Josés e marias 15

17

description

Essa ficção exalta a criatividade do perspicaz, excêntrico e desprendido paulistano cinquentão, que fora induzido à compra do bilhete de ônibus, pela exuberante beldade a sua frente. Tinha em mente solucionar um problema familiar, mas, desiludido pela conduta indevida da charmosa donzela, atrai um jovem da cidade interiorana em inúmeras divagações, exaltando com veemência os nomes Josés e Marias, por detestar o seu.

Transcript of Josés e marias 15

Page 1: Josés e marias 15
Page 2: Josés e marias 15
Page 3: Josés e marias 15

Josés e Marias

Page 4: Josés e marias 15
Page 5: Josés e marias 15

São Paulo - 2016

C l a u d i o A i r o l d i

Josés e Marias

Page 6: Josés e marias 15

Copyright © 2016 by Editora Baraúna SE Ltda.

Criação de Capa Jacilene Moraes

Ilustração da Capa Heloisa de Oliveira Bueno

Diagramação Felippe Scagion

Revisão Textual Raquel Sena

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

________________________________________________________________

A255j

Airoldi, Claudio Josés e Marias / Claudio Airoldi. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2016.

ISBN 978-85-437-0515-6

1. Ficção brasileira. I. Título.

16-29566 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

________________________________________________________________05/01/2016 05/01/2016

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 – 3º andarCEP 01012-010 – Centro – São Paulo – SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorização da Editora e do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com a Editora.

Page 7: Josés e marias 15

Sumário

Josés e Marias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7O homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27José Ninguém . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29José Gordinho . . . . . . . . . . . . . . . . . 51José Construtor . . . . . . . . . . . . . . . . 75José Feirante . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101José Rico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125José Jogador . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149José Fazendeiro . . . . . . . . . . . . . . . . 173A mulher . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197Maria professora . . . . . . . . . . . . . . . 199Maria diarista . . . . . . . . . . . . . . . . . 217Maria comerciária . . . . . . . . . . . . . . 241Maria cabeleireira . . . . . . . . . . . . . . 261Maria enfermeira . . . . . . . . . . . . . . 283Maria executiva . . . . . . . . . . . . . . . 303Maria costureira . . . . . . . . . . . . . . . 325O encontro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 339O retorno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 357As estórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371Convívio e despedida . . . . . . . . . . . 403

Page 8: Josés e marias 15
Page 9: Josés e marias 15

7

JOSÉS E MARIAS

O cidadão com aparência bastante excêntrica, intro-vertida e tímida, demonstrando uma idade na casa dos cin-quenta anos, deixara a capital paulistana, com o objetivo de procurar um endereço com a máxima urgência, apesar de o tempo ser relativo para um aposentado, que amava navegar nas delícias dos imensos períodos livres. Qualquer um que pensa nessa estranha conjectura de uma busca já imagina em tremenda dificuldade em atuar num local desconheci-do, apenas tendo em mente algumas poucas informações. Embora tivesse o aspecto tímido, era bastante atirado para desvendar muitos mistérios da vida, como tivesse um puro sentimento de detetive, contudo era sim a primeira vez que visitava aquela cidade.

Em sua maneira de ser se vislumbrava nessa nova situação, em se projetar na vivência desconhecida, para

Page 10: Josés e marias 15

8

sentir como aquele povo se dedicava em seus lazeres, quais as maiores fontes do setor financeiro local e tam-bém como funcionava o vaivém daqueles transeuntes de aparência sofrida. Tinha pela primeira vez a impressão de que aqueles habitantes não se divertiam, pois a expressão em seu rosto era muito séria, somente olhavam para fren-te, sem sorrisos, com cenhos fechados, parecendo sempre estar de mau humor, em todos os dias do ano para con-seguir o pão diário, o que podia ser resumido como se lá somente existisse uma sequência de segundas-feiras.

Encontrar o local seria fazer um esforço hercúleo, como buscar uma agulha num palheiro com todos os componentes inanimados dispersos num desorganizado emaranhado, do conjunto formado em disposição caóti-ca. Ali parado na esquina do cruzamento de duas gran-des avenidas, permanecera estático com o objetivo puro e simples de vislumbrar uma saída para saber como tudo aquilo funcionava. Com certeza, existiria alguma lógica naquela aparente balbúrdia, com funcionamento quase imperceptível, que poderia vir à mente na sagacidade em unir os fatos dispersos, no conteúdo daquele aparente modelo de comportamento espacial. Para entender me-lhor, teria que meditar um pouco mais sobre aquela si-tuação de aparência confusa, para quem chega de fora com a simples finalidade de observar.

O investigador teria primeiro que desvendar todo aquele mistério do vaivém para que pudesse conjecturar como poderia iniciar a difícil tarefa. Como utilizaria o seu instinto bem aguçado para se projetar como habitante do local com todos os amores e dissabores da vida daque-

Page 11: Josés e marias 15

9

le quotidiano, dispondo do conhecimento das virtudes, dos vícios, das amabilidades, das restrições, dos acolhi-mentos, das repulsas, dos defeitos e de tantas outras ca-racterísticas inerentes a uma determinada população que aglomera em seus princípios a arte de estabelecer normas de funcionamento de qualquer comunidade.

Para acelerar a busca, teria certamente que contar com participação de alguém local, olhara no seu entorno para ver se surgia a pessoa adequada para auxiliá-lo. Se ficasse ali permanentemente, sem solicitar o obséquio de alguém, com certeza morreria petrificado com o passar do tempo, apenas vendo o deslocamento humano. Nota-ra que às vezes guiado por um cão o dono fazia questão de conversar com o animal, no sentido de que ele seria tão racional, ou a irracionalidade do cão predominava, devido ao tratamento igualitário. Era puramente uma maneira de ser delicado com o animal, quando o cha-mava de filho ou filha e o pobre animal um tanto inde-feso mirava o interlocutor, apenas para demonstrar a sua fidelidade, com balanço incontido da cauda, sugerindo completa concordância. Logo, se colocando na posição animalesca, seria como se ele pensasse sempre na comida saborosa, preparada dentro dos padrões internacionais, que o dono iria oferecer a todo instante porque, afinal de contas, o amado filho animal deveria se alimentar ade-quadamente para que ambos pudessem viver amorosa-mente por longo tempo.

Nessa clara hipótese de aproximação do homem com o animal, por certo o racional teria comportamen-to diferenciado, porque para criar um ser humano seria

Page 12: Josés e marias 15

10

muito mais difícil devido às exigências de alguém que raciocina. Nessa dicotomia de seres humano e animal, esse substituiria muito bem uma criança porque somente obedece e se posta alegremente ao retorno do dono ao lar, sorrateiramente agrada-o, a ponto de dizer que o belo cão somente falta falar. O dono conta todas as peripécias aos amigos, traz agrado toda vez que retorna ao lar. Quanto ao ser racional, tudo muda com as exigências e posições contrárias ao estado vigente. Além do mais, o filho pode até infringir uma lei abrupta da sociedade, mas o animal não, ele é dócil, amigo e fiel na defesa do dono.

Nesse quadro que se apresenta, é mais fácil ter um animal do que um filho e assim muitos casais tomam essa atitude para viver em completa harmonia, porque o animal filho substitui perfeitamente o filho humano. Se bem que, em muitos casos, é necessário carregá-lo com seus pelos cadentes, suportar o cheiro desagradável das glândulas que acumulam fluidos junto ao ânus, além do mau cheiro causado pelas várias doenças dos órgãos, principalmente como ouvido e boca. Os donos que estão totalmente próximos já nem sentem os cheiros horríveis e tudo neles é agradável, que causam nas roupas repletas desses odores perceptíveis por todos. Outro aspecto con-siste em periodicamente levá-los para tomar as vacinas. As crianças choram e os animais apenas sentem dissabo-res momentâneos e logo terminam com o balançar suave da cauda ao se aproximar do dono, essa seria outra gran-de diferença para se preferir o irracional.

Nessa imaginação fértil, o ônibus passou acelera-do no ponto dos passageiros logo a sua frente, apenas

Page 13: Josés e marias 15

11

alguns possíveis usuários reclamaram por não ter pa-rado. Talvez fosse comum acontecer esse perverso pro-cedimento do motorista e ninguém atirava qualquer pedra naquela condução rangendo, para indicar a anti-ga fabricação, ou em desespero os usuários furariam os pneus para chamar a atenção das autoridades. Em casos extremos, os infratores fecham as ruas, queimam tudo, principalmente os pneus para dar uma fumaça negra com cheiro horrível de material em combustão incom-pleta, a ponto de ser vista à longa distância e impedem a passagem dos veículos pelas ruas, nessa situação estava decretada a reivindicação dos direitos dos seres huma-nos. Na tranquilidade em que tudo aquilo transcorrera, aquele senhor concluía que ali eram bastante civiliza-dos, a ponto de não causar distúrbios.

Quanto aos cães, a desunião da classe impedia que qualquer voz ou talvez latidos estridentes pudessem sur-gir à altura de um imenso protesto, o que sobressai em mais um motivo para privilegiar os irracionais. Porém, o que deveria observar ali era sobre um ato humano e não animalesco, mesmo porque a população que transi-tava era na maioria humana. Logo, o foco era atender o pressuposto de encontrar a rua, custasse o que custasse, tinha que ser feito, mas o tempo estava se esvaindo, sem qualquer solução aparente, as providências estavam ape-nas presas nas imaginações. Então, era momento de ser mais prático e concreto nas decisões.

Quando tomava a dianteira para perguntar a al-guém, aquele ser que vinha em sua direção mudava brus-camente o trajeto, como se fosse um menosprezo, cujo

Page 14: Josés e marias 15

12

ímpeto do saber o que acontecia divagava num emara-nhado de pensamentos. Olhou firme para o relógio na torre da igreja à curta distância, curiosamente notou que os enormes ponteiros pareciam estar na mesma posição desde que lá chegara. Deduziu que o tempo que perma-necera na esquina se comportava como se ele estivesse num estágio da vida imóvel, por causa das exigências de uma busca que parecia infrutífera e nem imaginava como deveria acontecer. Era essa a nova preocupação do momento, já repleta de enorme confusão mental. Ele se apoiou na parede da casa comercial olhou mais uma vez pela extensão da avenida mais movimentada e, quase sem ter forças diante de tanta confusão mental, finalmente um rapaz bem-vestido perto dos vinte anos viera para oferecer uma ajuda. Logo deveria aproveitar por se tratar de um fato raro, quando entabulou:

— Entendo que o senhor... como é mesmo o seu nome? Esteja precisando de alguma informação.

— Claro, meu jovem, meu nome é Hermengardo, pode me chamar de Gardo, estendo minha mão, caro rapaz, com os meus mais sinceros cumprimentos, mas nunca me chame de Gado, porque sou gente. Agora estou procurando a rua José... também não me lembro do sobrenome do indivíduo que emprestou o nome completo para essa rua.

— Senhor Gardo, aqui tem muitas ruas com o nome horrível de José.

Como as opiniões divergem, aquele senhor que gos-tava muito do nome, ficou chocado com a posição do rapaz e foi defendendo a sua ideia:

Page 15: Josés e marias 15

13

— Aliás, meu caro jovem, como é mesmo o seu nome? — Senhor, o meu nome é Joselino, por isso que de-

testo o nome José. Como é fácil verificar o meu nome é uma composição de dois outros, dos meus avós paterno e materno, ou seja, José e Lino. Veja que ideia horrível dos meus pais e agora tenho que carregar esse abominável peso pelo resto da vida. Para simplificar até prefiro ser chamado de Lino, por ser mais curto e simplório. Tentei até mudar o nome, mas foi muito difícil, além da falta de dinheiro. Como o senhor sabe, tudo nesse país necessita de dinheiro para engraxar a máquina do poder.

— Realmente, Joselino, ou melhor, Lino, aqui tudo tem valor monetário e sem o maldito ou abençoado dinheiro ficamos sem quaisquer condições de até levar avante o que se pensa. Por exemplo, se escrevo um livro tenho que pagar para publicá-lo, no caso de um artigo em jornal necessita de conhecimento e boas relações com os redatores chefes. Os impostos são caríssimos, cobrados em tudo que utilizamos em quaisquer instantes, conside-rado o mais caro do mundo, paga-se para nascer, casar e fecha o ciclo até chegar o momento final da morte. Vol-tando ao assunto, pelo menos uma rua com o nome José deve ser fácil encontrar, não é mesmo? Depois de estar em uma rua em que o morto se torna dono dela pelo nome que emprestou, logo, todos consideram também proprietários dos imóveis do senhor dono da rua, não é interessante? Com certeza, uma vez chegando a uma rua de nome José, é fácil dizer para um transeunte que não era bem aquela procurada, para, pelo menos, iniciar uma sequência de perguntas como iniciei com o amigo.

Page 16: Josés e marias 15

14

Lino convidou o estranho senhor para segui-lo, os dois caminharam lentamente na direção da busca da nova rua como se fossem bons amigos há muito tempo, devido a fluência de locomoção que o rapaz tinha naque-la parte central da cidade. Ao mesmo tempo, Lino ia pen-sando sobre a maneira simplória como o senhor pensava e, quando ambos atingiram o local, ele voltou à pergunta:

— Como é mesmo o nome da rua?Gardo muito estranhamente retirava papeis dos bol-

sos da calça e nunca encontrava o miserável papel, em completo desespero, que havia depositado nas algibeiras, quando Lino interrompeu:

— Por acaso, esse nome está relacionado ao funda-dor dessa nossa adorável cidade?

— Como vou saber sobre isso se mal sei sobre a cidade e muito menos quem iniciou aqui a população como se fosse um Adão que povoou o mundo?

— Senhor Gardo, o senhor está zombando da mi-nha cidade e isso não admito.

— Meu jovem Lino, foi até uma brincadeira de mau gosto e peço as minhas sinceras desculpas, não interprete como sendo maldade, mas simplesmente uma pequena diversão com as palavras, para expressar a situação de mo-mento. Vamos nos tornar bons amigos, pois sempre gos-to de fazer essas brincadeiras, mais uma vez me desculpe.

— Então, senhor Gardo, essa avenida tem o nome do fundador da cidade, que por sinal foi um grande ho-mem, teve somente dois filhos e jamais se apossou de muitas mulheres para ter filhos aos montes, como o ami-go imaginou erradamente.

Page 17: Josés e marias 15

15

O senhor pensativo nem tinha como chegar ao local que pretendia e tentou desviar o assunto para a posição que desejava.

— Mesmo me perdendo com o nome da rua foi um grande prazer conhecê-lo nesses primeiros momen-tos desconcertantes. O fato é que pretendia chegar à casa que também agora nem tenho o número, mas a infor-mação do amigo que me dera o endereço, explicou-me que era muito bonita de esquina e belissimamente pin-tada de azul-celeste. O bom gosto do dono primou pela pintura e um extraordinário jardim em todo o entorno da residência. Claro que nas atuais circunstâncias jamais terei condição de encontrá-la. Também imagino que nem prestou atenção na casa, não é mesmo?

— Senhor Gardo, fico pensando, creio que essa casa talvez nem seja da minha cidade e será que o senhor está na cidade certa?

— Caro amigo, essa foi a minha preocupação inicial e comprei exatamente o bilhete do ônibus para chegar aqui.

Com uma breve pausa das conversas, depois de re-fletir sobre tudo que estava acontecendo naquele exato momento, o recente amigo jovem começava a desconfiar daquele idoso, que nem era tão idoso assim, imaginou certamente que devia iniciar a casa dos cinquenta anos, chegando a pensar que, por certo, não batia muito bem da cabeça. Ao mesmo tempo, Gardo tinha a impressão de que Lino queria se desvencilhar daquele tipo de con-versa, que não chegava a lugar algum. Quando se voltou ao rapaz e disse: