Matéria Natal no Mundo

5
36 REVISTA REGIONAL regional texto Piero Vergílio | fotos Arquivo pessoal repórter eliz Natal”, “Merry Christmas”, “Buon Natale”, “Joyeux Noël”, “Merii Kurisumasu”. Em 25 de dezembro, pessoas estarão reunidas nos quatro cantos do mundo para celebrar essa festa cristã, inclusive nos lugares em que esta tradição não é tão forte. Mesmo que discretas, as comemorações acontecem em todos os paí- ses, principalmente se houver um brasileiro morando por lá. Vale ressaltar que não são poucos os que fazem parte deste grupo. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, cerca de quatro milhões de brasileiros vivem no exterior: destes, a maioria deixou o país em busca de melhores oportunidades. Esta dinâmica se incrementou a partir do início dos anos 90, gerando um fluxo migratório crescente, em especial, para os EUA, Japão e diversos países da Europa, como, por exemplo, o Reino Unido. A terra da Rainha é o atual “lar, doce lar” da personal assistant Flavia Santini. Três anos depois de ter decidido concretizar o desejo de morar no “Velho Continente”, essa saltense de coração – que nasceu em Indaiatuba – está matriculada na melhor faculdade de Acupuntura daquela região. Para ela, o Natal é mais uma ocasião para se cercar dos mais belos sentimentos e desejos, e, ao mesmo tempo, celebrar aqueles que sempre estão ao teu lado. Em Londres há apenas alguns meses, a estudante não esconde seu deslumbramento com as luzes de Oxford Circus e relembra como é a comemoração na Itália, país em que vivia até então. “Lá, eu tinha na companhia de amigos e de uma lareira acesa que manti- nha quentinhas maravilhosas fatias de pandoro. Apenas o cardápio varia, conforme a região e as tradições locais; de resto, é tudo muito semelhante ao Brasil: pessoas reunidas em torno da mesa mais linda e farta que você pode presenciar durante todo o ano”. O Natal pelo mundo Brasileiros que vivem no exterior contam como é passar o Natal fora do país e longe da família Flávia Santini está há três anos na Europa. Este será o primeiro Natal na já iluminada Londres, pois todos os outros ela passou na Itália, onde morava. Entre os italianos, não pode faltar o presépio, além - claro - das árvores decoradas NOME COMPLETO, IDADE E PROFISSÃO: Flavia Santini, 27, personal assistant PAÍS / REGIÃO EM QUE VIVE ATUALMENTE: Londres, Reino Unido HÁ QUANTOS NATAIS ESTÁ FORA DO BRASIL? Três NATAL PARA MIM É... “só mais uma ocasião para se cercar de tudo o que de melhor existir nesse mundo” “f

description

Reportagem publicada na edição de dezembro / 2009 da Revista Regional (www.revistaregional.com.br) sobre as comemorações do Natal pelo mundo. Na matéria, brasileiros que vivem no exterior contam como é passar a festa longe da família.

Transcript of Matéria Natal no Mundo

Page 1: Matéria Natal no Mundo

36 Revista Regional

regionaltexto Piero vergílio | fotos arquivo pessoal

repórter

eliz Natal”, “Merry Christmas”, “Buon Natale”, “Joyeux Noël”, “Merii Kurisumasu”. Em 25 de dezembro, pessoas estarão reunidas nos quatro cantos do mundo para celebrar essa festa cristã, inclusive nos lugares em que esta tradição não é tão forte. Mesmo que discretas, as

comemorações acontecem em todos os paí-ses, principalmente se houver um brasileiro morando por lá.

Vale ressaltar que não são poucos os que fazem parte deste grupo. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, cerca de quatro milhões de brasileiros vivem no exterior: destes, a maioria deixou o país em busca de melhores oportunidades. Esta dinâmica se incrementou a partir do início dos anos 90, gerando um fluxo migratório crescente, em especial, para os EUA, Japão e diversos países da Europa, como, por exemplo, o Reino Unido.

A terra da Rainha é o atual “lar, doce lar” da personal assistant Flavia Santini. Três anos depois de ter decidido concretizar o desejo de morar no “Velho Continente”, essa saltense de coração – que nasceu em Indaiatuba – está matriculada na melhor faculdade de Acupuntura daquela região. Para ela, o Natal é mais uma ocasião para se cercar dos mais belos sentimentos e desejos, e, ao mesmo tempo, celebrar aqueles que sempre estão ao teu lado.

Em Londres há apenas alguns meses, a estudante não esconde seu deslumbramento com as luzes de Oxford Circus e relembra como é a comemoração na Itália, país em que vivia até então. “Lá, eu tinha na companhia de amigos e de uma lareira acesa que manti-nha quentinhas maravilhosas fatias de pandoro. Apenas o cardápio varia, conforme a região e as tradições locais; de resto, é tudo muito semelhante ao Brasil: pessoas reunidas em torno da mesa mais linda e farta que você pode presenciar durante todo o ano”.

O Natal pelo mundoBrasileiros que vivem no exterior contam como é passar o Natal fora do país e longe da família

Flávia Santini está há três anos na Europa. Este será o primeiro

Natal na já iluminada Londres, pois todos os

outros ela passou na Itália, onde morava.

Entre os italianos, não pode faltar o presépio,

além - claro - das árvores decoradas

Nome completo, idade e profissão:

flavia santini, 27, personal assistant

país / região em que vive atualmeNte:

londres, reino unidoHá quaNtos Natais está fora do Brasil? três

Natal para mim é... “só mais uma ocasião

para se cercar de tudo o que de melhor

existir nesse mundo”

“f

Page 2: Matéria Natal no Mundo

Revista Regional 37

Nesse período, foram vários momentos marcantes, “especialmente os mais complica-dos”, como faz questão de frisar. Todos os outros entrevistados desta reportagem são unânimes em afirmar que os primeiros dias são sempre os mais complicados, mas Flávia tem a receita para su-perar as dificuldades. Ela brinca que, países, as-sim como pessoas, deveriam vir com manual de uso, uma vez que até as coisas mais básicas podem ser completa-mente diferentes. Para aproveitar o máximo de cada experiência é preciso aceitar o novo. “Só assim você pode descobrir algumas facetas tuas que até então pareciam improváveis, e tonalidades que não existiam na tua caixinha de lápis de cor”, poetiza.

No final das contas, o balanço é positivo. “Quando olho para trás, vejo o quão intensos foram esses três últimos anos. Contur-bados ou não, foram preciosos a cada minuto e não quero nem imaginar minha vida sem eles. O que conquistei foi o comecinho de uma história tão bem ilustrada e tão cheia de personagens especiais que hoje amo dividir com meus pais e um dia vou ter muito orgulho de contar ao meu filho”, encerra.

Sem data para voltarNão são raros os casos em que a estadia, a princípio tempo-

rária, acaba se transformando em algo mais duradouro. Exemplo disso é o chef de cozinha Lucas Leonardi Varin – cuja trajetória você conheceu mais detalhadamente na edição de novembro da Regional – que foi para a França fazer um estágio que duraria apenas nove meses. Ao ser contratado para trabalhar em um ho-tel Relais & Chateaux, que possui um roteiro de cursos ministra-dos em vários países da Europa, ele suspendeu seu regresso por tempo indeterminado.

Ele acredita que Natal é tempo de reflexão e, como não pode-ria deixar de ser, a época ideal para um belo banquete. O jovem nos conta detalhes da ceia francesa, em que são servidas aves de diversos tipos recheadas com legumes, frutas secas e especiarias;

sempre acompanhadas por vinho tinto. À meia-noite, porém, bebe-se champagne. Existe ainda a tradição das 13 sobremesas – da-masco e figo secos; castanhas, nozes, amêndoas, castanha de caju, uvas passas, laranjas, bananas, brioche, maçãs, crepes e o famoso Bûche de Noël (rocambole em formato de tron-co) – muito apreciadas naquele país.

As palavras de Lucas podem passar a impressão de que ele está há muito tempo fora, quando, na verdade, este será seu primeiro Natal em terras estrangeiras. A Torre Eiffel ganha uma iluminação diferente a cada ano e a Champs Elysées – a avenida mais famosa de Paris – fica impecável, começando do Arco do Triunfo e seguindo até o rio Sena. “Nas casas, a tradição é pendurar as meias na chaminé e enfeitar a árvore de Natal com luzes, guirlandas e bolas de vidro. As crianças têm um calendário especial, uma espécie de pequeno gaveteiro, com os dias marcados até a festa”, revela Lucas.

Pessoas que, como ele, deixaram o Brasil em busca de seus sonhos, se vêem obrigadas a não somente se adaptar às tradições sócio-culturais do país em que escolheram para viver, como também minimizar os obstáculos com relação ao idioma e, principalmente, superar a ausência daqueles que ficaram. O chef conta que conhece o sobrinho recém-nascido apenas por fotos e, embora a internet seja uma grande aliada nessa hora, não tem jeito: com esse clima de final de ano, a saudade aperta ainda mais.

Lucas Varin viverá seu primeiro Natal na França: a Torre Eiffel ganha uma

iluminação diferente nesta época e a Champs Elysées fica impecável, começando

do Arco do Triunfo e seguindo até o rio Sena

Nome completo, idade e profissão: lucas leonardi varin, 23, chef de cozinhapaís / região em que vive atualmeNte: saint-germain-en-laye, frança Há quaNtos Natais está fora do Brasil? este será o primeiroNatal para mim é... “família, paz, amor, confraternização e um belo banquete sem desperdícios”

>>

Page 3: Matéria Natal no Mundo

38 Revista Regional

REPÓRTER REGIONAL

Jeitinho braSileiroMas tem gente que encontra um jeitinho para tornar

esse processo mais fácil. Quando o marido recebeu uma proposta “irrecusável” para ser transferido para a Tai-lândia, a advogada por formação e blogueira Renata C. – ela prefere ser identificada dessa forma, pois alega que o pseudônimo é seu “charme” – não teve dúvidas: con-vidou a mãe e a irmã para lhe acompanhar no primeiro mês. Renata, que tem três crianças pequenas, conta que a família está muito feliz na nova terra.

Os segredos para uma adaptação tão satisfatória num curto período de tempo – a mudança foi em abril deste ano – ela faz questão de compartilhar. “Meus filhos foram educados para o mundo e sempre viajaram conosco: dormir em ambientes diferentes não lhes causa estranheza. O mais importante é que o casal tenha um forte laço; ‘nós apertados’, eu diria. Caso contrário é comum que as esposas se sintam solitárias e entrem em depressão”, alerta Renata, que mantém o blog “Uma Esposa Expatriada” (www.umaesposaexpatriada.blogspot.com) para fazer novos amigos e trocar experiências.

Com uma população predominantemente budista, não são muitas às referências ao Natal. Mesmo assim, elas existem. No início de novembro, durante um passeio pelo maior e mais bonito shopping da cidade, com seis andares, a expatriada constatou que apenas uma loja estrangeira vendia alguns objetos de decoração natalina – conforme a vendedora lhe informou, a clientela é compos-ta por turistas – e um restaurante (japonês, diga-se de passagem) ostentava objetos decorados, com algumas luzinhas... Perto do fim do mês, no entanto, foram coloca-dos enfeites e uma árvore gigantes-ca na porta.

Quando foi convidada a participar desta matéria, ela fez uma espécie de pesquisa informal com os tailandeses. Dentre todas as pessoas a quem perguntou, apenas uma tinha algum conheci-mento sobre o Natal. Esta é uma das razões – a idade das crianças também influenciou – pelas quais Renata e seus filhos virão ao Brasil passar as festas. Foi uma decisão difícil, pois o marido não poderá acompanhá-los.

Algum tempo antes de deixarem o país, no ano passado, a família viveu um momento mágico, quando contratou o Papai Noel “de verdade” (olhos azuis, velhinho, com barba e cabelos brancos), para ir ao condomínio. “Ele estava atrasado; desci e fiquei esperando no portão, debaixo de chuva. Quando passou um carro com um Papai Noel, eu gritei feito uma louca achando que o bom velhinho estava perdido, mas não era o meu... Depois o homem chegou e foi um sucesso”, relembra, aos risos.

Renata C. está na Tailândia, que por ter uma população

predominantemente budista, não possui muitas referências ao Natal. Mesmo assim, elas existem, principalmente nos shoppings. Em 2008, Renata

contratou um Papai Noel para alegrar sua família

Nome completo, idade e profissão:

renata c.; advogada e blogueira

país / região em que vive atualmeNte:

tailândia, ásiaHá quaNtos Natais está fora do Brasil?

desde abril de 2009Natal para mim é... “um bom momento para

refletir acerca do que fizemos e de como

vivemos até ali...”

Page 4: Matéria Natal no Mundo

Revista Regional 39

prova de fogoLogo no seu

desembarque à Nova Zelândia, a estudante e ex-modelo saltense Ligia Moro enfrentou sua primeira prova de fogo. “Tinha combinado de me encontrar com o meu marido (então namorado) no aeroporto. Só que devido ao fuso horário, se perde um dia inteiro na viagem. Sendo assim, havia dito que viria num dia, quando, na verdade, cheguei noutro. Naquele mesmo instante, eu já estava com vontade de voltar”, recorda.

Mas, para a felicidade do casal, não foi bem assim que a história aconteceu. Muito pelo contrário. Algum tempo depois, Ligia seria surpre-endida por um romântico pedido de casamento na Sky Tower. Quatro “Natais” depois, a estudante admite que sua vida – que descobriu não ser tão complicada quanto pensava – tomou um rumo diferente do que esperava. Mesmo assim, ela tem planos: em 2010, pretende se matricu-lar no curso de Obstetrícia na Universidade de Auckland para, finalmen-te, realizar seu sonho de ingressar numa faculdade.

Embora esteja na companhia de pessoas especiais e o marido também seja brasileiro, Ligia sente falta de dar um abraço de Natal em sua família; “o coração fica apertadinho no peito”. Todos os anos ela faz questão de ligar para a mãe, que, do outro lado da linha, sempre brinca que a estudante está sempre um passo à frente, pois vive no futuro (a comemoração ocorre antes por lá). “Nós, brasileiros, nos reunimos na véspera e convidamos as pessoas mais próximas para celebrar conosco, sempre com mesa farta e muita alegria”, conta.

Os neozelandeses, por sua vez, comemoram no dia 25 com um almoço em família, sempre muito formal. A tradição manda que, ao sentar à mesa, você estoure um “Christmas Cracker” (espécie de pequeno tubo, em forma de presente). Dentro dele, há uma mensagem – que deve ser lida em voz alta – e uma coroa de papel, para ser usada até o final da ceia, pois eles acreditam que todos são reis e rainhas nesse dia especial.

Ligia Moro vive hoje na Nova Zelândia:

“Nós, brasileiros, nos reunimos na véspera

e convidamos as pessoas mais

próximas para celebrar o Natal

conosco, sempre com mesa farta e

muita alegria”

Nome completo, idade e profissão: ligia moro, 27, estudante e ex-modelopaís / região em que vive atualmeNte: auckland, Nova ZelândiaHá quaNtos Natais está fora do Brasil? quatro Natal para mim é... “confraternização; estar com pessoas especiais e poder dizer ‘te amo’”.

>>

Page 5: Matéria Natal no Mundo

40 Revista Regional

Sabor orientalPara finalizar essa nossa rápida volta

ao mundo, vamos aterrissar no Japão, onde vive a nossa última personagem, a jornalis-ta, fotógrafa e escritora Rosemeire Nakamu-ra, que foi trabalhar no país para conseguir a quantia necessária para custear uma cirurgia pela qual precisava se submeter. Depois de sete meses, ela conseguiu voltar para realizar a operação e buscar o filho de um ano, que havia ficado com a irmã.

A jornalista conta que sempre quis morar em outro país; “não apenas passear e sim provar o sabor”, participar das tradições locais e vivenciar a cultura. O Japão tem paisagens exuberantes e é uma terra em que as estações do ano são bem acentuadas. “Adoro fotografar a natureza e postar essas imagens no meu blog (www.nihonterradosolnascente.blogspot.com). Um lugar onde não existem filas, as ruas são limpas e os parques bem tratados”, explica.

Ao contrário das nações ocidentais, para as quais o nascimento de Cristo é cercado de simbolismos, no Japão o Natal é apenas uma data co-mercial, festejada discretamente. Nas escolas as crianças fazem trabalhos escolares voltados para o tema. Alguns parques se enfeitam com luzes e os shoppings ostentam a figura do Papai Noel, mas a grande maioria vê o 25 de dezembro como um dia comum.

Para eles, a comemoração mais importante do calendário é o ano novo (oshougatsu). Não há reuniões familiares, tão pouco mudanças na rotina de trabalho, pois não é considerado feriado. “Cumprimentamos nossos colegas brasileiros com mais entusiasmo, mas é um dia normal. Devido às diferenças culturais e religiosas, acredito que ainda vai demorar

um pouco para que eles entendam o signifi-cado”, opina.

Rose lembra com carinho do último Natal que passou com seus pais, há dez anos (ambos já faleceram): “Fiz todos os pratos que eles gostavam. Estávamos muito felizes; conversamos e rimos muito. Mas, de certa forma, todos foram marcantes, até mesmo aquele que passei no avião vindo para o Japão, com meu filho. Meu coração estava cheio de esperança e eu tinha a certeza de que os dias que viriam me reservavam bons momentos”. De fato, é o que todos, nessa época ou em todas as outras, buscamos: dias melhores para sempre.

No Japão, o Natal é apenas uma data comercial, por isso os brasileiros vivem uma comemoração mais discreta. Rosemeire Nakamura está há seis anos na Ásia e revela que os enfeites natalinos podem ser vistos em poucos locais, como nos shoppings

Nome completo, idade e profissão: rosemeire Nakamura, 40; jornalista, fotógrafa e escritorapaís / região em que vive atualmeNte: ota shi, JapãoHá quaNtos Natais está fora do Brasil? seis Natal para mim é... “tempo de paz e reflexão”

REPÓRTER REGIONAL