo, por certo, notero se tornado menos problemticas. No incio do sculo XIX,Hegel costumava recordar que, quando o menino se torna umjovem, o mundo emerge para ele como um mundo fora dos ei-xos, o ideal, que aparecia criana personalizado em um ho-mem, apreendido pelo jovem como ideal independente da-quela personificao em um homem singular em suma: o ide-al aparece como universalidade abstrata.

    De l para c, a escola perdeu a prerrogativa de proporcionaros primeiros passos que iam da famlia sociedade civil.71 Agora, a

    69 Alain, op. cit.; p. 18.70 Idem, ibidem.71 O que se encerra com a crise de 1968, assinala Bento Prado Jr., bem o sculo da

    generalizao da escola burguesa para a totalidade da sociedade, a inflao sempre

    crescente desse espao apartado da produo e que, ao explodir, pe em xeque o todo

    da sociedade. Termina a tambm a iluso, partilhada por liberais e por socialistas, que

    atribua escola o privilgio da produo e da difuso do saber, assim como das vrias

    sabedorias (A educao depois de 1968, ou cem anos de iluso. In: Alguns ensaios:filosofia, literatura e psicanlise; So Paulo, Ed. Max Limonad, 1985; p. 111).

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2231

  • 32

    prpria educao pelo jogo precedida de uma domesticao pelodinheiro e ambas se mostram propensas s metamorfoses de umaeducao por meios da paleotecnologia, obsolescncia programadapara reciclar a infraestrutura das instituies de ensino. E se o estu-dante ingressar no mercado como consumidor cujo objeto de dese-jo recebe o apelido de diploma, por seu turno, o educador aparece-r velado pelas roupagens de um prestador de servios, se no forreduzido a mero obstculo entre o consumidor precoce e a realiza-o deformada de seu desejo de consumo. Nesse campo de visohoje comprimido pela contraluz do imediatismo, a universidade,como miragem paradisaca, evaporou-se no sonho por assim dizeracordado das classes mdias. No apenas porque, a rigor, classesmdias no constituem uma classe, mas ainda porque os ritmoscadenciados que no ensino e na pesquisa ainda seriam de rigor tendem a fazer que a universidade, agora com letras maisculas,cada vez mais se assemelhe a um purgatrio para as massas.

    No meio desse caminho, sobre o fundo da longa e sinuosa du-rao da modernidade, da ideia de educao como meio propciopara a compreenso do mundo, seguia-se, em primeiro lugar, que atarefa da escola no era informar, mas, sobretudo, instruir; im-punha-se, em segundo lugar, a necessidade de recapitular o idealenciclopdico do sculo das luzes, pondo a criana e o jovem emcondies de discernir, por si mesmos, entre o mundo das coisas e omundo dos homens.72 Antes que fosse dito adeus ao iluminismo, semprecisar reeditar a paideia christiana, Hegel, enciclopedista do sculoXIX, balizara o solo da transio ao novo tempo73 e cuidara de

    72 Acerca destes ltimos, Hegel dir: As relaes que cada homem mantm consigo

    mesmo consistem para ele: a) em conservar-se a si mesmo, o indivduo submetendo a

    natureza fsica exterior e adaptando-a sua medida; b) em assegurar independncia de

    sua natureza espiritual em relao sua natureza fsica; c) em submeter-se e em tornar-

    se conforme sua essncia espiritual universal, o que o papel da formao [Bildung]

    no sentido mais geral do termo (Enciclopdia filosfica de 1808, 191).73 Ver, a este respeito, o ensaio de Paulo Eduardo Arantes, Quem pensa abstratamen-

    te?. In: Ressentimento da dialtica; So Paulo, Paz e Terra, 1996; sobretudo pp. 93-95.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2232

  • 33

    pensar os prolongamentos poltico-jurdicos da Revoluo Francesaem solos que no fossem apenas franceses. Desse modo, quando oprocesso de hominizao do homem pressupe a sada da pr-histria da humanidade, tempo de dar voz, uma vez mais, ao livreexerccio do pensamento. Entre a desqualificao sumria da tristezae a valorizao abstrata da alegria, por exemplo, no poderemoscontinuar dizendo que prefervel, ao mesmo tempo, averiguar osentido da apatia e tomar a medida da insatisfao? Entre a recusa dossuplcios e a aceitao dos jogos de adestramento social, no ter setornado indispensvel acompanhar as metamorfoses da luta pelarealizao da liberdade e a cristalizao das formas poltico-jurdicasdo reconhecimento? Se assim for, far algum sentido tomarmosdistncia frente ao andaimaria dos formalismos voltarmos salade aula, com dico hegeliana.

    Temporada nas zonas de sombra

    Que a escola no constitui uma instncia absolutamente aut-noma. Que a sala de aula o lugar onde se condensa e se reflete arealidade efetiva na qual ela se insere. Basta admitir tais proposi-es para reconhecer, de sada, que a instncia escolar s joga umpapel relativo perante a exigente completude da formao, deli-mitao que, longe de constituir sua fraqueza, pode guardar o se-gredo de uma fora inusitada. Que, em segundo lugar, o ex-aluno egresso, na acepo hegeliana nunca ser redutvel figura dodiplomado, mas apresentado sob o ttulo ambivalente de umformando, ampliao que assinala o teor de sua autodestinao e dnotcia do que est em jogo na luta pela realizao efetiva da liber-dade. Que, em terceiro lugar, o educador poder estimar a gran-deza de sua perda74, justamente na medida da formao hegeliana ou no com a qual ele se der por satisfeito, tenso no

    74 No contexto da representao nostlgica do mundo, Hegel assinala: naquilo com que

    o esprito se satisfaz, pode-se medir a grandeza do que perdeu. (Fenomenologia doesprito; Petrpolis, Vozes, 1992; v. 1, p. 25, 8.3).

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2233

  • 34

    menos exigente entre o exerccio da autoridade e a promoo daautonomia, entre a educao que for dispositivo de controle e aformao que for prtica de emancipao.

    Relativizao da instncia escolar, o que implica identificao deoutras instncias educativas; irredutibilidade do formando microfi-gura do aluno, o que requer uma anteviso de seu ingresso em ou-tras instncias formadoras, situadas na vida extraescolar; cultivo dasinsatisfaes do educador que sinaliza para um autoaprimoramentodo inconformismo; seria o caso de passar em exame, imediata-mente, o sentido dessas ponderaes e o alcance de seu valor. Osentido, no entanto, no retilneo e o alcance no est decidido deantemo. Logo, importa no perder de vista que, sendo adverso opas, luzes atenuadas e zonas de sombra no dispensam uma leituradistinta, que refrate a gama de tal sentido, que vislumbre o alcance detal discernimento e os retome em considerao, de modo diverso eredobrado: pelo vis de seu avesso ultra ou ps-moderno e peloprisma de uma descontinuidade bastante singular.

    Diante do fenmeno do no conformismo, por exemplo, aconstelao semntica das instncias formadoras vai solicitar umaateno flutuante e peculiar, que lhe anote as emergncias e as rup-turas, desenhe a sua relevncia em processo e d testemunho desua verdade como resultado. Diante do conformismo, por seuturno, a passagem pelas instncias formadoras tende a configurar-se como processo seletivo e quase natural, que ao mesmo tem-po interroga o discurso da meritocracia e parece condenar o jo-vem inicialmente rebelde a se tornar um adulto finalmente adapta-do, ou, o que d no mesmo, resignado. Teoria dos jogos quecalcula uma acomodao abstrata e funcional ou coreografia daluta que encena uma irreconciliao latente e imprevisvel? De fato,a mobilizao de pressupostos hegelianos d conta de palcos mveise permite evocar invisibilidades vrias, flor da pele. Quando,vindo de remotos dias coloniais, o passado sobrecarrega a juven-

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2234

  • 35

    tude, as posies do senhor e do escravo aparecem recortadasnum estilo paradoxal: se este ou aquele prestador de servios fo-rem mais que um Ersatz do escravo forro, nem sempre certoque este ou aquele badboy queiram respirar os mesmos ares de fa-mlia de um senhorzinho urbanizado. Mas assim como a humanida-de do aluno no reside exclusivamente na provenincia familiar emque o seu nascimento foi certificado, assim tambm no tem cabi-mento minimizar as dificuldades de instaurao do ideal repu-blicano de igualdade que lhe faz frente e que documenta sua dis-tncia face iniquidade real.

    Voltemo-nos, ento, para o formando cuja vida recorre auma instncia distinta da vida escolar. Parece que o mundo da indi-vidualidade moderna contm tantos centros quantos so os homensque dizem Eu, um crculo apropriado para cada um desses egosatomizados. Trata-se, claro, de tomos sociais; e, simultaneamente,da excentricidade da formao. Entre o hedonismo do indivduorecluso e o mal-disfarado sofrimento geral, os perfis dos egressosdescrevem itinerrios elpticos, do mercado de ensino para o ensinode mercado, inter-seccionados. Antes e durante a permanncia nainstncia escolar, o aprendizado passa a coabitar com a diversocomo parque escolar de diverso, walterdisneyzao do ensinoque merece, portanto, negao concreta e oposio efetiva. Durantee depois da instncia escolar, a crescente prevalncia do privatismofavorece a percepo das instituies de ensino sob a forma doconsumo de marcas administrveis, sejam elas privadas ou pblicas,bigmacdonaldizao do ensino que merece, igualmente, negaoconcreta e oposio efetiva.

    Ora, em tempos de mnimo superego, a justeza da severidadeno precisa ser desautorizada nem pela rigidez nem pela flexibilida-de de equivalentes funcionais. Assim como, na instncia escolar, ahumanidade da criana e do adolescente no se encerra nas figuras doaluno e do estudante, assim tambm, na instncia formadora da so-

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2235

  • 36

    ciedade civil, a humanidade do jovem no se esgotar na profisso paraa qual ele ter sido educado. Sem dvida, a educao por assimdizer informal da instncia mercadolgica concorre com a educa-o formal da instncia escolar propriamente dita. No obstante,entre a desalienao e a autonomizao das intersubjetividades, deum lado, e, de outro, a desresponsabilizao e a desobrigao dostomos sociais, o processo das primeiras no precisa seguir as linhasinvolutivas das segundas, nem o Selbst carece de ser nelas traduzido,literalmente, como emplasto de um self-made man. Somadas umas eoutras coisas, a riqueza da sociedade civil burguesa no rica o bas-tante para remediar a misria de sua prpria condio.

    Em termos hegelianos, se houver soluo para o problema dascontradies da sociabilidade civil, certo que ela no se dar nainstncia particular da sociedade civil burguesa.75 Na medida em queas contradies da sociabilidade civil s se superam politicamente, asoluo do problema scio-poltico moderno correlata amplitu-de e complexidade do problema posto pela formao. A estaaltura, sem dvida, toma-se considervel distncia em relao aostomaladacs em que valores so desvalorizados, como se nasces-sem prontos para serem negociados e trocados; entretanto, ainterseco dos planos do assunto real no cancela antes, acentua as interferncias da economia na poltica e, desta ltima, naquela.Acuidade redobrada, portanto, se for o caso de passar uma tempo-rada nessa zona de sombra onde segue seu curso a chamada plutocracia.

    Talvez seja possvel torn-la menos invisvel, recorrendo, porexemplo, aos bloqueios estruturais que a poltica, com letras mi-nsculas, contribui para reproduzir e fomentar. Face s foras demobilidade e mobilizao sociais, a instncia escolar, ainda que acontragosto de suas melhores intenes crticas, participa da manu-teno de um monoplio social das oportunidades, como se sabe,

    75 Por isso, Hegel poder afirmar com todas as letras: O interesse da ideia no reside na

    conscincia desses membros da sociedade civil burguesa como tais. (Princpios dafilosofia do direito, 187; trad. bras., p. 17.)

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2236

  • 37

    de fundas razes. Do lado da ordem, multiplicar-se-iam laboratriospara o exerccio da dominao: seus ocupantes estariam destinadosa repetir e aprimorar as faanhas e capitulaes de seus antepassadosde classe. De outro lado, progressos seriam mais ou menos inofen-sivos, consoante dispositivos de intimidao cada vez mais sofistica-dos: quando a ameaa bem encenada, avisava Rousseau, ela pro-voca mais estragos do que o golpe menos ineficiente.

    Na instncia formadora da poltica, a humanidade do recm-che-gado vida adulta ir, sem dvida, mais longe do que a sua vidacidad; com dois porns que a condicionam simultaneamente. A pri-meira condio: contanto que, na tenso entre as instnciasinfrapolticas e as suprapolticas, o adulto formando no se contentecom as rotas de fuga que, abstratamente, acenam para que ele setorne um ensimo candidato evaso. Sirva aqui, guisa decontraexemplo, a negao abstrata e a oposio-no-real que sepodem esboar a partir da subcultura de massas, mais especifica-mente, no caso da crescente ficcionalizao da realidade. Hegel, quan-do se ps a pensar na passagem da Revoluo Francesa para o soloalemo, apresentou seu espectro de modo singular: na supremaambivalncia dessa passagem, a irrealidade assumira, com efeito,o lugar do verdadeiro.76 Hoje, quando a contrarrevoluo se querpermanente e mesmo o empenho por reformas estruturais, via deregra, carece do sopro da utopia, as distopias miditicas, esse mistode pequenas rebeldias e adeses colossais, parecem ter se tornadoocupantes do lugar outrora reservado ao justo, ao belo e ao verda-deiro: no impossvel que jamais sejam representadas como apare-lhos de entretenimento imperial, ou ainda, expostas como videologias.77

    Segunda condio: a humanidade do formando vai mais lon-ge do que sua cidadania, contanto que, tendo-se demorado nessainstncia de alfabetizao poltica para adultos, saiba ento reco-76 Cf. Fenomenologia do esprito; ed. cit., v. 2, p. 100, 595.2.77 Cf., de Eugnio Bucci e Maria Rita Kehl, Videologias: ensaios sobre televiso; SoPaulo, Boitempo Editorial, 2004.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2237

  • 38

    nhecer, nas dimenses coextensivas ao chamado esprito objeti-vo na famlia e na escola, na sociedade e no estado , instnciasformadoras, necessrias e limitadas; e, precisamente por que semostram insuficientes, no deixariam de impelir o ser do forman-do a elevar-se acima de si mesmo. Na Arte, na Religio e na Filo-sofia, delineiam-se, justamente, aquelas instncias suprapolticas etrans-histricas, em que a nova estrutura da sensibilidade e a dis-posio tica do esprito dariam voz a seu prprio sentimento domundo. Assim, nessas regies coextensivas ao esprito absoluto,elevadas e hoje quase proibitivas, poderia o formando encontrar-se junto a si mesmo. Saber-se, afinal, em casa.

    Novos aspectos de Emlio

    Como si resultar de notas demasiado breves, de se esperarque o leitor termine com um sentimento de insatisfao. Paramostrarmos descontinuidades e avessos do texto hegeliano, pro-pusemos um prisma a partir do qual ele pudesse refratar-se empas adverso; deixamos de lado, deliberadamente, a anlise dosdescompassos entre a amplitude das estratgias pedaggicas e asespecificidades das tticas didticas; no rememoramos momen-tos exemplares da vasta tradio de vidas paralelas, em que coube, figura do filsofo, a tarefa de reeducar o tirano e a si mesmo,formar o general e futuro imperador, fazer-se conselheiro doscsares ou dos imitadores de Cristo, preceptor da aristocracia oude herdeiros que, fossem regentes ou delfins, disputariam o tronoungido com um direito dito divino. Ficar, pois, o leitor entreguea si mesmo, com a impresso de havermos mostrado apenas ovestbulo, sem ingressar no interior da casa.

    E mesmo dentro das molduras aqui estabelecidas, teria sidooportuno desenvolver certas reapropriaes alems dos cdigos quereconfiguram a individualidade moderna. Mostrar, por exemplo,como elas afirmam a destinao histrico-social e poltica da prole

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2238

  • 39

    de Emlio e Sofia, casal cuja vida Rousseau preferiu recolher numailha. Ou ainda, investigar como os princpios que desenhavam o tipoexpressivo de um homem integralmente formado foram transpos-tos e remanejados, da estrutura em crise do jusnaturalismo, parauma arquitetnica do saber fenomnico, em que a dinmica do indi-vduo moderno enveredou pelas trilhas de uma autodeterminaoconceitual. Teria sido preciso mostrar, e no apenas indicar, de quemaneira a elaborao hegeliana acompanha o sentido moderno doromanesco, critica a exaltao romntica da paixo amorosa e as-siste, no decursus vitae dos indivduos divididos, s tendncias para asua converso filistina78. Talvez evitssemos, desse modo, a surpresaou o escndalo de uma constatao subjacente mas quase visvel aolho nu, a de que o ideal do humanismo integral, intercindido,desapareceu. Que, em pedagogia, a formao vai mais longe doque a pedagogia.

    S de relance o leitor ter entrevisto, ademais, desdobramen-tos da exigncia hegeliana, endereados para uma efetiva realiza-o da Filosofia.79 Processo cumulativo do moderno, decomposi-o ultramoderna do esprito absoluto e desvalorizao con-tempornea de seu valor? Da a persistncia em sugerir que, na

    78 Aqui, todavia, pode-se assinalar uma pista para inteligir essa reverso moderna do

    herosmo, em que, de resto, o andamento prosaico no desculpado em favor do

    cabimento bem pensante: por mais que algum tenha combatido o mundo, tendo sido

    empurrado para l e para c, por fim ele encontra, na maior parte das vezes, contudo, sua

    moa e alguma posio, casa-se e tambm se torna um filisteu [ein Philister] do mesmo

    modo que os outros; a mulher se ocupa do governo domstico, os filhos no faltam, a

    mulher adorada, que primeiramente era nica, um anjo, se apresenta mais ou menos

    como todas as outras, o emprego d trabalho e aborrecimentos, o casamento a cruz

    domstica, e assim se apresenta toda a lamria dos restantes (G.W.F. Hegel, Esttica;So Paulo: Edusp, 2000; v. 2, p. 329).79 Nas palavras de Vittorio Hsle: Na ala esquerda da escola hegeliana, que desenvolveu

    a concepo de uma necessria realizao da filosofia possuda de inusitada radicalidade,

    justamente esse efeito do pensamento hegeliano mostra, alm disso, que a filosofia no

    deve compreender apenas um tempo decadente: decerto no h praticamente nenhuma

    filosofia que tenha exercido tanta influncia sobre a realidade efetiva quanto a filosofia

    hegeliana. (O sistema de Hegel: o idealismo da subjetividade e o problema daintersubjetividade; So Paulo, Loyola, 2007; p. 492.)

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2239

  • 40

    atual formao do discernimento,80 a expresso Hegel na sala deaula seja apreendida cum grano salis, devidamente colocada entreaspas e seguida de um ponto de interrogao. Ou por outra: teriatudo se banhado nas primeiras guas do voto piedoso da filosofiaprtica e no anonimato compensatrio de cidadanias cosmopoli-tas? Da, tambm, a dificuldade em circunscrever tal universoinsinuante e multiforme. Em todo caso, a verso lacunar que aca-ba de ser exposta no causar grandes males, se o leitor se dispuser leitura paciente dos textos e ao exerccio indispensvel da refle-xo: com a certeza de que a realizao efetiva da liberdade defato muito mais complexa do que as limitaes que assumem estasnotas, a Ausbildung, enquanto aprimoramento do senso dos extre-mos e das propores, convidar o educador historicamente res-ponsvel quem sabe? a decidir-se pela forma da ao.81

    Chegando ao fim, convm retornar ao que foi sugerido no co-meo e devolver a palavra ao professor mile Chartier. Fiel aospropsitos educacionais do esprito positivo e interessado em res-saltar como a metafsica crist se encarnara em politesmos subalter-nos, Alain no hesitava em recomendar a leitura de Chateaubriand aseus estudantes: Encontro, em Les Martyrs, uma bela sentena.Eudoro, cristo, agasalha um pobre com o seu manto. Sem dvidavoc acreditou, disse a pag, que este escravo fosse algum deusoculto? No, respondeu Eudoro, acreditei que fosse um homem.82

    80 Ser proveitoso, nesse sentido, consultar a tese de doutoramento de Denlson Soares

    Cordeiro, A formao do discernimento: Jean Maug a gnese de uma experinciafilosfica no Brasil. So Paulo, Departamento de Filosofia da FFLCH-USP, 2008.81 Assim como a tradio, adequadamente interrogada, libera a atualidade da reflexo,

    assim tambm a crtica do presente, lcida e penetrante, projeta as possibilidades

    histricas da filosofia no horizonte da cultura (Franklin Leopoldo e Silva, Filosofia e

    forma da ao. In: Cadernos de filosofia alem; So Paulo, Publicao do Departamentode Filosofia da USP, 1997; n. 2, p. 77).82 Alain, op. cit., p. 111.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2240

  • 41

    TEXTOS SELECIONADOS

    1. Transio a uma nova poca

    1.1. Nova educao do esprito

    Alis, no difcil ver que nosso tempo um tempo de nasci-mento e trnsito para uma nova poca. O esprito rompeu com omundo de seu ser-a e de seu representar, que at hoje durou; est aponto de submergi-lo no passado, e se entrega tarefa de sua trans-formao. Certamente, o esprito nunca est em repouso, mas sem-pre tomado por um movimento para a frente. Na criana, depoisde longo perodo de nutrio tranquila, a primeira respirao umsalto qualitativo interrompe o lento processo do puro crescimen-to quantitativo; e a criana est nascida. Do mesmo modo, o espritoque se forma lentamente, tranquilamente, em direo sua novafigura, vai desmanchando tijolo por tijolo o edifcio de seu mundoanterior. Seu abalo se revela apenas por sintomas isolados; a frivoli-dade e o tdio que invadem o que ainda subsiste, o pressentimentovago de um desconhecido so os sinais precursores de algo que seavizinha. Esse desmoronar gradual, que no altera a fisionomia dotodo, interrompido pelo sol nascente, que revela num claro aimagem do mundo novo. (Fenomenologia do esprito, I, p. 26)

    1.2. O conceito do todo, o todo mesmo e o seu processo

    12 Falta, porm, a esse mundo novo como falta crianarecm-nascida uma efetividade acabada; ponto essencial a no

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2241

  • 42

    ser descuidado. O primeiro despontar , de incio, a imediatez domundo novo o seu conceito: como um edifcio no est prontoquando se pe o seu alicerce, tambm esse conceito do todo, quefoi alcanado, no o todo mesmo.

    Quando queremos ver um carvalho na robustez de seu tronco,na expanso de seus ramos, na massa de sua folhagem, no nos da-mos por satisfeitos se em seu lugar nos mostram uma bolota. Assima cincia, que a coroa de um mundo do esprito, no est completaem seu comeo. O comeo do novo esprito o produto de umaampla transformao de mltiplas formas de cultura, o prmio deum itinerrio muito complexo, e tambm de um esforo e de umafadiga multiformes. Esse comeo o todo, que retornou a si mesmode sua sucesso [no tempo] e de sua extenso [no espao]; o concei-to que-veio-a-ser conceito simples do todo. Mas a efetividade desse todosimples consiste em que aquelas figuras, que se tornaram momentos,de novo se desenvolvem e se do nova figurao; mas no seu novoelemento, e no sentido que resultou do processo.

    13 Embora a primeira apario de um mundo novo sejasomente o todo envolvido em sua simplicidade, ou seu fundamentouniversal, no entanto, para a conscincia, a riqueza do ser-a anteri-or ainda est presente na rememorao. Na figura que acaba deaparecer, a conscincia sente falta da expanso e da particulariza-o do contedo; ainda mais: falta-lhe aquele aprimoramento daforma, mediante o qual as diferenas so determinadas com segu-rana e ordenadas segundo suas slidas relaes.

    Sem tal aprimoramento, carece a cincia da inteligibilidade uni-versal; e tem a aparncia de ser uma posse esotrica de uns tantosindivduos. Digo posse esotrica porque s dada no seu inte-rior; e uns tantos indivduos, pois seu aparecimento, sem difu-so, torna singular seu ser-a. S o que perfeitamente determina-do ao mesmo tempo exotrico, conceitual, capaz de ser ensina-do a todos e de ser a propriedade de todos. A forma inteligvel da

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2242

  • 43

    cincia o caminho para ela, a todas aberto e igual para todos. Ajusta exigncia da conscincia, que aborda a cincia, chegar pormeio do entendimento ao saber racional: j que o entendimento o pensar, o puro Eu em geral. O inteligvel o que j conheci-do, o que comum cincia e conscincia no-cientfica, a qualpode atravs dele imediatamente adentrar-se na cincia.

    14 A cincia que recm comea, e assim no chegou ainda aoremate dos detalhes nem perfeio da forma, est exposta a [sofrer]crtica por isso. Caso porm tal crtica devesse atingir a essncia mes-ma da cincia, seria to injusta quanto inadmissvel no querer reco-nhecer a exigncia do processo de formao cultural. Essa oposioparece ser o n grdio que a cultura cientfica de nosso tempo seesfora por desatar, sem ter ainda chegado a um consenso nesse pon-to. Uma corrente insiste na riqueza dos materiais e na inteligibilidade; aoutra despreza, no mnimo, essa inteligibilidade e se arroga aracionalidade imediata e a divindade. Se uma corrente for reduzida aosilncio ou s pela fora da verdade, ou tambm pelo mpeto daoutra, e se sentir suplantada no que toca ao fundamento da Coisa,nem por isso se d por satisfeita quanto a suas exigncias: pois sojustas, mas no foram atendidas. Seu silncio s pela metade se deve vitria [do adversrio] a outra metade deriva do tdio e da indife-rena, resultantes de uma expectativa sem cessar estimulada, mas noseguida pelo cumprimento das promessas.

    15 No que diz respeito ao contedo, os outros recorrem aum mtodo fcil demais para disporem de uma grande extenso.Trazem para seu terreno material em quantidade, isto , tudo oque j foi conhecido e classificado. Ocupam-se especialmente compeculiaridades e curiosidades; do mostras de possuir tudo o mais,cujo saber especializado j coisa adquirida, e tambm de domi-nar o que ainda no foi classificado. Submetem tudo ideia abso-luta, que desse modo parece ser reconhecida em tudo e desenvol-vida numa cincia amplamente realizada.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2243

  • 44

    Porm, examinando mais de perto esse desenvolvimento, salta vista que no ocorreu porque uma s e a mesma coisa se tenhamodelado em diferentes figuras; ao contrrio, a repetio infor-me do idntico, apenas aplicado de fora a materiais diversos, ob-tendo assim uma aparncia tediosa de diversidade. Se o desenvol-vimento no passa da repetio da mesma frmula, a ideia, em-bora para si bem verdadeira, de fato fica sempre em seu comeo.A forma, nica e imvel, adaptada pelo sujeito sabedor aos da-dos presentes: o material mergulhado de fora nesse elementotranquilo. Isso porm e menos ainda fantasias arbitrrias sobre ocontedo no constitui o cumprimento do que se exige; a saber,a riqueza que jorra de si mesma, a diferena das figuras que a simesmas se determinam. Trata-se antes de um formalismo de umas cor, que apenas atinge a diferena do contedo, e ainda assimporque j o encontra pronto e conhecido.

    16 Ainda mais: tal formalismo sustenta que essa monotonia euniversalidade abstrata so o absoluto; garante que o descontenta-mento com essa universalidade incapacidade de galgar o ponto devista absoluto e de manter-se firme nele. Outrora, para refutar umarepresentao, era suficiente a possibilidade vazia de representar-sealgo de outra maneira; ento essa simples possibilidade [ou] o pen-samento universal tinha todo o valor positivo do conhecimento efe-tivo. Agora, vemos tambm todo o valor atribudo ideia universalnessa forma da inefetividade: assistimos dissoluo do que dife-renciado e determinado, ou, antes, deparamos com um mtodoespeculativo onde vlido precipitar no abismo vazio o que dife-rente e determinado, sem que isso seja consequncia do desenvolvi-mento nem se justifique em si mesmo. Aqui, considerar um ser-aqualquer, como no absoluto, no consiste em outra coisa seno emdizer que dele se falou como se fosse um certo algo; mas que noabsoluto, no A = A, no h nada disso, pois l tudo uma coisa s. ingenuidade de quem est no vazio de conhecimento pr esse

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2244

  • 45

    saber nico de que tudo igual no absoluto em oposio aoconhecimento diferenciador e pleno (ou buscando a plenitude); ouento fazer de conta que seu absoluto a noite em que todos osgatos so pardos, como se costuma dizer.

    O formalismo, que a filosofia dos novos tempos denuncia edespreza (mas que nela renasce), no desaparecer da cincia, em-bora sua insuficincia seja bem conhecida e sentida, at que o co-nhecer da efetividade absoluta se torne perfeitamente claro quanto sua natureza.

    Uma representao geral, vinda antes da tentativa de sua reali-zao pormenorizada, pode servir para sua compreenso. Comvistas a isso, parece til indicar aqui um esboo aproximado dessedesenvolvimento, tambm no intuito de descartar, na oportunida-de, algumas formas, cuja utilizao constitui um obstculo ao co-nhecimento filosfico.

    17 Segundo minha concepo que s deve ser justificada pelaapresentao do prprio sistema , tudo decorre de entender e expri-mir o verdadeiro no como substncia, mas tambm, precisamente,como sujeito. Ao mesmo tempo, deve-se observar que a substancialidadeinclui em si no s o universal ou a imediatez do saber mesmo, mastambm aquela imediatez que o ser, ou a imediatez para o saber.

    Se apreender Deus como substncia nica pareceu to revol-tante para a poca em que tal determinao foi expressa, o motivodisso residia em parte no instinto de que a a conscincia-de-si nose mantinha: apenas soobrava. De outra parte, a posio contr-ria, que mantm com firmeza o pensamento como pensamento, auniversalidade como tal, vem a dar na mesma simplicidade, querdizer, na mesma substancialidade imvel e indiferenciada. E se numa terceira posio o pensar unifica consigo o ser da substn-cia e compreende a imediatez e o intuir como pensar, o problema saber se esse intuir intelectual no uma recada na simplicidadeinerte; se no apresenta, de maneira inefetiva, a efetividade mesma.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2245

  • 46

    18 Alis, a substncia viva o ser, que na verdade sujeito, ou o que significa o mesmo que na verdade efetivo, mas s medi-da que o movimento de pr-se-a-si-mesmo, ou a mediao con-sigo mesmo do tornar-se-outro. Como sujeito, a negatividade pura esimples, e justamente por isso o fracionamento do simples ou aduplicao oponente, que de novo a negao dessa diversidadeindiferente e de seu oposto. S essa igualdade reinstaurando-se, ou s areflexo em si mesmo no seu ser-Outro, que so o verdadeiro; eno uma unidade originria enquanto tal, ou uma unidade imediataenquanto tal. O verdadeiro o vir-a-ser de si mesmo, o crculo quepressupe seu fim como sua meta, que o tem como princpio, e ques efetivo mediante sua atualizao e seu fim.

    19 Assim, a vida de Deus e o conhecimento divino bem quepodem exprimir-se como um jogo do amor consigo mesmo; mas uma ideia que baixa ao nvel da edificao e at da insipidezquando lhe falta o srio, a dor, a pacincia e o trabalho do negati-vo. De certo, a vida de Deus , em si, tranquila igualdade e unidadeconsigo mesma; no lida seriamente com o ser-Outro e a aliena-o, nem tampouco com o superar dessa alienao. Mas esse em-si[divino] a universalidade abstrata, que no leva em conta sua natu-reza de ser-para-si e, portanto, o movimento da forma em geral.Uma vez que foi enunciada a igualdade da forma com a essncia,por isso mesmo um engano acreditar que o conhecimento podese contentar com o Em-si ou a essncia, e dispensar a forma como se o princpio absoluto da intuio absoluta pudesse tornarsuprfluos a atualizao progressiva da essncia e o desenvolvimen-to da forma. Justamente por ser a forma to essencial essnciaquanto esta essencial a si mesma, no se pode apreender e exprimira essncia como essncia apenas, isto , como substncia imediataou pura autointuio do divino. Deve exprimir-se igualmente comoforma e em toda a riqueza da forma desenvolvida, pois s assim aessncia captada e expressa como algo efetivo.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2246

  • 47

    20 O verdadeiro o todo. Mas o todo somente a essnciaque se implementa atravs de seu desenvolvimento. Sobre o absolu-to, deve-se dizer que essencialmente resultado; que s no fim o que na verdade. Sua natureza consiste justo nisso: em ser algo efetivo,em ser sujeito ou vir-a-ser-de-si-mesmo. Embora parea contradi-trio conceber o absoluto essencialmente como resultado, um pou-co de reflexo basta para dissipar esse semblante de contradio. Ocomeo, o princpio ou o absoluto como de incio se enunciaimediatamente so apenas o universal. Se digo: todos os animais,essas palavras no podem valer por uma zoologia. Do mesmo modo,as palavras divino, absoluto, eterno etc. no exprimem o quenelas se contm; de fato, tais palavras s exprimem a intuiocomo algo imediato. A passagem que mais que uma palavradessas contm um tornar-se Outro que deve ser retomado, e umamediao; mesmo que seja apenas passagem a outra proposio.Mas o que horroriza essa mediao: como se fazer uso dela fosseabandonar o conhecimento absoluto a no ser para dizer que amediao no nada de absoluto e que no tem lugar no absoluto.

    21 Na verdade, esse horror se origina da ignorncia a respei-to da natureza da mediao e do prprio conhecimento absoluto.Com efeito, a mediao no outra coisa seno a igualdade-con-sigo-mesmo semovente, ou a reflexo sobre si mesmo, o mo-mento do Eu para-si-essente, a negatividade pura ou reduzida sua pura abstrao, o simples vir-a-ser. O Eu, ou o vir-a-ser em geral esse mediatizar , justamente por causa de sua simplicidade, aimediatez que vem-a-ser, e o imediato mesmo.

    , portanto, um desconhecer da razo [o que se faz] quando areflexo excluda do verdadeiro e no compreendida comoum momento positivo do absoluto. a reflexo que faz do ver-dadeiro um resultado, mas que ao mesmo tempo suprassume essaoposio ao seu vir-a-ser; pois esse vir-a-ser igualmente simples,e no difere por isso da forma do verdadeiro, [que consiste] em

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2247

  • 48

    mostrar-se como simples no resultado ou, melhor, que justa-mente esse Ser-retornado simplicidade.

    Se o embrio de fato homem em si, contudo no o para si.Somente como razo cultivada e desenvolvida que se fez a simesma o que em si homem para si; s essa sua efetividade.Porm esse resultado por sua vez imediatez simples, pois liber-dade consciente-de-si que em si repousa, e que no deixou de ladoa oposio e ali a abandonou, mas se reconciliou com ela.

    22 Pode exprimir-se tambm o acima exposto dizendo quea razo o agir conforme a um fim. A forma do fim em geral foilevada ao descrdito pela exaltao de uma pretendida natureza aci-ma do pensamento mal compreendido , mas, sobretudo, pelaproscrio de toda a finalidade externa. Mas importa notar que comoAristteles tambm determina a natureza como um agir conforme aum fim o fim o imediato, o-que-est-em-repouso, o imvel que elemesmo motor, e que assim sujeito. Sua fora motriz, tomada abstrata-mente, o ser-para-si ou a negatividade pura. Portanto, o resultado somente o mesmo que o comeo, porque o comeo fim; ou, [poroutra], o efetivo s o mesmo que o seu conceito, porque o imedi-ato como fim tem nele mesmo o Si ou a efetividade pura.

    O fim implementado, ou o efetivo essente movimento e vir-a-ser desenvolvido. Ora, essa inquietude justamente o Si; logo, oSi igual quela imediatez e simplicidade do comeo, por ser oresultado que a si mesmo retornou. Mas o que retornou a si o Si,exatamente; e o Si igualdade e simplicidade, consigo mesmorelacionadas. (Fenomenologia do esprito, I, pp. 26-32)

    2. A meta da educao: fazer do homem um ser independente

    A vontade no tem a ver com qualquer particularidade. En-quanto a vontade estiver nesse caso arbtrio, pois este tem uminteresse limitado e tira as suas determinaes dos impulsos e ten-dncias naturais. Semelhante contedo dado e no posto absoluta-

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2248

  • 49

    mente pela vontade. O princpio fundamental da vontade , pois,que a sua liberdade tenha lugar e se mantenha. Sem dvida, ela exige,alm disso, ainda outras determinaes. Tem ainda muitos fins de-terminados, disposies, circunstncias etc.; estes, porm, no sofins da vontade em si e para si, mas constituem fins porque so meiose condies para a realizao da liberdade e da vontade, a qual faznecessariamente disposies e leis para a limitao do arbtrio, dasinclinaes e do simples prazer, sobretudo dos impulsos e dos dese-jos que se referem apenas a fins naturais; por exemplo, a educao temo fim de fazer do homem um ser independente, isto , dotado devontade livre. Com este propsito, impem-se s crianas muitaslimitaes do seu prazer. Devem aprender a obedecer para que sejasuperada a sua vontade singular ou prpria, ademais, a tendnciadas inclinaes e dos desejos sensveis, e assim se liberte, portanto, asua vontade. (Propedutica Filosfica, p. 280)

    3. Mudanas naturais: uma visada antropolgica83

    3.1. As idades da vida em geral

    O processo-de-desenvolvimento do indivduo humano naturaldecompe-se em uma srie de processos, cuja diversidade se baseiasobre a relao diversa do indivduo para com o gnero, e funda adiferena da criana, do homem e do ancio. Essas diferenas so asapresentaes das diferenas do conceito. Por isso a idade da infn-cia o tempo da harmonia natural, da paz do sujeito consigo mes-mo e com o mundo um comeo to sem-oposio quanto avelhice um fim sem-oposio. As oposies que surgem, eventual-mente, na infncia ficam sem interesse mais profundo. A crianavive na inocncia, sem sofrimento durvel; no amor a seus pais, e nosentimento de ser amado por eles. Deve ser suprassumida essa uni-dade imediata portanto, no-espiritual, simplesmente natural doindivduo com seu gnero e com o mundo em geral; preciso que

    83 Os ttulos e interttulos das sees 3, 9, 10, 11, 13 e 14 so indicados pelo organizador.

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2249

  • 50

    o indivduo progrida a ponto de se contrapor ao universal, com aCoisa essente-para-si, pronta e subsistente; e de aprender-se em suaautonomia. (Enciclopdia, III, 396, Adendo, p. 73).

    3.2. As idades da vida: determinao da diferena

    Queremos agora determinar mais rigorosamente a diferenaindicada assim de modo geral, das idades-da-vida. A infncia, po-demos por sua vez diferenci-la em trs, ou em quatro etapas sequisermos trazer para o mbito de nosso exame a criana aindano nascida, idntica com sua me.

    A criana no-nascida: um estado de vida vegetativa. A criana no-nasci-da ainda no tem absolutamente nenhuma individualidade propria-mente dita, nenhuma individualidade que se refira de maneira particu-lar a objetos particulares, que recolha algo exterior em um determina-do ponto do organismo. A vida da criana no-nascida equipara-se vida da planta. Assim como a planta no tem nenhuma intussuscepocom soluo de continuidade, mas uma nutrio de fluxo contnuo,assim tambm a criana a princpio se alimenta por uma suco per-manente e no possui ainda uma respirao que se interrompe.

    Passagem da criana ao modo animal de vida. Quando a criana [sai]desse estado vegetativo, em que se encontra no seio materno, [e] posta no mundo, ela passa para o modo animal de vida. Por isso onascimento um salto colossal. A criana sai, pelo nascimento, deum estado completamente sem oposio para entrar em um esta-do de separao, na relao luz e ao ar, e em uma relao, que sedesenvolve sempre mais, objetividade singularizada em geral, eespecialmente alimentao singularizada. A primeira maneira comoa criana se constitui em um [ser] autnomo a respirao, o absor-ver e o expulsar do ar, em um ponto singular de seu corpo inter-rompendo o fluxo elementar. J logo depois do nascimento dacriana, mostra-se seu corpo quase perfeitamente organizado; oque nela muda somente singular; assim, por exemplo, s mais

    Hegel_NM.pmd 21/10/2010, 09:2250

  • 51

    tarde se fecha o chamado foramen ovale. A mudana principal docorpo da criana consiste no crescer. Quanto a essa mudana, temosapenas de lembrar que na vida animal em geral em oposio vida vegetal o crescimento no um ir-fora-de-si, um ser-arrancadado-para-fora-de-si, um produzir de novas forma-es, mas somente um desenvolvimento do organismo; e que pro-duz uma diferena simplesmente quantitativa formal, que se referetanto ao grau da fora quanto extenso. [...]

    Direito satisfao das necessidades. Aqui