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Une idée forte communique un peu de sa force au contradicteur. Part icipant à

la valeur universel le des esprits, el le s‘ insère, se gref fe en l ‘esprit de celui

qu‘el le réfute, au mil ieu d‘ idées adjacentes, à l ‘ai de desquelles, reprenant

quelque avantage, i l la complète, la rect i f ie; si bien que la sentence f inale est

en quelque sorte l ‘oeuvre des deux personnes qui discutaient. C‘est aux idées

qui ne sont pas, à proprement parler, des idées, aux idées qui ne tenan t à

r ien, ne trouvent aucun point d‘appui, aucun rameau fraternel dans l ‘esprit de

l ‘adversaire, que celui -ci, aux pr ises avec le pur vide, ne trouve r ien à

répondre.

Proust: ―À l´Ombre des Jeunes Fil les en Fleur ‖

All the improvements in machinery […] have by no means been the inventions

of those who had occasion to use the machines. Many improvements have

been made by the ingenuity of the makers of the machines, when to make

them became the business of a peculiar trade; and some by that of those who

are called philosophers or men of speculat ion, whose trade it is not to do any

thing, but to observe every thing; and who, upon that account, are of ten

capable of combining together the powers of the most distant and dissimilar

objects.In the progress of society, phi losophy or speculat ion becomes, l ike

every other employment, the principal or sole trade and occupation of a

part icular c lass of cit izens. Like every other employment too, i t is subdivided

into a great number of dif ferent branches, each of which affo rds occupation to

a peculiar tr ibe or class of philosophers; and this subdivision of employment

in philosophy, as well as in every other business, improves dextrety, and

saves t ime. Each individual becomes more expert in his own peculiar branch,

more work is done upon the whole, and the quantity of science is considerably

increased by it .

Smith: ―The Wealth of Nations ‖

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The greatest invention of the nineteenth century was the invention of the

method of invention.

Alf red Whitehead: ―Science and the Modern World‖

An important consequence for the pattern of economic growth fol lows. The

shif t of emphasis f rom one area within the product system to another in

addit ion to knowledge, new technology and innovation means changes in the

identity of new and rapid growing industries […] A high rate of over -al l growth

in an economy is thus necessari ly accompanied by considerable shif t ing in

relat ive importance among industries, as the old decline and the new increase

in relat ive weight in the nation‘s outupt.

Kuznets: ―Six Lectures on Economic Growth ‖

Ma sendo l ‘ intento mio scrivere cosa ut i le a qui la intende, mi è parso piú

conveniente andare diet ro al la verità effetuale della cosa che al la

imaginazione di essa.

Machiavell i : ― I l Principe ‖

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Para meu pai, José Carlos Giesteira,

e para minha avó, Evy Krebs Barnech,

que, há muito tempo, deram-me boas-vindas ao

mundo fascinante e inf in i to dos porquês.

Com grat idão,

e com muita saudade.

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Apresentação e Agradecimentos

Este estudo começou a tomar forma quando participei, como assessor econômico

da Casa Civil, das discussões, iniciadas no âmbito da Câmara de Política Econômica,

sobre uma nova política industrial para o país, a qual acabou ficando conhecida por PITCE.

Causou-me forte impressão a variedade de argumentos, invariavelmente sofisticados e

verossímeis, com que a necessidade de políticas estruturantes para o país retomar o

crescimento a taxas maiores – malgrado a necessidade de preservação dos pilares dos

bons fundamentos macroeconômicos, dos quais dependeriam a duramente conquistada

estabilidade monetária – foi abordada desde diferentes enfoques.

Resultaram daí, de um lado, a convicção de que não seria na elaboração de

sucessivas notas técnicas que eu compreenderia adequadamente como a política de C&T

permitiria que o PIB crescesse mais rapidamente sem que a ortodoxia macroeconômica

fosse abandonada e sem por o fantasma do estrangulamento externo ressuscitasse. De

outro lado, tive a fortuna, mais que virtude, de compartilhar conversas excelentes, entre

cafezinhos cuja qualidade fora duramente vitimada pelo enrijecimento do aperto fiscal, com

Mariano Laplane. Acredito que menos por graça das minhas participações nos debates e

mais de minha inquietude, temperada por certo otimismo da vontade que o fim da

juventude ainda não levou, ele estimulou-me a tentar o ingresso no doutorado em

Economia da Unicamp. Não muito depois disso, aceitou ser meu orientador.

Daí em diante, fez muito mais que isso, incentivando-me a ousar no que eram pouco

mais que divagações, com seu raro dom de fazer perguntas desconcertantes tanto quanto

pertinentes. Devo a um punhado de conversas com ele o que veio a ser a coluna vertebral

deste estudo, embora, na medida em que o processo de criação induzida lembre muito o

do divã freudiano, não seja por mera formalidade que o isento de colaborar nos equívocos

que permaneceram.

Embora meu outro orientador, Jorge Tapia, fosse amigo de longa data do Professor

Laplane, conheci-o por uma felícissima coincidência em algum momento entre o

lançamento da PITCE e a elaboração do meu projeto de pesquisa. Digo felicíssima porque

além desse encontro ter se dado em ocasião distinta, Tapia aportou um enfoque

desconfiávamos ser decisivo para a maior ou menor efetividade de políticas de

desenvolvimento econômico: o da articulação e coordenação política que as cercam.

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Como se não bastasse, Tapia não se cansava de perguntar, discutir, opinar, criticar e, com

a espontaneidade de menino que soube preservar até seus últimos dias, compartilhar sua

experiência de entusiasmado analista de políticas tecnológicas e de desenvolvimento em

geral. Infelizmente, a quase totalidade do texto que mais diretamente deita raízes em

nossas discussões sequer pôde ser lida por ele, de forma que é debalde relembrar sua

inocência nas minhas incursões às fronteiras que separam a Economia da Ciência Política

e da Análise de Políticas Públicas.

Os cursos que frequentei no doutorado do IE influenciaram-me mais do que

esperava, e seria difícil pensar em um só que não tenha servido, ainda que indiretamente,

de insumo a este estudo. Sem embargo, as aulas dos professores Ricardo Carneiro,Júlio

Gomes de Almeida e Carlos Alonso contribuíram para firmar meu enfoque e dar

centralidade à hipótese de que havia um problema decisivo de diagnóstico nas políticas de

inovação tecnológica que o Brasil adotara, ao passo que as de José Maria e Paulo

Fracalanza forneceram boa parte do chão teórico que me faltava. O mérito de todos eles é

tanto maior porque, em momento algum, chegamos a discutir qualquer coisa que dissesse

diretamente respeito à esta tese.

Alguns colegas também tiveram papel especial como interlocutores. Lucas

Vasconcelos e Edson Silva certamente sabem disso; Geraldo Maia, Juliana de Paula e

André Mota, provavelmente, não. Agradeço a todos.

Ainda no IE, agradeço aos sempre atenciosos Cida, Alberto, Fátima, Lorenza e

Marinete.

Recebi apoios decisivos de minha amiga de longa data, Simone Deos, e de outra

mais recente, Wilnês Henrique, as quais alertaram para a dramaticidade da mudança que

minha mulher, Ana Lídia, e eu teríamos de enfrentar deixando nossas vidas profissional e

social em Brasília, ao mesmo tempo em que se prontificaram a escrever cartas de

recomendação que afastassem dúvidas quanto à minha possível falta de vocação para

encarar um doutorado. Devo dizer que a julgar pelo meu aparentemente desanimador

desempenho na entrevista, durante a qual gaguejei algumas vezes, as cartas devem ter

sido, de fato, bastante convincentes. Aproveito a ocasião para lhes agradecer.

Além de Wilnês, sou especialmente grato, por motivos diferentes, mas na mesma

intensidade, a meus ex-colegas de Casa Civil Sheila Ferreira, Constance Meiners, Adelmar

Tôrres, Paulo Kliass, Luiz Alberto dos Santos, Jackson de Toni, Francisco Pompeu e

Vinícius Sucena. Destaco como decisivo o acesso tão informal e desimpedido quanto

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possível ao acervo de documentos referentes à PITCE e às políticas industrial e de CT&I

de que dispunham, apoio que foi complementado por esclarecimentos e comentários

pertinentes e profícuos. Obviamente, todos devem ser isentados do uso seletivo e

interpretativo que lhes dei no estudo que segue.

Aicionalmente, o mais provável é que pouco da longa parte empírica do estudo

existisse sem minhaproveitosa estadia no IPEA. Apesar de em boa medida meu estudo

contestar a posição dominante nesse instituto sobre as políticas atuais de inovação

tecnológica e de desenvolvimento econômico em geral, em momento algum fui tolhido ou

tive negada qualquer demanda. Ao contrário, pude debater abertamente, apesar da quase

total falta de tato que me vitima, diversos aspectos de meu estudo, ao mesmo tempo que

fui convidado e estimulado a participar dos trabalhos em curso.

Devo a Ronaldo Garcia o convite sábio e generoso que me retirou do divagar

pantanoso em que me enfiei depois de retornar a Brasília. A seguir, agradeço a gentil

acolhida de Márcio Pochmann, Márcio Wohlers de Almeida, Lenita Turchi e Luiz Fernando

Tironi. Deferência especial também devo a Fernanda de Negri, por algum tempo, minha

chefe, sempre que possível interlocutora desprendida e sagaz.

Também foram valiosos debatedores João Alberto De Negri, Divonzir Guzzo,

Graziela Zucolotto, Luiz Bahia, Bruno Almeida e Luiz Ricardo Cavalcanti. Com Lucas

Vasconcelos (ex-colega de IE, há poucos mas proveitosos meses integrado ao IPEA) e

Luís Carlos Magalhães, contudo, além de interlocução, estabeleci uma parceria e uma

camaradagem intelectual fraternas tanto quanto prósperas. Seria difícil enumerar as

diversas ocasiões em que me auxiliaram com observações valiosas e com estímulos

entusiasmados.

A todos agradeço, reiterando que nada têm a ver com erros e imprecisões que

persistem, alguns não por falta de aviso.

Os bolsistas Patrick, Vinícius, Raquel, Carolina, Leila, Adriana e Cléber foram todos

de gentileza e prestatividade insofismáveis. Aos dois primeiros, os quais cheguei a

designar como "meus estatísticos", devo auxílios sem os quais parte desta tese não

exisitiriam.

Os três anos em que estive afastado de minhas atribuições ordinárias em Brasília só

foram possíveis graças à admirável política de qualificação que o Governo Federal

brasileiro, por meio da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento vem

construindo há quase 10 anos. Seus ex-dirigentes Francisco Gaetani e Marcelo Estevão de

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Moraes apoiaram-me de forma extremamente gentil. Entre seus solícitos s e eficientes

funcionários, agradeço particulamente à Wanda e à Alessandra o atendimento de

qualidade e presteza além do que lhes é obrigado.

Por último, mas de importância fundamental, agradeço à minha companheira e mãe

de minhas preciosas Maria Eduarda e Maria Luísa, Ana Lídia, que foi capaz de me

acompanhar, apoiar, empurrar, estimular e ajudar em um sem número de tarefas atinentes

direta e indiretamente a este estudo, com um tal desprendimento que custa a crer que

ficará envaidecida por ter sido mencionada nesta apresentação. Mesmo assim, não posso

me abster de tentar.

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RESUMO

Esta tese situa-se no âmbito do esforço ainda incipiente de aprofundar as relações entre a

teoria do desenvolvimento "clássica" e o estruturalismo latino-americano, de um lado, e as

novas teorias da inovação tecnológica, sobretudo em sua extração schumpeteriana, de

outro. A partir desse quadro mais geral, examina os limites à efetividade de políticas de

inovação tecnológica no Brasil, os quais são considerados desde os determinantes

estruturais de parâmetros do cálculo capitalista. Em particular, o nível de renda, o acúmulo

de recursos penrosianos e a estrutura produtiva intersetorial são destacados para explicar

por que a crescente intensidade da política brasileira de CT&I pouco tem se revertido em

aumento dos esforços tecnológicos das firmas. Apesar de essas três causas

provavelmente afetarem decisivamente a capacidade de quaisquer políticas de colocarem

países que se industrializaram retardatariamente em catching up tecnológico, o estudo

concentra-se na terceira destas, por sua sensibilidade relativamente maior a políticas

públicas. Diversos indicadores são apresentados de forma sistemática, com vistas a

averiguar a relação entre distribuição setorial e inovação tecnológica, tanto em

comparativos internacionais como ao longo da história econômica recente do Brasil.

Ademais, admitindo-se que a PCT&I ora em curso ainda não pode ter todo seu efeito

avaliado, procedeu-se a uma avaliação de um rol representativo de projetos reembolsáveis

e não reembolsáveis, típicos da política atual. Considerados quanto a seu arrojo

tecnológico e quanto a sua proximidade com a atividade empresarial, avalia-se como as

diferenças setoriais afetam esses atributos.

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ABSTRACT

This thesis is part of the still incipient struggle towards a deeper relationship between

"classical" development theory and latin-american structuralism, from one side, and

contemporary theories on technological innovation, mainly in its schumpeterian approach,

from the other. Taking this more general picture into account, it examines factors limiting

efectiveness of technological innovation policies in Brazil, which are focused from structural

determinants of capitalist cauculus standpoint. In particular, income level, accumulation of

penrosian resources, and inter-sectoral productive structure seem to be of central

importance to understand why growing concern on brazilian ST&I policy has generated few

results in terms of technological efforts of firms. Despite these three causes are likely to

explain the pervasive difficulty of backward countries to catch up with advanced ones, the

research offers theoretical, historical and empiric reasons demonstrating that classical

industrial policies, aiming at structural change, although having known problems, still are

required to reach significative progresses in technological catching up. Taking for granted

that present ST&I policy hasn´t yet exhausted all its effect, we undertook an evaluation of a

reperesentative set of approved projects, typical of the current policy. We evaluated them

regarding technological audaciousness and proximity to entrepreneurial activity, looking for

the impact of sectoral differences on these characteristics.

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LISTA DE TABELAS, QUADROS e FIGURAS

TABELAS

Tabela 1.1 Renda per capita de países selecionados como proporção da renda

per capita dos EUA (EUA = 100), 1900 a 2008 3

Tabela 1.2 Relações entre as taxas de crescimento econômico médio das rpc

de países e grupos de países e o total do mundo, exceto o leste-

asiático, em períodos selecionados (dados originais em Geary-

Kahmis, dólares de 1990)

8

Tabela 4.1 Evolução dos gastos do subsistema Finep-FNDCT nos anos 1970,

em R$ de 2006 155

Tabela 4.2 Importância do investimento público na FBKF nos anos 1970, com

destaque para o período do II PND 159

Tabela 4.3 Prioridades de investimentos realizados no âmbito do II PND 161

Tabela 4.4 Mudança setorial na indústria brasileira ao longo dos anos 1970 162

Tabela 4.5 Alterações de algumas competitividades setoriais relativas devidas

ao impacto do II PND 163

Tabela 4.6 Gastos com grupos de ações da PC&T ao longo do período de

latência do SBCT, em R$ de 2008 e como % do PIB. 168

Tabela 4.7 Evolução dos gastos com principias grupos de ações da PC&T nos

anos 1990, em R$ de 2008 173

Tabela 4.8 Evolução do resultado primário do conjunto do setor público, em %

do PIB, e dos gastos federais totais em C&T, em R$ de 2008, entre

1994 e 1999

187

Tabela 4.9 Composição e evolução do esforço federal de C&T nos anos

imediatamente anteriores ao nascimento da PCT&I 193

Tabela 4.10 Evolução de alguns dos principais indicadores macroeconômicos no

entorno do colapso do câmbio fixo 206

Tabela 4.11 Gastos totais da União com C&Tvariação real anual 211

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Tabela 4.12 Variação do PIB em % ao ano e outras variáveis como proporção do

PIB no FHC II 212

Tabela 4.13 Evolução dos dispêndios com a C&T e do MCT ao longo dos

governos Lula, em R$ de 2008 213

Tabela 4.14 Dispêndios com modalidades da PCT&I como % da receita líquida

da União no FHC II 225

Tabela 4.15 Evolução dos principais instrumentos da PCT&I nos governos Lula,

em R$ de 2008 226

Tabela 4.16 Evolução dos principais grupos de ações federais de apoio à

inovação tecnológica ao longo dos governos Lula, em % do PIB 227

Tabela 4.17 Indicadores de ênfase e de resultados da política macroeconômica,

2001 a 2008 230

Tabela 5.1 Participação dos manufaturados nas exportações brasileiras de 1964

a 2008 240

Tabela 5.2 Evolução do saldo comercial brasileiro por intensidade tecnológica,

de 1996 a 2008 243

Tabela 5.3 Razão VTI dos setores de alta tecnologia e VTI dos setores de baixa

tecnologia entre 1978 e 2007, em países selecionados 245

Tabela 5.4 Declarações dealta importância de possíveis objetivos de pesquisa

por parte dos cientistas em países selecionados como % do total

dedeclarações, no ano mais recente disponível

252

Tabela 5.5 Participação de publicação brasileiras indexadas no total mundial por

áreas de conhecimento, 2004 a 2006 254

Tabela 5.6 Anos de estudo e taxas anuais de crescimento da escolaridade, em

%, em anos e períodos selecionados, em países selecionados 257

Tabela 5.7 Proporção da PEA com escolaridade superior em anos e países

selecionados, taxa média de crescimento anual desta proporção em

todo período

258

Tabela 5.8 Inovatividade e esforço tecnológico das firmas brasileiras de 2000 a

2005 270

Tabela 5.9 Gastos governamentais e não governamentais em países atrasados

de 1971 a 1995 272

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Tabela 5.10 % de firmas que inovaram, que inovaram em produto, que inovaram

em produto para todo seu mercado e que inovaram em produto para

o mercado mundial relativamente ao total de firmas pesquisadas, de

2000 a 2005

274

Tabela 5.11 % de informantes que declararam alta importância de algumas

atividades inovativas 275

Tabela 5.12 Taxa de declarantes que inovaram e que declaram elevada

importância da informação para a inovação segundo diferentes

fontes, 2000, 2003 e 2005

275

Tabela 5.13 % de declarações de alta importância de atividades de cooperação

externa às firmas industriais de 2000 a 2005 276

Tabela 5.14 Taxa de firmas respondentes que declararam elevada importância

de algumas dificuldades para inovar em 2000, 2003 e 2005, e que

inovaram ou não

278

Tabela 5.15 - Pedidos de patentes registrados por residentes no Brasil no

USPTO e milésimo do total de pedidos de 1995 a 2007 279

Tabela 5.16 Patentes concedidas pelo USPTO para países selecionados e

participação, em %, do Brasil no total de concessões, de 1990 a

2006

280

Tabela 5.17 Participação de grupos de setores no total de P&D realizada pelas

empresas mais inovadoras, em anos selecionados 285

Tabela 5.18 Participação no total de patentes concedidas por ―campos‖

tecnológicos, em anos selecionados 286

Tabela 5.19 Participação dos gastos privados em P&D de cada setor industrial

relativamente ao total da P&D realizada pela indústria de

transformação em países e anos selecionados

288

Tabela 5.20 Intensidade relativa de P&D setorial em países selecionados, no

último ano disponível 290

Tabela 5.21 Média e desvio-padrão das intensidades relativas de esforços

tecnológicos setoriais em países selecionados no último ano

disponível

292

Tabela 6.1 Projetos aprovados por tipo de chamada pública 311

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Tabela 6.2 Número de empresas beneficiárias dos principais instrumentos

federais de apoio à inovação tecnológica de 2000 a 2008 314

Tabela 6.3 Evolução dos projetos aprovados, cadastrados na base do MCT e

algumas de suas características 318

Tabela 6.4 Descritivas dos não reembolsáveis por valor 346

Tabela 6.5 Descritivas dos não reembolsáveis por nº de observações 348

Tabela 6.6 Descritivas dos rembolsáveis por nº de observações 350

Tabela 6.7 Descritivas dos reembolsáveis por valor 351

Tabela 6.8 Relação entre presença de campeãs no setor e qualidade dos

projetos reembolsáveis 353

Tabela 6.9 Relação entre presença de campeãs no setor e qualidade dos

projetos não reembolsáveis 356

Tabela 6.10 Relação entre presença de estruturas estatais de fomento

tecnológico no setor e qualidade dos projetos reembolsáveis 360

Tabela 6.11 Relação entre presença de estruturas estatais de fomento

tecnológico no setor e qualidade dos projetos não reembolsáveis 361

Tabela 6.12 Participação % dos setores de alta e média alta intensidade

tecnológica no VTI e no PIB brasileiros em 2007 363

Tabela 6.13 Estatísticas descritivas dos projetos conforme sua modalidade e a

intensidade tecnológica do setor a que se destina 364

Tabela 6.14 Relação entre intensidade tecnológica do setor de destino dos

projetos e qualidade dos projetos reembolsáveis 365

Tabela 6.15 Relação entre intensidade tecnológica do setor de destino dos

projetos e qualidade dos projetos não reembolsáveis 366

Tabela 6.16 Setores CNAE que apresentaram participação destacada no valor

total dos projetos não reembolsáveis e/ou em projetos de qualidade

máxima (ACEs)

369

Tabela 6.17 Setores CNAE que apresentaram participação destacada no valor

total dos projetos reembolsáveis e/ou em projetos de qualidade

máxima (ACEs)

372

Tabela 6.18 Relação entre qualidade setorial dos projetos e participação no VA 379

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Tabela 6.19 Médias das participações percentuais setoriais no VA e no total de

pontos dos projetos aprovados 380

Tabela 6.20 Estimativas dos betas, seus erros-padrão, suas significâncias e

coeficientes de determinação dos modelos estimados para os

projetos reembolsáveis e não reembolsáveis

387

Tabela 6.21 Resumo do processo de seleção das regressões por análise de

variância 390

QUADROS

Quadro 2.1 Efeitos da concorrência baseada em inovação/diferenciação em três

autores seminais. 38

Quadro 2.2 Importância para a cobertura do catching up em firmas latecomers

de diversas formas de aumento da capacidade tecnológica, segundo

o tipo de conhecimento relevante em diferentes padrões de

concorrência.

75

Quadro 6.1 Lista dos FS, com data de início de sua operação e funding 302

Quadro 6.2 Tipologia de projetos apoiados com recursos do FNDCT e sua

definição 320

Quadro 6.3 Índice de qualidade tecno-científica empresarial dos projetos e sua

composição 323

Quadro 6.4 Lógica das classificações empregadas por arrojo tecnológico-

científico e por potencial de apropriabilidade em atividades

estritamente empresariais

324

Quadro 6.5 Pesos imputados aos subprojetos entre os projetos reembolsáveis

Finep, por ordem de importância no total aprovado 342

FIGURAS

Figura 3.1 Matriz mundial de patentes com citações científicas em anos

selecionados 96

Figura 3.2 Relações entre Políticas de C&T (PC&T) e Políticas de Inovação

(Pinov) 115

Figura 6.1 Esquema descritivo do experimento realizado 378

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GRÁFICOS

Gráfico 5.1 Evolução da participação brasileira nas exportações mundiais por

grupos de produtos, de 1960 a 2008, em % 241

Gráfico 5.2 Evolução das importações e exportações brasileiras de bens de

maior intensidade tecnológica nos anos recentes, em USD correntes 244

Gráfico 5.3 Evolução da razão entre a participação dos setores de alta

intensidade tecnológica e a participação dos setores de baixa

intensidade tecnológica no VTI de países e de grupos de países

247

Gráfico 5.4 Evolução da relação entre intensidades tecnológicas das indústrias

de transformação de países selecionados e os principais países do

núcleo orgânico do final dos anos 1970 em diante

249

Gráfico 5.5 Evolução da participação da produção científica brasileira indexada

como % do total mundial entre 1981 e 2008 250

Gráfico 5.6 Países selecionados segundo P&D e renda per capita em 2006 263

Gráfico 5.7 Evolução da intensidade de P&D em países selecionados 265

Gráfico 5.8 Evolução dos gastos em P&D empresariais em % do PIB, em países

selecionados 268

Gráfico 5.9 Tamanho e tipo do esforço inovativo em paísees e anos

selecionados 271

Gráfico 6.1 Evolução dos dispêndiso dos Fundos Setoriais, em R$ 310

Gráfico 6.2 Evolução das operações a crédito da Finep e das aprovações dos

FS, em comparação com a base de dados disponível e a amostra

utilizada para as análises empíricas

316

Gráfico 6.3 Participação em % de diversas fontes no total de operações da

Finep em 2008 336

Gráfico 6.4 Evolução do total de operações a crédito e sua composição, por sua

qualidade tecnológico-empresarial, de 1999 a 2008 338

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AAE Amostra Aleatória Estratificada ACE Aplicação de tecnologia de base Científica em Empresa ADTEN Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Empresa

Nacional APLs Arranjos Produtivos Locais BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Cade Conselho Administrativo de Defesa Econômica Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Ceitec Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada CGEE Centro de Gestão e Estudos Estratégicos CIDE Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas CNDI Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Coppe Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Gradução e Pesquisa em

Engenharia CTA Centro Tecnológico da Aeronáutica C&T Ciência e Tecnologia CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação CT-Infra Fundo Setorial de Infra-estrutura Diset Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e

Infra-estrutura EBC Economia Baseada no Conhecimento EBTs Empresas de Base Tecnológica Emater Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural FAP Fundação de Amparo à Pesquisa

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xxiv

Fapesp Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FHC I e II Fernando Henrique Cardoso I e II, ou seja, primeiro e segundo

governos de Fernando Henrique Cardoso Finep Financiadora de Estudos e Projetos Fiocruz Fundação Osvaldo Cruz FMI Fundo Monetário Internacional FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Finep Financiadora de Estudos e Projetos FS Fundo Setorial Funasa Fundação Nacional de Saúde Fundef Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

de Valorização do Magistério Funtec Fundo Tecnológico (do BNDES) Funttel Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações FVA Fundo Verde-Amarelo GATT General Agreemnet on Trade and Tariffs GT Grupo de Trabalho ICTs Institutos de Ciência e de Tecnologia IED Investimento Estrangeiro Direto IES Instituição de Ensino Superior Inmetro Instituto Nacional de Metrologia Impa Instituto de Matemática Pura e Aplicada Inpi Instituto Nacional de Propriedade Intelectual IPI Imposto sobre Produtos Industriais ITA Instituto Tecnológico da Aeronáutica LCMB Luiz Carlos Mendonça de Barros LGT Lei Geral das Telecomunicações Loas Lei Orgânica da Assistência Social

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xxv

Lula I e II Luiz Inácio Lula da Silva I e II, ou seja, primeiro e segundo governos

de Luiz Inácio Lula da Silva MCT Ministério da Ciência e Tecnologia MDB Movimento Democrático Brasileiro MEC Ministério da Educação Miti Ministry of International Trade and Industry japonês Modermaq Programa de Modernização da Indústria Nacional NAIs Núcleos de Articulação com a Indústria NICs Newly Industrialized Countries NSI Sistema Nacional de Inovação OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OECD Organization for Economic Cooperation aand Development OMC Organização Mundial do Comércio PACTI Política de Apoio à Capacitação Tecnológica e Inovação PBDCT Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico PBQP Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade P&D Pesquisa e Desenvolvimento PCT&I Política de Ciência, Tecnologia e Inovação P&D&I Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação PEA População Economicamente Ativa PED Programa Estratégico de Desenvolvimento Pice Política Industrial e de Comércio Exterior Pintec Pesquisa de Inovação Tecnológica PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios PND Programa Nacional de Desenvolvimento PTF Produtividade Total de Fatores SBCT Sistema Brasileiro de fomento à C&T

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xxvi

Sebrae Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Senai Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SNDCT Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico SOF Secretaria de Orçamento e Finanças (do Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão) SUS Sistema Único de Saúde TDE Teoria do Desenvolvimento Econômico TIC Tecnologia de Informação e Comunicação TRIMS Trade Related Investment Measures TRIPS Trade-related Aspects of Intellectual Property Rights EU União Européia USPTO United States Patents and Trademarks Office VA Valor Adicionado VTI Valor da Transformação Industrial

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................1

2. ELEMENTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS PARA A FUNDAMENTAÇÃO DE

POLÍTICAS DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA EM ECONOMIAS ATRASADAS ................ 23

2.1. Introdução .................................................................................................................. 23

2.2. Concorrência, Diferenciação, Inovação e Tecnologia Científica ................................ 26

2.2.1. Diferenciação e inovação como condutas semelhantes para a obtenção de quase-

rendas ................................................................................................................................. 26

2.2.2. Efeitos teóricos da diferenciação e da inovação para o crescimento econômico ..... 30

2.2.3. O caso particular da inovação baseada em aplicação científica .............................. 39

2.3. A Dimensão Tecnológica do Atraso Econômico ......................................................... 42

2.4. A Compreensão Schumpeteriana do Atraso Econômico ........................................... 52

2.4.1. Contextualização no debate econômico ................................................................... 52

2.4.2. A firma nos autores schumpeterianos ...................................................................... 54

2.4.3. Aprendizagem: o elemento essencial do Catching up no nível da firma .................. 59

2.4.4. Padrões tecnológicos setoriais e capacidade tecnológica em firmas retardatárias –

delineamentos orientados para políticas............................................................................. 70

2.5. Delineamentos para uma Síntese do Problema da Capacidade de Aprendizagem em

Firmas Latecomers ............................................................................................................. 75

2.5.1. Setores em que a tecnologia está plasmada nos equipamentos ............................. 76

2.5.2. Setores em que o conhecimento competitivamente relevante é tácito..................... 78

2.5.3. Setores em que o aporte de conhecimento externo é decisivo para a

competitividade ................................................................................................................... 83

3. POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA COMO POLÍTICA DE

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO................................................................................. 89

3.1. Introdução .................................................................................................................. 89

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3.2. Setorialidade e Pervasividade da Relação entre Ciência e Atividade Tecnológica

Empresarial ......................................................................................................................... 94

3.3. Aproximação Teórica da Relação entre Política de Inovação e Política de C&T ....... 99

3.4. Pressupostos Teóricos e Consequências Normativas do Conceito de NSI ............. 104

3.5. Estado e Não Estado nos Sistemas de Inovação ..................................................... 114

3.5.1. Políticas de inovação e NSI ................................................................................... 114

3.5.2. A ontologia institucional dos NSIs .......................................................................... 119

3.5.3. Políticas tecnológicas desde a perspectiva da TDE ............................................... 124

3.6. NSI e PCTI em Países Atrasados: Conclusões Parciais ......................................... 130

4. AS POLÍTICAS DE C&T BRASILEIRAS DAS PRIMEIRAS INICIATIVAS À BUSCA

DA CONSTITUIÇÃO DE UM SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO .............................. 137

4.1. Introdução ................................................................................................................ 137

4.2. Etapas da Evolução das Ações de Promoção da C&T no Brasil .............................. 141

4.2.1. Visão geral ............................................................................................................. 141

4.2.2. O primeiro momento ............................................................................................... 143

4.2.3. O segundo momento .............................................................................................. 145

4.2.4. O terceiro momento ................................................................................................ 150

4.2.4.1. A Constituição e a Lógica Peculiar do Novo Modelo ............................................ 150

4.2.4.1.1.Nem modelo linear de PC&T nem NSI .............................................................. 156

4.2.4.1.2.Limites do II PND como política industrial .......................................................... 158

4.2.4.2. A latência ............................................................................................................. 164

4.2.4.2.1.Noção esquemática da transformação do SNDCT em SBCT ............................ 164

4.2.4.2.2.Estertores do II PBDCT ..................................................................................... 167

4.2.4.2.3.A diretriz da competitividade baseada em CT&I: primeiros movimentos ........... 169

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4.2.4.2.4.Elementos conceituais que permeiam a relação entre política de C&T e política

de desenvolvimento econômico nos anos FHC ................................................................ 174

4.2.4.3. O interregno do real ............................................................................................. 178

4.2.4.4. Limitações fiscais não intencionais ...................................................................... 184

4.3. A Crise do SBCT e a Ascensão da PCT&I ............................................................... 188

4.3.1. Ocolapso do câmbio fixo e a perda de prestígio da ortodoxia com relação ao

problema da competitividade e do crescimento ................................................................ 189

4.3.2. Incompatibilidade da lógica do SBCT com uma prolongada carestia fiscal e a

ascensão de gestores ―desenvolvimentistas‖ ao comando do MCT ................................. 192

4.3.3. O chão ideológico-conceitual: a consolidação da ―Economia do Conhecimento‖ .. 196

4.3.4. Redução da instabilidade macroeconômica e ampliação do escopo da PC&T ...... 204

4.4. O Governo Lula ........................................................................................................ 215

4.4.1. Aspectos Gerais ..................................................................................................... 215

4.4.2. Autonomia relativa da PCT&I em face da ortodoxia macroeconômica................... 217

4.4.3. Outros condicionantes do aprofundamento da PCT&I durante o Lula I ................. 220

4.4.4. A Pitce posta em movimento .................................................................................. 222

5. EVIDÊNCIAS DA EVOLUÇÃO E SITUAÇÃO ATUAL DAS EMPRESAS

BRASILEIRAS QUANTO À INOVATIVIDADE E CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA ......... 237

5.1. Introdução ................................................................................................................ 237

5.2. Descrição do Panorama Geral da Inovação Tecnológica no Brasil .......................... 239

5.2.1. Indicadores industriais e de competitividade revelada de uso de ciência e de

tecnologia pelas empresas brasileiras .............................................................................. 239

5.2.1.1. Exportações ......................................................................................................... 239

5.2.1.2. Oferta interna total ............................................................................................... 245

5.2.2. Produção Científica e Indicadores de Educação Formal ........................................ 249

5.2.2.1. Pesquisa científica ............................................................................................... 249

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5.2.2.2. A questão educacional ......................................................................................... 256

5.3. Indicadores Intermediários de Esforço Tecnológico ................................................. 261

5.3.1. P&D ........................................................................................................................ 263

5.3.2. Comparativos entre pesquisas sobre atividade inovativa das empresas ............... 269

5.3.3. Desempenho inovativo: registro e concessão de patentes .................................... 278

5.4. Composição Setorial do VTI e Composição Setorial dos Gastos em P&D: A

Permanência da Dimensão Setorial ................................................................................. 281

5.4.1. Recolocando o problema ....................................................................................... 281

5.4.2. Importância Relativa dos Padrões Tecnológicos Setoriais vis-à-vis Fatores

Históricos e Intrafirmas em Perspectiva Internacional ...................................................... 283

6. PROSPECÇÃO DE ALGUNS RESULTADOS E IMPORTÂNCIA DA ESTRUTURA

SETORIAL PARA A EFETIVIDADE DA POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

BRASILEIRA ..................................................................................................................... 295

6.1. Os Fundos Setoriais e o FNDCT como Instrumentos de Indução à Inovação

Tecnológica ...................................................................................................................... 295

6.2. Objetivos e Aspectos Operacionais .......................................................................... 299

6.3. A Questão do ―Ofertismo‖ ......................................................................................... 305

6.4. A Base de Dados Empregada .................................................................................. 308

6.5. Método de Amostragem e de Classificação dos Dados e seu Significado ............... 313

6.5.1. Introdução .............................................................................................................. 313

6.5.2. Amostragem dos projetos reembolsáveis .............................................................. 314

6.6. A Tipologia Empregada ............................................................................................ 318

6.7. O Problema da Classificação Setorial ...................................................................... 326

6.8. Os Projetos Reembolsáveis e sua Lógica Distinta ................................................... 335

6.9. A Base de Dados Vista em Conjunto e Descrição de Características Mais Gerais .. 339

6.10. Resultados da Investigação ..................................................................................... 346

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6.10.1.Como são os projetos em cada categoria qualitativa: não reembolsáveis ............. 346

6.10.2.Como são os projetos reembolsáveis em cada categoria qualitativa..................... 349

6.10.3.A importância da presença de grandes empresas nos setores ............................. 352

6.10.3.1.Reembolsáveis ................................................................................................... 352

6.10.3.2.Não reembolsáveis ............................................................................................. 355

6.10.4.O caso das grandes empresas não industriais ...................................................... 357

6.10.5.A importância da existência de estruturas de fomento tecnológico bem

estabelecidas .................................................................................................................... 358

6.10.5.1.Reembolsáveis ................................................................................................... 359

6.10.5.2.Não reembolsáveis ............................................................................................. 361

6.10.6. . A importância do nível de intensidade tecnológica dos setores a que os projetos se

destinam ........................................................................................................................... 362

6.10.6.1.Reembolsáveis ................................................................................................... 364

6.10.6.2.Não reembolsáveis ............................................................................................. 366

6.10.7.Setores cuja participação merece destaque .......................................................... 368

6.10.8.Uma tentativa de avaliação conjunta das causas destacadas ............................... 375

6.10.8.1.Descrição do experimento .................................................................................. 375

6.10.8.2. Distribuição dos setores no valor adicionado do conjunto da economia vis-à-vis no

principal destino dos projetos ........................................................................................... 378

6.10.8.3.Análise de regressão .......................................................................................... 385

7. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 391

8. BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 399

ANEXOS ........................................................................................................................... 426

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1

1. INTRODUÇÃO

A desigualdade econômica entre as nações não é, certamente, uma

novidade. Acredita-se que os mesopotâmios eram significativamente mais ricos

que os povos que dominaram comercialmente, e há pouca dúvida de que o Egito,

depois a Grécia, e a seguir Roma, superavam seus vizinhos em produtividade e

em capacidade comercial, o mesmo podendo ser dito da China em relação a seus

vizinhos asiáticos e dos califados bizantino-otomanos comparativamente à Europa

feudal e ao Oriente próximo. Tais assimetrias possivelmente eram reforçadas ou

mesmo potencializadas pela capacidade militar. Desde Smith, admite-se a

existência de uma relação positiva e eventualmente sinérgica entre poder militar e

produtividade econômica. Entretanto, há boas razões e evidências indicando ser

mais correto assumir-se que esta tem ascendência causal sobre aquela, sendo o

contrário mais raro e menos capaz de sustentar vantagens significativas de uma

nação ou de um grupo social sobre outros por um longo tempo.

Essa percepção é reforçada pelo fato de que desde a consolidação do

capitalismo – sistema econômico que, mais que qualquer outro existente, move-

se baseado na inovação e no progresso tecnológico, segundo autores tão

díspares como Marx, North e Schumpeter – as disparidades econômicas entre as

nações ampliaram-se enormemente. Assim, estima-se que a renda per capita dos

romanos mal alcançava o dobro das dos demais povos em torno do ano zero, o

mesmo sendo verdade para os babilônios em torno do ano 1000. É provável que

as potências mercantilistas fossem mais desigualmente ricas que isso. E há

evidências significativas de que quando a Inglaterra emerge como líder da

Revolução Industrial, sua renda per capita já é mais que triplo do padrão

internacional. Finalmente, os Estados Unidos, desde que confirmaram ter

substituído os britânicos industrial e tecnologicamente no final dos anos 20, vem

logrando sustentar um nível que é pelo menos o quádruplo da média mundial.

Ao mesmo tempo em que as potências líderes são cada vez mais

relativamente ricas, há países cada vez mais pobres, de forma que a polarização

é crescente. Da antiguidade ao fim da guerra fria, a razão entre a renda do país

mais pobre e do mais rico passa de 1/5 para 1/50, aproximadamente. Finalmente,

o que é mais interessante, embora os países ricos, como observado por

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Abramovitz, vivam fases de maior ou menor expansão relativa dentre o grupo de

elite que constituem, a admissão nesse grupo é extremamente rara. Essa

característica parece ter prevalecido ao longo da história do capitalismo, e, com

exceções raras, aprofundado-se mais recentemente.

É verdade que há um grupo relativamente grande de países altamente

desenvolvidos, com renda média superior a US$ 30 mil. Ao fim de 2008, segundo

o FMI, 28 países em 180 estavam nessa situação. Mas apenas 7 deles poderiam

ser chamados de capitalismos ―tardios‖ – Qatar, Emirados Árabes, Kwait, Japão,

Cingapura, Hong Kong e Brunei –, dos quais somente 3 não são ricos apenas

pela existência de estoques incomumente elevados de recursos naturais – Japão,

Cingapura e Hong Kong. Se considerarmos os dois últimos como cidades-estado,

ademais de beneficiárias de situações geográficas e geopolíticas muito

peculiares, apenas o Japão configura um caso de país que se industrializou

tardiamente e concluiu o ―catching up‖.

A situação não se altera muito, surpreendentemente, se admitimos que

US$ 20.000 – quase 150% a mais que a renda per capita do Brasil em 2008 –

correspondem a um nível já elevado. Apenas mais 8 países estão nessa faixa. E

aos casos de descomunal riqueza em recursos minerais apenas os paraísos

turísticos se somam. Não há mais nenhum país atrasado nesse rol, a não ser o

outro caso especialíssimo de Israel. Portanto, em 36 países com nível satisfatório

de renda (mas não necessariamente ricos ou desenvolvidos), apenas um veio de

uma típica situação de atraso relativo no início do século XX.

Os casos admiráveis de Coréia do Sul e Taiwan aparecem logo a seguir,

com rendas médias acima de 15 mas abaixo de 20 mil. Na verdade, o que há de

extraordinário no desenvolvimento desses países é o fato de, mesmo depois de

terem superado o máximo de renda relativa que atingiram anteriormente (no

imediato pré-Segunda Guerra Mundial), continuarem a crescer relativamente

rápido, de forma que se espera que não tardarão a figurar no grupo de elite.

É evidente que admitir isso em pouco altera a constatação de que o atraso

econômico é uma desvantagem competitiva decisiva. Entre os demais países que

adentraram o século XX como relativamente pobres, todos, mesmo os dotados de

mercados internos potencialmente grandes e/ou de boa disponibilidade de

recursos minerais, assim permaneciam no início do século XXI, sugerindo que

apenas sob condições muito peculiares o atraso é transponível:

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3

Tabela 1.1 - Renda per capita dos EUA e de países selecionados como

proporção da renda per capita dos EUA (EUA = 100), 1900 a 2008

País 1900 1913 1929 1950 1980 1992 2008

EUA (1) 4096 5307 6899 9573 18577 21558 31797

Japão 28 25 29 20 72 84 74

Coréia 21 18 16 9 22 46 60

Chile 48 50 50 40 31 29 31

México 28 28 23 22 34 24 31

Colômbia 24 23 21 23 23 21 19

Brasil 17 15 17 17 28 22 22

França 70 65 68 55 79 n.d. 73

China 16 13 8 6 6 9 13

Índia 15 12 11 6 5 6 8

Itália 43 47 45 36 71 75 64

Indonésia 17 17 17 8 10 12 13

Fonte:MADDISON 1993, exceto dados de 2008; World development indicators database, World Bank, out/2009 (1): dados em geary-khamis dollars de 1990, exceto em 2008, em geary-khamis dollars de 1990 corrigidos pelas taxas de crescimento reais de 2007 e 2008 segundo o World Bank

Como se pode observar, as alterações dos níveis relativos de renda média

são escassos ou fugazes. Na verdade, o movimento mais comum observado é o

que Abramovitz chamou de falling behind. As exceções existentes são apenas,

precisamente, Coréia e Japão (aos quais teríamos de agregar, em um quadro

completo, Taiwan e, sob critérios um pouco mais amplos, Malásia, cuja renda per

capita passou de 13%, em 1913, para mais de 1/3 da renda per capita dos EUA,

em 2008).

Mais recentemente, e de forma nítida sobretudo nos últimos 15 anos,

países como Índia, China, Indonésia, Tailândia e Vietnam vêm também obtendo

taxas elevadas e persistentes de crescimento, embora, conforme a tabela, só

estejam até o momento recuperando níveis relativos de renda que já possuíram

anteriormente.

Fora do Leste Asiático, os países que mais se aproximam de catching ups

retardatários bem sucedidos são o Brasil e, em menor medida, o México. Se

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tomamos o longo período compreendido entre o início dos choques adversos (em

1914, com o início da 1ª Guerra Mundial) até 1980, na verdade esses são os dois

países de porte significativo mais dinâmicos do mundo, entre os que não estavam

apenas recuperando-se depois de um ciclo longo de perda de importância

econômica. O Brasil, em particular, cresce muito proximamente ao Japão, e,

mutatis mutandis, à Coréia. Entretanto, os crescimentos relativos de México e

Brasil perdem força a partir de 1980, de forma especialmente dramática no caso

deste último, que na verdade, sem ter jamais atingido sequer 1/4 da renda média

dos Estados Unidos, passa a regredir rapidamente.

É difícil superestimar a importância do ―descolamento‖ entre os dois

gigantes latino-americanos, de um lado, e Japão, Coréia e Taiwan, de outro. O

debate sobre catching up sofre impacto decisivo e deletério, em que pese o fato

de que, em primeiro lugar, a Teoria do Desenvolvimento Econômico clássica

(TDE) ter em boa medida nascido da percepção da dificuldade do

desenvolvimento partindo de condições de pronunciado atraso; em segundo

lugar, o domínio tecnológico, que veio a se consolidar como a explicação

fundamental do descolamento, ter dominado grande parte do debate sobre

catching up desde a ascensão da Alemanha como potência industrial, no final do

século XIX.

***

Os milagres asiáticos não apenas se converteram em um novo fenômeno

fundamental para o estudo do desenvolvimento econômico, como extravasaram

suas fronteiras e passaram a ser interpretados por especialistas pouco versados

no tema. Em meados dos anos 1980, por exemplo, a explicação mais popular

concentrava-se no viés ―para fora‖ das expansões asiáticas, as quais seriam mais

―sustentáveis‖ na medida em que foram feitas respeitando os verdadeiros preços

relativos dos diferentes bens, vigentes no comércio internacional. Em

interpretações mais superficiais, os milagres asiáticos foram mesmo enaltecidos

simplesmente como crescimentos ―liderados pelo mercado‖, em oposição aos

então tidos por verdadeiros ―capitalismos de Estado‖ latino-americanos, caso que

também poderia ser estendido à Índia e, evidentemente, a todo bloco soviético.

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Apenas no início dos anos 1990 o acúmulo de evidências de que os

catching ups asiáticos eram provavelmente mais liderados pelo Estado do que os

do Brasil e do México, tendo inclusive sido suportados por um pervasivo controle

do crédito e por elevado grau de discricionariedade das intervenções

governamentais, relegou às calendas as interpretações liberais ortodoxas da

divergência das trajetórias de crescimento. Em menor grau, também a

interpretação export-led perdeu importância na medida em que novas

informações davam conta de que vigorosos processos de substituição de

importações também foram implementados na Coréia e em Taiwan,

complementarmente a arrojados incentivos às exportações.

Paulatinamente, as interpretações heterodoxas ganharam força, sobretudo

as que se concentravam em aspectos menos incômodos e mais compreensíveis à

luz do saber convencional, como o fato de os países asiáticos promoverem a

competição entre seus campeões nacionais e, mais ainda, a prioridade dada à

tecnologia e ao ―conhecimento‖. Em poucos anos, em meio ao auge da

hegemonia neoliberal, passaram a representar o saber convencional sobre o

segredo da prosperidade asiática, para logo a seguir se firmarem como uma sorte

de senso comum quanto ao tema.

Na verdade, essa explicação seria facilmente compatível com a velha

versão de Solow sobre o papel do progresso técnico como a causa fundamental

do crescimento a longo prazo. Com efeito, é basicamente sob a combinação do

modelo de Solow ―aumentado‖ (sobretudo pela inclusão de capital humano) com o

enaltecimento da promoção da concorrência que a força e a persistência dos

milagres sul-coreano, japonês e de Taiwan recebem sua primeira interpretação,

por assim dizer, ―oficial‖, no famoso World Economic Report do Banco Mundial,

apresentado em 1992. Não obstante, a interpretação standard só se consolida

mais adiante, com a incorporação de conceitos da ―Economia Baseada no

Conhecimento‖ (EBC).

A EBC possui na interpretação dos milagres asiáticos – acrescidos ao

longo dos anos 1990 por diversos outros casos parciais da mesma região – um de

seus principais apelos empíricos. Não obstante, há duas características que a

afastam decisivamente do modelo de Solow: a menor importância do capital físico

para o crescimento e a admissão de um papel mais abrangente para o setor

público na promoção do crescimento. Costumeiramente, a EBC utiliza-se dos

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catching ups asiáticos para ilustrar sua superioridade seja sobre a teoria do

crescimento de Solow (e dos cambridgeanos, evidentemente), seja sobre a TDE.

Mas a compreensão de sua guindagem à posição de novo saber convencional

sobre desenvolvimento e crescimento tem de levar em conta ao menos dois

outros elementos.

Em primeiro lugar, a ascensão da teoria do crescimento endógeno. Ainda

que possa ser vista como uma releitura do modelo de Solow, mais sofisticada

algebricamente e incorporando um novo fator de produção – o conhecimento, que

deixa, portanto, de ser concebido como um maná ou como um bem público –,

essa teoria foi recebida com entusiasmo comparável à das expectativas racionais.

Isso pode ser creditado ao fato de que, (1), embora trate de um assunto

tradicionalmente considerado menos nobre, sua construção foi liderada por um

dos principais próceres do main stream dos anos 1980, Robert Lucas, e, não de

menor importância; (2), talvez de forma inédita, foi fundamentalmente aceita, ou

ao menos criticada apenas marginalmente, por muitos autores do campo

heterodoxo.

Essa aproximação foi possível porque, em certa medida, ao menos

inicialmente, semelhanças na interpretação dos milagres asiáticos vis-à-vis os

fracassos latino-americanos foram se consolidando em meados dos anos 1980,

em torno da importância e dos determinantes da ―competitividade‖. Mas a

convergência teórica principal foi o fato de a tecnologia ter passado a ser tratada

como uma variável – antes referida em geral como progresso técnico ou ―técnica‖,

simplesmente – não apenas mais decisiva do que era anteriormente, mas

também como de possível (e desejável) interesse direto da própria Ciência

Econômica. Ademais, em ambos os campos ao menos três características na

forma de tratamento da tecnologia uniam ortodoxia e heterodoxia, a saber:

i. um fenômeno intrafirma, em primeiro lugar, beneficiando-se e sendo

influenciado pelo debate sobre microfundamentos, racionalidade, convenções,

incerteza procedural e assim por diante; em segundo lugar, colocando a firma

como sujeito do processo concorrencial;

ii. intimamente relacionada à ciência e à educação formal em geral,

tomadas como bens públicos (e não mais apenas ―meritórios‖), mas com

características de apropriabilidade peculiares, e/ou co-gerados pelas próprias

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empresas, no limite tratáveis como um tipo específico de fator de produção (por

exemplo, não submetido a rendimentos marginalmente decrescentes);

iii. explícita ou implicitamente relacionada aos processos de

inovação/difusão descritos por Schumpeter, de modo que, formalmente, parte de

seus conceitos passam a ser empregados e, substantivamente, a concorrência

passa a ser vista como marcada por rivalidade e por busca, verossímil, de criar e

preservar lucros monopólicos.

Em segundo lugar, um novo quadro empírico passou a ser aceito como fato

elementar, complementando os comparativos Coréia e Taiwan versus Brasil e

México: de forma quase tão dramática, mas muito mais abrangente, as relações

entre taxas de crescimento dos diversos países alteraram-se dramaticamente dos

anos 1980 em diante. A convergência dos níveis de renda média dos países

menos relativamente aos mais ricos é substituída por um progressivo afastamento

como regra geral. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos e outros países cujas

economias delegariam maior papel à competição e possuiriam intervenção estatal

menor ou menos discricionária passaram a crescer significativamente acima do

resto do mundo, excetuada a Ásia. Finalmente, de modo mais ou menos

articulado com essas características, países cujas empresas eram tidas como

mais inovadoras pareciam crescer mais célere e sustentavelmente.

Dessa perspectiva, a EBC e outros, na falta de melhor expressão,

paradigmas afins, surgem e prosperam em importante medida pela constatação

de que ―há algo de novo no capitalismo mundial‖, de modo que os milagres leste-

asiáticos seriam apenas a ponta de um volumoso iceberg percebido inicialmente

como um fenômeno concernente ao problema do desenvolvimento retardatário,

mas que na verdade diria respeito ao crescimento econômico de forma geral.

A tabela abaixo evidencia essas mudanças:

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Tabela 1.2 - Relações entre as taxas de crescimento econômico médio das

rpc de países e grupos de países e o total do mundo, exceto o leste-asiático,

em períodos selecionados (dados originais em Geary-Kahmis

dólares de 1990)

Fonte: Maddison 2009 (*) – taxas médias de crescimento, em %, ao ano

Observe-se que os Estado Unidos – país com mais amplo e consolidado

sistema de inovação tecnológica –, quase dobram sua taxa de crescimento

relativamente ao total mundial de 1980 em diante, em comparação com a vigente

no pós-guerra. Em grau menor, o fenômeno pode ser estendido ao chamado

―núcleo orgânico‖ do capitalismo – cujos dados são fortemente enviesados entre

1950 e 1970 pela reconstrução européia – e aos países desenvolvidos como um

todo. Os dados de crescimento econômico internacional evidenciam não apenas

que as convergências passam a ser mais raras, mas que divergências crescentes

dos níveis de renda voltam a ser a regra. Ademais, alguns países desenvolvidos –

Irlanda, Finlândia, Suécia e Espanha – que aumentaram significativamente

indicadores convencionais de esforço científico-tecnológico (como o gasto em

P&D e a escolaridade média) parecem ter acelerado ainda mais suas taxas de

crescimento.

Por outro lado, diversos países atrasados que aparentemente cresciam

rapidamente por intermédio, sobretudo, do aumento da relação capital/trabalho,

portanto, por aproveitamento da vantagem de seguidor – dos quais Brasil, Índia e

país es ou g rupos de país es 80 a 2006 14 a 80 50 a 80 70 a 80

E uropa Ocidental 1,26 1,23 1,19 0,95

S uécia 1,34 1,39 0,91 0,55

Irlanda 3,44 0,98 1,04 1,23

E s panha 2,08 1,34 1,67 1,45

E UA 1,47 1,19 0,76 0,81

Anglo-s axões , exceto R eino U. 1,45 1,17 0,76 0,82

G des L atino-amer. 0,54 1,2 0,9 1,2

México 0,6 1,13 1,13 1,47

B ras il 0,43 1,67 1,31 2,06

África 0,27 0,75 0,61 0,48

Oes te-as iáticos 0,58 1,43 1,28 1,15

C oréia 4,39 1,34 1,83 2,5

Mundo (*) 1,83 1,63 2,56 1,92

Mundo, exceto L es te as iático (*) 1,35 1,74 2,94 2,64

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México, entre outros, seriam casos paradigmáticos – não apenas desaceleram

seus catching ups, como passam a crescer menos que a média mundial e,

obviamente, muito menos que o núcleo orgânico. Na verdade, isso se aplicaria

tanto para os grandes países latino-americanos – Brasil, México, Argentina,

Venezuela etc. – como para o conjunto América Latina e Caribe, para a África e

para os países da Ásia ocidental. Nesse sentido, praticamente todos os países

não desenvolvidos, exceto os do leste-asiático, passam a se afastar rapidamente

dos países desenvolvidos a partir de 1980 e, no caso da África, aceleram o

movimento de divergência anterior.

Uma quase revolução copernicana foi, assim, posta em curso. Do ponto de

vista teórico, deve ser destacada como determinante a união entre a

Macroeconomia a longo prazo e parte da Microeconomia. Do ponto de vista

empírico, novas medidas e novos parâmetros de comparação foram gerados de

forma tal que, por exemplo, variáveis como a PTF passaram a ser consideradas,

com todas as ressalvas metodológicas que lhes são feitas desde Abramovitz, um

critério inequívoco de sustentabilidade e do potencial de crescimento das

economias nacionais. Essas mudanças não apenas afetaram o avanço da TDE,

como a envolveram e subsumiram-na. No bojo das novas teorias do crescimento,

o saber convencional sobre as causas do atraso econômico e sobre as políticas

necessárias para superá-lo foi renovado e expandido.

***

Como é bem conhecido, o período desenvolvimentista brasileiro foi

marcado por políticas industriais ativas, as quais, talvez como em nenhum outro

país, foram deliberadamente inspiradas pela TDE, sobretudo a de extração

cepalina. Com modificações e oscilações que se estendem, grosso modo, do

início dos ―choques adversos‖ (com a 1ª Guerra Mundial) até 1980, essas políticas

tinham como traço comum elevado ativismo estatal, o qual amiúde envolvia a

implementação de planos que abrangiam vários anos, voltados para a aceleração

do crescimento com mudança estrutural (entendida como pré-condição para a

sustentabilidade do crescimento acelerado). Esses planos eram executados

fundamentalmente por meio de política industrial proativa, estímulos ao aumento

do estoque de capital e programação econômica, de forma a tentar aproveitar ao

máximo os efeitos derivados dos blocos de investimento criados, em particular por

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meio de obras públicas destinadas à infraestrutura. Nos governos mais arrojados,

como os de Vargas, JK e Geisel, a importância dessas ações implicava em

significativas concessões da própria política macroeconômica de curto prazo,

acarretando, menos por keynesianismo e mais pelo foco em crescimento e

mudança estrutural, a adoção de medidas heterodoxas – cujo exemplo mais

acabado é o câmbio múltiplo – que, não obstante, não se confundiam nem com a

TDE, nem com o desenvolvimentismo propriamente ditos.

As novas políticas de desenvolvimento econômico, por sua vez, não são

políticas para o catching up, pois servem para todos os países, os quais se

distinguiriam, na prática, pela necessidade de providências diferentes para

chegarem a um mesmo rol de medidas e instituições. A mudança estrutural

ademais de não ser prioritária pode conduzir à perda de competências específicas

das firmas instaladas em setores nos quais um dado país possui maior tradição

competitiva. Além disso, políticas que buscam alterar a alocação intersetorial dos

investimentos tendem a reduzir a produtividade do capital, prejudicando, assim, a

PTF – principal vetor de crescimento a longo prazo desde esse enfoque.

Embora em sua forma atual as recomendações de políticas emanadas da

EBC diferenciem-se particularmente da TDE, essas foram construídas contra, de

um lado, a ortodoxia novo-clássica e as expectativas racionais em geral quanto à

não necessidade e mesmo à não desejabilidade de qualquer política de

desenvolvimento – o que seria decorrente da ação do próprio mercado em

aproveitar o progresso técnico, exogenamente gerado. De outro, as decorrências

normativas da EBC opunham-se aos estudos em políticas de C&T, marcados pela

influência do chamado modelo linear, cuja defesa, apesar de basear-se amiúde

em elevado intervencionismo, era compatível com a exogeneidade da relação

entre economia e C&T. Em oposição a essas duas visões, a EBC advoga a

necessidade de políticas específicas de inovação, em especial de inovação

tecnológica, como uma nova alternativa viável para acelerar o crescimento a

longo prazo e, em menor grau, para expandir e proporcionar sinergias com as

políticas de C&T ortodoxas.

Grosso modo, espera-se que a concessão de estímulos ao aumento da

oferta de capital humano e da produção de conhecimento científico e tecnológico

estimule as firmas, independente do setor em que estivessem localizadas, a

acelerar sua inovatidade e/ou sua aquisição de capacitações tecnológicas. Essa

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política deveria ser complementada pela criação de mecanismos fiscais,

creditícios e regulatórios, que reduzam o custo e o risco de inovar e aprender. As

políticas pró-competição, como a abertura comercial, a política antitruste, a

redução de monopólios públicos e a promoção da propriedade intelectual

deveriam ser mantidas e eventualmente ampliadas. Finalmente, ça va sans dire, a

estabilidade macroeconômica conferiria um contexto ainda mais adequado ao

empreendedorismo e à criatividade competitiva. Embora no Brasil não seja raro

os defensores de políticas de inovação mais robustas criticarem a ortodoxia

macroeconômica, sua harmonia com o saber convencional da área o mais das

vezes é garantida pela percepção de que as políticas de inovação tratam do

crescimento econômico a longo prazo (sendo por vezes vistas como parte do

conjunto maior da política microeconômica), enquanto a gestão da política

macroeconômica em sentido estrito ocupa-se do curto prazo, no qual o único

objetivo plausível seria a estabilidade. Não é por outro motivo que paradigmas

com raízes epistemológicas tão distintas convivem harmoniosamente nos

guidelines e economic reports de instituições como a União Européia, o Banco

Mundial e a OCDE.

Como observado, isso não significa que não haja diferenças significativas

entre os autores que advogam políticas de desenvolvimento baseadas em

promoção da inovação. Assim, embora as políticas emanadas da EBC sejam

tipicamente horizontais, há autores e especialistas formados nessa tradição que

não excluem medidas que levam em conta a especificidade setorial, sem prejuízo

da perspectiva do foco activity-specific , sobretudo quanto aos aspectos

tecnológicos propriamente ditos.

As clivagens quanto à maior ou menor heterodoxia das políticas de

inovação referem-se ao grau de especificidade das medidas defendidas quanto à

necessidade de direcionar a oferta de conhecimento para que sirva de insumo às

ações concorrenciais das empresas. As visões mais ortodoxas aproximam-se da

teoria do capital humano e entendem que políticas de inovação são

fundamentalmente voltadas para o aumento da quantidade e qualidade do

conhecimento disponível, somadas a medidas como proteção da propriedade

intelectual, apoio financeiro a empresas menores e promoção da concorrência em

geral. Mais comumente, medidas complementares de redução de assimetrias de

informação (de forma a incrementar a seleção do mercado) e de facilitação da

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aproximação entre universidades e empresas são advogadas. Em suas variantes

mais heterodoxas, medidas que estimulam a criação de elos institucionais

específicos, voltadas para a construção de ―sistemas nacionais de inovação‖

como os existentes, e amplamente documentados, nas principais economias, são

também defendidas, podendo contemplar ações com elevado grau de

discricionariedade e de direcionamento das pesquisas acadêmicas.

***

O Brasil, ao contrário do que comumente se afirma, foi bastante precoce

em realizar políticas semelhantes às de inovação atualmente em voga, na medida

em que suas políticas de C&T foram desde suas origens pensadas como parte da

política de desenvolvimento produtivo e de infraestrutura – de forma que sua

principal diferença com as políticas de CT&I atuais residiria na menor importância

da demanda empresarial espontânea por inovações, sendo as relações indústria-

ICTs mediadas pelo sistema de planejamento estatal. Apesar da maior tradição e

ênfase relativa dada às políticas de indução ao investimento, de infraestrutura e à

política industrial, pode-se dizer que, no quadro geral dos países menos

desenvolvidos, o Estado brasileiro executou esforços significativos e

relativamente precoces de dotar o país de uma infraestrutura ampla e

diversificada de oferta de C&T.

Nos anos finais do período desenvolvimentista, portanto, significativamente

antes mesmo de Fajnzylber iniciar sua tentativa de revisar o paradigma do

crescimento ―para dentro‖, a Secretaria de Planejamento da Presidência da

República diagnosticou que o catching up poderia ser posto em risco caso as

empresas brasileiras não avançassem rapidamente em um emparelhamento

competitivo, sobretudo quanto à capacidade tecnológica, relativamente às

empresas de países avançados. Para evitar esse destino, uma diversificada

estrutura de pesquisa científica e tecnológica começou a ser construída nos anos

1970, tendo por objetivo central acelerar o avanço tecnológico das empresas

privadas.

A crise que sobreveio foi, paulatinamente, desarticulando o sistema de

planejamento e por fim minando decisivamente quase toda capacidade estatal de

prover políticas estruturantes. Contudo, o aparato de C&T, em grande parte

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graças ao crescimento exponencial da comunidade de pesquisadores por ocasião

do curto período em que foi expandido a toque de caixa, foi politicamente

preservado, mesmo na fase de maior ceticismo quanto a qualquer possibilidade

de intervenções governamentais alterarem mais que temporariamente tendências

ditadas por condições ―naturais‖.

Esse aparato seguiu se expandindo, embora erraticamente, durante os

anos de elevada instabilidade. Mesmo nos anos de neoliberalismo, em que

medidas apontando para redução do Estado às suas funções básicas foram

tomadas, reformas pró-competição foram realizadas, amplos setores da economia

foram expostos à concorrência internacional sob veloz valorização da taxa

cambial, tratados internacionais de proteção à propriedade intelectual foram

assinados e ratificados, e assim por diante, mesmo nesses anos o sistema de

fomento à C&T foi relativamente preservado.

Quando, no final dos anos 1990, o Estado brasileiro retomou o interesse

em adotar medidas para acelerar o crescimento a longo prazo, dispunha de um

aparato de criação de C&T já respeitável e em expansão. Não obstante, tratava-

se de um sistema eminentemente autônomo em relação ao setor produtivo e,

contrariamente às suas origens, muito pouco responsivo às necessidades

tecnológicas do país, em especial das empresas privadas nacionais.

Por outro lado, outras condições eram bastante favoráveis a que fossem

adotadas políticas de inovação nos moldes preconizados pelo BIRD e pela

OCDE, além de praticadas por grande parte dos países mais desenvolvidos. Em

primeiro lugar, quanto à gestão macroeconômica, o País aderira, após certa

relutância de abrir mão do câmbio fixo, às ―melhores práticas‖ internacionais. Do

ponto de vista estritamente econômico, a adoção do câmbio flutuante retirava

parte significativa do peso de equilibrar as contas externas da política monetária

e, ao mesmo tempo, abria perspectivas de maior abundância fiscal. Politicamente,

em conjunto com várias medidas de aproximação à OCDE, o Brasil passara a

adotar uma postura, por assim dizer, vanguardista, de assinar versões mais

arrojadas de acordos no sentido de alinhá-lo com os interesses dos países

avançados, como a assinatura do acordo Trips e sua versão com o pipeline e do

tratado de não-proliferação de armas nucleares com poucas exigências de

contrapartidas das potências militares estabelecidas. Esperava-se, com isso,

obter vantagens comerciais significativas e atração de investimentos estrangeiros.

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Em segundo lugar, ainda em meados dos anos 1980, o país começou a dar

passos, cada vez mais velozes, no sentido de renunciar a mecanismos de

administração da economia, consolidando no imediato pós-real um dos maiores

processos de reformas pró-mercado do Ocidente, o qual ficou conhecido como

―choque de capitalismo‖. Entre as medidas relevantes nessa direção, o Brasil

liquidou a conta-movimento, privatizou diversas estatais, inclusive em monopólios

naturais, desregulamentou os setores de infraestrutura, renunciou a qualquer

controle de preços e implantou um moderno e extenso sistema de defesa da

concorrência, aboliu controles administrativos de toda sorte, reformulou o INPI

(originalmente voltado a gerir contratos de transferência de tecnologia), voltando-o

para a defesa da propriedade intelectual, e assim por diante.

Finalmente, desde a promulgação da Constituição de 1988, o país dedicou-

se seriamente à redução da chamada dívida social. Embora esse propósito tenha

em sua origem pouca relação com as políticas de desenvolvimento econômico, a

partir dos anos 1990 passam a ser impulsionadas como políticas de aumento do

―capital social‖. Um pervasivo aparato de inclusão e de assistência social foi

criado em plena crise fiscal, de forma a, sobretudo, diminuir a dependência do

emprego para os estratos sociais mais frágeis, melhorar indicadores de incidência

de doenças de massa e de mortalidade infantil, e elevar a escolaridade média.

Embora certamente os indicadores nacionais ainda sejam ruins, em particular o

último, um avanço impressionante foi logrado.

Assim, quando, em 1999, o governo federal, aproveitando-se de uma

súbita melhora das perspectivas macroeconômicas, sobretudo fiscais, agrupa

mecanismos de indução à capacitação tecnológica em setores liberalizados em

uma política de CT&I nos moldes propugnados pela EBC, fá-lo em condições

excepcionais desde a desativação do II PND, ainda nos anos 1970.

Mais de 10 anos transcorreram desde então. No entanto, os resultados são

pífios. O Brasil continua a crescer muito pouco, tanto em relação aos países que

estão em catching up atualmente como em relação ao que alcançava nos tempos

do desenvolvimentismo clássico. Mais significativamente, dados de desempenho

industrial e de competitividade externa apontam, por exemplo, que não apenas

nossas exportações de bens mais elaborados cresceram pouco, como as de bens

de baixo valor agregado cresceram velozmente ao mesmo tempo. Finalmente,

indicadores intermediários de resultados de políticas de inovação tecnológica,

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como os referentes à inovatividade (a proporção de empresas que inovaram em

produtos tecnologicamente novos em relação ao mercado nacional) e de esforço

tecnológico (o gasto em P&D relativamente à receita líquida de vendas) das

firmas pouco se moveram.

É precisamente sobre esse paradoxo que a presente tese se debruça. Seu

objeto, portanto, são os efeitos econômicos da política de CT&I brasileira no

período recente, ao passo que seu objetivo central é apontar limitações das

políticas de CT&I para a promoção do esforço e da competitividade tecnológica

das empresas brasileiras.

Mais especificamente, busca-se responder à seguinte questão: por que as

políticas de CT&I praticadas entre 1999 e 2008 no Brasil apresentam resultados

em termos de desempenho econômico tão pouco significativos?

Nossa tese é que a efetividade dessas políticas depende da existência de

uma estrutura industrial relativamente avançada, sobretudo em termos da

presença significativa de setores intensivos em uso de C&T. Vale dizer, as

políticas de CT&I praticadas no Brasil são pouco efetivas em desempenho

econômico especialmente porque nossa estrutura produtiva é especializada em

indústrias tecnologicamente pouco intensivas.

A causalidade por detrás dessa hipótese é que apenas dois tipos de firmas

acessarão de forma não esporádica o sistema nacional de inovação (ou o

simulacro deste existente): (1) firmas situadas em setores com elevada propensão

a introduzir diferenciações/inovações baseadas no emprego de tecnologias de

base científica, ou (2) firmas que possuem elevado histórico de acúmulo de

capacitações tecnológicas específicas, tais que definem relevante capacidade

absortiva. Este último tipo de firmas é praticamente inexistente em países

atrasados, de forma que para existir demanda para a oferta de conhecimento

gerada pelas políticas de CT&I, por mais direcionadas para a provisão de

conhecimentos potencialmente interessantes às empresas, é preciso que a

procura por crescente capacitação tecnológica seja induzida por uma estrutura

industrial enviesada para o primeiro tipo de firmas.

Duas qualificações devem ser claramente destacadas desde já.

Em primeiro lugar, o que está em questão são as políticas de inovação

como políticas de desenvolvimento econômico. Conforme visto, essas nascem em

certa medida em oposição às políticas de C&T clássicas, inspiradas no chamado

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―modelo linear‖ de C&T. Evidentemente, caberia ao modelo linear de C&T ser

cobrado quanto a indicadores de quantidade e de qualidade das publicações

científicas ou mesmo de patenteamento por ICTs. Mas também não seria de todo

descabido cobrar por algum resultado econômico, na medida em que o mesmo

supõe que a oferta de C&T como bem público é capaz, em certo prazo, de afetar

a produtividade econômica.

Da perspectiva das políticas de inovação, resultados econômicos são

esperados em prazo menor e, evidentemente, em grau muito maior. Pode-se

argumentar que melhores resultados em termos de indicadores de produção

científica também podem ser atribuídos à política de inovação – sobretudo se

apresentarem crescente viés em prol de ciências mais aplicadas e estudos

tecnológicos. Embora isso seja considerado ao longo do estudo, o que se

pretende averiguar são indicadores de desempenho econômico em sentido estrito

– crescimento econômico, produtividade, competitividade etc. Sem embargo, está

pressuposto que outros indicadores poderiam atestar a efetividade da política de

inovação em nível intermediário.

Indicadores típicos do Manual de Oslo e do enfoque no qual se baseia, tais

como taxa de empresas inovadoras sobre o total, são importantes, mas não tanto

quanto os indicadores finais (pelo motivo óbvio de que o fato de haver uma forte

política de inovação pode enviesar mais respondentes a alegarem arrojo

inovativo), sobretudo se considerados isoladamente. Como indicador de

performance, contudo, esse nos parece mais adequado que o gasto em P&D, já

que é evidente que uma elevação permanente do subsídio ao esforço tecnológico

a partir de certo ponto pode simplesmente desviar as empresas de executarem

atividades não diretamente lucrativas para realizar P&D não porque, coeteris

paribus, prospectem aumentos significativos de lucros graças a essa atividade,

mas simplesmente porque o Estado as subvenciona maciçamente.

Em segundo lugar, afirmar que os setores são decisivos não implica que

outras variáveis não sejam importantes. É possível, por exemplo, que elevadas

taxas de inovação e de esforço tecnológico empresarial possam existir mesmo em

estruturas produtivas cujos setores baseados em C&T são relativamente

minguados. Contudo, desde a lógica de nossa hipótese, essas seriam claramente

dependentes de elevado nível de renda, variável cuja consideração é irrelevante

no quadro mais geral de políticas de desenvolvimento econômico em países

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atrasados e, portanto, pobres. No mesmo sentido, o fato de um país contar com

grandes empresas exportadoras pode afetar decisivamente sua inovatividade,

tudo o mais constante. Como destacado na delimitação do problema de pesquisa,

interessa menos averiguar se aumentou a importância do uso de conhecimento

científico para a diferenciação de produtos – o que é claramente corroborado por

um sem número de evidências – e mais se essa mudança não possui impactos

distintos em países menos desenvolvidos e se continua a ser fortemente

circunscrita pelas assimetrias tecnológicas e mercadológicas intersetoriais.

Por suposto, nem sempre é fácil separar os dois efeitos na realidade. Via

de regra, as empresas brasileiras mais competitivas encontram-se em setores de

menor intensidade tecnológica ―teórica‖. Segue de nossa hipótese não que elas

não realizem esforços tecnológico-científicos, mas que o fariam mais se

estivessem em setores tipicamente de elevada intensidade tecnológica. Na

medida em que trataremos essa tipificação com variáveis discretas – um setor é

ou não é de alta intensidade tecnológica, nunca é ―em 63%‖, ou ―possui um

coeficiente de 0,276 de alta intensidade‖ – o fato de não ser alheio à perspectiva

adotada encontrar firmas arrojadas por serem internacionalizadas em setores de

intensidade tecnológica, implica que a análise empírica leve em conta o contexto

e que evite dicotomias simplistas. De qualquer forma, esperamos que os casos

existentes possam ser compreendidos no âmbito da lógica que norteia nossa

hipótese (a qual, de resto, pode ser facilmente falseada por evidências tais como

a inexistência de diferenças significativas entre a propensão para executar

esforços tecnológicos em firmas de igual porte e grau de internacionalização em

setores de baixa intensidade tecnológica ―teórica‖ vis-à-vis os de intensidade alta).

***

O estudo segue uma ordem metodológica bastante usual, partindo de um

nível elevado de abstração no início, em direção a estágios crescentemente

empíricos e imediatos, à medida que a investigação vai se aproximando de seu

desfecho. De forma esquemática, o texto está assim estruturado:

teórico-analítico → teórico-normativo → histórico-empírico → empírico geral →

empírico imediato

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Utilizamo-nos para tanto de uma extensa bibliografia, concentrada no que

nos pareceram serem textos fundamentais sobre objetos relevantes para tratar

dos temas peculiares a cada capítulo. Contudo, as referências a autores e teorias

tornam-se cada vez menos frequentes à medida que a investigação avança, ao

mesmo tempo em que crescem em importância o uso de informações empíricas,

na forma de dados e coleções de fatos.

No capítulo sobre as mudanças recentes na política de C&T rumo a uma

política de CT&I, o primeiro predominantemente empírico, a preocupação

documental é apenas acessória. Embora tenhamos nos utilizado de leitura de

jornais, atas de reuniões, pareceres oficiais, leis, exposições de motivos e uma

gama significativa de conversas com especialistas de dentro e de fora do

governo, citações específicas foram empregadas apenas quando pareceram

resultar em afirmações destoantes do senso comum sobre o tema em questão.

Na apresentação da base de dados empregada – um conjunto de

informações sobre aproximadamente 800 projetos reembolsáveis apoiados pela

Finep, aprovados entre 2000 e 2008, e um conjunto equivalente sobre 13.500

projetos não reembolsáveis apoiados pela Finep e pelo CNPq, aprovados no

mesmo período – somos mais didáticos, uma vez que se tratam de informações,

até onde sabemos, pouco exploradas (embora grande parte delas sejam de

domínio público), avaliadas desde uma tipologia nova. Apenas no penúltimo

capítulo detemo-nos especificamente nessa base, quando, então, apresentamos

características mais detalhadas de mesma.

Entretanto, uma apresentação por capítulos ajudará desde já a esclarecer

suas respectivas especificidades, as quais são significativas.

Considerando a presente introdução como primeiro capítulo, iniciamos o

seguinte com uma tentativa de refazer o sentido da teoria de Schumpeter como

uma teoria de crescimento econômico, bem como recuperar, em nível bastante

abstrato, a importância do desenvolvimento tecnológico para o catching up de

países atrasados. Em particular, o objetivo específico que perseguimos é

investigar e delimitar as razões teóricas que dariam sentido à adoção de políticas

de inovação e políticas voltadas para a capacitação tecnológica das empresas em

países atrasados, os quais se encontram significativamente aquém da fronteira

tecnológica. Embora a vantagem da cópia permaneça e possa ser explorada

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durante boa parte do catching up, é plausível que a baixa capacitação tecnológica

se transforme em um problema crucial a partir de certo ponto.

O acúmulo relativamente pobre de capacitações específicas às firmas e

particularmente de conhecimento tácito tenderia, por si só, a levar os catching ups

retardatários à crescente perda de dinamismo, mesmo na existência de elevado

intervencionismo. De fato, é provável que num determinado momento do

processo de catching up, as empresas vejam-se encalacradas entre a baixa

densidade tecnológica dos conhecimentos acumulados ao longo de sua expansão

e o esgotamento da vantagem de seguidor. Esse processo redundaria,

provavelmente ou em uma redução da taxa de investimento e, ato contínuo, de

crescimento, tudo o mais constante (particularmente, mesmo sem alteração no

grau de abertura da economia e sem um choque de inovações no resto do

mundo). Mesmo se a propensão a inovar das firmas fosse insensível aos padrões

tecnológicos das diferentes indústrias de que fazem parte, a vantagem de

seguidor seria insuficiente para compensar o fato de que os mercados nacionais

das firmas ―retardatárias‖ seriam relativamente pobres e, dado que o crescimento

dessas empresas ter se beneficiado de atalhos tecnológicos, sua capacidade

competitiva endógena (particularmente a tecnológica) ser limitada vis-à-vis suas

concorrentes externas.

É certo que a própria perda de dinamismo a que o esgotamento da

vantagem de seguidor tende a partir de certo ponto do catching up, bem como o

não esgotamento da força atrativa da especialização relativa em setores

intensivos em recursos naturais ou em mão de obra barata dificultam a

constituição de setores intensivos em uso de ciência, essa tende a ser uma linha

de menor resistência. Entretanto, nestes a tacitness é menos importante, há

possibilidades mais amplas de inovações incrementais e a taxa de aprendizagem

depende menos de prévio acúmulo de recursos tecnológicos. Ademais, os elos

entre produtores de mercadorias e produtores de conhecimento formam-se mais

espontaneamente, facilitados pela possibilidade de direcionamento (targeting) da

oferta de Ciência. Em suma, sua maior permeabilidade a causas externas às

firmas de competitividade tecnológica fá-los mais responsivos à ação de políticas

públicas.

O terceiro capítulo tem por pano de fundo um cotejo entre, de um lado, a

dicotomia Estado desenvolvimentista e Estado regulatório, devida a Chalmers

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Johnson, com a qual até certo ponto redefine, em oposição a Gerschenkron, as

condições essenciais para que as intervenções progressistas em países

retardatários sejam efetivas. De outro, valemo-nos de um conhecido texto em que

Richard Nelson em que postula que em um capitalismo no qual as empresas são

sujeitos fundamentais da mudança econômica, mas que dependem de outros

agentes para efetivá-la, o não-intervencionismo deve ser rechaçado como uma

política de inovação tecnológica adequada; por outro lado, a intervenção

concentrada no avanço tecnológico per se, irrespectivamente à competição

intercapitalista, como praticada na União Soviética, seria pouco efetiva

economicamente. O sistema nacional de inovação (NSI) seria, por excelência, o

arcabouço institucional adequado para permitir que a seleção de mercado atue e

que os mecanismos evolucionários de mutação sejam os responsáveis essenciais

pelo crescimento e pelo avanço tecnológico e ao mesmo tempo o avanço

tecnológico e científico gere o máximo possível de frutos econômicos. . O NSI

acabou resultando em uma espécie de Meca para os autores mais ou menos

identificados com o neo-schumpeterianismo, ademais da grande parte dos

burocratas e militantes da CT&I, mais ou menos conscientes da fundamentação

oferecida por Nelson. Isso posto, o objetivo desse capítulo é discutir a importância

e os limites do conceito de NSI em países atrasados em um mundo em que a

ciência vem se apresentando, cada vez mais, como uma força produtiva decisiva.

Por sua vez, quer-se com o quarto capítulo avaliar os condicionantes e o

sentido da conversão do Estado brasileiro ao ―schumpeterianismo‖, ou seja, à

percepção de que o desenvolvimento econômico depende essencialmente do

aumento da inovatividade do parque produtivo nacional e que o fomento à C&T

justifica-se sobretudo por seus efeitos econômicos. Para tanto, reconstituímos a

história do aparato de política de C&T brasileiro em cotejo com o desenvolvimento

produtivo do país. Insistindo em separar conceitualmente políticas voltadas para o

aumento da sofisticação industrial e políticas econômicas estruturantes em geral

das políticas de C&T, tentamos evidenciar que o fato de a democratização ter se

dado em um ambiente de fragilidade fiscal e baixa legitimidade do Estado

exacerbou as dificuldades de integração entre aqueles dois aparatos de políticas

públicas. O crescente predomínio da ortodoxia macroeconômica até o primeiro

mandato de Lula completa o quadro contra o qual pode ser devidamente avaliada

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a conversão da política de C&T em política de CT&I, e a ascensão desta ao papel

de política de desenvolvimento econômico por excelência.

A intenção do quinto capítulo é apresentar um quadro empírico geral para

contextualizarmos adequadamente os resultados alcançados pela PCTI brasileira

recente. Esse objetivo se desdobra primeiramente em apresentar a evolução

histórica de indicadores de competitividade revelada, de inovatividade e de arrojo

tecnológico das firmas brasileiras, sempre que possível em cotejo com os

referentes a outras economias nacionais, de forma a evidenciar mudanças antes

e após a guinada schumpeteriana recente. Secundariamente, oferecemos

evidências de que todo o sistema de produção e difusão não empresarial de

conhecimento formal vem evoluindo notavelmente. Finalmente verificamos até

que ponto a setorialidade das oportunidades tecnológicas, pioneiramente descrita

por Pavitt no início dos anos 80, perdeu sua força explicativa vis-à-vis

especialidades produtivas nacionais reveladas como determinante das diferenças

inter-setoriais de inovatividade e de arrojo tecnológico.

Esse tema é retomado com detalhada atenção no sexto capítulo, no qual

nossa hipótese central é confrontada diretamente. Para tanto, realizamos um

exercício empírico com o objetivo de aferir até que ponto o nível de oportunidade

tecnológica setorial, mediado pela percepção de lucratividade das empresas,

afeta a demanda por inovações de base tecnológica e científica e condiciona o

efeito de políticas de promoção da inovação tecnológica.

Apesar de os recursos aplicados nos novos instrumentos terem mais que

triplicado em poucos anos e a demanda ter superado a oferta quase sempre,

grande parte dos projetos selecionados apresentou relação apenas mediada com

inovações tecnológicas, realizadas em empresas. Admitiu-se que a análise

individual dos projetos poderia evitar dicotomias como empresarial versus não

empresarial e intensivo em C&T versus não intensivo em C&T, e, assim, ser

coerente com os efeitos mediados, sistêmicos e difusos que se esperam dos

sistemas nacionais de inovação. Na medida em que cada projeto definiu um trio

de informações – qualidade, valor e situação setorial – realizamos testes

elucidativos da força de nossa hipótese e de outras explicações potencialmente

relevantes. Esses testes foram reforçados pelo uso dos projetos reembolsáveis –

que tem por pressuposto a atratividade econômico-financeira – com cujos

resultados foram comparados.

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A conclusão do estudo coincide com o sétimo e último capítulo, no qual

reconstituímos, de forma sucinta e quase esquemática, a cadeia dos principais

argumentos mais diretamente articulados com a hipótese central, apresentando

os resultados alcançados, seu significado e consequências normativas para a

abordagem do problema tecnológico-empresarial no desenvolvimento

retardatário.

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2. ELEMENTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS PARA A FUNDAMENTAÇÃO

DE POLÍTICAS DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA EM ECONOMIAS

ATRASADAS

2.1. Introdução

A discussão deste capítulo está encaminhada da seguinte forma:

inicialmente, tenta-se reproduzir o que parece ser o sumo do mecanismo de

crescimento descrito por Schumpeter. Evitando-se as clivagens comuns na obra

de autores de seu porte, desejou-se focar no que é essencial ao funcionamento

de sua cadeia lógica iniciada com a introdução da concorrência criativa em uma

economia abstrata, em fluxo circular, sem ociosidade no uso de fatores de

produção mais que friccional e condutor a um sistema econômico como um todo,

se expandindo independentemente da ação de quaisquer forças exógenas. Essa

hipótese altera profundamente os resultados do modelo walrasiano canônico,

como se sabe, independente das características da inovação adotada, tal é o grau

de generalidade com que Schumpeter repetidas vezes a descreveu.

A seguir, adiciona-se a possibilidade do uso de conhecimento científico

como arma competitiva decisiva, apresentando as alterações que acarretaria para

o ―modelo‖ original de Schumpeter. Grosso modo, evidencia-se que tipos

diferentes de inovação tendem a gerar resultados bastante distintos – mesmo que

se ignore a possibilidade de intervenções calculadas do Estado para alterar as

decisões empresariais.

Esse mecanismo é válido para economias que se encontram muito aquém

da fronteira tecnológica? Se não, que diferenças podem ser esperadas? São

essas perguntas que se busca responder na sequência.

Na seção seguinte, introduzimos o problema do atraso econômico e do

catching up a partir dessa situação. Partimos da caracterização de economias

atrasadas como aquelas cujas firmas formaram-se via de regra muito tardiamente

em relação às competidoras líderes. Tais firmas padecem da desvatagem de

terem acumulado relativamente pouco conhecimento e maestria tecnológica.

Assim, suas capacitações competitivas tiveram de se concentrar em outros

aspectos. Não necessariamente o que elas gostariam, mas o que podiam deter.

Essa desvantagem leva a outras. Uma notável é a ausência quase total de

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setores inteiros, frequentemente os mais inovadores – mais capazes de criar ou

de controlar a criação de novos produtos e processos – e, portanto, mais

lucrativos. Por outro lado, como o atraso quase invariavelmente implica em menor

nível de renda disponível, capacitações competitivas criativas de natureza não

tecnológica também tendem a se apresentar atrofiadas e com baixo dinamismo.

Em compensação, essas empresas – ditas latecomers – possuem uma

vantagem, se não para efetivamente alcançarem, ao menos para crescerem muito

mais rapidamente que as firmas sediadas em países já desenvolvidos. Trata-se

da vantagem de seguidor (second mover), segundo a qual o país (ou firma)

retardatário dispõe de um atalho à sua disposição, pois pode copiar soluções

tecnológicas já testadas e aprovadas, ou mesmo adquiri-las já massificadas,

plasmadas em bens de capital compráveis no mercado. Assim, o debate entre os

autores da teoria do desenvolvimento pode, grosso modo, ser resumido na

exploração da tensão entre a tendência à especialização produtiva em setores e

atividades de baixo crescimento da produtividade (ou nos quais há pouco controle

sobre os elementos decisivos para o crescimento da produtividade) e a vantagem

de seguidor.

O ―problema‖ schumpeteriano está ausente nesse quadro não por

subestimação ou imprecisão da importância do progresso tecnológico para o

crescimento, mas por ser considerado implausível: o cálculo capitalista individual

tenderia a simplesmente aprofundar o gap tecnológico. É preciso que uma força

externa o faça colapsar e/ou que coordene as decisões individuais para que os

frutos do progresso técnico mundial possam ser mais bem absorvidos pelo

conjunto das firmas retardatárias. Essa coordenação tem chance de sucesso

apenas porque há uma vantagem de seguidor, caso contrário a coordenação

falharia. A importância do aumento da capacidade de criação tecnológica própria

estaria relegada ao campo do voluntarismo puro e simples, pois o catching up

tecnológico é rigorosamente impossível.

Na quarta seção apresentamos pontos da agenda dos autores

schumpeterianos que lidam direta e indiretamente com o problema do catching up

de países atrasados. Em sua versão básica, até certo ponto em concordância

com a abordagem desenvolvimentista, estabelece-se que a capacidade de

sustentar o catching up é função do avanço tecnológico das firmas. Os trabalhos

de Abramovitz, baseados em growth accounting, e as interpretações acerca do

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―descolamento‖ de Taiwan e da Coréia do Sul frente à desaceleração do

crescimento dos NICs forneceram as linhas interpretativas principais para

compreender o catching up periférico. Adiante, em parte como desdobramento

desse programa de pesquisa, em parte em decorrência do esforço neo-

schumpeteriano de estabelecer microfundamentos alternativos aos do main

stream (abrindo a caixa preta das firmas), sua investigação passou a se

concentrar nas características específicas das firmas latecomers.

Isso nos conduz a uma tentativa de sistematizar o que parecem ser os

pontos cruciais na compreensão evolucionária/neo-schumpeteriana da firma, ao

menos no que separa as firmas de países atrasados das líderes dos países

avançados. É o que se faz nas subseções 3.2 e 3.3.

Estruturou-se a exposição em torno das fontes de diferencial nas

capacitações tecnológicas das firmas: internas versus externas quanto à origem

do conhecimento relevante; e tácitas versus formalizadas quanto à forma. Trata-

se de uma simplificação, obviamente, mas que parece captar o que há de

essencial na compreensão do atraso tecnológico de acordo com essa Escola.

A aprendizagem – processo de progressão no domínio das capacidades

tecnológicas relevantes para a competitividade empresarial – é o conceito

essencial para apreender o catching up ao nível da firma. Ela assume formas

distintas de acordo com a relevância das fontes do conhecimento. Mais, sua

consideração permite compreender com mais precisão as diferenças entre os

desenvolvimentistas clássicos e os schumpeterianos. Enquanto para estes a

aprendizagem é um processo que exige esforço próprio, essencialmente não

adquirível no mercado; para aqueles, é em grande medida um processo derivado

das atividades de produzir e de investir, ou é passível de compra.

De fato, vistas mais de perto, tais abordagens apresentam uma gama

ampla de estudos em que essa diferença apresenta-se sutil. O que parece

decisivo é que via de regra os schumpeterianos atribuem um papel maior à base

original de recursos específicos (―penrosianos‖) às empresas individuais como

determinante de sua competitividade, tanto para acessar o conhecimento externo

quanto para explorar sua base de conhecimento tácito. Dessa forma, a

aprendizagem manifesta-se como fortemente dependente das condições iniciais.

Os autores desenvolvimentistas, por seu turno, ainda quando admitem a não

linearidade desse processo, entendem que as condições externas, dadas pelas

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pressões competitivas a que as empresas são submetidas, somadas às

condições institucionais providas pelo Estado (as instituições para o catching up

referidas por Gerschenkron e Veblen), cumprem um papel decisivo na

aprendizagem, no que essa extravasa o learning by doing e o learning by using

simples.

Na seção final, tentamos elaborar um esquema sintético dessas duas

visões, admitindo que a aquisição de capacitação tecnológica pode ser feita de

forma mais ou menos ativa (neste caso, com relevante learning by doing), e mais

baseada em conhecimento tácito ativo ou em conhecimento externo formalizado.

O intuito é evidenciar que o conhecimento científico ―direcionado‖ (targeted) pode

permitir a passagem de baixos níveis de conhecimento inicial para níveis

relativamente elevados em alguns setores da economia, a depender da

possibilidade de aproximar a oferta de tecnologia científica das capacitações

relevantes no setor. Em outros setores, a aprendizagem passiva continua a

cumprir um papel decisivo, cabendo apenas o fornecimento de mão de obra

educada e treinada.

Outra faixa de setores ou depende de apreensão de conhecimento

científico difuso e em elevado nível de abstração ou tem no domínio de tacitness

umelevante componente de competitividade empresarial. Nesses segmentos, as

condições iniciais são decisivas, aproximando-os de mercados em concorrência

monopolística. A penetração de firmas latecomers nesses nichos é difícil e, de

qualquer forma, pouco sensível a ações de políticas públicas.

2.2. Concorrência, Diferenciação, Inovação e Tecnologia Científica

2.2.1. Diferenciação e inovação como condutas semelhantes para a

obtenção de quase-rendas

Se para Marx (1983, p.7) a riqueza dos países capitalistas aparece como

uma imensa coleção de mercadorias, pode-se dizer que para Schumpeter o

crescimento da riqueza caracteriza-se, essencialmente, pela constante mudança

na composição dessa coleção, mais do que por sua expansão quantitativa

(SCHUMPETER, 1983, 1975, 2002a). De fato, essa distinção de enfoque

representa um ponto essencial na compreensão da dinâmica do crescimento

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nesses dois autores que, sob outro ponto de vista, assemelham-se na

preocupação por encontrar ―leis de movimento‖ do capitalismo e, mais

especificamente ainda, por definirem o progresso técnico endógeno como o motor

das constantes mudanças que lhes são intrínsecas.

Para Marx, ao fim e ao cabo, a endogeneidade do crescimento representa

tanto a garantia de contínuo dinamismo e de que os níveis de produtividade (do

trabalho) e de renda média tenderão a crescer a longo prazo, como, pela ação

conjunta da lei do valor, acabará minando, secularmente, a possibilidade de

sobrevivência de todo o modo de produção. Para Schumpeter, mesmo que a lei

do valor estivesse correta, a endogeneidade do progresso técnico não o levaria

ao declínio secular, antes pelo contrário1,2. Embora, como Marx, Schumpeter

entenda que os capitalistas introduzem inovações para fugir à concorrência e

assim alcançar quase-rendas, mesmo que fatalmente efêmeras, tanto essas

inovações não estão restritas ao setor produtor de bens de capital como não são

necessariamente poupadoras de trabalho, ao menos em um primeiro momento.

Além disso, e talvez mais importante, a criação de novos produtos a partir de

linhas industriais já existentes – ―novos usos para recursos já existentes‖ – coloca

um elemento de contínua renovação no sistema. Destarte, se é previsível que a

taxa de lucro caia ao longo do ciclo de surgimento e amadurecimento de um novo

produto3, espera-se que adiante esteja em ascensão em atividades novas,

sempre surgindo por ação do mesmo mecanismo de propulsão endógeno. Criam-

se então espaços de ―valorização do capital‖ extraordinários, capazes de

movimentar paulatinamente a propensão a investir e, assim, a poupança,

empurrando continuamente o sistema em direção à mudança.

Assim, em relação a Marx, Schumpeter amplia enormemente o escopo da

inovação. Primeiro, porque não a restringe ao momento poupador de trabalho, o

qual corresponde a um estágio já avançado de imitação da inovação de fato,

quando já foi por assim dizer absorvida pelo setor produtor de bens de capital,

salvo quando se trata de uma inovação de processo. De qualquer forma, a

1 Mantenhamos a argumentação, por enquanto, em nível de abstração mais elevado do que o que Schumpeter emprega em

Capitalism, Socialism and Democracy, porque nossa intenção imediata é, a partir da comparação entre Marx e aquele autor, elucidar a relação entre conhecimento tecnológico, inovação e progresso técnico de forma genérica, ou seja, no capitalismo em geral. 2 Schumpeter, pelo menos até os Business Cycles, nunca deixou de aceitar a lei do valor como força causal de última

instância a mover o sistema dentro de uma configuração, mas, como é bem conhecido, em sua versão walrasiana, utilitarista. 3 Como em VERNON, 1966, e em UTTERBACK, 1986.

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inovação poupadora de trabalho é um caso particular de inovação ou um aspecto

particular do ciclo.

Em segundo lugar, estende-a a todos os setores da economia, tendo-se

em vista que inicialmente acontece sobre uma quantidade dada de fatores de

produção. Embora Schumpeter explore seguidamente o aprimoramento de um

processo de produção nos Business Cycles, seu caso típico é o lançamento de

um novo produto, o qual pode ocorrer em qualquer ―departamento‖ da economia.

Em terceiro lugar, expande sua compreensão para além da concepção

tecnológica de inovação, tanto no sentido mais trivial como no de aplicação de

conhecimento científico. De fato, Schumpeter está muito mais interessado em

generalizar a introdução de inovação como uma forma de concorrência,

generalizável por onde quer que haja produção capitalista, ou seja, voltada para a

obtenção de lucro.

Dessa perspectiva, Schumpeter (SCHUMPETER, 1934, 1936) aproxima-se

de Chamberlin, CHAMBERLIN 1969, 1951, 1951b) notadamente em seu esforço

de generalizar uma Teoria da Concorrência Monopolística. Para este autor, as

diversas situações de concorrência poderiam ser elencadas segundo a menor

elasticidade de substituição existente em relação ao bem ofertado por uma

empresa em particular: quando essa elasticidade tende ao infinito, tem-se

concorrência perfeita; quando tende a zero, ao monopólio puro. Mais além, como

se sabe, tratou ele mesmo das semelhanças e dessemelhanças entre sua

concepção e a do autor austríaco, as quais são bastante ilustrativas do papel da

fuga à concorrência ou à lei do valor (em ambas as acepções) para o dinamismo

econômico. Na medida em que Chamberlin foca o problema da capacidade de o

sistema restabelecer um equilíbrio coerente com a existência do valor, o que se

obtêm é menos uma teoria do crescimento ou mesmo da dinâmica e mais uma

teoria quanto ao estado a que se tende quando a mudança cessa e seus efeitos

se esgotam – exatamente o que não interessa a Schumpeter. Ipso facto,

Chamberlin se satisfaz em apontar a diversidade de fontes de diferenciação e

explorá-las sob a forma de um modelo em que essas diferenciaçõesestabelecem

taxas de lucro diferentes, mas menos ―contestáveis‖ que os sobre-lucros

schumpeterianos.

Esse aspecto é relevante na medida em que as qualidades intrínsecas do

produto cuja venda permite lucratividade extraordinária para Chamberlin podem

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ser apenas casuais, como localização, ou imateriais, como marca. Isso não

impede sua permanência e o rigor analítico de se avaliar por estática comparativa

as conseqüências da introdução de fatores de diferenciação em relação às

características de um mercado em concorrência perfeita.

Também Schumpeter não impõe à inovação que traga uma qualidade

realmente nova ou superior à anteriormente existente aos bens disponíveis. O

que lhe importa é que seja capaz de permitir ao empreendedor fugir ao

achatamento da taxa de lucro que a concorrência impõe. O inovador

schumpeteriano é um diferenciador, mas é um diferenciador cuja busca de virar

um monopolista gera efeitos altamente desejáveis, na medida em que, ao

contrário do diferenciador de Chamberlin, fá-lo baseado em vantagens que, contra

sua vontade, não podem ser sustentadas, ao menos não na sua forma original.

Contudo, a transitoriedade, por assim dizer, da diferenciação

schumpeteriana revela que não é apenas o foco mais na mudança do que nas

consequências para o equilíbrio que separa Chamberlin de Schumpeter. Naquele

autor, as especificidades existentes, dadas, irredutíveis, de cada firma em relação

às demais acabam se associando a qualidades específicas, reais ou imaginárias,

do produto ou serviço que ofertam em relação aos de seus competidores. Vale

dizer, a estabilidade, ainda que flexível, dotada de alguma fluidez, brota da

análise chamberliana. Como resultado, seu foco recai menos na dinâmica e mais

no equilíbrio, relativamente a Schumpeter, em boa medida em decorrência de

Chamberlin destacar uma diferenciação em cima do já existente e menos a partir

do que é novo como fonte de sobrelucros. Não obstante, o autor norte-americano

não nega a existência da busca de sobrelucro estritamente por inovação nem a

declara como geralmente irrelevante.

Essa diferença não se origina apenas de uma opção epistemológica

diferente da de Schumpeter – que se interessou mais pelo movimento que se

segue à inovação-diferenciação do que pela reconstituição do equilíbrio após a

inovação-diferenciação – mas da percepção de que uma mudança inicial conduz

a outras, que fazem as forças do equilíbrio menos relevantes. Vale dizer: o foco

no caráter radicalmente construído da inovação de Schumpeter em relação à

inovação de Chamberlin altera decisivamente os desdobramentos de seus

―modelos‖. Se Schumpeter se interessasse apenas pelo que acontece dada uma

inovação baseada em vantagens já existentes (ainda que sua associação a uma

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maior qualidade efetiva do produto ―diferenciado‖, e não apenas imaginária,

existisse), a diferença com Chamberlin seria superficial. Mas o que ele nos diz é

que se a diferenciação original foi construída, pode ser imitada e pode mesmo ser

superada: é impor-se uma restrição demasiada supor que a ação dos

empresários tenha de ser passiva (não rival) e a flexibilização dessa hipótese não

pode ser tratada sob cláusula de coeteris paribus, sob risco de corrosão lógica do

sistema analítico utilitarista-marginalista, tanto marshalliano como walrasiano.

Está correto afirmar que se Schumpeter e Chamberlin se assemelham na

dissociação entre tecnologia e inovação, e, portanto, entre tecnologia e obtenção

de sobrelucro, se afastam decisivamente na percepção de que a inovação-

diferenciação é essencialmente (tanto teórica como empiricamente) uma criação:

pode acontecer em qualquer setor da economia, pode acontecer com bastante

frequência e, finalmente, pode ser imitada ou copiada.

2.2.2. Efeitos teóricos da diferenciação e da inovação para o

crescimento econômico

No que se refere às consequências da competição baseada em

diferenciação e inovação para o crescimento econômico, Chamberlin também se

afasta de Schumpeter, que, até certo ponto, sob essa perspectiva, se aproxima de

Marx.

A introdução de uma diferenciação em Chamberlin só pode aumentar a

riqueza nacional se efetivamente resultar de um acréscimo real de qualidade ao

bem ―homogêneo‖, embora, quando se pensa em uma economia aberta, uma

nação possa se beneficiar às expensas das demais, na medida de todo

sobrelucro extraído dos consumidores estrangeiros. Esse efeito, de qualquer

forma, é once for all e sua expressão macroeconômica é uma simples soma

horizontal dos sobrelucros e dos aumentos reais de qualidade dos produtos

gerados sob concorrência monopolística.

Embora a diferenciação "criativa", em oposição à associada ao controle de

ativos específicos não reprodutíveis (por exemplo, o acesso a uma fonte de água

mineral com composição excepcionalmente rica), possa ser sucessivamente

repetida, não há razão intrínseca para que esta siga acontecendo, de forma que a

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capacidade de implementar diferenciações criativas, salvo melhor juízo, é uma

base frágil para uma teoria de crescimento econômico. Não obstante, não é difícil

que uma confusão se estabeleça quando a observação empírica prescinde da

percepção teórica, haja vista que em países de alto nível de renda

frequentemente abundam empresas para as quais a diferenciação é um

expediente concorrencial importante. Ocorre que essa peculiaridade, a qual

certamente acaba por reforçar a capacidade competitiva dessas empresas vis-à-

vis as de países mais pobres, antes deve-se ao elevado nível de diferenciação e

de sofisticação das preferências dos consumidores, mercê de seu elevado poder

aquisitivo. Assim, não é surpreendente que a diferenciação seja

impressionisticamente associada ao crescimento econômico, e, na medida em

que as motivações que levam os capitalistas a diferenciar sejam idênticas ou

muito semelhantes às que os levam a inovar, confundida com a inovação. Ora, é

precisamente pelo condão de, por intermédio de um processo auto-propulsado

(ao menos a partir de certo ponto) e que desencadeia endogenamente ganhos de

produtividade expressivos, gerar crescimento econômico, que a inovação –

mesmo a não tecnológica – se distingue da diferenciação.4

O caráter essencialmente criado e replicável da diferenciação

schumpeteriana ajuda a explicar por que essa teoria foi assimilada a princípio

como uma teoria do desenvolvimento tout court e não como uma teoria da

concorrência ou como uma teoria microeconômica, o que talvez lhe corresponda,

mais rigorosamente. Ao aparecer como uma criação, a inovação funciona de fato

como uma ―fagulha‖. Os movimentos que se seguem, de imitação e cópia, de

difusão, de incremento e de geração de inovações derivadas, são, ao fim e ao

cabo, muito mais relevantes macroeconomicamente. Isso é verdade mesmo que

se considere uma inovação ―imaterial‖, mas – o que é especialmente relevante

para a presente discussão – a força do processo como um todo é profundamente

alterada a depender do tipo de inovação de que tratamos.

Suponha-se uma inovação baseada em marketing, na qual alterações

apenas superficiais – realçadas e mistificadas por uma eficiente campanha

publicitária – tenham sido introduzidas em um produto, sem alterar sua qualidade

4 Doravante considera-se, salvo se explicitado em contrário, "diferenciação" apenas o expediente concorrencial baseado em

ativos com baixa reprodutibilidade, reservando-se a expressão "inovação não tecnológica" para condutas que, embora semelhante na natureza não tecnológica e na limitada cumulatividade, são criativas.

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intrínseca, de modo a formar uma marca5. Os consumidores se disporão a pagar

um preço-prêmio pelo produto, inclusive deslocando consumidores de outros

mercados próximos (por exemplo, um carro esportivo atraindo consumidores que

tipicamente compram carros familiares).Isso engendrará tentativas de cópia e

novas campanhas publicitárias, alterando o componente autônomo na demanda

por investimentos. Ao mesmo tempo, negócios lucrativos anteriormente à

inovação, tenderão a perder sua atratividade e, no limite, ficariam inviáveis.

Embora não haja nada no sistema schumpeteriano que garanta que em um novo

patamar (provisório) o nível de produtividade e de renda seja superior ao anterior,

espera-se que assim aconteça, na medida em que é admissível que dificilmente

uma inovação será chancelada pelo mercado sem que seja capaz de

efetivamente acrescentar valor de uso aos consumidores.6

Em Marx – outro autor clássico que claramente define a inovação como

endógena –, mudança tecnológica e inovação estão umbilicalmente integradas,

seja porque está voltado para a definição de casos gerais (até onde alcançou sua

análise da concorrência), seja porque sua análise da inovação é construída nas

cercanias do conceito de valor e, portanto, da definição do tempo de trabalho

socialmente necessário. Resulta, assim, que, ainda que sua concepção de

inovação seja, em que pese sua endogenia, muito mais restrita que a de

Schumpeter,tecnologia e inovação são indissociáveis em Marx. De fato, pode-se

dizer que a tecnologia é endógena para Marx, o que em Schumpeter não

acontece com a mesma nitidez. Mesmo em Capitalism, Socialism, Democracy, a

existência do departamento de P&D corresponde mais a uma combinação

sinérgica de um vetor de domínio dos desdobramentos tecnológicos de certa linha

industrial que também pode ser associado à lógica da grande corporação

(CHANDLER, 1988).

Obviamente, não há em Marx uma discussão específica sobre dinâmica

tecnológica, estando seu interesse mais restrito aos efeitos da tecnologia no

5 Metcalfe destaca a capacidade de os consumidores distinguirem qualidades em produtos distintos como indício de

efetividade da competição. Esse aspecto, que pode parecer até certo ponto esotérico, na verdade, remete à aguda percepção de Schumpeter do inovador como um educador de gostos dos consumidores, em seu célebre rechaço do papel da demanda como explicativa da inovação. 6 As noções de progresso e de evolução não são, como se sabe, coincidentes. Em Hayek, autor que guarda fortes

semelhanças com a leitura evolucionária de Schumpeter, o mercado depura o conhecimento que é criado espontaneamente por toda sociedade, da melhor forma possível. Em alto nível de abstração, apenas sob certas hipóteses (atinentes à teoria do valor) segue daí que o aprimoramento do conhecimento (diferente do seu acúmulo, em princípio) conduz a um aumento da renda e da produtividade médias.

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processo de trabalho, às dicotomias subsunção real versus formal, mais-valia

absoluta versus relativa, entre outras questões. A decorrente endogenia do

trinômio ciência, tecnologia e técnica é bastante direta nesse autor e tratada em

elevado nível de abstração, de onde sua imprecisão empírica (ROSENBERG,

2001). É de se notar que no tocante à compreensão do crescimento econômico,

ao menos até o final do período fordista-taylorista – o qual coincide com o

nascimento e a consolidação da P&D sistemática e da big business science –,

esse arcabouço foi bastante eficaz, permitindo aos marxistas, entendidos em

sentido lato, moverem-se com destreza entre os conceitos de mudança técnica,

progresso técnico, escolha de técnica, escala mínima e assim por diante.

Ao fim e ao cabo, a relação entre crescimento e inovação aparece de forma

bastante direta em Marx. A redução do tempo de trabalho socialmente necessário

é uma contrapartida lógica do aumento da produtividade do trabalho, decorrência

por excelência da inovação, expressando-se como aumento da quantidade de

mercadorias que cada trabalhador cria, direta e indiretamente, dados um tempo

de trabalho e um esforço médios. Essa redução é ―incorporada‖ no setor produtor

de bens de capital, o qual funciona como difusor de tecnologia. Uma vez

introduzida a novidade, os competidores do inovador buscarão avidamente imitá-

lo, gerando uma ―curva de aprendizado‖ típica, com derivada primeira sempre

positiva, e derivada segunda trocando de sinal ao longo do processo. As taxas de

crescimento agregadas seguirão esse movimento, convergindo para um ponto ao

final do qual o crescimento se desacelera, mercê de taxas de investimento

cadentes, mas o estoque de capital por trabalhador resulta fisicamente maior,

assim como a produtividade do trabalho e, assim, a renda per capita.

De forma geral, portanto, automação, produtividade média e crescimento

andam juntos em Marx. A tecnologia é um insumo que vai sendo cada vez mais

assimilado e subsumido na produção de bens de capital, que serão ou não

introduzidos pelos capitalistas dos setores usuários na medida em que antevejam

lucros maiores com sua introdução, sempre diretamente relacionados com

ganhos de produtividade, ou seja, via redução de custos. Seria inapropriado

afirmar que Marx associa todo o crescimento da produtividade ao aumento da

composição orgânica do capital, mas é de se esperar que, tendo-se presente que

a inovação é vista como uma inovação no D1, o preço dos bens de capital caia à

medida que, da mesma forma que acontece no mercado de bens que os

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empregam, uma onda de imitadores bem sucedidos emerge. Salvo erro, portanto,

Marx esperaria que, via de regra, um aumento na PTF fosse aferido ao fim do

processo7.

A discussão frequente acerca da dicotomia invenção e inovação, não

apenas em Schumpeter, mas também em seus seguidores, ilustra como as

inovações de caráter material e, por conseguinte, tecnológicas, são de especial

interesse também sob essa perspectiva. Sem embargo, diferentemente de Marx,

admite-se que a inovação pode acontecer em qualquer setor econômico, não

estando necessariamente plasmada em um equipamento novo ou mesmo em um

―novo uso‖ para um equipamento já existente: essa seria apenas mais uma

possível forma de inovação.

Novamente, o processo que interessa Schumpeter é o da mudança

econômica, processo que tem na inovação sua fagulha inicial. Uma vez que se

revela bem-sucedida, seu introdutor passa a auferir lucros extraordinários.

Contudo, diferentemente da inovação imaterial que consideramos anteriormente,

seu caráter tecnológico revela sua importância pelo fato de envolver um

conhecimento não trivial sobre como empregar insumos já disponíveis. Não há

nenhuma barreira baseada em vantagens ―naturais‖, ou dadas, que explique o

sobre-lucro, mas a inovação tecnológica também está longe de ser um ovo de

Colombo. Um processo que pode ser bastante custoso de tentativa de imitação é

posto em curso pelos imitadores. Recursos são realocados, porém, mais que isso,

têm de ser criados, forçando uma elevação do crédito, mercê de um aumento do

investimento autônomo. Segue-se uma série de desequilíbrios, potencialmente

desestruturadores, gerando aprimoramentos e modificações, não raro de

empresários seguidores. Eventualmente, logra-se a padronização daquilo que foi

uma invenção, transferindo, aí sim, ao setor produtor de equipamentos, a primazia

da mudança.

Conforme mencionado, não é claro que esse movimento conduza o

sistema econômico como um todo a um patamar de produtividade e renda

superior ao anterior, caso seja excluído do modelo o momento de sedimentação

7 Marx sugere que as inovações acontecem continuamente ao longo do ciclo econômico, embora algumas trajetórias

esperadas de certas variáveis possam afetar a taxa de inovação. Por exemplo, na medida em que o ciclo arrefece e os salários reais tendem a cair, os capitalistas se sentiriam menos estimulados a introduzir inovações. Embora muitas delas não sejam induzidas por pressões salariais efetivas, Marx entendia que o controle das pressões salariais induziria os capitalistas a acelerarem a introdução de inovações.

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da produção do produto inovador, de sua assimilação e produção em escala

industrial. De fato, a generalização da inovação para além do setor produtor de

bens de capital implica em se pagar um preço na identificação da teoria de

mudança tecnológica de Schumpeter como uma teoria do crescimento

econômico. Pode-se fazer uma série de inferências sobre o impacto desse

processo para o crescimento econômico. Pode-se ademais acrescentar hipóteses

tais que uma inovação altere decisivamente o nível médio de renda, como de fato

foi feito ao se comparar inovação baseada em invenção e inovação imaterial, bem

como ao se considerar se sua difusão alcança ou não a produção em série.

Porém, quer parecer na verdade que a noção de mudança econômica que

Schumpeter perseguiu não coincide necessariamente com a de crescimento

econômico.

Com efeito, o que se tem são duas teorias do crescimento convivendo no

mesmo paradigma.

A teoria de crescimento schumpeteriana é uma teoria do crescimento via

investimento autônomo. Dado um regime macroeconômico, correspondente a

uma economia em fluxo circular, a introdução de uma inovação permite taxa de

lucro ao inovador. Percebida, essa taxa de lucro promove a imitação, que por si

só aumenta o investimento. Se essa busca for bem-sucedida, os imitadores se

multiplicam e buscam recursos financeiros adicionais para migrar para a produção

do bem novo, acelerando o crescimento. O investimento arrefece à medida que a

taxa de lucro percebida pelos entrantes se deprecia, a ponto de não cobrir custos

adicionais de entrada. No novo nível de renda, tem-se superior nível de

produtividade, mas o crescimento só se mantém se outra inovação for introduzida

ou se inovações incrementais seguirem a originalmente considerada.

Outra parte dos autores schumpeterianos se concentra nas decorrências

de criação de utilidade nova, dado um estoque de fatores de produção (o que sem

dúvida foi enfatizado por Schumpeter, mas como condão da inovação e não da

difusão). O efeito em bem-estar decorre da reprodução da inovação

horizontalmente, pela agregação das firmas que adotam a inovação,

comportamento ao qual são induzidas por efeito da concorrência. Esse aumento

de utilidade social não é captado imediatamente, mas ao longo do tempo, na

medida em que as contas nacionais vão incorporando novos bens na aferição do

produto. Ademais, efeitos derivados de aumento na produção de outros bens

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tendem a ocorrer, enquanto outros são deslocados, descrevendo uma destruição

criadora. Não se pode dizer em princípio para onde vai a relação capital-trabalho,

a qual pode inclusive cair, sobretudo se se considera a existência de capital

humano, cuja utilização quase certamente aumentará. Sem embargo, a

produtividade total de fatores crescerá.8

Na verdade, não há nada de antagônico a separar as ―duas teorias

schumpeterianas‖. O que de fato ocorre é que ao longo de um ciclo,

aproximadamente na etapa que Schumpeter chama de ―recuperação‖9, domina

por assim dizer, a segunda explicação da relação entre inovação e crescimento

Vale dizer, a inovação causa o crescimento via tentativa de competidores diretos

ou próximos de reproduzirem a inovação original, a qual tende a aumentar a

produtividade do capital e da mão de obra já empregadas. Sem dúvida, é de se

esperar que os acréscimos marginais aos estoques de capital e de trabalho que

se seguem ocorrerão também com aumento da PTF. Conforme o ciclo se

aprofunda, contudo, e inovações incrementais se sucedem (inclusive alterando os

equipamentos empregados, e os padrões de gestão do processo produtivo que se

seguem – mercê de mudanças significativas na relação entre taxas de lucro e na

taxa de lucro agregada, durante um bom tempo)é o aumento do investimento

como um todo a força que responde pelo maior crescimento da produtividade,

sendo possível que, agregadamente (o que implica se ter em conta não mais o

âmbito nacional, mas o mundial), a produtividade do capital caia ou estagne a

partir de certo ponto.

Isolando o fato de Schumpeter trabalhar em nível elevado de abstração,

tratando do capitalismo como um todo, pode-se pensar em um tipo de ―divisão

internacional‖ do conjunto do processo descrito, na tradição do ciclo do produto de

Vernon. Nesta linha, é provável que nos países mais avançados, que concentram

a grande parte das inovações em escala global, o aumento da produtividade do

capital aferido ao final do processo pareça relativamente mais pronunciado.

Enquanto isso, nos países que fundamentalmente recebem, imitam ou adaptam a

inovação original, o crescimento da produtividade do trabalho é que resulta em

maior importância relativa. O caráter de ―resíduo‖ da produtividade total dos

8 TASSEY APUD AVELLAR 2007: 51 oferece um diagrama ilustrativo dos efeitos macroeconômicos e para a firma inovadora

no curto, médio e longo prazos. 9 Cf. SCHUMPETER, 1936: 49

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fatores fica aí bastante explícito, significando muito pouco como elemento

explicativo se não é possível isolar o efeito do ciclo (sobretudo se abrimos mão da

hipótese de que via de regra as inovações se dão em clusters, o que dificultaria

muito mais delimitar o ciclo). Sem embargo, esse conceito, originalmente apenas

empírico, teve sobre grande parte dos seguidores de Schumpeter uma força

avassaladora.

Dois motivos apontam para razões, por assim dizer, históricas e até certo

ponto casuais. Em primeiro lugar, o resíduo de Solow ter sido ―anunciado‖, logo

depois de Abramovitz ter tentado as primeiras incursões de aferimento das

variações nas taxas de crescimento dos estoques dos fatores de produção,

justamente pelo economista ortodoxo de vanguarda na teoria do crescimento. Em

segundo lugar, o fato de a teoria walrasiana ter se mostrado, pelas mãos de

autores como Roemer e Lucas, extremamente generosa em compreender os

intrincados mecanismos por meio dos quais ―conhecimento‖ se transforma em

riqueza (o que, a rigor, como vimos, é bastante compreensível desde a

perspectiva de Marx, mais nitidamente que a de Schumpeter), os quais, em doses

diferentes, implicam flexibilizações surpreendentes sobre o conceito de função de

produção, sobre a importância da presença de falhas de mercado, e da noção de

comportamento racional-maximizador.10

É verdade que autores sofisticados como Abramovitz dão importância

central à PTF como instrumento de aferição empírica dos efeitos schumpeterianos

da inovação. Pode-se dizer que de fato trata-se da melhor possibilidade de que se

dispõe, sobretudo com a melhora contínua na qualidade dos dados e nas técnicas

econométricas de correção dos inúmeros problemas comumente encontrados em

estimação de medidas nesse nível de abstração, misturando conceitos tão gerais.

Ademais, as medidas de PTF, parece lícito afirmar, parecem coerentes com as de

esforço inovativo e mesmo de taxa de inovação (via indicadores de patentes ou

declarações dos empresários) entre diferentes países e em um mesmo país à

medida que passam de regimes de crescimento baseados em aumento do capital

para crescimento baseado em (alguma medida de) inovação. Contudo, não se

pode deixar de manter alguma dose de ceticismo quanto ao uso exagerado desse

indicador desde uma perspectiva efetivamente baseada em Schumpeter, que,

10 Cf. AGHION; HOWITT, 1999; VERSPAGEN, 2005 e FAGERBERG, 2005.

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como visto, parece articular-se bem em descrições que associem a importância

do aumento da PTF com a introdução da inovação, mas não quando se está

tratando de difusão, imitação e mesmo de inovação incremental. Quer dizer: com

a detonação do processo que, em um momento seguinte, acaba tendo o

crescimento econômico como consequência provável, mas justamente quando o

―aumento da PTF‖ (supondo um conteúdo teórico que esse conceito não tem)

perde relevância. Ora, o reconhecimento de que o crescimento econômico deve

mais a esses momentos do que à inovação propriamente dita, ainda quando se

tem presente que sem esta aqueles não existiriam, recomenda evitar o uso

indiscriminado da PTF como medida de impacto da inovação ou da ―importância

do schumpeterianismo‖. Por outro lado, do ponto de vista da descrição empírica

do conjunto do processo, dois efeitos previsíveis do ciclo engendrado pela

inovação – a alteração da qualidade dos bens de capital e as economias de

escala – acabam de alguma forma subsumidos na medida, impedindo distingui-

los sem uma boa dose de arbitrariedade.11

Em alto nível de abstração, pode-se, contudo, resumir a relação entre

concorrência, inovação, progresso técnico e crescimento econômico em Marx,

Chamberlin e Schumpeter no quadro que segue:

Quadro 2.1 – Efeitos da Concorrência Baseada em Inovação/Diferenciação em três autores seminais

Marx Schumpeter Chamberlin Fonte da Inovação/ Diferenciação

Criação (análise dinâmica, mas restrita)

Criação (análise maximamente dinâmica)

Aproveitamento de Vantagens (análise estática)

Imitabilidade Máxima Limitada, mas construída

Mínima (completa tacitness)

Apropriabilidade Mínima e transitória Transitória Máxima e Estável

Setorialidade Máxima: inovação é feita em D1

Baixa Irrelevante

Impacto sobre crescimento

Máximo, mas em prazo curto, sem mediações

Potencialmente alto, mas depende de mediações e acontece em prazo longo

Mínimo ou inexistente (consequências são apenas alocativas e enquanto não se encontra novo equilíbrio estável)

11 Cf. LINK; SIEGEL, 2006; CYPHER, 2003; ABRAMOVITZ, 2001; UNGER, 2005; VERSPAGEN, 2005 e RUTTAN, 2002.

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2.2.3. O caso particular da inovação baseada em aplicação científica

Como vimos, os efeitos macroeconômicos da inovação, v.g. sobre o nível

de produtividade e renda de uma economia, podem variar muito conforme se trate

de: i. uma inovação baseada em vantagens não criadas ou pouco reprodutíveis; ii.

de uma inovação imaterial e/ou baseada em criação facilmente copiável; e,

finalmente, iii. de uma inovação tecnológica. Ademais, foi rechaçada a solidez da

associação imediata entre inovação e crescimento econômico. Finalmente,

apontou-se que, quando essa associação se justifica, o uso da PTF como uma

espécie de medida da importância da inovação no crescimento econômico é, do

ponto de vista teórico, inadequado.

Considere-se, não obstante, o caso adicional em que as inovações passam

a ser, majoritariamente ou em grande parte, aplicações de conhecimento

científico (doravante, inovações baseadas em ciência, simplesmente).

Diferentemente da inovação tecnológica em geral, a inovação baseada em ciência

destaca-se pela capacidade de fornecer um roteiro, que reduz o elemento de

incerteza associado à inovação e que faz das atividades voltadas para a inovação

exceções em relação ao longo rol de atividades desempenhadas pelas empresas

voltadas para a competitividade.12 Nesse sentido, o ―roteiro científico‖ cumpre

papel de dirimir a incerteza sobre atividades voltadas para a inovação (como a

P&D empresarial), colocando-as ao alcance do cálculo capitalista, e, assim,

fazendo-as cotejáveis com ―aplicações‖ alternativas de recursos. Em poucas

palavras, as atividades voltadas para o desenvolvimento de inovações passam a

ser consideradas uma forma de investimento como qualquer outra.

Essa consideração, bastante conhecida (pois de certa forma se encontra

nos escritos maduros de Schumpeter), contudo, é insuficiente para se

compreender o potencial revolucionário do advento da inovação baseada em

ciência sobre a expansão tecnológica e sobre o crescimento econômico em geral.

Em primeiro lugar, porque, conforme visto, a inovação em geral atua sobre

o sistema econômico indiretamente, por intermédio da imitação, da difusão e das

mutações incrementais que frequentemente se seguem. Ora, isso depende

12 Competitividade é sempre compreendida no sentido atribuído por Haguenauer (1989), como ―capacidade de competir de

forma bem-sucedida‖, sendo, portanto, um atributo de firmas ou de conjuntos de firmas (por exemplo, as que compõem um ramo de atividade em uma economia nacional).

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essencialmente da replicabilidade da inovação, máxima em Marx, mínima em

Chamberlin e intermediária em Schumpeter (cf. quadro 1). A inovação baseada

em ciência, mesmo que aproveite recursos intangíveis já disponíveis na

inovadora, altera essa relação, ainda que se postule sua não setorialidade, ao

oferecer um atalho para os imitadores, eventualmente vindos de bases industriais

apenas adjacentes.

Em segundo lugar, a inovação baseada em ciência permite um acúmulo de

conhecimento próprio. Apesar de a tecnologia de base científica ser muito mais

contestável que a tecnologia prosaica ou a invenção isolada, o fato de ter se

realizado uma inovação que tem ciência como insumo permite um tipo de

―acumulação‖ de conhecimento. De fato, mais radicalmente, o próprio esforço

inovativo baseado em ciência, ainda que não seja bem sucedido

competitivamente, gera acúmulo de capacidade inovativa no nível da própria firma

(e potencialmente apropriável nesse nível). Esse acúmulo tem dois aspectos

fundamentais: a capacidade de se conformar uma aproximação entre as

atividades de P&D (em sentido lato) e a dinâmica de um programa de pesquisa

científico abre a possibilidade de uma fonte eventualmente inesgotável de criação

de novos valores de uso; em segundo lugar, em conjunto com a replicabilidade da

inovação baseada em ciência acima apontada, reduz a importância do segundo

momento do ciclo schumpeteriano ―clássico‖.Há que se ver bem como isso se dá.

Quando se pode imitar a inovação mais facilmente, uma competição efetiva

se estabelece, fundada em critérios de desempenho bem definidos13. A taxa de

imitação é lenta no início, mas crescente. Contudo, o inovador detém vantagens

de first mover: houve acúmulo de conhecimento, inclusive, provavelmente, de

conhecimento derivado, não aplicado na inovação bem sucedida. Ele pode com

mais facilidade aperfeiçoar sua inovação. É impossível saber se, por exemplo, um

novo competidor, com base de conhecimento diferente (por exemplo, baseada em

learning by doing, de caráter não científico), não poderá revelar-se em posição

superior: o que importa é que se estabelece um jogo inovativo, um padrão de

competição sofisticado e capaz de se sustentar autonomamente, mantendo

indefinidamente um nível superior de produtividade.

13 Ver a referência a Metcalfe na nota de rodapé nº 5.

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Porém, isso não é tudo, já que uma inovação baseada em ciência tende a

facilitar, paradoxalmente, o desdobramento do segundo momento cíclico. Isso

também decorre da natureza relativamente codificada da base de conhecimento

relevante nessa trajetória, a qual tende a facilitar a construção de equipamentos,

tendendo a acelerar, coeteris paribus, o fim da fase ―artesanal‖ da inovação.

A inovação baseada em ciência não foi tratada como caso de especial

importância por Schumpeter. Sem embargo, ele anteviu indícios do papel que

poderia adquirir em suas considerações sobre a absorção da função

empreendedora do sistema econômico pelos departamentos de P&D das grandes

corporações, sem, contudo, explorar profundamente suas decorrências para a

mudança e o crescimento econômico. A associação desse fenômeno intrafirma

com a produção de ―conhecimento‖ acadêmico, ademais, só se estabelece com

mais clareza na segunda metade do século XX. Seus efeitos sobre as linhas

gerais do construto teórico de Schumpeter alterariam boa parte das conclusões a

que se chega ao se lidar com inovações assistemáticas e desvinculadas entre si,

realizadas por firmas cuja relação externa mais importante, ao lado da própria

concorrência com seus pares, é a que se estabelece com os bancos.

Por outro lado, o estabelecimento dessa relação acaba, até certo ponto,

dando realidade à perspectiva de Marx da ciência frente ao capital. Para esse

autor, a progressiva endogeneização dos pressupostos da expansão deste,

fatalmente acabaria abarcando o conhecimento científico, o qual se tornaria um

instrumento fundamental na luta dos capitais individuais para fugirem à

homogeneização da taxa de lucro ditada pela ação da lei do valor.

Obviamente, Schumpeter entendia de forma diversa esse processo, não

considerando de forma especial o papel da ciência, nem, muito menos, sugerindo

sua subsunção ao capital. Não obstante, seus seguidores mostraram-se

especialmente interessados no tema, cujo aprofundamento acabou muito mais

ligado ao autor austro-húngaro que a Marx.

Os estudos dos schumpeterianos, em linha com o que é de aceitação geral

na História das Ciências, corroboram esta percepção como sendo a regra: cada

vez mais as ciências são influenciadas em suas agendas pelos interesses "do

capital‖, a ponto de se desviarem repetidamente da trajetória natural de seus

programas de pesquisa em direção a problemas ditados por programas de

governos referidos a bens públicos e a externalidades em geralou simplesmente a

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problemas de interesse imediato ou potencial de grandes corporações. Seria

imprudente, contudo, ver nisso uma tendência, pois a ciência é também capaz de

fornecer problemas de potencial interesse social ou mercantil. Ademais, sua

capacidade de gerar soluções lucrativas é determinada por uma gama de causas,

de forma que algumas áreas de conhecimento se acoplam quase simbioticamente

a determinados setores econômicos, enquanto outros a empregam apenas

tangencialmente, indiretamente ou mais pela imitação de métodos que lhes são

próprios sobre conteúdos sem expressão conceitual.

Uma dialética complexa e deveras instigante se constitui entre esses

campos de ação ontologicamente diversos, a qual, sob certas condições,

determina uma dinâmica de retroalimentação que os une e desenvolve. Conforme

será visto adiante, parte significativa do espectro de questões concernentes aos

chamados sistemas de inovação e às políticas de inovação, apesar de sugerir

referência apenas a uma forma de conduta empresarial, de fato tem raízes nessa

dialética.

2.3. A Dimensão Tecnológica do Atraso Econômico

A Teoria do Desenvolvimento Econômico ―original‖, doravante TDE, parte

da percepção de que há algo de essencialmente diferente nos países que se

industrializaram ou que tiveram ―revoluções burguesas‖ (entendidas no sentido da

constituição do capitalismo nacional e de uma elite correspondente

essencialmente capitalista) tardias em relação aos países que participaram

ativamente da primeira e/ou da segunda Revolução Industrial.14 Em um mínimo

de palavras, dir-se-ia que o atraso é uma sorte de ―pecado original‖ daqueles

países.

Frequentemente, a reivindicação de especificidade é entendida como uma

tentativa de contestar a possibilidade de teorias gerais do capitalismo ou da

economia darem conta dos casos particulares que os países atrasados

representariam. No limite, questiona-se a própria possibilidade de uma ciência

econômica estar acorde aos cânones de outras ciências consolidadas. Isso talvez

seja um exagero: o ponto da TDE é muito mais o de apontar a necessidade de

14 Ver Gerschenkron, 1962; C.A.Barbosa de Oliveira, 1999 e Landes, 1969. (cf. Nelson e Rosenberg, 1963).

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mediações para se partir das teorias gerais às decorrências normativas para esse

grupo de economias, haja vista o irrealismo especialmente elevado de algumas

das hipóteses no caso das economias atrasadas.15Uma miríade de outras é

sugerida, implícita ou explicitamente, por grande parte dos autores da TDE. A

inclusão de novas hipóteses, bem como a alteração ou supressão das assumidas

nas teorias gerais, alterava algumas características do equilíbrio, tornando-o

improvável, instável ou, mais freqüentemente, ―diferente‖ do que se lograva na

teoria padrão. Em particular, o equilíbrio era subótimo e dependente de outras

hipóteses sobre características como a forma da função de produção ou a

importância das economias de escala, por exemplo.

Tomada em seu conjunto, a TDE aponta uma série de direções, algumas

das quais claramente datadas, outras profícuas e instigantes, embora nem

sempre tenham obtido acolhidas calorosas imediatamente. Não é surpreendente,

portanto, que muitos estudos recentes vejam imediatismo normativo, falta de rigor

ou mesmo caos na TDE. Sem embargo, isso não impede agrupar o grosso de sua

produção como se movendo em torno de uma única problemática, expressiva e

renitente, do ―atraso econômico‖, problemática que que autoriza a defesa de

políticas econômicas, ao menos em parte significativa, distintas das que seriam

recomendáveis para economias já desenvolvidas.

As economias afetadas pelo atraso seriam atingidas por uma tensão

permanente. De um lado, há a chamada ―vantagem de seguidor‖ (second mover),

pois esses países podem se mover por ―atalhos‖. Em primeiro lugar, ―pulando"

imediatamente para tecnologias ―vencedoras‖, mais eficientes. Em segundo lugar,

evitando o aspecto ―contracionista‖ da destruição criativa schumpeteriana, ou

seja, não sofrendo a queima de capital típica dos ciclos. Em terceiro lugar,

investindo diretamente nos setores que se revelaram mais promissores, por sua

elasticidade-renda, por exemplo.

Como deve estar claro, essas vantagens podem ser abarcadas sob um

único guarda-chuva: a cópia. Ao poder copiar, é de se esperar que o país

atrasado possa, desde que outras pré-condições sejam preenchidas (por

exemplo, os custos de transporte serem significativos, não haver mecanismos de

15 Ver Medeiros; Serrano 2003

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proteção da propriedade intelectual pervasivos etc.), fazer em menos tempo

aquilo que o país avançado fez economicamente.

Por outro lado, o atraso põe em ação forças inerciais, as quais acarretam o

que se pode chamar de ―viés setorial‖, agrupando aí uma gama ainda mais

heterogênea de estudos.16 O viés setorial resulta da percepção comum entre os

autores da TDE de que o atraso é reiterado por fatores ―estruturais‖, cuja ação

sustenta uma tendência a repô-lo, a menos que esses fatores sejam eliminados

ou afastados. Curiosamente, ao contrário do que frequentemente se divulga, isso

denuncia o pano de fundo ricardiano que os une, ainda quando em última

instância.

Para a TDE, o atraso produtivo-tecnológico está imbricado à inadequada

distribuição da oferta: os fatores estruturais que atavam ao atraso as ex-colônias

ou semicolônias era fundamentalmentesua estrutura produtiva setorial. Era ela

que ―viciava‖ os dados, porque definia a direção da especialização relativa. Nesse

sentido, há uma ponte com Heckscher-Ohlin (H-O).

O teorema de H-O também é, nesse sentido, "estruturalista" (como o era

Ricardo e toda a teoria clássica): as decisões individuais são condicionadas, e, no

longo prazo, deveras determinadas, por forças externas. Ademais, a

epistemologia subjacente a essas abordagens não reconhecelegitimamente (i.e.,

desde sua lógica interna) a importância de casos excepcionais, pois seu escopo é

a construção de regras gerais, em nível de elevada abstração. Vale dizer, a

existência de exceções não altera que as causas básicas serão as determinantes

da trajetória no longo prazo do conjunto do sistema.

De fato, nem mesmo quanto à permanência dessas causas a TDE se

afasta da teoria ricardiana de comércio exterior: pode-se mudar, não é negada a

possibilidade de mudança ou, antes, a mudança está fora do foco de análise,

embora a existência de forças que tendem a manter o estado vigente, não. Daí

decorre a primazia de a estrutura existir na TDE como na economia ortodoxa.

A diferença aparece em um nível quase normativo: a desejabilidade da

provável reprodução dessa estrutura. Com alguma boa vontade, pode-se mesmo

dizer que as consequências da especialização relativa para o crescimento a longo

16 Isso implica excluir parte importante dos estudos da TDE, como os que associam a permanência do atraso relativo a

fatores não tecnológico-produtivos. Entre eles, podem-se citar os trabalhos da teoria da dependência e os que associam o atraso apenas ao nível de investimento ou de poupança, mas não a sua composição, como os autores do ciclo vicioso da pobreza.

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prazo não foram objeto da teoria do comércio exterior enquanto tal, nem em

Ricardo nem nos neoclássicos, ainda que eles tenham lançado mão dela para

tirar conclusões quanto ao crescimento.

Na realidade, isso exigiria a adoção de hipóteses adicionais que não

estavam explicitadas nos modelos originais. Não há nada em H-O que permita

deduzir que a produtividade da terra tenda a crescer no mesmo passo que a do

trabalho, ou em Ricardo que a demanda por tecidos aumente na mesma

velocidade que a demanda por vinhos, dada uma variação na renda. Sem

embargo, para o economista interessado nas tendências de crescimento de uma

economia cujo nível médio de renda e produtividade está muito aquém do

existente no capitalismo avançado, essa é uma questão crucial. E é aqui que a

TDE, partindo da teoria do comércio exterior, realmente começa.

Com efeito, parte significativa da TDE concentra-se direta ou indiretamente

nas consequências para a relação entre as taxas de crescimento dos países

periféricos relativamente às dos países centrais de a produtividade nos setores

em que estes são especializados tender a crescer mais rapidamente que sua

correspondente naqueles. Em particular, a TDE se interessa pelas causas dessa

possível desigualdade (sobretudo no que diz respeito à sua resiliência) e pelas

possibilidades de alterá-las. Naturalmente, nesse campo é que aparece espaço

para a formulação teórica mais sofisticada, sendo mais adequado chamá-la

―teoria‖ (e não ―hipótese das produtividades setoriais divergentes‖, por exemplo)

pelo rico debate teórico que se estabeleceu, e que segue até hoje, sobre os

motivos do suposto dinamismo setorial diferente.

Essa abordagem postula haver diferenças insanáveis de capacidade de

crescimento de uns setores – em geral, primários, sejam extrativistas, sejam

agropecuários – em relação a outros – em geral, industriais. Embora nas

formulações dos teóricos do desenvolvimento não haja uma explicação unânime

de por que isso aconteceria, as causas são, em última instância, tecnológicas, o

que não parece necessariamente claro nas leituras atuais que vinculam

imediatamente inovação com tecnologia.

Na formulação cepalina, por exemplo, o aproveitamento da vantagem de

seguidor está fundamentalmente associado à capacidade de ―internalizar o centro

dinâmico‖ do crescimento. Essa internalização relaciona-se à redução dos

coeficientes de importação ao longo do tecido produtivo, a qual evitaria que,

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diante de um dado aumento da renda, parcela significativa do efeito multiplicador

derivado ―transbordasse‖ para o exterior. A completude do tecido produtivo,

assim, tenderia a reter o ―impulso dinâmico‖ e a criar efeitos sinérgicos. Esperava-

se, com isso, que sua confecção fosse desigualmente difícil tecnológicamente.

Ademais, havia consciência clara de que alguns elos eram muito mais

importantes para reter impulso dinâmico – mercê de elevada elasticidade-renda –

e de que com frequência justamente esses elos eram de construção mais difícil.

Ainda que uma economia em autarquia correspondesse a uma

minimização desse efeito, tal objetivo não se colocaria sob o ponto de vista do

diagnóstico estruturalista mais comum, o qual apontava para a endogenia do

crescimento, isto é, para a capacidade de a economia atrasada mover-se desde

dentro. A vantagem de seguidor, além disso, implica lograr aumentar essa

capacidade ao longo do catching up, a qual, subentende-se, nunca seria completa

e de fato seria provavelmente inferior à dos países desenvolvidos em geral, uma

vez que, conforme explicitado em autores como Gerschenkron e, claro, em mais

de um texto estruturalista, a aquisição de bens de produção é um canal essencial

para explorar essa vantagem: daí a importância decisiva da ―capacidade para

importar‖.

É também nesse contexto que deve ser entendida a necessidade de

aumento da capacidade tecnológica: é preciso avançar nesta na medida em que

depende dela a capacidade tanto de poder explorar ao máximo as

complementariedades entre os elos das cadeias produtivas como de dominar

especificamente a produção de bens de elevada elasticidade-renda e/ou de bens

nos quais vigora elevado grau de monopólio no mercado internacional. Uma vez

que esse processo não é, à la Schumpeter, visto desde as firmas individuais

buscando quase-rendas, seria descabido dizer que há elevada taxa de inovação

tecnológica. Não obstante, é evidente que é isso que empiricamente parecerá

estar acontecendo, desde que consideremos sempre a produção atual em relação

à passada e não restrinjamos o avanço tecnológico à sua criação.

Os bens de capital seriam particularmente importantes não apenas por

possuírem elevada elasticidade-renda ou por representarem em si alto nível de

valor adicionado, mas por seu papel de difundir o progresso tecnológico por

vastas camadas do tecido produtivo. O problema, naturalmente, é que não basta

saber que esse setor é importantes: requer-se deter capacidade (tecnológica)

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para produzi-los. Por outro lado, está subentendido que uma plena capacidade de

cobrir a demanda por bens de capital significaria a conclusão do catching up e, do

ponto de vista cepalino, o ―fechamento‖ do gap tecnológico. Assim, é mais

adequado ter-se em conta que o fundamental ao longo do processo de catching

up é que esteja se caminhando nessa direção, mais do que sua realização

completa (a qual, como já mencionado, não aconteceu nem mesmo nos países

grandes e plenamente desenvolvidos).

Os autores cepalinos e a TDE, via de regra, não se aprofundaram em

minúcias de como isso seria feito materialmente, ou no que seria necessário para

que as firmas efetivamente alcançassem, internamente, essa capacidade.

Contudo, entendia-se que os setores industriais eram diferentes quanto à sua

capacidade de crescer e de difundir crescimento, quanto ao nível de maestria

tecnológica para sua viabilidade econômica e quanto aos requisitos financeiros

para sua sustentação. Malgrado desconheça-se uma expressão sistemática de

como esses aspectos eram compreendidos e ordenados logicamente, quer

parecer que as recomendações de políticas dos autores estruturalistas

apontavam para dois aspectos cruciais: o da escala produtiva e o da

―aprendizagem‖ (learning).

A escala era tida como fonte por excelência de ganhos de produtividade.

Mesmo que uma articulação correta entre escala e renda em crescimento

permitisse estender a importância do big push a uma gama significativa de ramos,

sobretudo industriais, havia barreiras importantes em jogo, por força da existência

frequente de escalas mínimas. Forçar por meio de ação governamental a

internalização de alguns segmentos acarretaria gerar ineficiências substanciais

por elos à jusante nas cadeias produtivas e, de qualquer sorte, criar um custo

para os consumidores, o qual poderia gerar pressões políticas.

Entretanto, não bastaria deter potencial de escala mínima para que a

internalização progredisse. Admitia-se que a aprendizagem, ao mesmo tempo que

um insumo essencial para o avanço em direção a setores tecnologicamente mais

complexos, era fundamentalmente um subproduto do investimento e da produção

em si. Não obstante, haveria limites para avanços do tipo ―leap frogging‖: para se

possuir mecânica de precisão, pressupunha-se a mecânica e, para essa, a

metalurgia. Ou seja, certa ordem industrial teria de ser respeitada, a qual, por sua

vez, teria de ser combinada com a necessidade de escalas mínimas, que não

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guardam relação necessária com a ordem de complexidade tecnológica. Ao fim e

cabo, a relação entre tecnologia na TDE era bastante clara e decisiva; entretanto,

como sua adoção pelas empresas – à parte os possíveis obstáculos que

poderiam ser levantados pela superficialidade do learning by doing – estaria

limitada pela sua economicidade, não havia uma discussão específica daqueles.

Afinal, foi a limitação desses obstáculos que permitira o aproveitamento da

vantagem de seguidor.

Vale destacar que se associava a capacidade produtiva e tecnológica à

capacidade de adicionar valor por seus efeitos de redução da perda do impulso

dinâmico nas trocas com o exterior. Ora, na medida em que a obtenção de

escalas econômicas, e com as dificuldades financeiras que frequentemente

acarretavam, era de se esperar que, em termos de capacidade de agregar valor,

a superação de barreiras à entrada funcionasse como importante fonte de poder

de monopólio ex-post. Vale dizer, a própria superação de alguns obstáculos que

se colocavam ao avanço tecnológico poderia se revelar como importante fonte de

―adicionamento de valor‖, sendo menos relevante, ao longo do processo, que isso

fosse logrado vendendo-se a outros países ou substituindo importações de países

mais avançados.

É esperável, embora não necessariamente desejável, que esse processo

resulte em aumento da relação capital/trabalho. Com efeito, como se sabe, parte

da TDE dedicou-se à discussão da chamada ―inadequação da tecnologia‖,

apontando as inúmeras ineficiências que poderiam se acumular pelo fato de a

tecnologia adquirida ou copiada ser adequada às relações capital/trabalhador e

capital/terra, mas incompatíveis com as dotações de fatores existentes e com os

preços relativos daí decorrentes. Era, outrossim, esperável, mas menos provável,

que a PTF não crescesse muito, o que decorreria em parte dessa inadequação e

em parte (em que pese o processo de aprendizagem, como visto, acontecer

essencialmente na empresa e abarcar no máximo a capacidade de engenharia de

projetos) por força de menores pressões competitivas, as quais tenderiam a gerar

ineficiências gerenciais de vários tipos, entre outras.

Entrementes, qual o papel da concorrência nesse processo?

Consideremos inicialmente a dicotomia vantagem de seguidor versus viés

setorial. Obviamente, o foco na empresa está suspenso não apenas por uma

opção epistemológica a priori, mas, antes, porque se parte de um problema, como

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visto, estrutural. Dá disso boa percepção o fato de que formulações como as de

Lewis e Rostow, e mesmo a de Gerschenkron, terem sido atacadas por

entenderem que a vantagem de seguidor é facilmente percebida pelos agentes

individuais, cabendo ao Estado papel pequeno ou proativo, mas pouco

intervencionista, de alterador parcimonioso de regras de forma a permitir ganhos

de produtividade potencialmente aparentes, não muito diferentemente do que

aparece na formulação de Douglass North sobre o papel do Estado no

desenvolvimento. Nas versões mais recentes da TDE, contudo, o peso do viés

setorial é muito maior. O capitalista individual tende a indefinidamente reinvestir

em atividades baseadas em recursos preexistentes, não só porque não dispõe de

meios para fazer diferente (seu aprendizado ―acumulado‖ é mínimo), nem só

porque não é capaz de ―perceber‖ que há oportunidades extraordinárias se

acelerar a adoção de tecnologias mais avançadas (ou se inovar, genericamente);

mas, antes, porque dada a estrutura existente, a persistência em sua atividade é

a que possui melhor relação custo-benefício.

O estruturalismo adquire aqui outro sentido que, apesar de mais uma vez

atado ao viés normativo da TDE, é uma decorrência lógica de suas percepções

―ricardianas‖ implícitas: a superação do atraso tem de ser feita pela ―mudança

estrutural‖. Ainda que essa expressão, assim como a diferenciação crescimento

versus desenvolvimento, remeta a Schumpeter, é muito mais que o fato da oferta

de um bem público, a ciência, poder alterar a capacidade de os capitalistas

moverem o sistema econômico a partir de decisões disruptivas individuais, o que

afasta a sua análise da que a TDE faz do país atrasado, na qual a estrutura

impede a transformação, de forma que sem uma mudança estrutural exógena, o

poder de criação da firma individual está submetida a uma jaula de ferro.

A TDE, como Marx, e em boa medida, também Schumpeter, fazem o

crescimento depender do progresso tecnológico.17 Sem embargo, a devida

consideração do problema do viés setorial não somente funciona como limitador

ao aproveitamento da vantagem de seguidor, como torna irracionais decisões de

inovar, ou seja, de ―criar tecnologia‖. Deixado à própria sorte, o capitalista

individual do país atrasado tende a simplesmente reinvestir os lucros na sua

17 Rodriguez (1974; 2001) é por excelência o autor que advoga a interpretação do estruturalismo como uma teoria focada

nas causas tecnológicas do atraso (ou, talvez mais precisamente, de sua renitência. Mais recentemente, Porcile (2007; 2006) e Koeller (2009) podem ser adicionados como defensores dessa percepção.

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atividade baseada em recursos naturais (inclusive em trabalho bruto)18. Uma

alteração das taxas de lucro relativas, imposta por ação exógena, pode deslocá-lo

para atividades distintas, mas só o faria em direção à inovação propriamente dita

(ainda que incremental ou de efeito limitado), caso as opções intermediárias

fossem já superadas – caso em que já não se trataria de um país atrasado.

Isso aconteceria mesmo que, por exemplo, fosse tornada impossível a

aquisição do produto inovador em relação ao que o capitalista doméstico produz

ou, mesmo que ele dispusesse de toda a informação relevante para seu cálculo –

a qual apenas lhe facultaria saber que efetivamente lhe é impossível produzir

economicamente ou capturar lucro extraordinário caso, ao invés de apenas

adquirir um equipamento mais avançado que o seu, resolvesse inovar. É certo

que decisões de inovar envolvem incerteza, mas, no caso de países atrasados,

envolvem muito mais que isso.

Não surpreende, assim, que embora a tecnologia seja fundamental para

grande parte da TDE, esta não associe a mesma importância à inovação – ainda

que, como vimos, pareça haver elevada taxa de inovação ao longo de qualquer

catching up. De fato, para essa e outras teorias econômicas, o atraso econômico

se caracteriza pelo nível de criação tecnológica relativamente baixo, mas, antes

disso, pela impossibilidade, pela irracionalidade de fazê-la economicamente.

Assim, à carência de tecnologia corresponde uma elevada demanda por

tecnologia por parte das empresas, mas não de criação de tecnologia, sugerindo

que via de regra as empresas ―atrasadas‖ tendem a avançar tecnologicamente

nas cercanias de suas capacidades, e que, se não buscam fazê-lo

―endogenamente‖ é porque podem adquirir relativamente pronto o conhecimento

que demandam, e não apenas e nem sempre porque é ―difícil‖ ou ―incerto‖ criá-lo.

18 Em algumas atividades, a produção permite inúmeras variações de combinações por parte do produtor direto,

fundamentalmente porque o nível de adição de valor é relativamente alto, de um lado, e porque muitos elementos têm de ser combinados para se chegar ao produto final. Quando isso ocorre, o processo de aprendizagem tende a ser mais rico ou pelo menos permite que assim o seja. Há aprendizagem em toda atividade produtiva, mas, de forma geral, a manufatura – a produção relativamente intensiva em trabalho – tende a permitir um âmbito significativamente maior, abrindo inúmeras possibilidades. Esse processo, ademais, não se esgota com facilidade (vale dizer: não está sujeito a rendimentos marginais decrescentes ou está sujeito em grau menor) porque há muitos insumos sendo utilizados no processo produtivo, em cujo uso pode haver ganhos isolados ou, o que é mais importante, sinérgicos, decorrentes de combinações entre os insumos. Os países relativamente intensivos em trabalho são naturalmente mais propensos a, a longo prazo, se beneficiarem dessas propriedades da manufatura. Contudo, entre dois países que comecem a competir em manufatura, o que passou a produzir depois tende a manter-se distante do relativamente adiantado, pois os processos de aprendizagem costumam ter elevada cumulatividade. Ao contrário, entre dois países primário-exportadores que se organizaram como economias capitalistas em momentos diferentes, é relativamente mais fácil ao entrante se aproximar do estabelecido. Entretanto, o espaço para seguir crescendo daí em diante (mantendo a hipótese estrita de que ambos são estritamente produtores de bens primários e compradores de bens manufaturados, e que o comércio de serviços é insignificante), é muito menor. A possibilidade de o seguidor imitar o pioneiro pode alterar os resultados do caso dos dois países manufatureiros ao reduzir as vantagens do aprendizado ―acumulado‖, naturalmente, ponto que tratamos ao final desta seção.

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Pouco altera essa lógica a percepção de que mesmo em países atrasados

existem empresas inovadoras. Se isso tivesse representatividade maior, não mais

estaríamos diante de um país atrasado. Se essas empresas são excepcionais, é

seu descolamento da massa das empresas ―representativas‖ que melhor indica a

força do atraso – situação que é freqüentemente definida como heterogeneidade,

como sabido, de uso frequente na TDE. Ora, o mecanismo de crescimento

econômico, quando ―baseado em inovação‖, na verdade, só atua por meio da

cópia e imitação, de forma que a existência de grande heterogeneidade impedirá

que esse mecanismo atue decisivamente. Obviamente, isso não implica a

desimportância das empresas inovadoras para outros tipos de desempenho

econômico, inclusive, menos diretamente, para o crescimento.19

Observe-se mais de perto, todavia, a proposição genérica de que ―(todas)

firmas estão propensas a inovar porque buscam auferir lucros extraordinários‖.

Isso implicaria abstrair as significativas assimetrias de oportunidades tecnológicas

inter-setoriais, ignorando os determinantes pelo lado da oferta que afastam os

elementos estruturais do cálculo capitalista em países retardatários vis-à-vis os

avançados.

Ainda assim, a proporção de firmas inovadoras, bem como a variedade e a

qualidade das inovações geradas na economia atrasada seriam profundamente

diferentes das verificadas nas firmas de países avançados por força de os níveis

de renda vigentes nestes serem muito mais altos. Embora não se trate aqui de

retomar a velha teoria do demand pull, é inverossímil que, considerando a busca

de sobrelucro que informa a inovação desde a lógica do cálculo capitalista,

mercados mais opulentos, e, assim, mais sofisticados e estratificados, não

permitam ampliar e aprofundar diferenciações criativas - em tudo semelhantes a

inovações nas quais o arrojo tecnológico cumpre papel secundário. 20Assim,

mesmo na ausência de viés setorial, o ―lado da demanda‖ concorre para que

firmas baseadas em economias atrasadas sejam relativamente menos inovadoras

que suas concorrentes de economias avançadas, e, portanto, mais ricas.21

19 De fato, adiante veremos como contribuições dos neo-schumpeterianos permitem admitir outros efeitos que não são

compreensíveis nos marcos estritos da TDE. 20

Retorna-se a esse tema na penúltima seção do presente capítulo 21

Mais que à teoria do demand pull, esse ponto remete ao modelo de ciclo do produto de Vernon (VERNON 1966). Mais recentemente, Krugman (apud Porcile) tem defendido a hipótese de que a estrutura produtiva é que é elástica em relação à renda, o que levaria ao aumento da participação dos setores de alta intensidade tecnológica, e, assim, pode-se inferir, da inovação.

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Por fim, é de se destacar que desde a TDE a concorrência tem papel em si

mesmo ambíguo, antes mesmo de a vantagem de seguidor perder sua força. Isso

se deve ao fato de que, em um possível círculo vicioso, sobretudo em economias

atrasadas menores, o atraso, ao vir acompanhado de baixo nível de renda, tende

a impedir a formação de escalas econômicas mínimas, sem as quais o nível de

produtividade logrado não seria competitivo. Ora, embora a presença de

concorrentes efetivos ou iminentes seja sempre relevante, para que a pressão

competitiva seja exercida, sem o que a competitividade é improvável, a falta

daquela precondição limita o sentido de associar a concorrência à obtenção de

elevada e crescente produtividade.

Não há sentido algum em criticar a TDE ou a Cepal por ―defender o

oligopólio‖ e mesmo por ―desdenhar‖ da importância da concorrência. Desde suas

perspectivas, apesar do apelo normativo, interessa-lhes compreender e

diagnosticar as características que processos de desenvolvimento econômico

retardatários tendem a ter ou revelaram realmente ter. É de se esperar que esse

seja um desenvolvimento problemático, crivado de disfuncionalidades,

contradições e perversões. Nada lhes permite afirmar, em princípio, que seria

melhor se esse desenvolvimento se desse com mais concorrência, com mais

inovação genuína, com mais equidade, uma vez que há razões estruturais para

que dificilmente assim seja. Ademais, a reivindicação por planejamento e

intervenção estatais não decorre, nos autores representativos dessa tradição, de

uma questão de fé ou de conclusão por sua superioridade intrínseca frente ao

mercado, mas da percepção de que, sem ação estatal (mesmo que imperfeita),

não é crível a superação natural do atraso relativo.

2.4. A Compreensão Schumpeteriana do Atraso Econômico

2.4.1. Contextualização no debate econômico

Embora a grande parte dos trabalhos sobre desenvolvimento dos autores

neoschumpeterianos (incluídos aí os que preferem ser abarcados pela chamada

teoria evolucionária) se concentre, explicita ou implicitamente, nos capitalismos

avançados, há um conjunto significativo de estudos relativamente dispersos que

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se dedicam a compreender as especificidades do catching up periférico. Não

parece cabível falar de um enfoque compartilhado22, mas é menos disputável que

um elemento perpassa-os: a importância central da ―competitividade‖ e a

consideração aos casos sul-coreano e de Taiwan como ilustrativos das diferenças

que os separam tanto da teoria do desenvolvimento ―convencional‖, quanto da

teoria neoclássica do crescimento.

Além disso, é correto dizer que os schumpeterianos associam catching up

a aumento relativo da capacidade de inovar. De forma mais ou menos intencional

e explícita um tipo de escala quanto a essa capacidade pode ser encontrado nos

estudos, ademais de o uso de conceitos ou de indicadores capazes de expressar

bem o déficit ou o diferencial de inovação. Assim, tanto medidas diretas de

competitividade são consideradas, ademais de conceitos como o de ―gap

tecnológico‖, ―firma late-comer‖ etc. A percepção de que se explica a

competitividade ou, dito de forma talvez mais esclarecedora, a capacidade de

adicionar valor, é quase sempre assumida implicitamente. É notável também, em

especial mais recentemente, que a análise schumpeteriana sobre os diferenciais

de taxas de crescimento ou de nível de produtividade e renda alcançados pelos

diversos países é análoga à dos diferenciais de competitividade entre as

empresas. As causas que valem para explicar o sucesso competitivo das firmas

servem, mutatis mutandis, para explicar o desenvolvimento dos países.

À primeira vista, e até certo ponto paradoxalmente, pelas implicações

epistemológicas da radicalização da opção (mais recentemente, de novo) pelo

individualismo metodológico, isso não impediria dar um status teórico próprio ao

desenvolvimento a partir de um ponto de partida ―desvantajoso‖, isto é,

―atrasado‖. Vale dizer, na medida em que firmas late-comers caracterizar-se-iam

em primeiro lugar pela relativamente baixa ―acumulação de aprendizagem‖, não

parece descabido aprofundar as consequências de se pensar o desenvolvimento

de países em que essa é a condição de grande parte das firmas.

Sem embargo, à exceção de textos relativamente isolados, grosso modo os

schumpeterianos tratam do problema da ―firma retardatária‖ frente à ―firma

avançada‖, mas tratam do catching up e do desenvolvimento econômico como

conceitos gerais, cujos marcos analíticos são válidos para todos os países,

22 Quanto ao desenvolvimento de países retardatários, ilustram pontos de vista discrepantes entre os schumpeterianos,

Cimoli, de um lado, e Pack, de outro.

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indistintamente. Os ―casos nacionais‖ são tratados apenas em nível mais

normativo, como será exposto, mas aí sua assimetria é avaliada sob aspectos

fundamentalmente não-econômicos, em particular institucionais, de forma que, na

realidade, sugere-se que cada país é um país, não havendo nenhum critério de

agregação intrinsicamente melhor que outro.

Ainda assim, as diferenças entre schumpeterianos e desenvolvimentistas

(por assim dizer) não superam as coincidências ou, ao menos, as similitudes.

Ademais, quanto ao problema tecnológico para o catching up, comparações no

mínimo interessantes para o debate teórico podem ser estabelecidas. Com efeito,

para o debate normativo, trata-se de um cotejo indispensável, visto que aqueles

autores, mais ou menos explicitamente, e quiçá mesmo não intencionalmente,

servem hoje de suposta fundamentação para uma variada gama de políticas cujo

objetivo é sempre o desenvolvimento econômico.

Confrontados com o dilema vantagem de seguidor versus viés setorial, os

schumpeterianos, em suas versões mais consagradas, reduzem

significativamente a primeira, mas também relativizam o handicap acarretado pela

segunda característica. Como era de se esperar, ambas as mudanças são

devidas à sua interessante e profícua pesquisa sobre a natureza e as causas do

sucesso competitivo da firma. É dela que deve partir a justa consideração ao

problema do desenvolvimento retardatário segundo esses autores.

2.4.2. A firma nos autores schumpeterianos

No início dos anos 1980, a reconstituição da ordem econômica mundial,

apenas parcialmente plasmada em novas regras formais, abriu enorme espaço

para um nicho de novos autores reformularem a microeconomia não

convencional, até então dominada pela tradição de Bain e pelos sucessivos

aprimoramentos e testes do modelo estrutura-conduta-desempenho; além das

tentativas de aprimorar a teoria do oligopólio, sobretudo pelo uso da chamada

teoria dos jogos. Muitos desses autores ficaram identificados como

neoschumpeterianos e/ou evolucionários.

Emoldurado próximo ao tema das políticas de C&T, ao menos quanto à sua

face normativa, o debate sobre competitividade permitiu aos schumpeterianos não

só ocuparem parte significativa da microeconomia heterodoxa, como também

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influenciarem sua vertente mais convencional em alguns temas e em medida

importante para a nova teoria econômica do crescimento. Finalmente, deram

corpo e enraizaram academicamente a discussão sobre políticas de C&T, as

quais passaram a ser quase universalmente chamadas políticas de C,T&I.

O debate sobre competitividade marcou indelevelmente a discussão

schumpeteriana referente ao crescimento de países atrasados, deslocando-a

crescentemente para a ―firma atrasada‖ (latecomer firm23), ao mesmo tempo em

que um aprofundamento significativo da análise da firma foi levado a cabo.

Embora tendo suas origens no debate schumpeteriano sobre concorrência e

inovação, a teoria neoschumpeteriana da firma distanciou-se significativamente

dos fundamentos originais lançados pelo economista austro-húngaro (de fato, em

boa medida, para além do que em geral se delimita como ciência econômica).

Não admira que autores oriundos desse debate, não raro, rechacem o rótulo de

schumpeterianos, preferindo classificar-se apenas como evolucionários ou ainda

―penrosianos‖.

Um passo decisivo na evolução da teoria schumpeteriana da firma foi dado

pelo trabalho seminal de Nelson e Winter, em particular sobre o conceito de

rotina. O conceito de rotina – e suas variantes – é essencial para a Escola

Schumpeteriana por mais de um motivo.

Do ponto de vista epistemológico, é uma pièce de resistance frente à

microeconomia neoclássica, ao servir de fundamento para a metáfora

evolucionária, pois a. As rotinas cumprem papel análogo, na biologia, às cadeias

de DNA na reprodução de características genéticas para as empresas, servindo

de fundamento para a defesa do schumpeterianismo como um paradigma teórico

distinto do neowalrasiano. A investigação das rotinas abre espaço para a

discussão de suas causas – por que as firmas se estruturam sob determinada

forma, qual a origem e lógica desse fato? – e de suas consequências, sob um

arcabouço epistemológico que pode tomar por base os avanços da teoria

evolucionista, plasmada em conceitos tão ricos como o de mutação, variedade,

seleção, genótipo, fenótipo etc.

Contudo, o conceito de rotinas é mais que a ponte para um instrumental

metodológico arrojado, pois. as rotinas e os conceitos que delas derivam ou que

23 Ver BELL (1984); BELL: PAVITT (1991), HOBDAY (1995; BARNEY (1986:1991)

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lhes são afins oferecem um campo analítico pouco explorado e provavelmente

muito promissor. À base das rotinas, a noção de empresa (a organização

empresarial, vista ―para dentro‖) como ente peculiar e autônomo ganha sentido e

força analítica, fundamentando a percepção de que há muito mais entre a

produção e o mercado do que supõe o saber convencional. Para além da

tradicional crítica ao ―irrealismo das hipóteses‖ dos modelos do main stream,

pode-se desde aí não apenas atacar o pressuposto de atomismo, mas prover

uma alternativa concreta para lidar com fenômenos tão essenciais à realidade

econômica como o de rivalidade24. As rotinas definem padrões comportamentais

próprios às empresas internamente, os quais:

- são fundados em uma racionalidade distinta da maximizadora, dita

―satisfatória‖ (satisficing) e ―procedimental‖ (procedural), informada por hábitos e

convenções;

- são idiossincráticas a cada empresa, pois, como as cadeias de DNA,

tanto correspondem a sucessivas rodadas de seleção de soluções plausíveis a

cada momento, ao longo da ―história‖ da firma, sendo, portanto, path-dependent;

como são pouco reprodutíveis, de forma que mesmo que outra firma desejasse

reproduzi-las, encontraria dificuldades formidáveis.

Embora a rotina diga respeito ao funcionamento interno da firma, é intuitivo

que ao lhe conceder papel próprio e decisivo uma série de simplificações sobre a

ação externa da firma fica significativamente abalada. Um pouco como o

problema da rigidez da função de produção incidiu sobre a controvérsia do capital,

ao se afirmar que em grau relevante são rotinas que definem o comportamento

usual desses agentes, o que se tem é um aumento decisivo da rigidez de sua

ação (encerrando-a, segundo Nelson e Winter, em um dilema entre capacitação e

escolha deliberada). Entretanto, não apenas se admite que há restrições técnicas

ao comportamento efetivo que segue da racionalidade maximizadora, mas, mais

radicalmente, afirma-se que parte importante do que as firmas fazem de fato não

guarda qualquer relação palpável com a maximização de alguma variável de

desempenho objetivamente perseguida.

As rotinas, contudo, não são sempre passivas. Ao contrário, existem e são

de fundamental importância as rotinas ―inovativas‖, de ―seleção e busca‖. Os

24 CLIFTON 1977; DEMSETZ 1973

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ambientes em que as firmas interagem podem favorecer o sucesso relativo de

algumas, mas rotinas não podem ser criadas e desfeitas livremente, ainda que

mudanças de estratégia no alto comando ou políticas públicas decididas, por

exemplo, possam tentar direcioná-las. Ainda que essa limitação possa ser

compreendida sob parábolas evolucionistas (por exemplo, no âmbito da

conhecida dicotomia fenótipo versus genótipo), evidentemente, a noção de que as

condutas empresariais são condicionadas por causas internas às empresas é

mais bem expressa pelos conceitos de recursos (resources), e de capacitações

(capabilities), os quais guardam notável afinidade entre si.

Apesar da origem em Penrose, é na tentativa de diálogo com a teoria da

administração de empresas, em particular nas cercanias do debate sobre

competitividade, estratégia e ―competências essenciais‖ (core competences), que

o conceito de capacitações ganha relevo e, precipuamente, centralidade na

―microeconomia‖ schumpeteriana. A abordagem das capacitações revelou-se

fundamental para permitir, partindo de um foco conceitual empiricamente

poderoso, o diálogo com a teoria ortodoxa dos contratos e com a teoria

institucionalista da firma, por exemplo. Todavia, no que interessa aqui, a

abordagem das capacitações é também de central interesse ao lançar luz sobre

por que e como as firmas inovam (e também por que não inovam), e, assim,

sobre o mecanismo schumpeteriano de crescimento econômico.

Sob certo registro, a abordagem das capacitações estabelece um meio-

termo entre Schumpeter e Chamberlin, autor cujo estudo da concorrência via

diferenciação já foi abordado nesta tese. Conforme visto, Chamberlin, apesar de

focar a concorrência à moda neoclássica, mais como um estado do que como um

processo25,lança luz sobre a relação entre ativos específicos à firma e sua forma

particular de competir. Ao poderoferecer utilidades específicas aos consumidores,

reprodutíveis apenas a custo exorbitante, ou sugerir convincentemente que o

fazem, as firmas são capazes de auferir taxas de lucro extraordinárias e

duradouras. Como se sabe, Schumpeter, ao contrário, concentra-se na contínua

criação de novas utilidades na busca pela obtenção de lucros e na ―perseguição

ao inovador‖, bem como às suas desejáveis consequências para o dinamismo

econômico.

25 Cf. CLIFTON, 1977, por exemplo..

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A abordagem das capacitações permite uma síntese desses dois enfoques

quanto à lógica da competição. Sabe-se, assim, que as firmas tendem a inovar a

partir das capacitações que acumularam, em um sentido semelhante, mas

distinto, da acumulação de capital e do seu porte financeiro. Essa distinção é

marcada, sobretudo, pelo fato de as capacitações não serem facilmente copiáveis

ou reprodutíveis e, assim, não poderem ser compradas e vendidas. Na verdade,

as capacitações são constituídas sobre os ―recursos‖ das empresas, e

correspondem, mutatis mutandis, à habilidade de adicionar valor a partir esses

recursos.

A relação entre recursos e capacitações não é livre de controvérsias,

mercê do fato de ambos dois conceitos terem se tornado abrangentes demais e

utilizados sem maior preocupação com o aspecto conceitual. Rigorosamente, há

uma dialética unindo-os. Sem embargo, podemos dizer que, grosso modo, os

recursos expressam vantagens comparativas estáticas das firmas, enquanto as

capacitações exprimem vantagens comparativas criadas, ou ainda os ―serviços‖

que podem ser extraídos dos recursos (de fato, essa percepção está explícita em

Penrose). Embora na literatura sobre comércio internacional, comumente se

sublinhe a oposição entre esses dois polos dicotômicos, é evidente que ao menos

no curto prazo há muito de continuidade entre eles. Ao contrário, na literatura

intrafirma, é notável a saliência do elemento de continuidade entre os recursos de

que as firmas dispõem e suas capacitações competitivas. Vale dizer, não é que se

negue a possibilidade de as empresas criarem espaços competitivos novos em

relação aos que originalmente disputavam, ou simplesmente de disputá-los de

forma diferente, mas sugere-se que via de regra elas operam ―travadas‖ (locked-

in) desde suas bases originais de recursos, com a mudança acontecendo de

forma inercial e menos ativa do que se costuma imaginar: frequentemente, as

diferentes estratégias que as empresas adotam refletem mais reações a

alterações no ambiente a partir das bases de recursos do que opções pela

mudança conscientemente dirigidas, movidas essencialmente por um ato de

vontade.

Mesmo que essa percepção possa soar bastante ―anti-schumpeteriana‖,

ocorre que, ademais de a pesquisa empírica colecionar um sem-número de casos

que a corroboram, há a hipótese teórica poderosa de que as empresas construam

sua capacidade competitiva (e sua correlata capacidade de comandar

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sustentavelmente quase-rendas de diferenciação e inovação) a partir de não

ativos, isto é, estoques de coisas que não são ou são parcamente transacionáveis

no mercado, embora sua detentora (a firma) ―saiba‖ (detenha a capacitação) de

alguma forma extrair valor (no sentido marxiano, ou seja, valor mercantil) dos

mesmos. A inovação seria dessa perspectiva fundamentalmente uma exploração

marginal desses estoques, dada por um incremento – ou de uma mudança, mais

rigorosamente – das capacitações. Evidentemente, suas fronteiras com a

diferenciação resultam muito mais obscurecidas.

Nesse sentido, capacitações são, por um lado, um conjunto de

conhecimentos que dizem respeito à transformação de coisas que, por sua

especificidade, são de fato não ativos, em insumos importantes. As capacitações

permitem articular o lado interno da firma, com sua racionalidade peculiar, ao seu

lado externo, inserido em mercados competitivos. Assim, são o núcleo essencial

da competitividade de cada firma, na medida em que, a rigor, uma firma só existe

como unidade autônoma do capital (tomado no sentido marxiano) pela posse

desses recursos e das capacitações que lhes correspondem, vale dizer, as firmas

se distinguem entre si por suas bases de binômios recursos-capacitações

referentes a recursos26.

2.4.3. Aprendizagem: o elemento essencial do Catching up no nível da

firma

Dois outros conceitos que se tornam chave no âmbito desse debate têm

impactos importantes na compreensão da especificidade do desenvolvimento

retardatário: os de ―conhecimento tácito‖ (tacitness, o qual será empregado

doravante, em detrimento do possível anglicismo ―tacitidade‖) e de aprendizagem.

O conceito de tacitness, malgrado de uso difundido, foi objeto de

investigações da psicologia cognitiva e mesmo da filosofia, pela mão de

pensadores como Hayek e Michel Polanyi. Grosso modo, esse debate tem por

problemática ―como os seres humanos aprendem‖ e, em Hayek mais

26 Embora não nos diga respeito, a notável aproximação da literatura sobre recursos/capacitações com as teorias de

administração de empresas, em particular sobre estratégia (presente em Porter e, em menor grau, em Chandler), gerou áreas de contato que extravasam significativamente o tema da capacidade tecnológica. Não surpreendentemente, isso lança luz sobre as diversas formas de obter e preservar quase-rendas, não necessariamente tecnológicas ou tendo por base condutas inovativas. Ver, por exemplo, Teece; Pisano (1996); Teece (1992); Intakumnerd; Virasa (2004); Barney (1986) in Foss 2004. Intakumnerd e Virasa, em particular, discutem o problema da ótica das firmas latecomers.

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evidentemente, como a sociedade amplia seu estoque de conhecimento a partir

de experiências individuais particulares. É notável a interface desse campo de

questões com o das capacitações empresariais, com as firmas em posição

análoga à dos indivíduos (a despeito do problema adicional de como as firmas se

relacionam com os conhecimentos detidos pelos indivíduos que constituem seus

recursos humanos).

A tacitness opõe-se ao conhecimento dito formal na empresa, o qual

compreende blueprints de equipamentos inovadores, os diversos tipos de

treinamento, a educação formal, a transferência de tecnologia, o estudo de

patentes e assim por diante. É tácito, portanto, o conhecimento não codificado,

mesmo que em forma simples, o qual pode ser, por exemplo, objeto de uma

conversa entre dois trabalhadores, na qual são explicitadas ―regras de bolso‖. A

tacitness envolve uma importância decisiva da prática e, ademais, uma reflexão

própria, interna, por assim dizer, a qual acessa níveis de compreensão difusos e

em boa medida deveras não expressáveis linguisticamente. Por essas

características, o conhecimento tácito não pode ser vendido facilmente: sua

transação mercantil envolveria custos de transação proibitivos27. Por outro lado,

quanto mais tacitness houver em uma tecnologia produtiva, mais custoso é alterá-

la, em especial no sentido de aprimorá-la pelo uso de ciência e de metodologia

científica.

A presença de tacitness funciona como uma barreira competitiva formidável

para as empresas, evidentemente, ao mesmo tempo em que tende a trancá-las

na base de recursos-capacitações herdadas. Portanto, a tacitness surge como

uma limitadora relevante da capacidade de absorção de conhecimento, i.e., de

aprendizagem. Curiosamente, originalmente, o conceito de aprendizagem sugeria

uma relação bastante próxima entre produzir/investir e aprender, por intermédio

das noções de learning by doing e learning by using, devidas, salvo erro, a

Kenneth Arrow. Seu objetivo, de fato, era evidenciar que os rendimentos

marginais decrescentes dos fatores de produção ―clássicos‖ – terra, capital físico

27 Nelson traça interessante analogia entre as rotinas e as habilidades. As habilidades de um trabalhador poderiam ser

indiretamente objeto de troca mercantil, na medida em que as habilidades individuais só fazem sentido nos marcos de um conjunto complexo de rotinas, mas, fora de seu contexto original, essa habilidade pode significar, no mais das vezes, muito pouco. Observamos, contudo, que do ponto de vista de sua característica de ―espantosas‖, as habilidadesse assemelham mais às capacitações, as quais, embora plasmadas em rotinas, são antes qualificações de desempenho dessas, as quais podem inclusive ser pouco conhecidas das empresas (vale dizer, freqüentemente as empresas desconhecem suas capacitações ou mesmo quando as conhecem não são capazes de explicar suas causas).

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e trabalho – eram contra-arrestados não apenas pela presença de economias de

escala, mas também devido à aprendizagem inerente ao próprio ato de produzir e

de investir. Embora a formulação original do learning by doing não

necessariamente excluísse outras possibilidades de aprendizagem, dir-se-ia que

grande parte do aprendizado tecnológico não decorrente do caráter de bem

público do conhecimento podia ser assimilado imediatamente pelas atividades

corriqueiras de produzir e investir. Nessa formulação, a aprendizagem pode ser

tratada como um spill-over da produção.

Naturalmente, esse tipo de aprendizagem tinha por objeto conhecimentos

tácitos, cuja apreensão também não era possível através do mercado. Contudo, o

motivo para tanto é o fato de o learning by doing se constituir em uma

externalidade, tendo por objeto um tipo de conhecimento absorvível de forma

passiva e livre de incerteza. Cognitivamente, o learning by doing não difere muito

da aprendizagem individual de andar sobre duas pernas, falar, reproduzir

símbolos gráficos para a escrita, manejar talheres ou andar de bicicleta: muito

raramente a insistência prática não trará resultados, em que pese o fato de erros

serem praticamente inevitáveis, e que é impossível chegar a qualquer resultado

sem a persistência prática. Vale dizer, o learning aparecia como o processo, mais

ou menos automático (embora obviamente implique algum ―esforço‖), de

absorção da dimensão tácita da tecnologia e, sem dúvida, mantém, ao se pensar

no indivíduo isolado que aprende, afinidade relevante com a construção de

habilidades.

Desde o problema do catching up de economias atrasadas, o

desenvolvimento das firmas retardatárias não sofreria nenhum óbice pela

presença desse tipo de tacitness, o qual, na verdade, corroborava a força da

vantagem de seguidor gerschenkroniana. Tudo muda se passamos a dizer que

parte importante da aprendizagem é custosa e não pode ser objeto de troca

mercantil (haja vista seu custo de transação). É justamente esse o ponto decisivo

da contribuição especificamente schumpeteriana ao debate sobre o catching up28:

a aprendizagem é custosa e não pode ser comprada. Duas grandes vertentes,

não antagônicas dividem-se quanto às barreiras à aprendizagem empresarial.

28 Alguns autores schmpeterianos sustentam debater o problema das firmas retardatárias, porém, de fato discutem a

questão da competitividade – e não apenas tecnológica, em algumas versões – das firmas em geral, já que não faltam firmas com elevado nível de capacitações em países atrasados e há uma infinidade de firmas com pouca capacitação em países desenvolvidos.

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A primeira delas é justamente a que destaca que a tacitness excede em

muito o conhecimento obtido simplesmente pela prática passiva e repetitiva do ato

de produzir. Entretanto, isso não significa que o esforço consciente seja capaz de

reverter a defasagem na capacidade competitiva de uma firma vis-à-vis outra. Ao

se negar, limitar ou diferenciar o alcance do learning by doing, quer-se dizer que a

tacitness pode permanecer como uma parte do conhecimento que na verdade

não é nunca aprendido, por exemplo, porque – focando a firma individual – ―as

capacitações não são reprodutíveis‖ 29. Na verdade, podem até ser, mas a custos

exorbitantes para a firma ―seguidora‖, de forma que terá de se contentar com

margens de lucro sistematicamente menores, mudar de setor ou quebrar. De

qualquer forma, a tacitness pode aparecer, como caso polar, como barreira

absoluta na literatura bainiana, uma vez que implica a inacessibilidade completa a

um recurso capaz de gerar ganhos monopólicos.

A relação entre tacitness e capacitação tecnológica não é perfeitamente

direta, mas certamente é positiva. Dir-se-ia que o domínio do conhecimento tácito

é um tipo formidável de capacitação tecnológica, mesmo que não esteja vinculado

a recursos tangíveis da firma (caso em que a tacitness aparece como uma

barreira absoluta, como visto). Assim, uma forma adequada de defini-la é ―saber

que se sabe fazer alguma coisa (tácita) de forma raramente conseguida por

outrem‖. De qualquer modo, a desvinculação com a base de recursos específica

da firma constituiria uma ―forma intermediária‖ de efeito da tacitness sobre a

competitividade.

Nos casos intermediários, a tacitness que excede o learning by doing

funciona como medida da dificuldade (mas não como barreira absoluta) do

emparelhamento competitivo e, portanto, do catching up. Não obstante, mesmo aí

a literatura schumpeteriana sugere a presença de elementos fortemente

estruturais atuando, pois a vantagem de seguidor é tênue e efêmera (limitada pela

importância do learning by doing) e o processo de imitação não possui atalhos.

Uma firma ―late-comer‖ podeaprender e desenvolver capacitações, mas as razões

29 Ainda que o tempo seja fundamental para o acúmulo de capacitações, obviamente não o é em uma relação funcional fixa,

vale dizer: é possível que algumas capacitações, relevantes para certos resultados competitivos, possam ser absorvidas em menos tempo por uma firma do que por outra. Sem embargo, o ponto fundamental é que o aprendizado de dimensões tácitas de determinadas capacidades competitivas está severamente constrangida, de forma que varia dentro de uma banda estreita. Assim, mesmo que uma firma consiga absorver a capacidade ―x‖, em um período mais curto que outra, o fato de ambas serem menos antigas que uma terceira firma coloca-as em desvantagem porque o processo de aprendizagem não é linear; de forma que o acervo de erros desta última pode ser fonte de vantagens significativas para acessar a capacidade ―y‖, decisiva em outro contexto.

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para crer que o fará em ritmo superior ao das firmas que já estão firmemente

estabelecidas são, na melhor das hipóteses, limitadas a estágios muito iniciais,

incapazes de per si de ameaçarem significativamente o gap competitivo que as

separa. Ao contrário, a existência da vantagem baseada em capacitações

adquiridas e na exploração de recursos específicos à firma líder facilita o

aprofundamento dessa vantagem, atuando de forma análoga à que a divisão

internacional do trabalho reforça especilaizações relativas regressivas das

economias periféricas. Consequentemente, se a competitividade é o elemento

essencial de dinamismo das firmas e o microfundamento indispensável do

crescimento macroeconômico solidamente fundado, os países menos

desenvolvidos podem crescer, e muito, mas não há nada que indique que

disponham de alguma vantagem inerente para fazê-lo em ritmo superior ao dos

países avançados por longos períodos.

Durante algum tempo, paradoxalamente, os estudos sobre aprendizagem

criticaram a limitação da hipótese do learning by doing, apontando tanto para a

limitação desse processo, quanto para a necessidade de o mesmo ser

completado pelo conhecimento e pelo aprendizado mais formal, conhecimento

este ―externo‖ à firma. Essa constitui a segunda forma de complementação da

aprendizagem passiva destacada pelos schumpeterianos.

Obviamente, a noção de que o conhecimento e a tecnologia são externos

às firmas é coetânea à de função de produção.Mais além, a exogeneidade e o

caráter de bem público são fundamentais para a obtenção de equilíbrios com

concorrência perfeita nos modelos neoclássicos de crescimento originais. Sem

embargo, a percepção de que uma parcela significativa da aprendizagem requer o

acesso a conhecimentos externos, entre os schumpeterianos não requer nem

exogeneidade forte (isto é, parte do conhecimento pode ser gerada internamente

ou depender de fatores internos para ser absorvida), nem que esse conhecimento

possa ser exaustivamente classificado como bem público, em particular porque as

empresas podem ter pouco interesse em absorvê-lo ou, mesmo tendo interesse,

não deterem meios adequados para fazê-lo. De fato, é aí que reside o nó górdio

da questão da aprendizagem e do aumento das capacitações das empresas: o

que explica as diferenças de incentivo e de capacidade para acessá-lo?

O aspecto externo e formal da aprendizagem remete, para além das

considerações iniciais quanto à relação entre inovação e ciência, ao que acabou

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vulgarizado como ―economia baseada no conhecimento‖. A noção de que o

conhecimento é um insumo produtivo ou mesmo um fator de produção peculiar

(por exemplo, sujeito a rendimentos marginais crescentes) e com propriedades

essenciais para se compreender a expansão da economia a longo prazo, vincula-

se na verdade à percepção de que há uma interconexão e que tipos de

conhecimento distintos são intercambiáveis entre si. Em poucas palavras, o

conhecimento pode ser acumulado também fora da firma e o conhecimento

relevante para a firma (entendido como fonte abstrata de toda inovação) pode ser

em medida importante gerado fora desta – mediante acumulação de capital

humano via formação escolar, por exemplo.

De fato, durante algum tempo os estudos sobre aprendizagem criticaram a

limitação da hipótese do learning by doing, apontando tanto que esse processo é

bastante limitado como que precisa ser completado pelo recurso ao conhecimento

e ao aprendizado mais formal. Em particular, Martim Bell, fundador da tradição de

estudos das chamadas firmas latecomers, tinha como hipótese decisiva que

essas firmas se diferenciavam quanto à sua capacidade de catching up na

medida em que fossem capazes de recorrer a fontes externas de conhecimento,

ou seja, que fossem capazes de learning by non doing. Para Sanjaya Lall, no

mesmo sentido, a superação do gap tecnológico pode ser feita por esforços até

certo ponto aferíveis e, portanto, gerenciáveis, dependendo essencialmente da

passagem do know-how para o know-why – ou seja, da superação da

aprendizagem tácita (identificada, neste caso, com o learning by doing) para a

aplicação consciente e eventualmente científica30 de conhecimentos não

inteiramente práticos (adquiridos por intermédio de ―learning by non doing‖). Em

menor grau, mas no mesmo sentido, Kim utiliza-se da noção de aptidão

tecnológica para abordar a passagem da condição de tomadoras ou adaptadoras

de tecnologia das firmas de um país em relação às de outro, processo cuja lógica

passa pela explicitação e sistematização de conhecimentos ―escondidos‖ nos

produtos e nos blueprints adquiridos às últimas.

30 NELSON 1990 faz considerações interessantes quanto à crítica de que a ―ciência da computação‖ e a ―engenharia

química‖ não são ciências: do ponto de vista de sua importância para a aceleração da aprendizagem, baseada em observação, sistematização e em formalização, assemelham-se essencialmente do conhecimento científico. Quanto à dicotomia know how vs know why ver também LALL 1990; LALL 2005; LUNDVALL; JOHNSON 1994 (texto onde estão todos ―knows‖); KIM 2004; CANUTO 1994.

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Todavia, é nos trabalhos de Cohen e Levinthal (1989 e 1990) que há uma

formulação mais rigorosa e bastante abrangente da tensão entre tacitness e

aplicação científica e da sua relação com a aprendizagem, por intermédio do

conceito de ―capacidade absortiva‖ (absorptive capacity).

Tal capacidade aparece imediatamente como a faculdade que cada

empresa tem de utilizar-se de conhecimento gerado externamente a si para

acelerar sua aprendizagem e sua inovatitividade. Ela é determinada

―geneticamente‖: certas empresas, pelo tipo de recursos específicos que detêm,

por um espectro de decisões estratégicas que adotaram no passado ou, mais

provavelmente, por uma combinação de ambos, possuem maior capacidade

absortiva que outras. Isso lhes proporciona uma vantagem competitiva essencial

(de fato, pode-se dizer que é o cerne da competitividade empresarial para

Cohen), além de potencialmente duradoura, uma vez que permite ―absorver‖ não

apenas conhecimentos envolvidos nos bens ofertados por seus competidores, por

meio de engenharia reversa (conhecimento, portanto, externo à firma mas ―interno

à indústria‖), por exemplo, mas também de acessar conhecimento formal e

científico, o qual é mais próximo do conceito de bem público e, portanto, exógeno

ao setor produtivo como um todo.

Sem embargo, nem toda capacidade absortiva é herdada (e, assim,

funcionalmente análoga às vantagens comparativas naturais neoclássicas). Para

Cohen e Levinthal, as atividades de P&D, compreendidas em sentido lato, podem

expandir decisivamente a capacidade absortiva das empresas, de forma que a

P&D é em si aprendizagem, mas, mais além, é um acréscimo à capacidade de

aprender da firma, uma vez que essas atividades trazem sempre um elemento de

codificação, de compreensão do conhecimento a partir desde os recursos, as

estratégias, as habilidades e rotinas de cada empresa. Para os autores, mesmo o

conhecimento acadêmico, expresso em linguagem maximamente codificada,

precisa ser compreendido à luz dos recursos e dos problemas e desafios

tecnológicos com que a firma se defronta, de forma que a P&D em medida

importante serve para tornar comunicável o código das capacitações tecnológicas

baseadas em tacitness, com o tipo de linguagem formalizada necessária à

aplicação do método cientifico.Vale dizer: a P&D é também a atividade de

explicitação da tacitness tal que permite a formulação de ―questões tecnológicas‖

claras – típicas dos paradigmas tecnológicos de Dosi.

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É de especial interesse para se pensar a firma latecomer tentar

compreender mais detidamente a relação entre P&D e capacidade absortiva.

Como visto, esta última é em parte decorrência daquela e, em parte, herdada, não

podendo ser afetada pelas decisões que a firma toma quando já estabelecida.

Porém, isso não é tudo: a capacidade absortiva previamente existente define, em

grau variável (setor a setor, por exemplo), o custo de oportunidade de se executar

P&D, grosso modo, negativamente, ou seja, quanto maior a capacidade absortiva

da empresa, menor a relação custo/benefício de se gastar com P&D, coeteris

paribus. Em poucas palavras: é mais vantajoso para a firma que possui mais

capacidade absortiva relativamente a suas concorrentes investir em P&D do que

a que possui pouca capacidade absortiva.

Embora formulado como modelo geral, o conceito de capacidade absortiva

detém diversas características desejáveis para dar conta do problema da

aprendizagem tecnológica em firmas latecomers. Em primeiro lugar, implica que

há algo de genético na capacidade de aprender das firmas, inscrita em suas

capacitações acopladas a seus recursos específicos, de forma que o aprendizado

aparece estaticamente como pressuposto mas também como resultado da

capacidade absortiva (dir-se-ia que há um elemento inerente a cada empresa em

sua capacidade absortiva, elemento, contudo, que pode variar de acordo com as

demais características). Em segundo lugar, explicita que a oferta de

conhecimento como externalidade é captável pelas empresas diferentemente,

conforme o setor industrial em que atuam, mas também conforme o esforço de

P&D, em especial interno, que praticam. Em terceiro, cada firma é decisivamente

afetada pelo modo com que as outras competem. Assim, se as concorrentes

executarem muito P&D, ao mesmo tempo que a pressionam a uma conduta mais

criativa, aumentam, através da imitação e da engenharia reversa, a chance de

sucesso de esforços desse tipo. Finalmente, delimita o binômio apropriabilidade

versus oportunidade (embora essas variáveis não apareçam explicitadas no seu

modelo de equilíbrio) como decisivo para condicionar o padrão competitivo

setorial como um todo quanto à importância (e ao tipo, quanto à sua maior ou

menor dose derecurso à ciência formal, pode-se acrescentar) da P&D para

aumentar sua capacidade absortiva.

Além disso, o conceito de capacidade absortiva lança luz sobre a dicotomia

tácito versus formal ao postular que ambos os tipos de conhecimentos envolvem

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esforços próprios, internos à empresa, que, embora claramente distintos entre si –

haja vista que a P&D engloba atividades que tanto partem da experiência pura

para a sistematização consciente, como da pesquisa pura para a criação de

artefatos físicos – e terceirizáveis apenas a custos proibitivos, estão em parte

significativa potencialmente sob sua governança. Esses esforços são

considerados em relação às expectativas de lucro que permitem, dados os

esforços das empresas concorrentes, o grau de adequação (targeting) do

conhecimento formal disponível e a capacidade absortiva da empresa já

existente. Embora esteja claro que sempre há algo de herdado nessa capacidade

(e, coerentemente, no custo de acessar conhecimento não dominado), em uma

ampla faixa a atividade de P&D permite avanços marginais relevantes nessa

busca.

Uma empresa que possua relevantes capacitações tecnológicas reveladas

baseadas em conhecimento predominantemente tácito, embora tendo acumulado

aprendizagem e, nessa medida, capacidade absortiva, terá pouco estímulo para

executar P&D, a menos que perceba uma aceleração na criação de conhecimento

potencialmente relevante para a competitividade na indústria em que se situa.

Vale dizer, uma elevada capacidade absortiva não decorre apenas do domínio de

conhecimento tácito, mas, entre duas empresas concorrentes, sendo tudo o mais

semelhante, aquela que detiver maior capacitação tecnológica tende a se

beneficiar mais de um esforço tecnológico baseado em P&D, mesmo que essa

capacitação esteja muito pouco decodificada. Embora possa ser verossímil que

uma empresa detentora de elevado nível de capacitações baseadas em tacitness

possa se ver em dificuldade de expressar mais formalmente seu estoque de

conhecimento, principalmente em face de um vigoroso ―choque de oferta‖ de

conhecimento externo (propício a inovações mais radicais que incrementais); no

entanto, via de regra, tratando-se de uma mesma indústria, ela possui vantagens

significativas sobre suas concorrentes. Assim, a existência de capacitação

tecnológica pode ser correlacionada positivamente com o aprendizado formal, da

mesma forma que, como visto, com o aprendizado tácito. Mais uma vez, estar-se-

ia diante de elementos cuja ação tenderia a bloquear a ação da vantagem de

seguidor da firma latecomer ―típica‖.

Não obstante, sabe-se que parte da capacidade absortiva, vale dizer, da

capacidade de aprender desde fontes externas à empresa, não é congênita,

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podendo ser criada. A variável crítica para lográ-lo é o esforço de P&D. Embora,

como já notado, Cohen e Levinthal não tenham se detido sobre o caso em que

firmas tipicamente frágeis competitivamente se deparam com firmas

competitivamente robustas, tome-se seu ponto de partida: as firmas investirão

tanto mais em P&D quanto mais for difuso (non-targeted) o conhecimento

pertinente ao padrão tecnológico dominante no seu setor e quanto mais estiver

aumentando, exogenamente, o estoque desse conhecimento (ou que as firmas

assim supuserem). Mas essa não parece ser uma generalização cabível para

uma firma que se encontre significativamente aquém de outra que detém

vantagens tecnológicas: nesse caso, o alto custo requerido para aproximar

ciência ao seu cotidiano competitivo oferece relativamente às concorrentes mais

arrojadas lhe parecerá proibitivo, estimulando-a a se concentrar em capacitações

de outra ordem, ainda que saiba que menos efetivas em lhe proporcionarem

elevada lucratividade duradouramente. Evidentemente, no caso de as firmas

estarem em países diferentes, uma possibilidade óbvia é dada pelo acesso mais

direto ao mercado, o que pode envolver desde atendimento mais individualizado

aos clientes, vantagens de custo de transporte etc.

O contrário tende a se dar quando consideramos um aumento do nível de

targeting – especificação aos problemas tecnológicos triviais vividos ou

percebidos pela empresa –, tudo o mais constante: a firma tecnologicamente frágil

tende a ser mais beneficiada, pois, sob certas circunstâncias, pode ameaçar

crivelmente a posição vantajosa das demais a partir de um aumento marginal no

esforço de P&D. Isso sugere que a busca de aproximação entre empresas e

universidades, que tanto tem ocupado os policy makers e especialistas em

políticas de inovação, tem, sobretudo no caso de países atrasados, sua razão de

ser. Retornemos, contudo, à importância do conhecimento formal para o catching

up tecnológico.

A diferença entre o efeito do aumento no grau de generalidade do

conhecimento externo relevante para a empresa avançada, de um lado, e a

empresa retardatária de outro, na verdade traz à tona as características dos

paradigmas e trajetórias tecnológicos que assumem, cujos efeitos podem ser

diferentes para firmas diferentes.A elevada cumulatividade de um tipo de

conhecimento tecnológico estimula uma firma arrojada a aumentar seu esforço de

aprendizagem, mas estimula a firma seguidora a concentrar-se em outras

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capacitações, vale dizer, em outra sorte de recursos. De fato, apenas sob certas

condições, firmas que já estão em condição desvantajosa tenderão a expandir

seu esforço de aprendizagem em detrimento de, mesmo que obtenham

lucratividade inferior às tecnologicamente pujantes, competirem desde recursos

capazes de gerar baixo nível de quase-rendas e insuficientes para justificarem

políticas de expansão. Basta para tanto que a taxa esperada de lucro,

considerando um aumento no gasto com esforço tecnológico (o que será

fortemente condicionado pela extensão de handicap que a separa das

competidoras arrojadas), seja inferior à taxa esperada mantida a trajetória atual.

Entretanto, essas conclusões não podem ser generalizadas tanto

respectivamente ao tipo de conhecimento externo que se pode absorver quanto,

em uma formulação mais geral, ao paradigma tecnológico pertinente a cada setor.

Nos anos 1980, Carlota Perez expressou com seu conhecido conceito de ―janela

de oportunidade‖ idéia semelhante: diante de uma mudança drástica no padrão

tecnológico, países e empresas em clara desvantagem competitiva teriam

aumentada sua chance de se aproximarem dos líderes, haja vista o estreitamento

da vantagem de líder que acontece em tais situações.

Sem dúvida, via de regra, o ponto de partida é decisivo para a manutenção

de vantagens tecnológicas, tanto porque parte importante do conhecimento

competitivamente relevante é tácito e ―localizado‖ (referido a recursos específicos

à firma), quanto porque o acúmulo de aprendizado, mesmo o que é em boa

medida não formalizado, facilita relevantemente a capacidade de adquirir

conhecimento externo. Entretanto, isso não implica a impossibilidade de definir

distintos graus de ―desvantagem relativa‖. Coforme visto, o maior nível de

generalidade do conhecimento relevante reduz os estímulos à firma atrasada que

tenta reverter a desvantagem, e pode mesmo demovê-la de qualquer esforço

tecnológico, em detrimento de se concentrar em outras formas de

competitividade, ainda que menos promissoras no longo prazo. O mesmo se pode

dizer da presença de elevada cumulatividade. Sem embargo, uma taxa

relativamente elevada de mudança tecnológica em um setor, especialmente se a

tecnologia relevante for especialmente baseada em ciência, tende a reduzir o

custo de oportunidade da firma retardatária (o que se pode aproximar ao conceito

de oportunidade tecnológica no modelo de Dosi). Finalmente, a apropriabilidade é

uma condição indispensável para que as firmas se empenhem em adquirir novas

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capacitações tecnológicas em geral. Um baixo nível de apropriabilidade é

vantajoso para a firma retardatária apenas na medida em que sua posição relativa

tende a se alterar pouco respectivamente à competitividade tecnológica – caso

que de fato corresponde às condições discutidas pela TDE e por Gerschenkron

em particular, no qual o problema da aprendizagem seria claramente secundário

para o catching up de países em que dominam firmas latecomers.

Quer parecer que essa exposição conceitual é suficiente para discutir-se

adequadamente as limitações das políticas para o catching up tecnológico

geradas desde a TDE, bem como a insuficiência que a desconsideração ao

problema do atraso acarreta para a abordagem neoschumpeteriana. É o que se

tematiza a seguir31, 32, 33.

2.4.4. Padrões tecnológicos setoriais e capacidade tecnológica em

firmas retardatárias – delineamentos orientados para políticas

A compreensão do catching up dos países atrasados pela TDE levava forte

e explicitamente em consideração as especificidades setoriais, não apenas da

indústria – tida genericamente como geradora de ―progresso técnico‖ – em

relação aos setores primários, mas também intra-indústria. Nesse caso, o

problema das escalas mínimas e a interdependência da estrutura da demanda

eram comumente ponderados, não obstante a questão tecnológica perpassar,

mais ou menos explicitamente, sua problemática. Nisso, a TDE e os autores

neoschumpeterianos, para os quais o gap tecnológico era a questão fundamental

no debate do catching up retardatário, estavam de acordo, ao menos nos seus

31 Embora o tempo seja fundamental para o acúmulo de capacitações, obviamente não o é em uma relação funcional fixa,

vale dizer, é possível que certas capacitações, relevantes para certos resultados competitivos, possam ser absorvidas em menos tempo por uma firma do que por outra. Sem embargo, o ponto que nos parece fundamental é que o aprendizado de dimensões tácitas de certas capacidades competitivas está severamente constrangido, de forma que varia dentro de uma banda estreita. Assim, ainda que uma firma consiga absorver a capacidade ―x‖ em um período mais curto que outra firma, o fato de que estas firmas são menos antigas que uma terceira as coloca em desvantagem por que o processo de aprendizagem não é linear, de forma que o acervo de erros desta última pode ser fonte de vantagens significativas para acessar a capacidade ―y‖, decisiva em outro contexto. 32

NELSON 1990 faz considerações interessantes quanto à crítica de que a ―ciência da computação‖ e a ―engenharia química‖ não são ciências: do ponto de vista de sua importância para a aceleração da aprendizagem, baseada em observação, sistematização e em formalização, assemelham-se essencialmente do conhecimento científico. Quanto à dicotomia know how vs know why ver também LALL 1990; LALL 2005; KIM 2004; CANUTO 1994. 33

É de se notar que nos anos 70 e 80 pesquisadores como Katz, Teitel, Guimarães e Dahlman, próximos da teoria do desenvolvimento original, trataram do problema da aprendizagem em países retardatários, como Argentina, México e Brasil (o estudo seminal sobre a Coréia é de Linsu Kim). Apesar de a interpretação schumpeteriana convencional do sucesso relativo da Coréia vis-à-vis os países industriais latino-americanos, aqueles estudos apontavam para relevantes processos de aprendizagem em curso durante o processo de substituição de importações, inclusive com aplicações criativas e pequenas inovações de processo após a importação de bens ou de transferência de tecnologia do exterior. Ademais de muitas aferições do crescimento da PTF não indicarem diferenças relevantes no cotejo Coréia vs latino-americanos (Taiwan seria um caso distinto), de forma geral essas descobertas foram esquecidas ou relegadas a segundo plano. No capítulo 4 retornamos a esse assunto.

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escritos iniciais. Posteriormente, a discussão encaminhou-se, no início

impulsionada pelo debate sobre competitividade, cada vez mais para a firma,

movimento que é justificável seja pelo fato de empiricamente o gap tecnológico

ser ―observável‖ em suas nuances ―nas firmas‖, seja pela perseguição mais

consciente entre os autores schumpeterianos de uma epistemologia – dita

evolucionária – própria.

Deve-se sublinhar que esse movimento limitou um pouco a

comunicabilidade entre as duas ―escolas‖ (na falta de melhor designação). O

―holismo‖ da TDE tinha raízes não apenas em seu suposto keynesianismo latente,

mas na preocupação mais premente com o encadeamento progresso

tecnológico/progresso econômico (a despeito de sua escassa discussão teórica

sobre concorrência e diferenciação, obviamente). De sua perspectiva, entender a

firma típica era menosimportante que entender o movimento do conjunto das

firmas, seja porque se partia de uma preponderância da estrutura sobre a

conduta, seja porque era o efeito final sobre o crescimento o que mais importava.

Dito de outra forma: mesmo que o avanço tecnológico fosse considerado

essencialmente endógeno à concorrência, de pouco valeria se não houvesse

razões convincentes para aceitar que tenderia a se espraiar pelo restante das

firmas, resultando em efeito ―multiplicador‖ relevante. Nesse sentido, importava

menos a extensão do avanço tecnológico máximo de se lograr em uma firma líder

local do que o fato de ele poder ser rapidamente generalizado pelo setor e/ou pela

economia em geral. Curiosamente, esse raciocínio estaria mais de acordo com a

―teoria de crescimento de Schumpeter‖ – a qual, há que se relembrar, está

apenas implícita e delineada, mesmo assim ambiguamente, nesse autor.

Infelizmente, seria impossível em um único estudo como o presente,

explorar adequadamente a relação entre avanço tecnológico das firmas e

crescimento econômico. Se excluímos dessa consideração a retroalimentação

macroeconômica que a competitividade, sobretudo a baseada em capacidade

tecnológica própria, costuma ter, via redução da restrição externa, sobre o

ambiente para o investimento (em nova capacidade, por exemplo), deixa-se de

lado um aspecto crucial justamente para economias periféricas, para as quais a

capacidade para importar e o recurso ao financiamento externo são sempre

decisivas. Por outro lado, na medida em que se sabe que parte importante do

esforço de aprendizagem das empresas é responsivo às estratégias de suas

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concorrentes, é claro que uma excessiva assimetria tecnológica tende a – tudo o

mais mantido relativamente igual – reduzir o esforço competitivo das líderes, pela

redução da ameaça tecnológica de sua posição, e das marginais, pela

impossibilidade técnica e financeira de superar sua desvantagem. Tentou-se

manter ―em segundo nível‖ esse assunto, mas o foco central permanece sendo o

problema do avanço em competitividade tecnológica de firmas significativamente

atrasadas: que variáveis, dada essa situação, podem efetivamente acelerá-lo?

Na seção anterior, admitiu-se que o avanço corresponde essencialmente,

no caso de firmas retardatárias, à aprendizagem. Constatou-se:

- existem etapas mais passivas e outras mais ativas na aprendizagem;

- a aprendizagem pode se dar mais sobre conhecimentos tácitos, os quais

são internos à firma ou em direção a conhecimentos externos, que se busca

absorver;

- os conhecimentos tácitos não são iguais quanto à dificuldade de adquiri-

los: podem estar mais referidos a recursos específicos à firma, podem ser

essencialmente adquiríveis pela prática e uso de equipamentos externos e

podem, por fim, ser mais ou menos passíveis de codificação e formalização;

- a codificação e a formalização do conhecimento tácito são decisivas para

a firma se esta pretende aumentar sua capacitação tecnológica, embora existam

firmas que mantêm, sustentavelmente, elevada capacidade de extração de

quase-rendas tecnológicas justamente pela profundidade da tacitness do

conhecimento que domina;

- neste último caso, capacidade tecnológica e capacidade de diferenciação

tornam-se funcionalmente muito semelhantes, em particular quanto à importância

desse atributo para o crescimento econômico, seja porque a imitação será

praticamente impossível, seja porque a empresa tenderá a se acomodar

cognitivamente, apenas buscando pequenos incrementos nas margens da

capacitação do que já detém;

- ainda sobre tacitness muito elevada, há antes do motivo econômico para

o baixo esforço de aprendizagem (visto imediatamente acima) uma barreira

técnica por vezes intransponível: a firma que detém o conhecimento tácito pode

ela própria ser incapaz de expressá-lo mais formalmente e, no limite, sequer de

delimitar onde se encontra (por exemplo, porque observa certas regras de bolso

em um série de rotinas que geram um resultado excepcional em termos, por

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exemplo, de qualidade, sem que o comando da empresa tenha clareza de quais

exatamente são os responsáveis pela vantagem que detém);

- a P&D é por excelência a atividade apta a aumentar a capacidade

tecnológica das empresas atrasadas;

- sem embargo, é fora de questão que empresas que dispõem de pouco

conhecimento tácito terão muito mais dificuldade de executar P&D, embora,

dentre as que possuem conhecimento tácito, aquelas mais capazes de codificar

tal conheciemento terão vantagens relativas em executá-lo;

- toda decisão de executar P&D depende da existência de oportunidade

tecnológica e de apropriabilidade, entendidas no sentido puramente econômico,

de forma que a facilidade técnica para tal execução nada significa se a empresa

não puder (ou não acreditar que pode) reter parte do aumento de utilidade social

que proporciona comparativamente ao (baixo) esforço; enquanto uma empresa

capaz de perceber elevado sobrelucro de um potencial aumento de sua

capacidade tecnológica não despenderá recursos em P&D, caso se perceba

muito distante de efetivá-lo;

- a incerteza, no sentido do desconhecimento do futuro, é um elemento

importante para explicar a ausência do esforço tecnológico em empresas de

ponta, porém em empresas atrasadas a chamada ―procedural uncertainty‖ é muito

mais relevante, mercê, fundamentalmente, de sua limitada capacidade absortiva;

- a aprendizagem passiva é distinta da que conduz à imitação, a qual

implica em esforço consciente e dirigido, embora as atividades que levam à

imitação não constituam exatamente P&D, por compreenderem elevado grau de

tacitness;

- a imitação e o learning by doing são os únicos tipos de aquisição de

conhecimento essencialmente tácito (embora não por completo, haja vista a

necessidade de haver consciência desse conhecimento para adquiri-lo), no qual

empresas seguidoras possuem vantagem (embora limitada em relação ao total do

gap tecnológico) em relação às avançadas;

- a imitação é ativa e o learning by doing, essencialmente passivo: via de

regra, isso implica que esse constrói menos capacidade absortiva que aquela; e

- de forma geral, contudo, as empresas que já possuem elevada

capacidade tecnológica tendem a manter ou a aumentar sua vantagem ao se

observar esse problema pelo lado da oferta, tanto mais quanto mais tácito for o

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conhecimento relevante para a competitividade tecnológica ou quanto menos

direcionado for o conhecimento externo (de base científica) relevante: no primeiro

caso, o acesso ao conhecimento externo sem controle do conhecimento tácito

pode não significar nada; no segundo, a excessiva distância em relação à

fronteira tecnológica fará proibitivos os custos do esforço de ―ler‖ o conhecimento

externo, desde as capacitações adquiridas e problemas práticos percebidos pela

empresa atrasada.

Nesse contexto, a dimensão setorial, crucial no conjunto da produção

neoschumpeteriana nos anos 1980, de acordo com esta investigação, mantém,

ou deveria manter, boa parte da importância que possuía para os autores

―desenvolvimentistas‖. Cada setor apresenta um padrão competitivo, ou ―padrão

de concorrência‖ dominante, do qual a dimensão tecnológica faz parte, sob a

forma de diferentes níveis e formas de "oportunidade tecnológica". Existem

certamente setores em que outras capacitações são tão ou mais importantes que

a tecnológica, e existem outros cujas capacitações relevantes estão

predominantemente fora do setor propriamente dito (por exemplo, nos―dominados

pelos fornecedores‖); mas parece lícito comparar diferentes formas de avanço na

capacitação tecnológica com as bases de conhecimento relevantes para cada

setor. Em particular, dada a norma geral de que o conhecimento tácito tem

reprodutibilidade limitada e de que a capacidade de aprendizagem beneficia-se da

absorção de conhecimentos externos via P&D, é possível considerar que a

distribuição setorial do setor produtivo não é neutra quanto à sua potencialidade

de aumentar a capacitação tecnológica pela via externa: setores em que há alta

relevância de conhecimento externo e nos quais esse conhecimento aparece de

forma mais dirigida à aplicação tecnológica tendem a ser mais atraentes para as

empresas locais, na medida em que apresentarão ―oportunidade‖ e

―apropriabilidade‖ relativamente elevadas. Em particular, isso tende a se verificar

quando algumas empresas locais tiverem obtido níveis mais elevados de

capacitações tecnológicas.

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2.5. Delineamentos para uma Síntese do Problema da Capacidade de

Aprendizagem em Firmas Latecomers

As linhas do quadro 2.2 apresentam formas de elevação da capacitação

tecnológica da empresa, inclusive algumas pouco discutidas neste estudo, como

imitação e aumento do capital humano (no sentido mais vulgar, de qualificação

formal de recursos humanos, os quais podem ser contratados ou treinados). Não

há pretensão de exaustividade, mas espera-se apresentar formas relevantes para

ilustrar possíveis estratégias adotadas por firmas latecomers inseridas

majoritariamente em mercados competitivos (portanto, visando à obtenção da

maior taxa de lucro possível em um prazo vislumbrável), relativamente abertos à

concorrência de firmas claramente mais arrojadas competitivamente. Assim, as

colunas descrevem formas de conhecimento competitivamente relevante, as

quais tendem a ser dominantes em cada indústria, a despeito de outros

elementos que caracterizem seu padrão particular de concorrência.

Quadro 2.2 – Importância para a cobertura do catching up em firmas

latecomers de diversas formas de aumento da capacidade tecnológica,

segundo o tipo de conhecimento relevante em diferentes padrões de

concorrência

Forma de aumento da capacitação

tecnológica

Importância da aquisição de

novos equipamentos

Importância da absorção de

conhecimento externo

direcionado

Importância da absorção de

conhecimento externo difuso

Importância da exploração de conhecimento

tácito não científico

Passiva Alta importância Baixa Nula Nula

Imitação Baixa Baixa Nula Baixa à média

Adaptação Baixa Baixa Nula Baixa à média

P&D Baixa Alta Alta Baixa

Inovação disruptiva Nula Média à alta Alta Baixa

Capital humano Média Médiaà alta Alta Baixa

A seguir, são observadas com mais atenção as diferenças de impacto que

as diversas formas de aquisição de capacitação tecnológica trazem para cada

padrão de concorrência setorial, avaliando-se dificuldades e potencialidades para

firmas retardatárias.

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2.5.1. Setores em que a tecnologia está plasmada nos equipamentos

O learning by doing é a forma de capacitação tecnológica mais importante

em setores nos quais a base de conhecimento competitivamente relevante está

fundamentalmente plasmada nos equipamentos utilizados. Prefere-se essa

denominação ao invés da de Pavitt, em deferência aos estudos de Katz, Teitel e

de outros que evidenciaram a relativa flexibilidade que se pode obter no uso de

equipamentos. Operá-los bem é decisivo – daí a alta importância da capacitação

tecnológica eminentemente passiva – e, embora a aprendizagem seja, ainda

quando há blueprints detalhados e treinamento, em grande parte prática, pode-se

averiguar se os operários desempenham adequadamente suas tarefas, se o

layout está apropriado, o tempo que se leva para trocar uma peça que se

deprecia rapidamente, o nível de rejeição de produtos intermediários etc. Ainda

assim, ao longo da operação, à medida que a curva de aprendizado entra em sua

zona de derivada segunda negativa, pequenas adaptações criativas podem

acontecer, inclusive de forma a melhorar a performance típica desse bem. A

margem é pequena e frequentemente só diz respeito às condições locais.

Todavia, existe – daí a importância baixa, mas ponderável, de atividades mais

ativas e que implicam algum nível de codificação de tacitness, como a expressa

em regras de bolso que são conhecidas e transmitidas entre os operários e

supervisores. Em conjunto, essas atividades podem permitir algum diferencial de

qualidade ou de produtividade no produto final, embora nesse último caso

frequentemente a maior produtividade diga respeito ao fato de alguns insumos

locais não estarem de acordo com as especificações recomendadas para a

operação dos equipamentos.

É digno de nota que o capital humano – medida estritamente no sentido

mais vulgar de quantidade e qualidade da educação formal – pode se revelar

medianamente importante, mercê justamente do elevado grau de formalização

das rotinas acarretadas pela operação eficiente dos equipamentos. Com efeito,

curiosamente, até certo ponto, o capital humano diminui de importância em

setores com tacitness mais elevada (nos quais a assimetria tecnológica entre as

empresas é alta) e com alto grau de diferenciação entre os produtos, e volta a

aumentar à medida que se passa para o conhecimento externo, sobretudo

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quando esse conhecimento é importante mas não está disponível em forma

direcionada (targeted, no quadro).

Nesse tipo de setor, o catching up tecnológico tende a ser estreito,

refletindo-se em baixo desvio-padrão das margens de lucro, relativamente baixas,

outrossim, entre as empresas, evidentemente, dados equipamentos semelhantes.

A aprendizagem é fundamentalmente by doing e by using, embora treinamento e

conhecimento formal sejam condição necessária para se atingir níveis

adequados, competitivos, de eficiência. Estudos que alegam diferenças

significativas na produtividade entre fábricas em países atrasados e em países

adiantados dificilmente levam na devida conta as diferenças nos níveis de

equipamentos, dos insumos, externalidades e competências não tecnológicas que

podem estar subsumidas nas medidas de produtividade.

Quanto aos efeitos dinâmicos desse tipo de aprendizagem, o fato de as

capacitações serem de acesso relativamente fácil, de um lado tende a aumentar o

impacto de um dado avanço sobre as demais empresas; de outro, acarreta

elevada contestabilidade de qualquer avanço também por parte de concorrentes

externos (ao país). Ao mesmo tempo, por seu impacto limitado sobre as margens,

pode ser facilmente compensado por avanços em outras fontes de vantagem

competitiva. Vale lembrer que se está isolando o fato, óbvio, de que outros

aspectos dos negócios podem ser tão ou mais decisivos de acordo com o padrão

de concorrência vigente em cada setor, como a escala, o acesso a financiamento,

o tamanho e a eficiência da rede de distribuição, ainda que alguns desses

aspectos possam guardar relação importante com a capacitação tecnológica.

Em países muito atrasados tecnologicamente, mas que dispõem de

vantagens de custo significativas, por exemplo, é sem sentido destacar quão

efêmeras podem ser as vantagens competitivas alcançadas em setores desse

tipo. As decisões dos empresários latecomers tenderão, por ação de

condicionantes muito além de sua capacidade decisória e gerencial, a aproveitar

essas vantagens e a relativa simplicidade tecnológica a seu alcance sempre que

condições mínimas de acesso a crédito lhe forem oferecidas. O motivo por trás

disso é apenas aparentemente a linha de menor esforço tecnológico. Na verdade,

o que importa é a formação da taxa esperada de lucro que a compra de um novo

equipamento e algum esforço de aprendizagem lhe proporciona em comparação

com a possibilidade virtual de obter-se, em um prazo mais longo, ganhos muito

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maiores caso seu esforço em aprendizagem fosse mais intenso ou mais

ambicioso. Isso não significa falta de empreendedorismo, pois o que importa e

remunera nesse setor é uma ação de outra natureza. Tampouco indica miopia: há

realmente barreiras técnicas importantes a separar empresas que dependem de

learning by doing e de renovação de equipamentos das que lucram via

diferenciações sucessivas, intensivas em conhecimento hermético. Finalmente,

denota apenas de modo muito genérico e impreciso incerteza: o empresário típico

"sabe" que é perfeitamente improvável que vá obter resultados importantes ao

tentar reverter a lógica da margem de lucro estreita a que está submetido pela via

tecnológica. Por conseguinte, se for inovador, tenderá a sê-lo de outra forma, que

não a tecnológica.

2.5.2. Setores em que o conhecimento competitivamente relevante é

tácito

Atente-se agora para a firma que opera em um segmento intensivo em

conhecimento tácito não científico, isto é, para aquela em que algo de artesanal

remanesce e que é tecnologicamente arrojada. Ressalte-se que não é pela

inaplicabilidade direta de conhecimento baseado em ciência que não se pode

falar de tecnologias – no sentido genérico, de know-how34 – arrojadas.

Essas empresas no mais das vezes produzem ―especialidades‖ voltadas

para estratos de renda diferenciados e para nichos de consumidores em geral;

suas inovações – suas diferenciações adicionais – são fortemente demand-pull.

Assim, esse tipo de empresa encontrará uma dificuldade expansiva importante se

o seu mercado mais próximo não for um mercado de alta renda, menos pela frágil

capacidade de consumo emais pela inexistência de consumidores sofisticados,

capazes de definirem padrões de excelência os quais servem como relevante

feedback para a aprendizagem das firmas líderes. Isso não exclui que em

mercados menos suntuosos possam se construir marcas a partir de diferenças de

qualidade que, mesmo pequenas, permitam a algumas empresas obterem e

sustentarem margens elevadas de lucro. Entretanto, a alta renda e/ou seu

34 A associação entre tecnologia fundamentalmente tácita e artesanato inspira-se (seria inexato dizer mais que isso) no

estudo de Clarence Ayres sobre tecnologia. Sem embargo, nosso foco foi tentar desdobrar as consequências para a concorrência entre firmas assimétricas nesse quesito, seguindo a análise de rotinas e habilidades de Nelson e Winter e, de forma genérica, a literatura sobre capacitações ―baseadas em recursos‖.

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crescimento são limitadores para o crescimento da firma, seja porque

diferenciações adicionais, dado o domínio de algum conhecimento tácito, são

limitadas pelo grau de diversificação dos gostos (e portanto pela possibilidade de

consumo conspícuo ou supérfluo); seja porque a capacidade de ganhos de

competitividade internos depende de sinalizações relevantes do mercado quanto

às direções a serem exploradas no aprendizado introspectivo que caracteriza

esse setor (em seu tipo ideal), sinalizações essas que iluminam os critérios de

qualidade superior que serão provavelmente ―premiados‖ na forma de sobrelucros

(e, eventualmente, na capacidade de se mover para nichos próximos).

No nicho particular da firma de elevada capacitação tácita, uma vez

estabelecida a vantagem, sua sustentabilidade é elevadíssima, garantida pela

tacitness envolvida. No limite, essa tacitness, altamente acoplada a recursos

específicos, é de fato não reprodutível e implica em ―sacralização‖ de certas

rotinas mais ligadas à produção. Isso se deve ao fato de que não raro o

empresário não sabe exatamente qual a razão da maior qualidade, real ou

imaginária, de seu produto: fez-se algo de um jeito que aconteceu de ser

especialmente valorizado pelo consumidor imediato, de forma que isso deve ser

preservado. No limite oposto, havendo ou não recursos próprios em jogo, o

empresário tem perfeita consciência do ―segredo industrial‖ exato que lhe importa.

Na verdade, se efetivamente sabe, é porque esses recursos perderam

importância e porque, ademais, esse setor tem de fato , ao menos

potencialmente, oportunidades tecnológicas em aberto, provavelmente lucrando

caso buscasse conectar o que já é deveras comunicável (e, portanto, não tácito),

ainda que precariamente, com conhecimento externo, o qual lhe permitiria

expandir seu negócio para outros nichos e eventualmente para setores afins.

Esse caso polar, portanto, deve ser classificado como uma situação ad hoc e não

durável, que não é aqui considerada.

Nos demais casos, como seria de se esperar, vige a estabilidade

tecnológica. As oscilações internas ao setor são marginais e tendem a se limitar a

imitações e adaptações de produtos próximos, com alguma substitutibilidade face

ao da empresa baseada em tacitness. Seu esforço inovativo é residual ou inercial,

e raramente implica a criação de atividade sistemática de P&D, a não ser para

adaptar algum insumo mais vinculado à preservação da marca que à tecnologia

do produto propriamente dito (em geral ligada ao design ou à embalagem).

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Em tudo isso, de fato, não há muita diferença entre a empresa baseada em

tacitness típica de um país avançado e a típica de um país atrasado (exceto no

caso polar em que o setor está migrando para outro padrão de concorrência

tecnológica, o qual não é considerado), se tratamos a questão em grau de

abstração elevado (obviamente, no mundo real haverá muito mais empresas

desse tipo em países adiantados que em países atrasados). A diferença essencial

refere-se à presença de atividade inovativa – como visto, predominantemente do

tipo demand pull –, a qual tende a ser rara em países atrasados. Em particular em

economias mais abertas, o predomínio também cultural dos países mais arrojados

(não necessariamente ―injusto‖, vale dizer, já que pode se basear simplesmente

no fato de que deveras há designers de moda, chefs e músicos eruditos melhores

em países mais ricos) torna difícil a empresas intensivas em tacitness mudarem

sua linha de produtos de forma a alterar a configuração do mercado35. Essa

característica é reforçada porque o estoque de conhecimento tácito em empresas

estabelecidas em países avançados tende a ser maior, haja vista a maior malha

de concorrentes e o tempo que estiveram expostas à depuração. Dessa forma, a

balança comercial desse conjunto heterogêneo de segmentos tende a ser

deficitária para a economia latecomer como um todo.

Mais importante que a defasagem existente é o fato de que há poucos

motivos para crer que processos relevantes de aprendizagem possam ocorrer

aqui além de um nível elementar, de forma a haver pouco catching up a ser feito:

conforme mencionado, a medida da importância da tacitness não passiva na

capacitação tecnológica em um setor é a medida da dificuldade do catching up

das firmas latecomers em relação às já estabelecidas.Apesar de posições

consolidadas no mercado doméstico da firma latecomer, detentora de tacitness,

poderem ser mantidas; ela não dispõe de capacidade para extravasar seu nicho,

nem obterá vantagem em tentar imitar firmas em nichos tecnologicamente

próximos de países avançados, dada a baixa imitabilidade e a presença frequente

da fidelização via marca das empresas que exportam em escala substancial.

Assim, a imitação precisa de barreiras geradas por custos de transporte

relativamente elevados ou proteção tributária para se sustentar.

35 Sem embargo, a importância da sintonia com o mercado sempre serve como importante barreira para uma empresa de

nicho externa, por mais arrojada que seja, ameaçar a posição local de uma empresa latecomer. Mesmo quando empresas desse tipo são compradas, é comum se manter elevada independência das atividades locais, como forma de preservar a marca e certos atributos de qualidade fortemente baseados em recursos específicos.

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Mais de perto, as inovações em setores caracterizados pela força dessa

fonte de conhecimento são incrementais (já que há elevada cumulatividade e

maior proximidade de mercados diversificados e/ou sofisticados), porém, é mais

provável que aumente o gap tecnológico que separa firmas ―avançadas‖ de firmas

―retardatárias‖. Essa tendência poderia ser contra-arrestada por uma elevação da

renda disponível mais rapidamente no país em que estas se situam vis-à-vis no

daquelas.

Dificilmente tal elevação deverá muito às diferenciações adicionais e

inovações que ocorrem nessas firmas, já que a reduzida imitabilidade não é

ignorada pelos concorrentes potenciais, de forma que o círculo virtuoso sugerido

por Schumpeter, cujo alcance depende do esforço de cópia e de melhoria

incremental da inovação, tende a não se formar. Vale dizer que, do ponto de vista

do país avançado, mesmo que funcione como barreira ao catching up

retardatário, esse tipo de capacitação possui parcas virtudes dinâmicas, que

decorrem mais de um possível aumento da base de extração de quasi-rendas do

que da aceleração da taxa de crescimento inercialmente existente no país mais

desenvolvido.Do ponto de vista do país atrasado, as vantagens competitivas

baseadas em tacitness são imediatamente uma barreira, mas, pela sua baixa

cumulatividade, uma barreira de importância restrita. Por outro lado, embora o

crescimento acelerado (em relação ao país avançado) tenda a reduzi-la, não é

plausível que ações de fomento por parte do Estado para estimular a

aprendizagem dessa forma de conhecimento, admitindo-se que fossem efetivas,

logrem reduzir o gap desse tipo de tecnologia e assim acelerar o crescimento: a

expansão da base de conhecimento tácito relaciona-se positivamente com o

desenvolvimento econômico por ser dele um resultado, não uma causa.

O papel de barreira ao catching up é tanto menos eficaz quanto mais nos

afastamos do tipo ideal de competitividade baseada em tacitness. A adição de

graus de conhecimento consciente sobre os determinantes dessa capacitação

afrouxa essa conclusão, na medida em que acaba facultando uma formalização e,

assim, a comunicabilidade dos elementos tácitos originais. Quando essa

tendência se verifica, abre-se a possibilidade de expansão formidável da firma

competitiva por tacitness, alavancada por vantajosas investidas de esforço de

explicitação dessa forma de conhecimento, crescentemente integrada ao

conhecimento ou ao método científico, processo correspondente às atividades de

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P&D. Isso pode mesmo, ao menos durante algum tempo, aumentar a distância

relativa da firma detentora de tacitness avançada em relação às suas

concorrentes relativamente próximas em países atrasados. Mas nesse caso

desde uma posição muito mais contestável, na qual a tacitness já não pode mais

ser apontada como a fonte de capacitação tecnológica essencial.A explicitação da

tacitness converte-se em um poderoso elemento de competitividade tecnológica

na medida em que resulta em maior capacidade de absorção de conhecimento

externo pela firma.

Na medida em que a motivação para inovar e a motivação para diferenciar

são semelhantes, pergunta-se: mas nesse caso,tudo o mais constante, o baixo

nível de diferenciação e sofisticação da demanda local não atuaria também no

sentido de reduzir a taxa de inovação do país atrasado vis-à-vis o país adiantado,

ainda que tudo o mais fosse idêntico entre eles?

É verdade que os países atrasados podem obter, em tese, por meios

variados, inclusive por eficientes políticas de comércio exterior, ou por

excepcional cosmopolitismo de suas lideranças empresariais, elevada integração

com mercados consumidores externos afluentes e exigentes, com alto nível de

diferenciação e sofisticação. Entretanto, de um lado, esse processo dificilmente se

sustentaria sem que diversas outras condições contribuíssem para isso, verbi

gratia um rápido catching up tecnológico, de outro, de qualquer forma, esses

fatores não cancelariam o fato de que o mercado local, que é sempre parte

relevante do mercado de qualquer firma, bem como seu ponto de origem, de onde

derivam suas capacitações, restringiria seus efeitos.

É bastante evidente que um círculo vicioso limita, ao menos parcialmente,

a inovatividade de firmas predominantemente situadas e/ou originadas em países

de menor nível de renda - o mesmo valendo, mutatis mutandis, para países

relativamente menos dinâmicos. Se a inovatividade relativa das firmas latecomers

é um fator decisivo sua capacidade de concluírem ou sustentarem

duradouramente o catching up tecnológico relativamente às concorrentes

originárias de países mais desenvolvidos, um tipo de dilema de Barão de

Münchausen – que tentava evitar que o cavalo sobre o qual estava montado

afundasse em um pântano puxando-se pelos cabelos a si mesmopara cima,–

estabelecer-se-ia. Diferentemente do que se passa na ilustrativa estória, contudo,

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a inovatividade induzida por características de demanda, ainda que decisiva, não

é, sem dúvida a única forma de inovatividade relevante.

2.5.3. Setores em que o aporte de conhecimento externo é decisivo para

a competitividade

Como visto, parte importante da literatura schumpeteriana sobre a firma

concentra-se nos determinantes internos do seu sucesso competitivo (bem

entendido: não apenas tecnológico). Entretanto, esse foco ocorre em detrimento

da percepção geral de que, o decisivo para explicar os diferenciais de taxas de

crescimento econômico entre os países, é a frequência e intensidade com que

suas firmas nacionais recorrem ao conhecimento científico e paracientífico em

geral. Em alguns autores, todavia, o problema empírico que os move é,

justamente, a heterogeneidade das firmas quanto à capacidade de utilizar

conhecimento externo; problema cuja pesquisa os conduziu à consideração da

importância de fatores internos, idiossincráticos a cada firma.

Surpreendentemente, parte significativa da agenda de pesquisa

schumpeteriana acabou por perder o vínculo com o problema do acesso ao

conhecimento externo e passou a se concentrar nas ―trajetórias tecnológicas‖, por

assim dizer, internas às firmas, e, como que absorvendo a ótica do empresário e

do gestor empresarial em geral, tratando do conhecimento externo desde os

limites práticos para sua aplicação dados os ―recursos‖ de que cada firma dispõe

(os quais, desde sua busca por lucratividade duradoura, se vê compelida a

valorizar). Amiúde, o que se tem é uma visão de setores como aglomerados de

firmas que operam desde tecnologias a rigor diversas (porque referidas a

recursos, por definição, na medida em que são o fundamento da individualidade

de cada firma, únicos), condenadas a buscarem preservar ou ampliarem sua

posição a partir das capacitações técnicas peculiares que possuem, as quais, via

de regra, dão forma e intensidade aseu acesso ao conhecimento externo e à

mudança em geral.

Essa visão é, como já destacamos, não apenas promissora e instigante,

como necessária ao estudo do desenvolvimento econômico. Não dispensa,

contudo, o recurso à percepção setorial dos problemas. Por mais que as firmas

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tenham características – e estratégias próprias, mesmo quando tacanhas, tão

individuais como uma impressão digital –, unem-nas conjuntos de condicionantes

e restrições externas comuns a uma miríade delas. Do ponto de vista tecnológico,

esses conjuntos definem setores.

Foram apresentados dois tipos polares quanto ao espaço de

autodeterminação das empresas: o primeiro estaria sujeito à extrema

massificação e o segundo, muito compartimentalizado. Neste tipo, mesmo firmas

que operam insumos e equipamentos identificados sob análoga classificação,

atuam em mercados tão demarcados, desde rotinas tecnológicas e operacionais

tão distintas, que parecem configurar mercados e setores diferentes, com elevado

―grau de monopólio‖. Neste último caso, embora hajapadrões de concorrência

intensivos em conhecimento, o espaço para o crescimento da firma, o nível de

oportunidade para inovação e aplicação de tecnologia científica e, sobretudo, a

capacidade de engendrar propulsão para o crescimento econômico sãobaixos e

os resultados dependem muito do ponto de partida.

Contudo, há setores cuja tecnologia encontra-se em um meio-termo entre a

especificidade da base de conhecimento herdada pela empresa e a existência de

relevante oferta de conhecimento sistemático externo. Esse conhecimento,

todavia, apresenta-se em forma pouco tangível. Um esforço direcionado à

aproximação entre o conhecimento científico-tecnológico ofertado pelas

universidades e centros de pesquisa, de um lado,e os problemas práticos que a

firma percebe ou projeta para aprimorar seu desempenho, de outro, tem de ser

empreendido.

Com efeito, a absorção de conhecimento externo provoca a constituição de

uma sorte de patamar comum de linguagem e de problemas entre a base de

conhecimento interna da empresa e as fontes externas. Trata-se não apenas de

um processo que exige esforço e que não pode ser adquirido no mercado, mas

que, em cada situação particular, depende de condições não controláveis pela

empresa. De forma geral, caso o conhecimento externo mais próximo esteja em

nível muito abstrato e mais afeito à ciência pura, não bastará à empresa decisão e

esforço significativos, mas o acúmulo de capacidade de lidar com conhecimento

externo significativo e em nível avançado. Ela terá de deter um tipo de programa

de pesquisa científica praticamente próprio, ao mesmo tempo que participa e até

certo ponto articula redes de pesquisa ―abertas‖, cujo foco é disperso ou mesmo

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difícil de ser associado a qualquer utilidade perceptível pelo mercado.

Naturalmente, isso não apenas implica cumulatividade no nível da firma, mas

também por parte dos sistemas externos de criação de conhecimento, ademais

de uma notável interatividade entre ―interior‖ e ―exterior‖.

Entretanto, parte significativa do conhecimento externo é aplicável à

produção, em graus diferentes, mas em direções plausíveis desde a ―coleção de

mercadorias‖ disponíveis em dado momento. A maior aplicabilidade prática –

maior grau de oportunidade, na conhecida caracterização de Dosi – pode não

acarretar maior potencial econômico – maior apropriabilidade, portanto – a

depender, notavelmente, do nível de aprendizado já acumulado pela empresa e

do grau de codificação alcançado.

Que diferenças podem ser observadas quando se considera a existência

de firmas típicas de países avançados, de um lado, e, firmas latecomers, de

outro?

Inicialmente, a atividade de P&D voltada para absorver conhecimento não

aplicado, difuso e em nível de ciência pura, tenderá a ser quase nula no país

retardatário pelo fato evidente de os sistemas de educação formal e criação

científica em geral serem mais diversificados e densos em países desenvolvidos

(o que pode ser evidenciado seja pelo gasto relativamente maior com produção

científica seja pela participação mais que proporcional em prêmios científicos

internacionais, por exemplo), mas não apenas. As empresas latecomers não

realizariam nenhum ou quase nenhum esforço de absorção e aplicação deste tipo

de conhecimento, mesmo se o sistema científico local fosse extremamente

avançado, simplesmente porque não teriam, partindo de suas precárias bases de

conhecimento internas, meios de se apropriar plausivelmente desse esforço.

Ademais, os casos excepcionais em que isso se verificasse teriam pouco

impacto sobre a taxa de crescimento local, tendo em vista a enorme distância

relativa que a firma latecomer excepcional teria de guardar em relação às suas

concorrentes. Pode-se argumentar que ganhos do tipo ―interactive learning

poderiam advir – se ao longo da cadeia existissem empresas cuja capacitação

tecnológica fosse apenas ligeiramente aquém da lograda pela firma excepcional e

se se verificassem certas hipóteses, setorialmente idiossincráticas, de

transferência de conhecimento ao longo da cadeia (por exemplo, por via da

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circulação de capital humano). Ainda assim, não seria, nesse caso, o mecanismo

schumpeteriano de crescimento em ação.

Se se admite que o grau de aplicabilidade do conhecimento científico pode

ser disposto em um continuum que sai dos conhecimentos mais puros aos mais

aplicados, com uma grande concentração de casos intermediários e muitos outros

ambíguos, pode-se afirmar que quanto mais aplicado for o conhecimento, mais

absorvível é. No limite, mesmo uma firma entrante poderá disputar com outra,

competitiva e há muito estabelecida, desde que as condições financeiras sejam

semelhantes, porque a tacitness e o conhecimento acumulado – que não o de

origem formal – possuem importância relativamente menor.

Obviamente, em um tal setor a intensidade tecnológica significará uma

vantagem competitiva tênue – não muito diferente da obtida através da aquisição

(e treinamento respectivo) de um equipamento de última geração em uma firma

que produz bens padronizados –,mercê da relativa facilidade de imitá-la ou de

oferecer bens de qualidade ou nível de especificação semelhante aos oriundos

das firmas líderes. Não obstante, duas diferenças seriam cruciais.

Em primeiro lugar, a que é dada pelo caráter cumulativo da aprendizagem.

O exercício da atividade de absorção de conhecimento externo inevitavelmente

poria em curso um processo de aumento da capacidade absortiva, com

rendimentos marginais crescentes ou constantes em uma ampla faixa, caso a

oferta do conhecimento externo fosse suficiente.

Em segundo lugar, a plausibilidade desse esforço permitiria que outras

entrantes se arriscassem, buscando dominar capacitações básicas e, a partir

dessas, qualificar-se para outras. As firmas mais antigas ou recém estabelecidas

seriam compelidas a acelerar seu processo de aprendizagem e de absorção,

gerando espirais virtuosas.

Graus mais elevados de tacitness poderiam, nas cercanias desse caso

polar, ser compensados por esforços de absorção mais intensivos. À medida que

a análise se afasta desse caso, níveis crescentes de aprendizado interno prévio

seriam indispensáveis ao sucesso dos esforços de P&D. Esses esforços

adicionariam mais crescimento econômico na medida em que o acúmulo interno

não estivesse restrito a uma única empresa, mas caracterizasse o setor produtivo

como um todo, na economia atrasada.

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A complementaridade entre o grau de competitividade produtiva,

operacional, das firmas existentes, bem como sua distribuição setorial, em relação

à extensão, qualidade e grau de aplicabilidade do conhecimento científico gerado

revelam-se as duas faces do processo pelo qual o catching up tecnológico pode

se estender para além das vantagens de gerschenkronianas de seguidor. Um

exame cuidadoso desse processo exige avaliar mais de perto a lógica da oferta

de conhecimento científico.

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3. POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA COMO POLÍTICA DE

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

3.1. Introdução

Conforme visto no capítulo anterior,é duvidoso que, partindo de um

significativo atraso econômico, o catching up tecnológico possa ser completado

apenas pela ação de mecanismos de mercado, mesmo que a ―fronteira

tecnológica‖ seja relativamente estável. Uma ação exógena e coordenada seria

necessária para fugir ao impacto da especialização relativa e aproveitar a

vantagem de seguidor. Não obstante, essa ação frequentemente revela-se pouco

efetiva, ao menos a partir de certo estágio do catching up, pois o learning by doing

é insuficiente para a equiparação dos níveis de produtividade alcançados em

economias avançadas, mesmo com equipamentos similares; e a aquisição de

capacitações tecnológicas é um processo complexo e mediado, o qual tem lugar

nas firmas, mas depende de outros agentes e instituições, não raro pouco

sensíveis à lógica mercantil.

Por outro lado, a promoção do crescimento econômico por meio de

políticas de inovação é complexa e problemática. Embora haja argumentos

teóricos e empíricos em profusão para tomar o ―progresso técnico‖ como causa

fundamental da elevação secular dos níveis de produtividade e de renda no

capitalismo à escala mundial, há questões em aberto quando se tenta a

aproximação da realidade, seja para mensuração seja, ainda mais, para o

estabelecimento de mecanismos que permitam políticas ótimas. Isso acontece

mesmo em países avançados, por mais de um motivo36 37 38.

36 A percepção de que parte importante do crescimento econômico é devido à inovação pouco esclarece sobre como

aumentá-la. 37

Embora Schumpeter considerasse a abertura de novos mercados uma inovação, essa acepção é raramente empregada, por exemplo, nos documentos dos think tanks e agências multilaterais atuais. A expansão do capitalismo para países asiáticos e africanos de descolonização recente deve ser considerada contribuição da inovação para o crescimento? Os ganhos de escala parecem estar longe de ter seu papel esgotado no crescimento da produtividade do capital, sendo de fato inseparáveis da expansão extraordinária que China, Índia e diversos países em suas órbitas vêm alcançando. O capital novo empregado nessa expansão tem características distintas das que os países da tríade empregam. A percepção de que o conhecimento de ponta gerado nas universidades é assimilado nas novas gerações de capital é uma aproximação ainda pior da forma como o progresso técnico tangível aparece. 38

China e Índia são responsáveis por mais de 1/5 do gasto mundial com máquinas e equipamentos. Embora parte importante dessas compras seja suprida por importações, o crescente controle de seus engenheiros sobre os projetos de investimento vem implicando notável orientalização das novas gerações de produtos dos fornecedores tradicionais da Alemanha e do Japão. Cf. Castro, 2008 e 2009.

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Em primeiro lugar, a percepção de que o conhecimento passou a ser a

causa fundamental do crescimento, admitindo-se que isso seja verdade e que

seja aferível, não coincide com a percepção da inovação empresarial como motor

do crescimento. O contrário frequentemente ocorre por força de um reiterado mal-

entendimento de que avanço do conhecimento é o mesmo que inovação, ou que

é o seu determinante fundamental. Essa concepção e suas variantes são

bastante comuns dentre os membros da comunidade de policy makers e

estudiosos de políticas públicas de C&T em geral. A confusão não é solucionada,

infelizmente, pelo recurso à exegese do conceito de inovação em Economia.

Em Schumpeter, a inovação é essencialmente endógena ao ―sistema

econômico‖ enquanto tal, na medida em que resulta simplesmente do acréscimo

de graus de realismo em relação às hipóteses canônicas do modelo

walrasiano,ao mecanismo concorrencial – justamente o pilar ontológico

fundamental de toda Ciência Econômica39. Não há dúvida de que essa

descoberta teórica revelou uma face decisiva do crescimento econômico sob o

capitalismo.

Como foi visto, em que pese parte significativa da literatura sobre

"economia baseada no conhecimento" e das teorias de crescimento afins terem

pouca relação com as teorias da inovação e do desenvolvimento econômico de

Schumpeter, não invalidaque a oferta de conhecimento e, mais especificamente,

de C&T, sejam deveras cada vez mais importantesfontes de crescimento. Isso

pode acontecer: i. com as empresas que concorrem em mercados

aproximadamente livres (mas com rivalidade e conduta criativa), mais ou menos

capazes de utilizarem-se do bem público conhecimento nessa disputa; ii. por meio

da captação imediata como bem público e por meio dos fatores de produção

empregados pelas empresas, cuja produtividade é potencializada e iii. por meio

de empresas e agências públicas, que criam bens e serviços de utilidade pública

em condições de monopólio natural ou legal, ou processando mais o

conhecimento difuso de forma a plasmá-lo em bens públicos ou gerando

externalidades as mais variadas.

Em segundo lugar, há que se ver que a inovação, compreendida

estritamente como uma forma de conduta empresarial criativa voltada para o

39 Ver Hirschleifer, 1982 e Clifton, 1986.

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aumento da lucratividade, pode ter impacto reduzido sobre o crescimento, porque

pode se dar sobre recursos específicos de firmas individuais, o que

costumeiramente ocorre, segundo parte importante da literatura microeconômica

schumpeteriana. Conforme visto, por sua baixa imitabilidade, esse tipo de

inovação, embora coerente com sua acepção econômica, gera efeitos limitados

sobre o crescimento econômico, mesmo em economias desenvolvidas,

comparativamente à inovação de base científica.

Isso leva a um terceiro ponto. O fato de a oferta de conhecimento ter

características decisivas de bem público não implica que possa ser livremente

apropriável, ao menos não no mesmo grau para todas empresas e indivíduos.

Contudo, o fato de que as empresas em algum ponto do desenvolvimento do

capitalismo passam a ser não apenas utilizadoras de conhecimento mas tanto

definidoras em medida importante da pauta da pesquisa científica como criadoras

autônomas de conhecimento, altera decisivamente seja a capacidade da inovação

empresarial de gerar crescimento, seja a capacidade da oferta do conhecimento

como bem público. Forma-se, para usar uma expressão em voga, uma sinergia,

tendo, de um lado, o sistema de produção de conhecimento formal e, de outro, o

sistema empresarial, interligado sobretudo pela concorrência. Em conjunto, esses

dois sistemas são os pilares essenciais dos Sistemas Nacionais de Inovação

(NSIs, doravante). Embora sua construção tenha sido, historicamente, em grande

medida resultado de políticas públicas, é improvável que bastem decisões e

recursos apropriados para que NSIs sejam criados, expandidos e consolidados.

Finalmente, em quarto lugar, a percepção de que, seja por via do input

fundamentalmente exógeno do conhecimento, seja por via da inovação

empresarial, o crescimento econômico pode ser acelerado, pouco esclarece sobre

como fazê-lo. Obviamente, o Estado pode, com relativa facilidade, aumentar a

oferta de C&T e a quantidade e qualidade de anos de estudo da força de trabalho.

Pode também estimular as empresas a gastarem mais recursos em P&D e

mesmo a fazerem novas invenções para se candidatarem a direitos de

propriedade intelectual. Contudo, isso pode alterar muito pouco sua capacidade

de efetivar inovações (que implicam a aprovação no teste de mercado, como se

sabe), as quais têm de estar devidamente enraizadas nas capacidades de que a

empresa dispõe, ou plausivelmente pode controlar, e no horizonte do cálculo

capitalista que lhe diz respeito. De forma geral, não é difícil aumentar a oferta de

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C&T ou aumentara inovação quando a definida de maneira suficientemente trivial

quanto ao esforço tecnológico próprio despendido40; todavia, inovações

empresariais intensivas em esforço tecnológico próprio ou baseadas em ciência

são difíceis de serem afetadas. Possuem caráter, por assim dizer, estrutural, por

mais subjetivas que possam parecer.

Tais pontos são pertinentes a todos países capitalistas, inclusive os

desenvolvidos. Mais ou menos explicita e diretamente, aparecem amiúde nos

fóruns de debates sobre política de CT&I mundo afora. Nos países atrasados,

sem embargo, surgem com elementos adicionais de complexidade. Em particular,

as dificuldades inerentes à política de C,T&I e à relação entre Estado e NSI

encontram-se agravadas. Alguns dos pontos destacados no capítulo anterior

esclarecem por quê:

i o atraso expressa-se em baixo nível de acúmulo (ou, preferindo-se, em

elevada escassez relativa) de capacitações competitivas em geral, por parte das

empresas e dos indivíduos (correlação frequentemente confundida como a própria

causa do atraso), de forma que, por definição, a exploração de recursos naturais

e de trabalho pouco qualificado é relativamente vantajosa em países atrasados.

Portanto, a adição de valor em suas diversas formas, em particular por

diferenciação tecnológica, tenderá sempre a aparecer como desvantajosa para o

cálculo capitalista individual e estaticamente ineficiente para o bem-estar social.

ii. Atividades intensivas em capital físico, cuja produtividade marginal tende

a ser extraordinariamente elevada em condição de atraso relativo, podem ser

realizadas lucrativamente sob a oferta adequada de financiamento,

independentemente do nível de esforço de capacitação realizado pelas firmas,

vale dizer, independentemente de existência de esforço tecnológico de nível mais

sofisticado, como o que implica a P&D.

iii. O estoque de conhecimento tácito das firmas não é apenas pequeno,

consoante o baixo nível de acúmulo de capacitações em geral. A limitação do

mercado local, ao qual têm por definição acesso vantajoso vis-à-vis suas

concorrentes externas efetivas ou potenciais, cuja escala é menor e que é menos

40 O Manual de Oslo, que serve de base às principais pesquisas sobre inovação tecnológica, como o CIS europeu e a Pintec

brasileira, concebe como inovação qualquer alteração tecnológica não trivial em relação às práticas costumeiras da empresa que tenha se revelado bem sucedida no mercado, inclusive as que são mera adoção de inovações à montante. Obviamente, a aceleração do investimento na aquisição de máquinas e equipamentos, sobretudo em países atrasados, tende a aumentar a taxa de inovação de maneira decisiva e imediata, o que, contudo, parece consistente com a teoria de Schumpeter.

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sofisticado que o mercado local das firmas avançadas, tende a fazer com que a

limitada aprendizagem por meio da interação usuário-produtor (user-producer

interactive learning) contribua para ampliar a desvantagem. A maior

independência das preferências dos consumidores locais poderia reduzir essa

dificuldade e, sob condições favoráveis de escala (o que é verossímil para o

Brasil, por exemplo), mesmo revertê-la. Contudo, há boas razões para se crer que

as funções de utilidade dos consumidores de países atrasados são fortemente

influenciadas pelas dos consumidores de países adiantados ou, ao menos, que

obedecem aos mesmos estímulos41.Ademais, o menor nível de renda médio

constitui em si mesmo um óbice ao catching up via inovação, mesmo na ausência

de assimetrias significativas de capacitação tecnológica e de acúmulo de

conhecimento tácito (assimetrias "pelo lado da oferta", portanto), pois o baixo

nível de diferenciação e de sofisticação da demanda aumenta o custo de

oportunidade de inovar e de diferenciar das firmas latecomers.

O fato de parte importante e talvez crescente da inovação e da

aprendizagem serem feitas pelo recurso direto ao conhecimento científico ou pelo

uso de elementos que caracterizam o método científico não constitui, obviamente,

uma vantagem adicional à de second mover para o catching up tecnológico.

Entretanto, fornece uma potencial alavanca cujo uso pode ser melhor ou pior

conduzido pela ação exógena às forças que movem o cálculo empresarial

privado, cuja coordenação, por sua vez, cabe, em maior ou menor grau, com

maior ou menor precisão e racionalidade, ao Estado.

Portanto, o fato de o conhecimento científico ser uma fonte significativa de

complementação e aceleração da inovação e da aprendizagem pode, em tese,

reduzir o impacto regressivo que a defasagem no acúmulo de capacitações impõe

à capacidade de emparelhamento das economias atrasadas. Em nível menos

abstrato, há que se avaliar mais detidamente os desafios e possibilidades que se

colocam para que essa possibilidade seja aproveitada. Em particular, é mister

compreender os aspectos decisivos para a efetividade das políticas públicas

voltadas, direta e indiretamente, para esse fim. .

41 Como destacaram Furtado, 1968 e 1996, e Pinto, 1965.

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3.2. Setorialidade e Pervasividade da Relação entre Ciência e Atividade

Tecnológica Empresarial

Está provavelmente correto afirmar que o crescimento econômico é

causado fundamentalmente pela inovação – contanto que se alargue

suficientemente o conceito de inovação para que nele caibam desde

diferenciações de produto escassamente tecnológicas, passando pela criação de

mercado para invenções intensivas em uso de conhecimento científico, até

chegar em emprego de insumos ou equipamentos inéditos em relação aos que a

empresa costumava utilizar. Contudo, ainda assim saber-se-ia muito pouco sobre

como promover o crescimento: do ponto de vista normativo, associar crescimento

e inovação nada esclarece sobre o que o Estado pode fazer para acelerá-lo.

Ao se separarem diferentes tipos de inovação quanto ao seu efeito sobre o

crescimento econômico, dá-se um passo analítico importante, mas insuficiente

(ainda do ponto de vista normativo), ainda que as possíveis dificuldades da

―economia política‖, frequentes quando se passa da teoria à prática, sejam

ignoradas. Se se entende que inovação é tudo o que as empresas fazem para

competir fora das regras da concorrência ―canônica‖, via preço, não há muito a

ser feito além de ações horizontais, mesmo quando se saiba que as soluções de

mercado dificilmente serão first bests.

Na verdade, a teoria de crescimento de Schumpeter é de forma geral

pouco propícia para o estabelecimento de políticas públicas proativas42, porque,

como visto no capítulo anterior, em primeiro lugar, o que determina a inovação é

simplesmente a busca por sobrelucros; em segundo, porque o empreendedorismo

é por definição uma forma criativa de conduta empresarial, de modo que as

políticas que visem determinar ou estimular um tipo de comportamento podem se

revelar inócuas ou inibir a criatividade (ao menos na direção esperada), pois uma

aceleração demasiada da inovação reduziria, tudo o mais constante, sua

atratividade financeira. Nos países atrasados, onde a vantagem de seguidor e a

42 A expressão proativa está em oposição às políticas passivas, de correção de falhas de mercado. Como efeito, políticas

schumpeterianas de inovação seriam, a rigor, políticas voltadas para permitir a ação das forças concorrenciais. Obviamente, não se trataria da concorrência atomística, não rival e auto-equlibradora tematizada pelo main stream, de forma que uma política schumpeteriana de concorrência e, ao mesmo tempo, em boa medida, de desenvolvimento, também seria uma política de correção de falhas de mercado, apenas diferente do que é assim usualmente designado pelo fato de que os conceitos de falhas e de mercado a que se referem são muito diversos. Por isso, optou-se por utilizar a dicotomia políticas passivas versus políticas proativas.

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elevada rentabilidade da incorporação de recursos naturais ainda pouco

explorados permite taxas de lucro excepcionalmente elevadas pela mera adoção

de tecnologias disponíveis no mercado, políticas de inovação em sentido estrito

(por exemplo, por meio do estabelecimento de direitos de propriedade intelectual

especialmente generosos) seriam particularmente pouco atrativas. Nesse sentido,

é perfeitamente ―schumpeteriana‖ a conduta da firma latecomer, cuja estratégia

se concentre em adotar rapidamente tecnologias ainda pouco utilizadas pelos

competidores internos para a exploração dos recursos naturais de que dispõem a

custos relativamente vantajosos vis-à-vis seus competidores externos.

No outro extremo, a percepção de que o desdobramento da fronteira

tecnológica baseada na pesquisa científica foi fundamental para explicar a

impressionante mudança, quantitativa e qualitativa, no cesto de consumo típico

nas regiões ricas, sobretudo do pós-guerra em diante, sugere que as políticas

deliberadas de controle de tecnologias estratégicas, de financiamento e fomento

ao desenvolvimento de tecnologia científica em geral (frequentemente sem

mercado plausível) fornecem uma compreensão decisiva para a importância do

conhecimento como motor de última instância do crescimento econômico. Nesse

caso, contudo, é evidente que o mecanismo schumpeteriano tem um papel muito

mais restrito para a compreensão do desenvolvimento. No limite, a própria noção

de que a inovação empresarial como tal, como conduta competitiva criativa, é a

causa causae do crescimento, perde seu protagonismo.

Entretanto, a percepção da elevada importância para a inovação no

capitalismo mundial não suprime essencialmente a lógica da concorrência via

inovação em Schumpeter. A ciência se revelou uma ferramenta decisiva para o

avanço tecnológico em alguns dos setores líderes desde a segunda revolução

industrial, e a capacidade tecnológica vem se mostrando cada vez mais decisiva

para as empresas lograrem obter e preservar elevados (por conta do efeito de

cumulatividade da capacitação tecnológica) lucros, ao mesmo tempo que cada

vez mais o avanço tecnológico passou a usar a ciência como suporte, tanto por

seu método quanto por seu conteúdo.

Mais recentemente, após o advento da big business science,praticamente

todos ramos industriais passaram a utilizar, embora em graus diferentes, insumos

científicos, inclusive alterando profundamente a forma de competição em setores

por excelência tomadores de tecnologia (produtores de commodities). Sem

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embargo, uma compreensão adequada do impacto do acoplamento entre

concorrência e ciência implica ter em conta que uma retroalimentação se

estabelece entre esses dois ―mundos‖. Embora seja claro que a inovação

empresarial se serve do avanço científico, não é desprezível o quanto alguns

avanços científicos foram beneficiados por avanços tecnológicos alheios ao

conhecimento acadêmico43. Os gráficos a seguir ajudam a ilustrar esse fenômeno.

Figura 3.1 – Matriz mundial de patentes com citações científicas em

anos selecionados

43 A obra de Rosenberg está coalhada de exemplos dos efeitos benéficos do contato da ciência com problemas e soluções

de problemas tecnológicos formulados em empresas. Ver Rosenberg, 2001 e Rosenberg e Mowery 2006.

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Fonte: LEMOS et alii 2009

Ambos os gráficos apresentam o número de patentes, expresso no eixo

vertical; por setor de atividade industrial, representado no horizontal, que corre de

cima para baixo, e por área de conhecimento, no eixo horizontal, que corre de

baixo para cima. A variável quantitativa representa o número de patentes em que

há citação de alguma área científica concedida para todos os países constantes

da base do USPTO.

Em primeiro lugar, é evidente o salto ocorrido no período: o número de

patentes ―científicas‖ – o volume total sob as superfícies desenhadas nos gráficos

– passou de 20.000 para quase 1 milhão nesses 32 anos. O crescimento geral,

que mostra o aumento no número de invenções de todo tipo, e é uma boa

aproximação do esforço tecnológico mundial, é outrossim significativo e reflete a

busca por inovações por meio de atividade inventiva; porém, em taxa de variação,

é muito menor: cresceu 20 vezes, contra mais de 50 vezes no caso das patentes

―científicas‖. Ao mesmo tempo, as áreas de conhecimento acadêmico servem a

todos os setores industriais, mas também de forma muito irregular.

Em segundo lugar, há um aumento no número de picos – de 9 para 16 – ao

mesmo tempo em que toda a superfície desenhada passa a ser completamente

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densa. Isso significa, que embora cada vez mais a ciência seja um suporte

importante para a invenção, nem todos os setores industriais podem se valer dela

na mesma intensidade para o avanço tecnológico.

Em terceiro lugar, ocorre uma alteração nas áreas de maior concentração e

uma perda relativa de importância da química entre os setores-ramos com maior

presença de patentes com citações científicas.

Portanto, um sistema que une tecnologia e ciência se constituiu e se

desenvolveu enormemente, ainda que de forma extremamente desigual, isto é,

desautorizando exageros na endogeinização da ciência pela tecnologia e,

obviamente, da ciência em relação à inovação e à concorrência intercapitalista.

Observe-se que é outrossim precipitado, por outro lado, ver no gráfico as

―pegadas‖ de um sistema de inovação. Um país como a antiga União Soviética

poderia dispor de um cadastro de registro de invenções que exibiria um padrão

muito semelhante, sem que nenhuma inovação (empresarial, portanto

―schumpeteriana‖) tivesse, obviamente, ocorrido.

O que parece decisivo, contudo, é a elevada e crescente correlação entre

atividade científica e atividade inventiva44, que, por sua vez, está fortemente

correlacionada à atividade inovativa empresarial. Daí se infere que ciência e

inovação podem estar unidas por relações causais – inferência, de resto,

amplamente apoiada pela experiência internacional quanto à inovação, ao esforço

tecnológico, ao crescimento econômico e à competitividade (a qual serve de base

para a hipótese do catching up tecnológico, por exemplo). Grosso modo, esse

movimento sugere que a inovação pode ser significativamenteestimulada por

meio de ―empurrões científicos‖ e que, portanto, por meio da política de C&T, os

governos ou outras forças exógenas extramercado (associações, cooperativas,

ONGs etc) poderiam afetar a taxa de inovação em um parque produtivo

específico. Certamente, isso não invalida a lógica da competição descrita por

Schumpeter, mas obriga a repensar a relação entre Estado – e instituições fora do

mercado em geral – e inovação empresarial.

44 Atividade que pertence à atividade tecnológica, mas não na sua totalidade. Quanto mais inventiva é uma atividade

tecnológica, via de regra, mais restrita é sua reprodutibilidade. Isso faz da invenção um importante insumo para a inovação empresarial, em oposição, por exemplo, à descoberta. Ver, a esse respeito, Stokes, 2004 e Giesteira, 2006. Essa clivagem foi mencionada no capítulo 1 e será retomada no capítulo 4.

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Como, mais precisamente, operaria a relação entre produtores de ciência,

produtores de mercadorias e o Estado? Seria essa lógica válida para países muito

aquém da fronteira tecnológica? Sob que condições?

3.3. Aproximação Teórica da Relação entre Política de Inovação e Política de

C&T

Os autores schumpeterianos ampliaram significativamente as fronteiras da

teoria do desenvolvimento de Schumpeter, bem como exploraram em

profundidade muitas partes do ―território expandido‖, por assim dizer. Sem

pretensão de exaustividade, cabe destacar os seguintes temas:

- a relação com a teoria do crescimento, sobretudo a de extração

neoclássica;

- a investigação das causas internas às firmas das diferenças de seu

crescimento intra-setor, mais ou menos vinculadas aos seus respectivos

desempenhos tecnológicos45;

- a ―ontologia‖ evolucionária e suas decorrências, por assim dizer,

epistemológicas, inclusive buscando formas alternativas de modelagem

dos mecanismos de seleção e mudança, e dos efeitos da diversidade e da

heterogeneidade sobre aqueles;

- a relação entre ciência, tecnologia e inovação;

- investigações microeconômicas em geral, em particular no que se refere às

consequências da rejeição da função de produção (inclusive como tipo

ideal), de racionalidade substantiva (como oposta à ―procedural‖), a crítica

ao modelo estrutura-conduta-desempenho, sobretudo quanto ao papel

derivado da conduta e, consoante a isso, a busca de uma aproximação

com os estudos de administração de empresas e sobre os determinantes

da competitividade empresarial, e

- a tentativa de formular bases teóricas para políticas ―de inovação‖ bem

sucedidas.

O conceito de NSI nasce fundamentalmente dos estudos voltados para o

último tema (com o qual não se confunde, em que pese as evidentes afinidades),

45 Os schumpeterianos penrosianos levantaram causas para o crescimento e/ou a lucratividade diferencial das empresas; tal

pauta é coerente com o conceito de Schumpeter de inovação, que não está relacionado com capacidade e esforço tecnológico, de qualquer tipo.

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embora, pela amplitude que acabou adquirindo, tenha se nutrido de avanços em

todos os demais. Sua adequada delimitação depende de prover-lhe pés

solidamente plantados no debate teórico, firmando-os no núcleo da compreensão

schumpeteriana da dinâmica capitalista, de um lado, e, de outro, separando com

maior clareza o fundamental do acessório na relação com outros itens da agenda

dessa Escola. Não obstante, os conceitos de NSI e de política de inovação

possuem indelével gene normativo, sendo mais bem considerados como,

originalmente, uma tentativa de distinguir-se da percepção de ―política científica e

tecnológica‖ em sentido estrito. Em particular, suas acepções nascem em

oposição ao chamado ―modelo linear‖ de política científica e tecnológica,

hegemônico até, pelo menos, os anos 1960.

Na verdade, desde seu surgimento os Estados nacionais praticam ações

em prol do desenvolvimento científico e tecnológico. Portugal, por exemplo, fez do

domínio de instrumentos de navegação uma questão nacional tão logo o pequeno

e periférico reino se formou, dedicando esforços extraordinários relativamente à

sua dimensão econômica, para se emparelhar ao estado da arte vigente na

Europa e, eventualmente, superá-lo em alguns aspectos, notavelmente nos que

eram decisivos para vencer trajetos de longo curso, o que envolveu além de

tecnologia em sentido mais estrito, maestria em astronomia e em oceanografia. Já

a França pós-revolucionária premiava inventos em áreas de interesse nacional,

como engenharia militar. Nesse sentido,Penrose46 sugere que o nascimento da

propriedade intelectual resultou da associação, anterior ao surgimento do

capitalismo como o conhecemos, entre os interesses do Estado e o avanço da

tecnologia, mais nitidamente até que da ciência.

O Brasil nos tempos de D. Pedro II desenvolvia estudos em parasitologia e

em geologia, ambos com forte apoio do conhecimento científico absorvido da

Europa. Os Estados Unidos, no início do século XX, dispunham de uma

respeitável tradição em estudos agronômicos, os quais incluíam do diagnóstico de

pragas à criação de técnicas de correção de acidez47. A geologia, a astronomia, a

botânica, a medicina, a farmacologia, as engenharias militar e de infraestrutura, a

oceanografia, a geografia, entre outras disciplinas científicas ou paracientíficas,

tiveram seu desenvolvimento sustentado, e não raro claramente determinado,

46 Em seu excelente The International Patent System, 1972.

47 Cf. Rosenberg e Mowery, 2006. Ver também Nelson, 2007

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pelo apoio governamental. Obviamente, está correto dizer que se pode classificar

as medidas em que se plasmou esse apoio – subvenções, construção de

laboratórios, pagamento de bolsas e outras remunerações, bem como custos

diretos e indiretos das pesquisas, edição de regulamentos, concessão de prêmios

ou de direitos de propriedade e de uso especiais aos inventores – de política de

ciência e tecnologia.

Mais: está claramente correto afirmar que essa ação foi eventualmente

crucial – tome-se o caso do Estado português do século XV – para o

desenvolvimento econômico nacional. Isso é tanto mais verdade se se permitem

passos lógicos intermediários. Por exemplo: estudos de botânica e zoologia são

importantes para a constituição de farmacopéias extensas e confiáveis, as quais,

por seu turno, são fundamentais para o desenvolvimento da farmácia e da

química e, estas, para o da medicina e para a constituição de um bom sistema

público de saúde. Dispor de bons índices de saúde, finalmente, é favorável ao

desenvolvimento econômico. Certamente a relação entre botânica e

desenvolvimento econômico é mais difusa e mediada que a relação entre

engenharia naval e desenvolvimento econômico para Portugal ingressante no

mercantilismo. Mas nem por isso é pouco relevante. Com efeito, é tarefa árdua

tentar listar casos de ações de política de C&T que não contribuam para o

desenvolvimento econômico.

De fato, ações de C&T em sentido amplo, incluídas as de educação formal,

mesmo as que não implicam maestria técnica e conhecimentos práticos em geral,

são ações de potencial impacto no desenvolvimento econômico, inclusive no

sentido estrito do crescimento econômico – ainda que não seja fácil aferir esse

impacto, porque, conforme visto, é difuso, e possivelmente implica um lapso de

tempo difícil de delimitar, quase sempre muito longo (freqüentemente maior que

um mandato de governo). Em uma sentença direta: ações de criação e difusão de

conhecimento científico e paracientífico têm impactos significativos sobre o

crescimento econômico, mesmo que diferenciados em grau e em tempo de

resposta48.

Sem embargo, o fato de se ter aí mudança tecnológica de um lado e

crescimento econômico de outro, não implica em schumpeterianismo. A

48 Esse ponto é bastante sublinhado por List, 1983, e por William Petty, possivelmente o mais importante precursor da TDE.

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promoção dessas atividades é estranha ao arcabouço teórico criado por

Schumpeter, fundado sobre a concorrência empresarial. Classificá-las desde seu

enfoque acarretaria chamá-las ―políticas de invenção‖, talvez, mas certamente

não ―políticas de inovação‖49.

Há apenas 50 anos atrás, debalde se procuraria que algum governo

anunciasse qualquer dessas medidas como parte de uma ―política de inovação‖.

Não há notícias de que Schumpeter e mesmo seus discípulos menos aversos ao

ativismo estatal, como Labini, tenham clamado por políticas de inovação cujo

cerne fosse aumentar ou direcionar a oferta de conhecimento científico. Apenas

muito recentemente é que ações voltadas para a C&T passaram a ser parte

decisiva do que se convencionou chamar ―políticas de inovação‖. Isso gerou três

tipos de confusão.

Em primeiro lugar, leituras rasteiras de Schumpeter levaram a

considerarem-no um economista da tecnologia ou um arauto do ativismo

científico. Já se mostrou aqui reiteradamente que esse autor é sem dúvida um

economista da inovação, no entanto, apenas casualmente inovações são

invenções. Não há elementos que sugiram a latência desse ponto em

Schumpeter, de forma que mesmo economistas da tecnologia como Rosenberg

censuram-no por não perceber como invenções causam inovações, mas nunca

por ter deixado de dar centralidade a esse aspecto que estaria subentendido em

sua obra.

Em segundo lugar, como há evidências de que promover C&T aumenta o

crescimento, passou-se a pensar que a política de C&T era a própria política de

inovação, de forma que o ―i‖ acrescido ao final da expressão ―C,T&I‖ é, na

verdade, um aperfeiçoamento semântico. A essa inclusão não se segue nenhuma

reflexão mais aprofundada sobre a relação entre o sistema empresarial e as

atividades de C&T da sociedade em geral, senão da percepção de que as

empresas são também relevantes criadoras de tecnologia e são capazes de

afetar a criação de ciência.O fato essencial de que esse papel, quando

efetivamente existe, é na realidade uma decorrência da busca de lucros

monetários, é fundamentalmente um detalhe incômodo. O que efetivamente

49 CHIANG (1990) e KOELLER (2009) destacam a notável dicotomia entre políticas tecnológicas ―mission-oriented‖ e

―diffusion oriented‖ devida a Ergas (1986). Uma forma de ilustrar melhor a questão que se busca elucidar é afirmar que, ainda que políticas do primeiro tipo possar estimular inovações, apenas as do segundo tipo poderiam ser, ao menos desde uma perspectiva schumpeteriana, chamadas de políticas de inovação.

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subjaz à expansão da CT&I é o reconhecimento de que a força que propele as

sociedades modernas para níveis de crescente bem-estar material não é o

capitalismo, mas o avanço do conhecimento. A inovação empresarial seria um

fator secundário não fosse o bom senso de alguns capitalistas de tomar parte

nesse empreendimento secular, cuja iniciativa deve ser creditada antes aos

cientistas, aos inventores e aos burocratas sensatos.

Em terceiro lugar, em decorrência da anterior e diante do fato de

historicamente o Estado ter participado decisivamente do desenvolvimento da

C&T, entende-se que cabe a ele, ou ao menos que ele pode ser se assim decidir,

o elemento determinante para a obtenção de performance quanto à inovação.

Tudo se passa como se por extensão da lógica da relação segundo a qual o

Estado ―causa‖ o desenvolvimento econômico por intermédio do fomento do

progresso da C&T, então o fato de que a inovação, significando que as empresas

passam a também se interessar por esse progresso, só poderia ao fim e ao cabo

acelerar a expansão econômica. Coincidentemente, o movimento do pensamento

econômico convencional, ao passar da noção de que a causa última do

crescimento é o ―progresso técnico‖, fundamentalmente exógeno, para a de que a

causa última do crescimento é o progresso técnico em que as empresas têm uma

função definitiva, chancelou essas sentenças ao lhes dar uma aparente

cientificidade, de resto reforçada por uma enxurrada de guidelines de grandes

agências e think tanks internacionais. A dificuldade em fugir desse tipo de

raciocínio é que há grãos de verdade espalhados por cadeias causais frouxas.

Um problema fundamental que permeia toda esse arcabouço, abordado

anteriormente, é que, apesar de ser correto atribuir ao setor público protagonismo

como indutor do avanço da ciência e da tecnologia, o mesmo se defronta com

limites bastante estreitos para alterar as decisões privadas dos empresários no

sentido de se utilizarem desse avanço como arma concorrencial, salvo quando é

aceitável assumir-se que há uma prévia demanda insatisfeita, ao menos

potencialmente. Vale dizer: o cerne da efetividade do ―empurrão‖ (push) científico-

tecnológico estatal é a presença de alguns parâmetros singulares no cálculo

capitalista, os quais ―lêem‖ como potencial insumo a oferta de C&T.

Se bem seja correto afirmar que a inovação é um resultado mais ou menos

natural do desenvolvimento do capitalismo e da complexificação da concorrência,

não há nada que intrinsicamente direcione a inovação para o uso de ciência no

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capitalismo enquanto tal. Assim, a predominância da inovação baseada em

ciência em relação às demais formas de inovação e de diferenciação competitiva

revela-se um fato curioso e resistente a diagnósticos simplistas: a inovação

baseada em ciência só se consolida por força da ação do Estado e tem nos

aparatos de C&T um elemento fundamental. Além do mais, para que o

acoplamento entre inovação e C&T funcione, não basta criar um conjunto

institucional que ligue esses dois ―mundos‖. Ações corretivas e alterações, às

vezes política e financeiramente dispendiosas, são requeridas. Não obstante, é

equivocado crer que esse esforço altere a inovação empresarial baseada em

ciência sem que já exista uma demanda, ao menos potencial, ou que seja

possível alterar significativamente essa demanda, por parte das firmas por conta

da nova oferta gerada.

Embora o conceito de NSI ajude a desfazer esses mal-entendidos, a

concepção comum entre policy makers, e não rara entre especialistas

acadêmicos, de que sistemas de inovação são fundamentalmente o conjunto de

órgãos que planejam e executam a política de C,T&I resistiu à assimilação da

máxima – em si, correta – de que políticas de inovação são, portanto, políticas de

construção e de consolidação de NSIs.

Cabe, assim, determo-nos um pouco mais na definição de NSI.

3.4. Pressupostos Teóricos e Consequências Normativas do Conceito de NSI

Embora seja resultado da ação estatal, o NSI é, de modo geral, também

um pressuposto para a efetividade dessa ação, sendo constituído, de um lado,

por instituições informais, necessárias para que as trocas entre produtores e

utilizadores do conhecimento aconteçam, repitam-se e complexifiquem-se. Essas

provêm de um processo longo, em particular do amadurecimento da concorrência

intercapitalista e da busca de controle pelas empresas dos meios necessários à

manutenção de sua capacidade de diferenciação frente às suas competidoras,

para assim, preservar ou aumentar o comando sobre o fluxo de quase-rendas

que, em última instância, justifica sua existência como um negócio. Debalde

lembrar que as relações com institutos de pesquisa científica e tecnológica em

geral estão contidas no amplo arco institucional assim formado, mas estão longe

de esgotá-lo. Essas instituições são, por assim dizer, pouco elásticas a políticas

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públicas: nem podem ser facilmente criadas ou alteradas por fiat estatal, nem

deixam de existir sem a presença da mão do Estado. 50

De outro lado, o NSI se plasma em instituições formais, em sentido amplo.

Parte significativa desse subconjunto é resultado de ação estatal que

complementa e facilita o funcionamento da rede de atores e de atividades cuja

interação sem embargo, não se confunde e, muitas vezes, precede as medidas

governamentais que miram o NSI especificamente, as quais, contudo, justificam a

noção de política de inovação como elemento importante do NSI. As políticas de

C&T são não apenas muito anteriores ao surgimento de ações típicas de políticas

de inovação comoprovavelmente são também anteriores às instituições informais

do NSI. Na verdade, várias instituições informais dos NSIs serviram-se das

estruturas geradas pelas políticas de C&T, a despeito de não ser esse o objetivo

dessas políticas. Isso, sem dúvida, é outro elemento a reforçar a má

compreensão da complexa relação entre política de C&T e desempenho

econômico nacional, verbi gratia, quanto ao crescimento econômico e às medidas

de competitividade revelada.

Embora seu uso tenha se difundido entre policy makers, economistas e

consultores de governo em geral, coerentemente com sua origem voltada para o

debate normativo, na verdade o conceito de NSI está profundamente encalacrado

em conceitos acadêmicos. . Ou seja, em que pese toda malha de mal-entendidos

e generalizações simplificadoras que povoa o debate sobre NSI, curiosamente os

autores responsáveis por sua formulação estavam conscientes do problema

analítico que tinham diante de si: o fato de que a inovação empresarial, em

particular a baseada em aplicação de ciência, essencial para a capacidade

tecnológica dos parques produtivos nacionais e, assim, para o progresso

econômico, tinha (tem) de ser compreendida em uma extensa e complexa rede da

qual as empresas são apenas uma parcela, talvez minoritária – fato esse apenas

tenuemente explicável pelo recurso direto à teoria da inovação de Schumpeter,

conforme visto no capítulo 1.

Não segue daí, ça va sans dire, que a crítica da policy making ofertista de

C&T seja de menor relevância para a construção do conceito de NSI. Não é

apenas um detalhe que praticamente todos os grandes autores schumpeterianos

50 Ver OECD apud ZUCOLOTTO 2010

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tenham se detido em analisar e mesmo em propor políticas de CT&I51. Há um

decisivo intuito de dar conta das condições institucionais que permitem unir os

mundos do conhecimento formal, sobretudo o científico, e a produção, articulados

pelas formas de concorrência intercapitalista (ou seja, exclusive, por exemplo, o

arcabouço institucional, cuja função precípua é criar e gerar ciência, ainda quando

um mesmo órgão possa cumprir ambas as funções paralelamente) e elucidar e

delimitar as relações que se estabelecem .

Não é casual, portanto, que os schumpeterianos tenham se inspirado nas

formulações de um autor que explicitamente unia análise econômica e defesa de

medidas específicas de política econômica. O conceito de NSI foi, como se sabe,

tomado a List por Freeman (FREEMAN, 1987 apud OERLEMANNS 2005;

FREEMAN, 1987 e 1995), ao deter-se num arcabouço analítico explicitamente

voltado para estudar o desenvolvimento econômico partindo de condições de

significativo atraso (a Alemanha, no primeiro caso, e o Japão, no segundo). A

maior coincidência, todavia, reside no fato de Freeman e List terem delimitado a

capacidade tecnológica do setor produtivo como o cerne do problema do atraso,

pois não haveria razões plausíveis para os mecanismos de mercado alterarem-

na, ao mesmo tempo que sua superação não poderia prescindir da ampliação

daquela. Assim, em List o "NSI"– sua expressão é ―sistema nacional de economia

política" – é algo a ser conscientemente construído pelo Estado, de forma a

compensar a tremenda desvantagem que o atraso tecnológico impunha.

Freeman parte da constatação de que o Japão havia logrado manter e

mesmo acelerar sua taxa de crescimento econômico, coetaneamente a uma

rápida migração para setores na ponta tecnológica, depois de completar seu

milagre, associado à reconstrução da infra-estrutura e à ajuda do plano Marshall,

e, sobretudo, depois de esgotar as possibilidades de expandir seu sistema

industrial por cópia e imitação, nos anos 1960. A explicação para essa sobrevida

é justamente a constituição de um NSI – uma rede destinada a complementar e

suplementar o sistema industrial com conhecimento não produtível no campo de

governança das corporações industriais japonesas. De certa forma em

consonância com Johnson (1980), Freeman sublinha como essencial a

maleabilidade social e institucional do Japão à tarefa de se voltar para a inovação

51 Por exemplo, Nelson, Dosi, Metcalfe, Malerba, Cohen, Lundvall, Soete, Pavitt, Cimoli, Pack, Dahlmann, Howitt, Aghion &

Howitt, Silverberg, Verspagen, Erber, Cassiolato, Cassiolato & Lastres.

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e para o domínio tecnológico em níveis em que o conhecimento científico passa a

ser um suporte fundamental. Com efeito, seu ponto é que o casamento

―arranjado‖ da indústria com a ciência lidera a performance produtiva em sentido

estrito, já que os avanços nesse campo (1), são mais que proporcionais ao (à

época) notável avanço em indicadores de performance econômica em sentido

estrito, (2), são perseguidos como objetos de política econômica em si mesmos.

Parece exato dizer ainda que a percepção de NSI em Freeman é

complementar à de mismatching institucional: o NSI corresponde ao conjunto de

instituições cuja atividade facilita a inovação e estimula sua difusão pelo sistema

industrial. No caso japonês, corresponde mais objetivamente a um

desdobramento do esforço desenvolvimentista do pós-guerra, no sentido de

prover as empresas de conhecimento que não seria adquirível pelas rotinas

decorrentes da engenharia reversa e do learning by doing, nem estaria disponível,

ao menos em um primeiro momento, como parte dos recursos competitivos

acumulados internamente às mesmas.A solução do mismatching é conduzida

―artificialmente‖, pela mão do governo japonês.

Um tema tratado veementemente por List é, assim, retomado, ao se

conceder às instituições de educação e de treinamento um papel complementar

essencial às ações de fomento industrial para acelerar o desenvolvimento

produtivo. Mais que isso, utiliza-as como explicação fundamental do arrojo

competitivo das firmas industriais japonesas, bem como da longevidade do

catching up japonês (que, como se sabe, se prenunciava como um verdadeiro

―forging ahead‖ no final dos anos 1980). Em termos mais abstratos, Freeman

sugeria que é necessário um arranjo fora do mercado e também fora da firma

para que sua capacidade de competição no mercado fosse otimizada. Forja-se,

assim, o que parece ser um elemento essencial e teoricamente robusto do

conceito de NSI: a intervenção para a aceleração da inovação poder ser

fundamentada pela presença quase imanente de uma ―falha de mercado‖ sob a

perspectiva schumpeteriana de concorrência, crivada de rivalidade e movida por

condutas criativas, as quais são continuamente perseguidas e refeitas. Embora

Freeman não tenha expressado assim sua percepção, essa parece ser uma

forma correta de resumir o que perpassa os diversos estudos subsequentes,

ademais de ser uma maneira adequada de compreender como Schumpeter e as

velhas políticas de C&T são combinadas.

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Posteriormente, autores basilares do schumpeterianismo desenvolveram e

concederam matizes próprios ao conceito de NSI.

Lundvall, sem dúvida, é o mais conhecido desses e o que segue buscando

uma espécie de ―teoria dos NSIs‖, a qual corresponderia a uma sorte de ―teoria

geral da inovação‖, na expressão de Edquist, tendo aí a inovação um sentido

bastante amplo, em particular, por extravasar tanto a inovação tecnológica como

a inovação ―arms length‖, ostensivamente comandada pelas empresas

individuais. Nos anos 1980, Lundvall foi, antes mesmo de Freeman, o primeiro a

usar um conceito semelhante, mas esse era muito mais próximo ao de List:

―innovative capacity of national industrial systems‖.

Apesar de certo maximalismo, pois Lundvall persegue passos causais

muito anteriores ao ato de inovar em si, sua investigação dos NSIs – influenciada

pela volumosa pesquisa sobre como as empresas escandinavas inovam

(LUNDVALL, 2007) – tem um fio condutor bem delimitado: o conceito de

―aprendizado interativo‖ (interactive learning). O ―sistema‖ emerge da necessidade

de as empresas colaborarem entre si ao longo das cadeias produtivas, fazendo

fluir conhecimento originalmente específico a cada firma para suas fornecedoras e

compradoras, bem como dos consumidores para trás. Por fim, em um arranjo

implicitamente orientado pela demanda, trabalhadores, empresas e

pesquisadores fora destas interagem em diversas modalidades de P&D. Vale

notar que Lundvall é um dos autores schumpeterianos que menos salienta a

importância do conhecimento científico como fonte essencial da capacidade

inovativa: sem embargo, obviamente também as ICTs e o sistema educacional

em sentido mais estrito desempenham funções de aprendizagem interativa,

compondo o NSI.

Além de ter sido o que mais buscou uma formulação própria e

suficientemente precisa para evitar seu mau uso, Lundvall é dos autores originais

o que continua discutindo o tema abundantemente. Além da noção de que os

NSIs encerram uma teoria da inovação, é um ponto essencial de sua obra a

percepção do NSI como um arcabouço institucional, insight devido originalmente,

salvo erro, a B. Johnson, que inaugura essa abordagem com excepcional

antevisão do debate institucionalista atual (JOHNSON, 1992). As ―conexões‖

(linkages) entre as empresas constituem precisamente os fios dessa teia

institucional, que é construída da interação entre os atores relevantes, muito

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semelhantemente ao que sugere a sociologia econômica, ao indicar a existência

de importantes mecanismos de coordenação não de mercado e não estatal, em

que pese também convivendo e também interagindo com o mercado e com o

Estado. Coerentemente, o papel deste emerge como secundário em relação ao

NSI na formulação de Lundvall. Ao fim e ao cabo, esse autor sugere que embora

a troca de conhecimento realizada pormeio do NSI seja feita ―fora do mercado‖,

há uma espontaneidade e uma descentralização intrínseca no sistema, no qual o

papel do Estado e das instituições formais é menor e mais passivo do que a que

Freeman atribui ao NSI japonês.

Com efeito, Lundvall destaca a importância da flexibilidade dos sistemas de

inovação em oposição à preocupação com metas e resultados típica das políticas

de CT&I. O sistema de inovação plasma-se em conjuntos institucionais

construídos, preferencialmente, em sintonia com empresas e organizações não

empresariais, em geral responsáveis pelo avanço do conhecimento e da

aprendizagem, os quais são processos intrinsecamente coletivos. A ação estatal

aparece como correção de falhas do sistema (em oposição às falhas de mercado

neoclássicas, as quais, mesmo nas versões mais avançadas, partem do

pressuposto de que a inovação é algo que se dá nas firmas). Naturalmente, isso

implicaintensa atividade governamental, mas sempre de cunho passivo e

"regulatório" (em oposição à atividade governamental "desenvolvimentista‖, na

famosa dicotomia de Chalmers Johnson).

Finalmente, é notável em Lundvall a importância da especificidade nacional

dos NSIs, coerente com a percepção de que há vários caminhos para a

aprendizagem e, mais implicitamente, que os recursos (penrosianos) específicos

às firmas – e ao seu entorno de relações, sobretudo com outras empresas –são

determinantes da forma com que criam e absorvem conhecimento. Dentre as

poucas generalizações que podem ser feitas, há a relativa a priorizar atividades

de absorção e uso eficiente de tecnologias disponíveis em países menores e/ou

mais pobres, em oposição às vantagens de perseguir inovação e criação em

economias grandes e ricas (LUNDVALL; BORRAS, 2005).

Charles Edquist elaborou seu estudo – o de maior fôlego elaborado por um

único autor – em 1997, portanto, já contando com um longo debate anterior. Ele

assume uma tarefa árdua ao tentar fazer convergir aspectos teóricos de elevada

complexidade, como a noção de sistema, aspectos empíricos, explicando o que

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parece contar nos NSIs realmente existentes para que as inovações aconteçam, e

aspectos normativos, em relação aos, por assim dizer, positivos. Coerentemente,

define NSI, de forma tão simples quanto extraordinariamente abrangente para um

texto acadêmico52, como all important economic, social, political, organizational,

and other factors that influence the development, diffusion, and use of innovations

(EDQUIST, 1987, p.14).

Revisando uma miríade de estudos, o autor sublinha o uso extremamente

elástico do conceito já à época, mercê de sua vocação de suporte às mais

variadas políticas públicas. Uma soma das conceituações explícitas ou não faria

com que os NSIs fossem de fato maiores que o conjunto das próprias economias

nacionais, já que muitos autores apontavam relevantes vínculos com atores

externos. Assim, quanto a isso, se opõe à noção de Lundvall de que há

subjacente aos NSIs uma teoria da inovação, embora sua anatomia revele

importantes nexos causais e, em grande parte, seu esforço de delimitação resulte

da tentativa de dar conteúdo empírico e potencialmente prático a uma definição

analítica de inovação. Na verdade, pode-se argumentar que justamente por esse

tipo de preocupação, Edquist entende que o NSI é um arcabouço conceitual, mas

nunca uma teoria, mesmo que em construção.

Uma das aquisições mais claras de Edquist é, contudo, a de que seria mais

relevante falar de ―sistemas de aprendizado‖, na medida em que essa é uma

dimensão essencial da dinâmica da inovação e da difusão. Porém, para ele, o

conceito relevante de aprendizado é específico aos indivíduos, não podendo ser a

priori atribuído à empresa, de forma que ―as empresas sabem o que seus

trabalhadores e dirigentes sabem‖. Sob essa perspectiva, um NSI ou um sistema

de aprendizado tem nas políticas e sistemas educacionais stricto sensu uma

dimensão essencial. Destarte, pode-se afirmar que para Edquist os NSIs são

sistemas muito mais abertos e contingentes, com vínculos fracos e eventualmente

reversíveis. No limite, são conjuntos de entidades que realizam funções

específicas, contribuindo essencialmente para a capacidade inovativa da

economia nacional. No entanto, seria impreciso empiricamente agrupá-los ex-

ante: a noção de sistema ela mesma parece inadequada. O Estado desempenha

nesse conjunto, justamente por seu caráter disforme e multidimensional, um papel

52 Naturalmente, documentos de políticas públicas de praxe definem sistemas e políticas de inovação por falta de rigor ou

por interesse em ampliar os limites de sua governança.

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111

de relevo, mas sua ação é muito menos ativa do que em Freeman, por exemplo.

Esse resultado é notável porque Edquist está em linha com a percepção de

Lundvall de que a inovação é uma atividade espraiada pelo tecido social, não

apenas econômico, ao mesmo tempo que evita restringir a inovação à mais, por

assim dizer, radical, destacando a difusão, a aprendizagem e, obviamente, as

inovações ditas incrementais.

Nelson – autor basilar na escola schumpeteriana não apenas pela

profundidade e erudição de seus trabalhos, como pelo papel de articulação e

definição da pauta de problemas compartilhada pelos autores que a ela se filiam –

certamente estimulou um uso amplo do conceito ao sugerir que todos os países

detêm NSIs, embora alguns sejam menos dinâmicos ou mais incipientes que

outros53. De fato, sua abordagem é tentadora, na medida em que mesmo as

firmas de países menos avançados industrialmente, de alguma forma, inovam e,

ao fazê-lo, mobilizam recursos e capacitações sobre as quais detêm pouco ou

nenhum controle. Embora não seja muito fácil captar o conceito de NSI que

Nelson busca, pode-se dizer que é simplesmente um mapa empírico que sugira,

porque os países inovam em quantidade e qualidade diferente, donde seu

aspecto metodológico de análise comparada, o qual é, entretanto, capaz de

lançar luz sobre a natureza complexa e mutante da inovação. Portanto, talvez

justamente por sua perspectiva ampla do programa de pesquisa que lidera,

Nelson se preocupe particularmente pouco com o rigor conceitual e analítico do

conceito de NSI em si.

De forma geral, o autor associa, convencionalmente, o desempenho

econômico nacional à intensidade do esforço tecnológico praticado pelas firmas

de cada país, o que é determinado em boa medida pela capacidade das

instituições de pesquisa e por sua proximidade com as empresas, bem como por

características da indústria que pode ser mais ou menos demandante de P&D.

Embora Nelson discuta pouco um eventual papel proativo do governo em agir

sobre essas e outras variáveis de forma a aumentar a inovação, parece implícito

em sua formulação (mais explícito, por exemplo, em NELSON; WINTER, 1982),

que cabe ao Estado a atitude de passividade ―vigilante‖, apoiando, facilitando e

coordenando de fato as iniciativas, cujo protagonismo pertence essencialmente às

53 NELSON; ROSENBERG, 1993, p. 15-18.

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empresas, nas quais se situa intransferivelmente o papel de realizar a inovação.

Na medida em que a inovação é um ato competitivo, orientado ao mercado, a

possibilidade de mapear tendências científicas por parte do Estado não permite,

em geral, praticar políticas muito dirigistas.

Embora o NSI surja como um conceito predominantemente empírico nas

análises de Nelson54, há consequências teóricas fortes por detrás de sua

abordagem do tema. Os países constroem arcabouços institucionais e

regulatórios próprios, mas nem sempre por ação deliberada do Estado, o qual

frequentemente age sob sugestão, influência ou pressão de grupos sociais

relevantes, cognitiva ou politicamente. Empresas, governos e universidades

podem desempenhar papéis diferentes em um mesmo setor em países diferentes,

ou ainda, seus papéis podem se alterar ao longo do processo de amadurecimento

de uma inovação. Muitas combinações de causa e efeito, e de retroalimentação

operam. Path-dependency, histerese e lock-in são padrões comuns nos

processos que se formam. Entretanto, por serem sistemas complexos, as

características de cada NSI raramente resultam de relações monocausais,

lineares ou determinísticas, impedindo a adoção de esquemas analíticos prontos.

Um ponto decisivo que emerge das considerações de Nelson é que essa

complexidade decorre de o NSI ser um conjunto cujo sentido não é dado

exogenamente, tendo nas firmas seu elemento central, mas devendo ser

entendido dentro da máxima: é (um sistema) de inovação (empresarial), mas as

firmas não inovam no vazio, precisam de certos elementos fora de seu controle.

O texto seminal de Nelson, Capitalism as an Engine of Progress, situa-se

entre seu ambicioso trabalho de fundação da economia evolucionária, de 1982, e

a coletânea de estudos especificamente sobre NSIs que coordenou em 1993.

Embora não tenha por objeto explícito o NSI, sobretudo no que refere ao papel do

Estado como promotor da inovação e também quanto às bases teóricas que

sancionam seu interesse por esse conceito, o ponto de partida é justamente a

natureza complexa e multifacetada das inovações ―realmente existentes‖ no

capitalismo contemporâneo, do pós-IIa Guerra, a qual vai além da que

Schumpeter percebeu ao vislumbrar a ―administração da inovação‖ por complexos

departamentos de P&D.

54 Nas suas palavras, ―[NSI] is a set of institutions whose interactions determine the innovative performance […] of national

firms‖ (NELSON; ROSENBERG, 1983, p.4)

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Em particular, o autor norte-americano explora o paralelismo entre ciência

e tecnologia industrial, o qual, se percebido, não chegou a ser bem explorado por

Schumpeter, mas é um ponto central nos trabalhos dos seus seguidores, ao

menos até meados dos anos 1980 (Dosi, em particular). Uma maior atenção a

isso provavelmente teria levado o autor austro-húngaro a, por exemplo, destacar

mais o papel da difusão e da imitação na dinâmica capitalista e a reduzir ou

delimitar mais o papel da firma como sujeito das inovações, sobretudo as de

maior impacto, as quais se revelariam como ―obras coletivas‖.

Por outro lado, Nelson entende que, paradoxalmente, Schumpeter teria ao

mesmo tempo ido longe demais quanto ao enfraquecimento do ímpeto inovador,

mercê de uma suposta anestesia do empreendedorismo no capitalismo da grande

corporação. Sem dúvida, o laboratório de P&D industrial realmente suprimiu o

empreendedor aventureiro do primeiro Schumpeter. Mas isso não trouxe o

amortecimento da importância nem da frequência da inovação, talvez, o

contrário55.

Para Nelson, isso se deve precisamente a aspectos como especificidade

de ativos, tacitness e incerteza procedural, entre outros, que cercam a atividade

inovativa, cujo corolário ―macro‖ é a importância da variedade e da

experimentação não coordenada dos esforços inovativos das empresas. O autor

admite que a especificidade das trajetórias percorridas por cada firma não é

completa, e as inovações acabam gerando spill overs pelo resto do tecido

industrial. Isso em parte decorre de as empresas constituírem redes em que

acaba havendo aprendizagem interativa (a la Lundvall), mas mais ainda ao fato

de que também o desenvolvimento tecnológico influencia o desenvolvimento

científico (quanto a isso, acolhendo as conclusões de Nathan Rosemberg,

baseadas, como se sabe, em um sem número de casos da indústria norte-

americana).

A resultante dessas duas forças é balanceada: a inovação decorre da ação

de uma gama complexa e extensa de instituições de natureza e escopo distintos,

mas a variedade de trajetórias e estratégias empresariais é um fator insubstituível

de dinamismo para o conjunto do sistema. Embora rejeite a existência de uma

crescente coordenação e socialização do sistema de criação e apropriação de

55 Cf. VELDE, 2001.

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conhecimento tecnológico em curso – tanto como um fato quanto como um

objetivo desejável –, Nelson destaca como alguns sistemas de tentativas de

coordenação setorialmente localizados geraram resultados formidáveis (ainda que

nem sempre exatamente pelos motivos ou na forma como se esperava).

Exemplos são a política de compras militares nos Estados Unidos e, é claro, seu

poderoso sistema universitário e de pesquisa acadêmica.

Nelson não explora casos de países atrasados, mas os comentários sobre

o Miti japonês são ilustrativos de sua visão sobre os NSIs: nem o Miti coordena

efetivamente tanto quanto se costuma imaginar nem, ainda que o fizesse, seria

sensato replicar a experiência peculiar do conjunto de empresas japonesas, tanto

para outros países, como para o mesmo país em outros momentos.

Por quê, cabe indagar? E, mais além, se não é sensato que o Estado

adquira um papel proativo no NSI, até que ponto ou quanto a que aspecto deve

fazê-lo? Em particular: se, conforme visto no capítulo 1, o catching up tecnológico

em países cujas firmas estão muito aquém da fronteira tecnológica é improvável

sem o recurso ao conhecimento científico (ignorando-se, por suposto, a

possibilidade de transferência tecnológica efetiva),que limites devem ser levados

em conta quanto ao papel dos NSIs nesses países?

3.5. Estado e Não Estado nos Sistemas de Inovação

3.5.1. Políticas de inovação e NSI

Paradoxalmente há, salvo melhor julgamento, pouca elaboração específica,

seja entre os autores schumpeterianos, seja entre a comunidade de especialistas

em políticas de C&T, sobre o papel do Estado nos NSIs56. Esse relativo descaso

acontece tanto no sentido dos determinantes da ação estatal, quanto no de

explorar as consequências de diferentes linhas de ação. De forma geral, pode-se

dizer que o papel do Estado nos NSIs é contemplado nas políticas de inovação ou

nas políticas de C,T&I.

Políticas de inovação e políticas de C,T&I são coisas distintas, apesar de

frequentemente tratadas da mesma forma. Embora não seja difícil representar

suas inter-relações em um diagrama, como o da figura 3.2, a seguir, mas, na

56 Uma exceção parcial é Edquist, 2001. Mesmo textos que se preocupam especificamente com o aspecto institucional.

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prática, delinear diretrizes específicas para as diversas medidas e atividades

contínuas pertinentes a essas esferas de atuação não é muito fácil.

Figura 3.2 – Relações entre Políticas de C&T (PC&T) e Políticas de Inovação (Pinov)

A política de inovação corresponde às ações de promoção da

concorrência, inclusive parte das políticas regulatórias, parte da política comercial

e parte das ações relativas à propriedade intelectual, como uso de marcas e a

repressão à pirataria. A política patentária não pode ser totalmente subsumida à

política de inovação por ser antes uma política de invenção e, assim, de

tecnologia. A política de C&T, por seu turno, é mais demarcável em relação à

política de inovação. De forma geral, aquela compreende todas as ações voltadas

para o avanço da fronteira do conhecimento de que a população dispõe – nisso

se diferenciando claramente da política educacional, que visa espraiar o

conhecimento já atingido, embora na prática haja pontos importantes de sinergia

entre medidas desses dois conjuntos.

A maioria das ações referentes à política de C&T possui relação apenas

muito indireta com a inovação ―empresarial‖.Grande parte do que um país realiza

para fazer avançar o conhecimento é investir em pesquisa, cujo resultado são

descobertas. Embora grande parte das descobertas seja de alguma forma útil, ou

Pinov

PC&T

PCT&I

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116

possam sugerir conclusões úteis, grande parte dessas conclusões constituem

bens com custo marginal próximo de zero (para cada ―bem‖ gerado,

naturalmente), não exclusivos, de consumo não rival etc., ou seja, são bens

públicos ou quase-públicos. Mesmo quando se afastam um pouco do bem público

canônico, frequentemente não é trivial controlar o acesso aos benefícios que gera

(por exemplo, quando se descobre que o consumo de determinado alimento

reduz a incidência de alguma doença). Evidentemente, ainda que custosas, na

medida em que não permitem circunscrever quase-rendas, as descobertas

possuem baixo impacto sobre a capacidade inovativa de uma economia nacional

qualquer, embora, às vezes possam estimular seu crescimento econômico.

Em geral, a criação de algo novo – a invenção – vem acompanhada de um

aumento significativo na apropriabilidade de um esforço cognitivo. Sem embargo,

nem a invenção garante qualquer inovação, nem o fomento a esta é tão eficaz

quanto o fomento à descoberta e à pesquisa científica em geral.

É bem sabido que a invenção não garante inovação porque na verdade o

fundamento desta é a atribuição de atratividade econômica a um bem qualquer. A

invenção facilita esse processo porque costuma ser útil (se não o fosse, não faria

jus, por exemplo, à concessão de patente) e, ao mesmo tempo, na medida em

que é uma novidade (outro pressuposto de uma patente), sua cópia é custosa.

Contudo, é menos observável que, tudo o mais constante, políticas deliberadas

de estimulo à invenção – políticas tecnológicas em sentido estrito – tendem a

reduzir seu potencial econômico como inovação, na medida em que reduzem sua

escassez relativa e, assim, tendem a tornar outras formas de inovação e de

diferenciação mais ―valiosas‖ economicamente. Sem dúvida, esse ponto reforça a

percepção de Nelson de que o ativismo tecnológico do Estado encontra barreiras

―naturais‖ importantes quando se trata de estimular o desenvolvimento

econômico, ao menos de uma economia capitalista.

Por outro lado, é mais fácil fomentar a invenção do que a inovação, mas é

ainda mais fácil fomentar a descoberta. O motivo disso é que a invenção, embora

sujeita a estímulos administráveis diretamente pelo Estado, envolve tacitness.

Assim, de forma geral é mais fácil e efetivo para o policy maker aumentar a "taxa

de descobertas‖, a seguir a ―taxa de invenções‖, e, significativamente menos, a

taxa de inovação.

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Conforme visto, as medidas típicas de uma política de inovação em sentido

estrito, entendida como uma forma de conduta empresarial, são difusas, indiretas

e em boa medida são atinentes a outros campos de intervenção pública. A política

comercial, por exemplo, está, via de regra, voltada para objetivos que não o

incremento da taxa de inovação. Quase na mesma medida, pode-se dizer que o

mesmo ocorre com a política de propriedade intelectual. Finalmente, a política

antitruste também se enquadra nesse caso.

Não é raro, entretanto, que especialistas em políticas antitrustes advoguem

tratá-la como uma ―política pró-competição‖, da qual se espera não apenas

preços convergentes aos custos, mas também maior concorrência por qualidade

e inovação.Mais além, parte dos economistas schumpeterianos defendempapel

central da política antitruste como ―política de promoção da concorrência‖ 57,como

―política de competitividade‖ ou como ―política de competição‖ (competition

policy).

Em que pese esse caso peculiar, frequentemente os objetivos de inovação

são considerados secundários em relação aos objetivos específicos de cada uma

dessas políticas particulares. É verdade que o fato de ―inovação‖ ter se

transformado em um termo da moda, torna difícil separar o que é realmente

perseguido pelos gestores e decisores dos órgãos que as executam. Mesmo que

tenham o firme propósito de obter como resultado de suas ações um aumento na

taxa de inovação, há boas razões para que acabem por não fazê-lo: primeiro,

porque sabem que se isso acontecer, os méritos dificilmente caberão a eles;

segundo, porque mesmo não tendo muito presente os motivos, não demoram a

perceber que os objetivos em termos de inovação empresarial são difíceis de

atingir e, finalmente, porque não desconhecem que a consecução de tal objetivo

também dependeria de outros órgãos, sob comandos distintos.Não é sem motivo

que a explicação mais comum para a dificuldade de a taxa de inovação se mover

no Brasil – tema do qual se ocupará com mais vagar nos capítulos 3 e 4 – e, salvo

57 Esse é o caso do professor Mário Possas e de seu ativo grupo de pesquisa na UFRJ. Não por coincidência, esse autor

evoluiu para o schumpeterianismo a partir de uma crítica elaborada sobre maciça formulação teórico-conceitual aos modelos microeconômicos de concorrência não-rival, inclusive do chamado paradigma estrutura-conduta-desempenho. Observe-se, ademais, que Rosenberg, apesar de advogar um maior reconhecimento da importância da invenção como indutora da inovação e de evidenciar, em seus textos históricos, a decisiva participação de medidas de política tecnológica na origem de clusters de inovação nos Estados Unidos, reiteradamente sublinha que as políticas antitrustes tiveram papel significativo na constituição do NSI desse país (embora não intencionalmente, ao que parece). Ver Rosenberg, 2001 e 1993; Mowery; Rosenberg, 2006.

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erro, em muitos outros países, é a ―falta de articulação entre os diversos órgãos

responsáveis‖ e ―a falta de cultura empreendedora‖.

Na verdade, mesmo que fosse possível reunir todas essas políticas

particulares em um Ministério da Inovação e relevando o possível colapso dos

objetivos a que se dedicavam anteriormente, a inovação é uma decisão

capitalista. Mesmo em presença de um empreendedorismo frenético, está sujeita

aos critérios de prospecção de rentabilidade relativa de vários empregos

possíveis do capital ou da capacidade financeira do capitalista, preferindo-se. Os

autores schumpeterianos freqüentemente salientam que os empresários inovam

menos do que deveriam porque estão sujeitos à incerteza ―ainda mais radical‖ no

caso da inovação (que a do investimento reprodutivo ou a compra de tecnologia

pronta). Isso é tão verdadeiro que chega a ser quase um truísmo, pois seguiria de

uma definição teoricamente bem fundamentada de inovação empresarial. Mas o

decisivo é que os empresários inovam menos do que os economistas gostariam

(certamente, muito menos do que policy makers e burocratas gostariam), porque

sabem que, dada sua capacidade tecnológica e a extrema distância da linguagem

e da pauta de problemas típicas da ciência (ignorando a possibilidade de outros

tipos de inovação), inovar amiúde é pior negócio do que ―apenas‖ investir ou

adquirir resultados do esforço tecnológico de outrem.

Do ponto de vista do conjunto das ações de governo, isso reforça o

estreitamento do que seria corretamente definido como política de inovação.

Apenas a área de encontro entre o conjunto de ações que afetam a inovação

empresarial (Pinov) e o conjunto de ações de promoção da ciência e da

tecnologia (PC&T) é realmente considerada como política de inovação. Mais que

isso, os policy makers e os burocratas passam a preferir ver a política de

inovação como um subconjunto da política de C&T. Na verdade, a política de

inovação realmente existente apresenta-se como uma sorte de ―projeção‖ da

política de C&T. A união da PC&T stricto sensu com sua projeção em direção às

empresas é que define o extenso e heterogêneo conjunto de ações comumente

chamada PCT&I.

Mas o que seriam, mais exatamente, essas ações de projeção da PC&T?

Fundamentalmente, são medidas voltadas para a construção de ―elos‖ que

facilitam a união entre a oferta de conhecimento ―novo‖ e a busca por sobrelucros

que agrada aos empreendedores, ou seja, elos entre a universidade e os

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institutos de pesquisa, de um lado, e empresas, de outro, ainda quando esses

pólos possam estar mediados por associações, fundações e outras organizações

estatais ou paraestatais. Embora, existam diversos outros tipos de ação capazes,

potencialmente, de afetar as decisões dos capitalistas de inovarem (e.g.,

estimulando a competição por via da diferenciação), conforme visto, vários

motivos colaboram para que essas políticas possuam baixa efetividade. Ademais,

são justamente as ações de inovação no âmbito da PCT&I as que delimitam o

papel do Estado nos NSI.

3.5.2. A ontologia institucional dos NSIs

É comum, mais implícita que explicitamente, a percepção de que o papel

fundamental do Estado em um NSI é de ―construção institucional‖, ou algo

semelhante. Essa percepção é um corolário da assertiva de que há que se

estabelecer ―elos‖ entre universidades e empresas, algo que dificilmente

aconteceria, ao menos na medida desejável, de forma espontânea. Está, sem

dúvida, correta. Não obstante, é insuficiente para que se avance rumo a uma

compreensão adequada do papel do Estado na promoção da inovação

tecnológica.

Um primeiro motivo para isso é que o conceito de instituições é

extremamente elástico58. Em North, por exemplo, instituições são ―modelos

mentais compartilhados‖. Em Hodgson, são mecanismos de focalização do

comportamento, frequentemente de conteúdo simbólico e, mais freqüentemente

ainda, internos aos indivíduos (e às firmas, com certeza). Já Nelson propôs sua

própria concepção de instituições como ―tecnologias sociais‖. Outros autores,

entre eles o próprio North, definem-nas simplesmente como ―regras do jogo‖,

enquanto os economistas ortodoxos via de regra adotam, consciente ou

inconscientemente, ade ―restrições ao comportamento natural‖ (o mesmo

entendido como comportamento racional-maximizador). Com exceção destas

últimas, as acepções mencionadas encaram as instituições como elementos de

uma ordem espontânea, ou ao menos consentida, os quais possuem uma

58 Ver Hodgson, 2005; Dequech, 2006; Rutherford, 2002; Noth; Danzau, 2003; Nelson, 2003 (institutions as social

technologies).

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ontologia análoga à do mercado. A capacidade de o Estado alterá-las, pode-se

inferir, não é nula, mas certamente é limitada.

A concepção de NSIs como arcabouços institucionais (cujo demiurgo é

amiúde o Estado) traz subjacente as duas últimas definições de instituições, na

medida em que, segundo ela, a ação do Estado no NSI seria a de, em primeiro

lugar, criar ―espaços de interação‖ entre entes movidos por lógicas distintas.

Entretanto, não se atribui a essa lógica uma intrínseca racionalidade

maximizadora. De forma mais ou menos análoga aos blocos de investimentos na

teoria do big push de Rosenstein-Rodan, as universidades fazem o que lhes é

melhor dentro de seu escopo, o mesmo valendo para as empresas. Sem

embargo, intervenções externas que as integrem propiciar-lhes-iam um horizonte

de ―cálculo‖ muito mais amplo e promissor, na medida em que facultaria

perceberem ganhos sinérgicos em uma associação. Haveria, assim, certa miopia

na lógica que empresas e universidades tendem seguir, miopia cuja superação

apenas excepcionalmente aconteceria sem um direcionamento consciente e

planejado externo.

É evidente que dado o "big push", inúmeros aperfeiçoamentos marginais

seriam recomendáveis, quando não por outro motivo porque os elementos do

arcabouço assim constituído tendem a evoluir e a mudar. Contudo, dado o

momento estruturante inicial, o papel que se seguiria ao Estado seria passivo e

regulatório, e apenas excepcionalmente estruturante e discricionário. Tal papel é

coerente com a percepção de que esse ―desencontro‖ entre universidades e

empresas é superficial. Haveria uma unidade latente entre os mundos da ciência

e da produção capitalista, os quais compartilham um chão comum: o

conhecimento. As universidades criam conhecimento em grande medida utilizado

nas empresas, que são diferentes entre si, lucram e crescem mais ou menos pelo

estoque de conhecimento que dominam. Portanto, apesar da aparência de

―choque‖ inicial, a rigor a atuação do Estado nessa primeira concepção é

semelhante a de um redutor de falhas de mercado, em particular dos custos de

transação envolvidos no intercâmbio empresas versus universidades. Não é

demasiado destacar que há indícios de que, apesar de certamente esse

intercâmbio não ter dispensado alguma atitude estatal, historicamente ele ser

anterior a qualquer conjunto articulado de medidas que possa ser chamado de

política de CT&I, como destacado por ZUCOLOTTO (2009).

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Finalmente, o pressuposto da existência de um chão comum entre ciência

e empresa,característica dessa definição de instituições, reforça a acurácia da

expressão ―Sistema Nacional de Inovação‖: trata-se, efetivamente, de um

sistema, no qual um agente exógeno se justifica apenas para, usando-se de uma

metáfora mecânica, lubrificar as engrenagens que o compõe. 59

Sem embargo, se as instituições são tomadas sob a noção, particularmente

elástica, de "regras do jogo", pode-se sem muita dificuldade deduzir um potencial

papel da para a ação do Estado. A criação de regras do jogo traz, de um lado,

implícita a percepção de que não há nada de eminentemente natural na relação

entre empresas e universidades; de outro, que um amplo leque de intervenções

estatais é plausível e capaz de gerar resultados impossíveis de serem alcançados

se deixados a sua sorte esses atores.

Dois motivos podem ser apontados para que a relação entre empresas e

universidades seja mais problemática do que se costuma supor. Primeiro, porque

a natureza do conhecimento típico das empresas – tácito, fundado em habilidades

dificilmente transferíveis e/ou em recursos específicos a cada empresa

individualmente, aos quais não raro aquelas habilidades estão relacionadas

umbilicalmente – é muitas vezes estranho a do conhecimento científico. Segundo,

porque a existência de comunicabilidade entre ciência e produção empresarial é

assimétrica setorialmente. Ou seja, em alguns ramos da atividade industrial

conformou-se, de fato, um acoplamento entre ciência e produção. Na verdade,

como se verá a seguir, a incomunicabilidade entre o conhecimento tecnológico-

produtivo e o conhecimento científico não precisa ser total para que a hipótese da

naturalidade da aproximação entre os dois mundos seja rejeitada. Por exemplo,

se o acúmulo de conhecimento tácito depende de processos longos, e se esse

acúmulo é condição indispensável para criar capacidade absortiva de

conhecimento externo, então a naturalidade do elo empresa-universidade

obedece a lógicas distintas não apenas inter, mas também intra-setorialmente.

Dessa perspectiva, não apenas um big push é necessário. Como as lógicas

da ciência e da produção capitalista são distintas e apenas eventualmente se

interpenetram, a ação estatal estruturante é necessária, inclusive, para conformar

essa interação profunda (cuja indicação é criação de pautas de ―problemas

59 "A system is not something presented to the observer, it is something to be recognized by him". (SKYTTNER 1996:16)

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comuns‖, configurando ―paradigmas‖ intermediários entre ciência e indústria,

como descrito, mutatis mutandis, por Dosi60).

Na medida em que essa interação se estabelece, a ação estatal pode se

tornar menos propositiva e mais ―facilitadora‖, na medida em que mecanismos

autônomos, espontâneos, firmam-se. O Estado pode e provavelmente deve,

nessas situações, agir apenas para sustentar espaços institucionais próprios, de

quase-mercado, para que os elos que se formam ajam e se reproduzam. Vale

dizer, nesse caso sua função seria reduzir os custos de transação – compatível

com a definição de instituições como ―restrições‖, portanto.

Nisto não há nenhuma contradição: se as instituições são ―regras do jogo‖,

essas regras podem simplesmente ser aquelas que lhes permitem fluir de forma

mais natural possível, reduzindo atritos e imperfeições. Com efeito, um demérito,

por assim dizer, de se conceber instituições como ―regras do jogo‖ é precisamente

sua generalidade, a qual implica ―conter‖ as demais definições, mas ao mesmo

tempo, perder parte de seu poder explicativo.

Cabe indagar: até que ponto instituições desse tipo seriam compatíveis

com a noção de sistema?

Conforme visto, instituições-regras do jogo são teoricamente compatíveis

com instituições-restrições. Também servem para incorporar casos práticos

concretos, como o de setores industriais, ou grupamentos de setores industriais,

cujo desenvolvimento tecnológico se acopla a um campo de conhecimento

científico.

Quando situações desse tipo se formam, temos ―quase-mercados‖: o

intercâmbio entre cientistas e engenheiros de chão de fábrica se torna rotineiro; o

conhecimento aplicado para aprimorar ou inovar produtos e processos flui do

centro de pesquisa para a fábrica e as questões das quais o centro de pesquisa

se ocupa são em grande medida advindas de problemas técnicos fabris;

finalmente, os empresários contratam pesquisadores bem sucedidos e

estabelecem fartos contratos com centros universitários, concomitantemente a

sociedade se vê recompensada pois os recursos com que subsidia atividades

científicas ajudam a florescer empresas cuja competitividade fornece solidez e

dinamismo (e, assim, bons empregos) à economia nacional. Um círculo virtuoso,

60 Dosi (artigo clássico); Dosi, segundo texto (1990?), em co-autoria, em que aprofunda características dos paradigmas.

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em mais de um aspecto, conforma-se, demandando ações cirúrgicas, corretivas,

de caráter horizontal, por parte do setor público.

No entanto, essa situação só existe sob algumas condições. Não há

interesse aqui em enumerá-las exaustivamente. Mas duas condições são

relevantes para se avançar a análise.

Primeiro, é inverossímil que os padrões concorrenciais respectivos a cada

segmento produtivo se encontrem na referida situação ou estejam prestes a nela

ingressar. É provável que as empresas líderes de muitos setores empreguem

hoje, diretamente, mais conhecimento científico do que há algumas décadas.

Mas, como mostrado no capítulo 1, essas aplicações são mais aperfeiçoamentos

marginais, são acessórias em relação a outras habilidades relevantes para

controlar elevados níveis de adição de valor, mesmo em mercados em que a

capacidade tecnológica é um ativo importante.O entrelaçamento de pautas de

problemas científicos com problemas de concorrência empresarial, mediados por

questões produtivo-tecnológicas, é por assim dizer "natural" apenas em um

punhado de atividades econômicas.

Segundo, ainda que as empresas líderes mundiais de muitos setores

busquem suporte em conhecimento externo, frequentemente de natureza

científica ou para-científica, apenas um punhado de países sedia muitas

empresas desse tipo; ademais, mesmo quando assim ocorre, suas empresas de

alta competitividade tecnológica se estendem por um leque limitado de setores.

Esse fato pode ser mitigado ou amplificado pela presneça de forte

heterogeneidade estrutural intra-setor, ou seja, pela prevalência de níveis muito

diferentes de patamar competitivo e de produtividade entre empresas de uma

mesma indústria.

Na ausência de empresas líderes de porte mundial ou na sua concentração

em setores cuja produção é de baixa intensidade científica ou na presença de

heterogeneidade estrutural, mesmo diante de um big push inicial da política de

CT&I, o quadro descrito, de elevado, freqüente e espontâneo intercâmbio entre o

mundo da ciência e o mundo empresarial não se estabelecerá. Vale dizer, em

países que se aproximam dessa segunda descrição, é inadequado falar de

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124

sistema nacional de inovação, simplesmente por se tratar de um conceito sem

significado concreto.61

3.5.3. Políticas tecnológicas desde a perspectiva da TDE

Para os autores da TDE, as políticas para o desenvolvimento econômico

eram uma decorrência bastante evidente da diferença estrutural que separava os

países atrasados, relativamente especializados em bens intensivos em dotações

naturais, dos países avançados, relativamente especializados em bens intensivos

em capital.

Seria uma aproximação grosseira imputar-lhes a conclusão de que era

necessário aumentar a relação capital/trabalhador para que o problema da

especialização relativa fosse superado. Com efeito, a TDE se diferenciava, por

exemplo, da teoria do círculo vicioso da pobreza entre outras coisas por duvidar

que um dos resultados esperados do catching up – o aumento da taxa de

poupança – sugerisse a causa do problema. Um autor da TDE típico tenderia a

responder que um aumento exógeno do investimento acorreria para os setores

baseados em recursos naturais, implicando não apenas uma elevada perda de

impulso dinâmico, mercê de seu elevado coeficiente de importações e da acirrada

concorrência direta externa, mas também um enraizamento pobre, uma vez que

os setores em que se concentra o progresso técnico estão ausentes. A

industrialização era uma forma sintética de dizer ―mudança estrutural em direção

a setores mais capazes de obter (e reter) ganhos de produtividade‖62.

A forma essencial de realizar essa mudança, para a qual, não se ignorava,

seria necessária uma intervenção exógena substancial, decidida (―autônoma‖, em

relação ao status quo prevalecente), sistemática e discricionária, era a imposição

de vieses tão coordenados quanto possível em prol de setores cada vez mais

61 E, no entanto, é comum falar-se de sistema nacional de inovação mexicano, brasileiro, tailandês, sul-africano e assim por

diante. A confusão é explicada por duas razões. A primeira, já vista, refere-se a que, no fundo, se pressupõe uma naturalidade da integração entre os mundos da ciência e o empresarial. Essa pressuposição é útil para os policy makers de CT&I porque lhes dá certeza da efetividade de sua ação, além de lhes permitir concluir que se a ação ainda não tiver trazido resultados, é porque há falha institucional ou porque falta massa crítica para configurar um big push. A segunda razão é que sistema é concebido como um conjunto qualquer, sem que relações funcionais existam entre suas variáveis a não ser a que as une a um agente exógeno único. Isso, outrossim, a miúde, acontece no campo das políticas públicas. Fala-se de sistema educacional, de sistema de saúde, de sistema de segurança púbica e assim por diante. De fato, não seria descabido falar de sistema de C&T ou de sistema de políticas de CT&I. Ocorre que um sistema nacional de inovação seria um ente fundamentalmente distinto na medida emque a inovação é um ato privativo das empresas capitalistas, da mesma forma que seriam distintos. Um "sistema nacional de investimento" ou um "sistema nacional de formação de preços". 62

Ver Rodriguez, 1986; 2002 e 2006; Bielschowsky, 1998.

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complexos tecnologicamente coetaneamente ao aumento da taxa esperada de

lucro do investimento em geral. Assim, a combinação de política industrial, que

apontasse para crescentes intensidades tecnológicas e/ou de capital (na

expressão famosa de Amsden, taking the prices wrong) e para o aproveitamento

das economias de escala, com políticas macroeconômicas relativamente

expansionistas resultava em uma combinação ao fim e ao cabo sinérgica, uma

vez que permitia simultaneamente fugir aos ditames das vantagens comparativas

naturais e aproveitar a vantagem de seguidor.

A complexidade tecnológica e as questões a ela afins, como o

desenvolvimento de capacitações, o aprimoramento das habilidades e o aumento

da aprendizagem não eram tratados como problemas separados. Não que a

questão tecnológica não fosse importante: era e não está errado afirmar que

talvez fosse o mais importante de todos problemas em que o atraso

(backwardness) se plasmava. O que talvez confunda o leitor atual apressado é

que esse problema aparecia amalgamado com o problema industrial. A solução

deste era grande parte da solução daquele. Em parte, isso decorria da

compreensão de que a tecnologia produtiva empresarial era uma questão atinente

ao âmbito interno das firmas (compreensão, como visto, não de todo estranha ao

schumpeterianismo penrosiano). Por outro lado, era decorrente da filiação a

determinado espírito de época fordista, o qual compreendia o mundo do chão de

fábrica como o reino do ―trabalhador coletivo‖ marxiano, cuja governança era

exercida de direito e de fato pelo capital.

Assim, se não se pode deduzir disso que bastaria adquirir equipamentos

cada vez mais sofisticados para se obter maestria no setor que os empregava,

aceitava-se que esse era um passo fundamental cuja solução era, em primeiro

lugar, uma questão de capacidade e de efetividade financeira. Naturalmente, isso

remete ao problema da arbitragem e da construção institucional, como presente

em Veblen, em Gerschenkron e mesmo em North, mas também remete ao

problema da (falta de) ―poupança‖, presente, por exemplo, em Furtado63.

A efetividade do processo no longo prazo dependia, adicionalmente, de

uma adequada sinalização das taxas de lucro relativas, o que poderia ser feito por

meio de incentivos diretos, fiscais e financeiros, ademais de garantia de demanda

63 Furtado, 1998. Ver também Medeiros; Serrano, 2003.

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126

por via de estatais, proteção de mercado ou coordenação de investimentos

complementares, criando demanda nova em outros setores. Embora a taxa de

lucro nesses setores fosse artificialmente elevada inicialmente, esperava-se que,

uma vez consolidados, apresentassem taxas de lucro superiores, mercê do

elevado nível de barreiras à entrada que os separava tanto da produção de

commodities como de bens industriais de consumo não-durável, por exemplo.

Tal ―ordem‖ bem definida representava, pode-se perceber claramente com

o olhar atual, um roteiro valioso para as políticas de desenvolvimento,

independente das considerações que se possa fazer à necessidade de mudança

institucional que haveria de acompanhar a mudança estrutural na economia e às

potencialmente intransponíveis barreiras políticas que poderiam se opor a essa

mudança. Não obstante, a percepção de onde e como intervir revela-se um trunfo

inestimável para um policy maker de hoje.

Como essa dinâmica se articularia com a inovação empresarial?

Obviamente, em certo sentido estava pressuposta uma alta velocidade de

inovação em sentido lato, na medida em que o sistema econômico era

empurrado, por via da manipulação das taxas de lucro, a alterar rapidamente o rol

de produtos ofertados e o rol de equipamentos utilizados para produzir tanto os

novos como os velhos itens: a taxa de inovação, nesse contexto, era função da

velocidade da mudança estrutural e, em menor medida, do learning by doing.

Por seu turno, o problema da produtividade física passava essencialmente

pelo das escalas, cuja equação, crescentemente complexa, concentrava a

atenção do planejador econômico (não sendo, portanto, desconhecido ou

minorado), bem ilustrado pela metáfora proposta por Tavares de um prédio que

tem de ter vários andares construídos ao mesmo tempo, mas com intensidades

variando em cada etapa. A produtividade econômica, por outro lado, tendia a

aumentar ainda mais rapidamente, na medida em que o grau de monopólio seria

maior nos setores novos que iam sendo criados.

Dessa perspectiva, ―políticas de inovação‖ seriam de validade duvidosa, ao

menos como parte das políticas de desenvolvimento econômico. De um lado,

porque seu efeito seria residual diante da importância das escalas e do learning

by doing, de outro, porque se entendia que pouco haveria a ser feito para alterar a

forma como os capitalistas produziam. Naturalmente, não haveria nenhum óbice a

que complementarmente à política industrial e ao planejamento de infraestrutura a

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127

essa associado fossem adotadas medidas para estimular invenções ou treinar a

mão de obra, porém, chamá-las políticas de inovação em nada alteraria que a

inovação em si e para a qual era possível atuar, fosse um subproduto do grau de

arrojo da política industrial.

Em resumo, pode-se dizer que a pequena importância relativa de políticas

de inovação como parte da política de desenvolvimento econômico deve-se

menos à percepção de que uma elevada taxa de inovação empresarial seria

desejável, e mais à de que esse desejo seria pouco pertinente e pouco plausível,

dadas as enormes dificuldades que se interporiam, dificuldades decorrentes tanto

da limitada capacidade financeira existente, como da tendência espúria à

especialização em setores tomadores de tecnologia. Essas dificuldades seriam

inevitavelmente transmitidas ao policy making, tanto na forma de barreiras

técnicas, em virtude da precisão das informações, da acuidade dos diagnósticos e

das medidas destinadas a alterá-los; quanto de barreiras políticas de toda ordem,

pois, via de regra, o poder relativo dos grupos de pressão internos refletiria o

status quo da condição primário-exportadora pós-colonial. Finalmente, o fato de

uma alternativa intermediária existir e ser mais perceptível seja ao planejador

econômico, seja ao capitalista, dada pela vantagem de second mover e plasmada

na prospecção de elevada lucratividade em atividades de cópia e imitação,

funcionaria como empecilho adicional a possíveis políticas de fomento à inovação

empresarial em sentido estrito64, já que essas atividades seriam relativamente

atrativas, tanto mais quanto maior fosse o atraso tecnológico em comparação com

empresas do centro desenvolvido.

Não há nada no arcabouço conceitual da TDE a negar que uma indústria

mais arrojada tecnologicamente poderia contribuir para reduzir dificuldades de

financiamento externo e de capacidade de importação, ambos gargalos

importantes para a manutenção de taxas elevadas de mudança estrutural, desde

que a política cambial e comercial fossem também expansionistas. Ocorre,

contudo, que seria logicamente inconsistente com a percepção de catching up

64 Inovações não apenas em relação ao que as firmas locais já produzissem. Como se sabe, o Manual de Oslo confere

importância decisiva à percepção que cada dirigente empresarial possui e declara como sendo inovação (percepção, de resto, apropriada à teoria de Schumpeter). Grosso modo, o empresário pode declarar que inovou em relação à uma linha de produtos já existente, em relação ao mercado nacional ou ao mercado mundial. Um processo de catching up vigoroso pressupõe uma elevada taxa de inovação no primeiro e no segundo sentidos, o que pode confundir o significado dessas declarações. Felizmente, o Brasil não realizava Pintecs antes de 1980, as quais possivelmente sugeririam uma queda nesse indicador após a abertura e a adoção de sucessivas políticas pró-compeititividade e pró-inovação, realizadas do final dos anos 1980 em diante. No o próximo capítulo, volta-se a esse assunto.

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imaginar que pudesse obter resultados significativos uma política que estimulasse

as empresas a de fato inovar, competindo com empresas ―criadoras do padrão

tecnológico‖ dos países já avançados. Naturalmente, isso não impediria a adoção

de políticas que buscassem alavancar o domínio de certas capacidades

tecnológicas intermediárias, as quais poderiam contribuir decisivamente com a

redução de importações relativamente caras, ademais de, atingindo um número

maior de empresas, acelerar o processo de cópia e difusão interno. Vale dizer,

uma ―política de aprendizagem tecnológica‖ caberia como complemento às

políticas mais decisivas, políticas industriais em sentido estrito, sendo mesmo

plausível que o papel daquela aumentasse à medida que o setor de bens de

capital estivesse próximo de ter sua internalização concluída, bem como a

formação de capital humano em sentido mais estrito fosse ganhando importância.

Pelas razões expostas, entre outras, as políticas de desenvolvimento

inspiradas pela TDE possuíam alto grau de especificidade nacional, não entre

países com graus semelhantes de desenvolvimento, mas relativamente ao grau

de desenvolvimento alcançado. Não se deve, sobretudo quando se passa ao nível

normativo e quando se reduz o grau de abstração em geral, menosprezar a cisão

centro-periferia (ainda que, coforme visto no capítulo anterior, parte importante da

TDE possa ser elaborada sob hipóteses menos restritivas que as típicas do main

stream). Sob muitos aspectos, tratar-se-iam de organismos econômicos distintos,

de forma que a aplicação de políticas inspiradas na TDE em países já

desenvolvidos tenderia a ser inócua ou até prejudicial, enquanto que em países

atrasados – mesmo que eventualmente trazendo como corolário taxas de inflação

elevadas e persistentes, baixo grau de rivalidade concorrencial entre as empresas

ou menor produtividade de equipamentos de capital idênticos – seriam

indispensáveis, sob pena de a condição econômica semi-colonial se reproduzir

indefinidamente65.

É nesse contexto que a diferença entre políticas para a promoção do

crescimento e políticas de desenvolvimento econômico deve, desde a perspectiva

da TDE, ser compreendida. Em países desenvolvidos, essas expressões eram

muito próximas. Baixas taxas de crescimento teriam a ver com falta de demanda

agregada, a qual deveria ser atacada por via da política macroeconômica de curto

65 É frequente a crítica à TDE por seus aspectos normativos isolados; na verdade, seus autores ocuparam-se com

persistência dos problemas que políticas como a de substituição de importações acarretavam.

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prazo. Assim, a despeito do seu intervencionismo, a TDE, quanto a seu objeto,

não é ―keynesiana‖: primeiro, porque não se interessa pelo curto prazo; segundo,

porque seu foco é mais a oferta que a demanda. Problemas de baixo crescimento

– definido relativamente à taxa de crescimento com que o centro se move – são

essencialmente decorrentes da estrutura produtiva, tecnologicamente passiva, e

apenas em situações peculiares devido a causas keynesianas em sentido estrito.

Não obstante, se, em seus traços mais abstratos, os neoschumpeterianos

revelam semelhanças importantes em relação aos autores da TDE – a relevância

da variável tecnológica e, relacionado a isso, o foco na oferta e no longo prazo –,

ao se passar ao campo normativo, as diferenças ganham relevo.

Em primeiro lugar, a diferenciação centro-periferia é, se tanto, colocada em

segundo plano. Evidentemente, pouco importa que a expressão seja preservada,

mas sim seu significado. Como visto, esse é dado pela tendência à

especialização em bens, cuja produção é tomadora de tecnologia na TDE, e pela

existência de mecanismos de círculo vicioso de importância decisiva em curso.

Em segundo lugar, mas talvez de forma mais importante, a inovação

desloca profundamente a tecnologia como foco das políticas. Esse resultado, que

pode parecer paradoxal, resulta da redução da importância das assimetrias

setoriais quanto à capacidade de aprendizagem que as diferentes atividades

produtivas geram, pari passu à concentração na capacidade competitiva interna

das firmas como determinante crucial do crescimento a longo prazo. Decerto esse

é um aspecto considerável, desde que não se percam de vista as causas e os

mecanismos externos que agem para alterar a capacidade competitiva, os quais

nem sempre têm caráter de ―ambiente‖. Vale dizer, sua importância analítica vai

além da que possuem a qualidade e a eficiência dos insumos externos aos quais

as firmas têm acesso, por mais que se alargue a compreensão do que são

insumos.Ademais, o individualismo metodológico exacerbado sempre corre o

risco de perder de vista que a interação entre agentes heterogêneos,

independente do tratamento epistemológico que se dê ao mecanismo seletivo de

que são objeto, não raro gera resultados para cuja compreensão as

características do agente individual médio ou normal contribui pouco (do que o

processo concorrencial, aliás, é bom exemplo).

De fato, parte importante da incompreensão da profundidade do problema

do atraso como uma sorte de pecado original, é minorada se a tecnologia e os

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determinantes da capacidade e do esforço tecnológico das empresas são trazidos

ao centro da análise.

Para os autores estruturalistas, essas duas variáveis possuem forte

característica setorial, de forma que a composição setorial da estrutura produtiva

condiciona tanto o esforço tecnológico, quanto os resultados econômicos (em

termos de lucratividade) que um dado esforço, coeteris paribus, tende a gerar.

Infelizmente, essa composição é um dado histórico, portanto, estrutural:não pode

ser mudado facilmente, nem de uma hora para outra, mesmo em presença de

decidida ação de um Estado ilustrado e benevolente.

A percepção de que a interação com a ciência pode alterar (ao menos em

parte) esses pressupostos possui, sem dúvida, o condão de mudar os termos do

desafio. A noçãode que o Estado cumpre papel decisivo na formação de relações

de intercâmbio assíduo entre cientistas e empresários, constituindo verdadeiros

sistemas de inovação e aprendizagem tecnológica, é um passo importante para

que essa alteração reduza os efeitos do pecado original do atraso sobre a

capacidade tecnológica das empresas.

É dever de ofício dos economistas nomear a pedra nesse caminho – o

cálculo capitalista, que se pauta por prospecções relativas dos resultados de

aplicações alternativas dos recursos, financeiros e não financeiros, limitados

sobre os quais possui governança – mesmo quando tenham boas razões para

concordar que se trata de uma boa escolha.

3.6. NSI e PCTI em Países Atrasados: Conclusões Parciais 66

A concepção original de NSI – tributária de List, tanto segundo Freeman

quanto segundo Lundvall – focava, paradoxalmente, o catching up tecnológico de

um país relativamente atrasado: o Japão. O mesmo não pode ser dito do estudo

do economista alemão, o qual trata do sistema nacional de economia política, ou

seja, do sistema de economia política (disciplina acadêmica fundada por Smith)

que tem na nação seu foco essencial.

Para List, o sistema nacional de economia política se opõe ao "sistema de

economia cosmopolítica" – o qual tem por objeto a economia à escala mundial,

66 The major objectives of innovation policy are economic growth and international competitiveness (Lunvall; Borras 2005, p.

12)

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131

desconsiderando, i, as imperfeições que o fato de a economia mundial ser

constituída por economias nacionais acarreta, ii, que as economias

nacionaisfuncionam segundo padrões e regras (não necessariamente no sentido

de regras formais artificiais, ou seja, ―restrições‖) em desacordo com o que

enuncia a economia política clássica. Em particular, acusando uma evidente

coincidência com a TDE, um dos motivos para as economias nacionais não

funcionarem conforme descreveram Smith e Ricardo é que as relações com

outras economias, assimetricamente desenvolvidas, sobretudo industrialmente,

afetam decisivamente seu curso. A especialização em atividades para as quais

um país atrasado tem aparente vocação, por exemplo, impede que venha a

alcançar o nível de desenvolvimento de um país avançado.

List vê menos oposição que sinergia entre atividades primárias e a

manufatura. A especialização em produtos agrícolas, por exemplo, pode impedir o

desenvolvimento das capacidades específicas inerentes à atividade fabril, mas,

além disso, a própria agricultura se desenvolverá menos caso a manufatura não

aflore.

Um terceiro ponto em que sua contribuição é decisiva – e que, atualmente,

muito mais que os outros justifica que os autores neoschumpeterianos tenham

sua obra em alta conta – está em destacar a estreiteza da percepção de forças

produtivas mais ou menos explícita nas obras dos economistas. Na verdade, a

capacidade humana é um fator fundamental no desenvolvimento das

potencialidades das diferentes nações, contribuindo tanto para seu progresso

cultural e intelectual quanto para o avanço da indústria. Essa capacidade tem de

ser estimulada tanto na forma de educação formal como na de treinamentos mais

práticos, que preparem mão de obra de adequada qualidade para as fábricas.

Finalmente, mas não de menor importância, a elaboração de List encontra-

se, propositalmente, em um meio-termo entre a história, a geopolítica (expressão

que ele não emprega, mas parece adequada para classificar parte de sua

discussão) e a economia propriamente dita. Essa característica, possivelmente

mal resolvida epistemologicamente, reforça sua proposta de uma economia

política, ―nacional‖ e historicamente fundada (e não cosmopolítica e dedutivista,

como a ricardiana), na qual o Estado perde grande parte de sua autonomia e de

sua exogenia em relação ao que usualmente compreendemos como economia (o

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objeto, não a ciência), imbricando-se nos negócios privados, nos quais possui

interesse qual um sócio.

Freeman, por sua vez, converteu o significado de sistema nacional de List

– um sistema teórico, alternativo à irrealista ciência econômica de sua época – em

um objeto de estudo e, mais que isso, de proposta normativa especificamente

neoschumpeteriana. Salvo melhor juízo, a intenção de Freeman é menos a de

sugerir um arcabouço conceitual distinto das políticas para o catching up

periférico, mas para o desenvolvimento econômico em geral (possivelmente da

Inglaterra, em particular). Não lhe caberia a pecha de ―cosmopolítico‖, sem

embargo:o sistema a que se refere é nacional pela própria natureza do Estado-

nação, sem o qual não faria sentido.

Vale dizer, Freeman sugere um ―sistema‖ pelo bojo das políticas públicas

que afirma que estiveram sob comando do Estado japonês, singularmente

durante o período em que estava ultrapassando (forging ahead, na expressão de

Abramovitz), em produtividade, capacidade tecnológica e renda, os países do

Velho Mundo; além de, pela interlocução constante com os desafios e

necessidades do setor produtivo privado daquele país, conformando uma

estrutura interativa que, partindo do Estado, unia centros de pesquisa e de

formação educacional em geral entre si e ambos àquele.

Ora, essa forma de perceber um sistema – distinta da que se analisou aqui,

em nível mais abstrato, anteriormente e que é compatível com as ações públicas

horizontais e ―corretoras‖ – é interessante e crucial para se discutir, a seguir, o

caso brasileiro recente. Dois aspectos são notáveis.

Primeiro, o de que o Japão ser um caso único na história do capitalismo

mundial de país que, estando gravemente atrasado em sua industrialização, com

renda per capita pouco maior de ¼ da dos Estados Unidos em 1900, logrou

fechar o gap tecnológico antes do final do século XX, eventualmente superando

países muito mais adiantados, como França e Inglaterra. Ora, como se sabe, o

pilar essencial da formulação schumpeteriana sobre o catching up econômico, em

que pese sua conhecida superficialidade ao tratar do problema do atraso

industrial, é que esse depende fundamentalmente da aprendizagem tecnológica.

O que Freeman diz é que ao fim e ao cabo a diferença com relação a esse

aspecto explica-se, no caso japonês, pela maior abrangência, e possivelmente

pela maior efetividade e grau de intervenção discricionária do Estado (na medida

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em que avoca a si o papel de intermediário essencial do NSI, e, de fato, elemento

decisivo para que caiba falar de ―sistema‖), comparativamente ao ativismo

existente em outros países.

Segundo, a complementariedade e similaridade com a investigação

seminal de Chalmers Johnson quanto aos motivos do avanço japonês na ordem

econômica internacional. Para Johnson, a dicotomia Estado regulador versus

Estado desenvolvimentista é especialmente esclarecedora das raízes desse

fenômeno, sobretudo dos anos 1950 em diante; os demais aspectos – situação

geográfica, política externa e interna, aspectos culturais e psicossociais – sendo

relevantes mais como causas intermediárias, que ajudam a compreender a

prevalência desse último tipo naquele país.

Um Estado desenvolvimentista caracteriza-se pelo elevado grau de

intervenção, mas, mais que isso, por possuir capacidade, dada uma certa

legitimidade política inicial, entre outras características que lhe fornecem

instrumentos mínimos para uma ação efetiva67 de atuar de forma proativa e

pragmática. Sem a primeira característica, tornar-se-ia refém dos grupos já

poderosos existentes e, portanto, do status quo que reflete e ao mesmo tempo

contribui para perpetuar o atraso relativo; sem a segunda, corre o risco de criar

expectativas e metas impossíveis de serem atingidas pelo setor produtivo que

terá de competir em condições desvantajosas, sob diversos aspectos, com firmas

de países mais ricos e tecnologicamente poderosos.

Estados regulatórios não têm nada de intrinsecamente ruins. Na verdade,

são adequados para países cujas empresas dispõem de elevado acúmulo de

capacidade tecnológica, são capazes de absorver e operar com mão de obra

extremamente qualificada e possuem estabilidade econômica consolidada, bem

como condições de financiamento coerentes com essa estabilidade. Nessa

situação, o Estado pode ser passivo, seja porque o jogo político é equilibrado,

seja porque não há desvantagem profunda na relação com outros países que

imponha a necessidade de considerações de ordem estratégica em assuntos

econômicos ordinários. Isso não significa que sua atuação perderá de vista o jogo

das nações – já que, como se sabe, inovações estão, em maior ou menor grau, a

todo momento alterando a posição internacional dos países –, mas que cotidiana

67 Ver Cummings, 2000; Evans; Ruerchemeyer, 1984; Evans, 1984 e Chang, 2000.

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134

e normalmente se aterá às funções constitucionais e se pautará, salvo em

situações excepcionais, exaustivamente por ouvir as demandas da sociedade da

forma mais perfeita possível, agindo apenas marginal e ―corretivamente‖.

Assim, sistemas nacionais de inovação regulatórios fazem sentido em

países cuja estrutura produtiva é já avançada. Neles a atuação do Estado pode

ser – e provavelmente será mais efetiva e trará melhores resultados – bastante

reativa em questões econômicas e tecnológicas, eventualmente arbitrando

medidas defensivas de política comercial em um caso ou abrindo o mercado a

pressões competitivas externas e outro, de forma a incentivar empresas dotadas

de elevado nível de recursos para adotarem um ou outro curso. Medidas pelo lado

da oferta relativamente às empresas tendem a cumprir adequadamente seu papel

de corrigir imperfeições de mercado, como a disponibilidade inadequada de

conhecimento científico, vis-à-vis um sistema produtivo no qual parte significativa

compete com base em diferenciação, em qualidade e inovação.

NSIs desse tipo ou não funcionam ou podem ser reacionários em países

cujas empresas, com raras exceções, encontram-se a meio caminho na

construção de capacidades tecnológicas decisivas em seus

setores.Aprimoramentos institucionais semelhantes aos vigentes nos países já

desenvolvidos não são inócuos apenas quando há empresas que detêm

capacidade competitiva internacional relevante, e mesmo assim se essas

estiverem situadas em setores em que algum grau de intensidade científica seja

fator importante para a competitividade. Posturas mais passivas, distintas das

praticadas pelos países desenvolvidos, mas que são coerentes com percepções

de NSI e de política de inovação que não levem em conta o atraso, colocariam as

necessidades das empresas realmente existentes no centro das atenções. Como

resultado, acabariam se convertendo em políticas industriais reativas, na medida

em que essas empresas são tomadoras de inovações de outrem, as quais apenas

adaptam, e que só fazem sentido sob elevado grau de proteção68.

68 É de extrema pertinência a percepção de KOELLER (2009, p. 34) realçando a relevância da limitação de políticas

tecnológicas do tipo diffusion oriented destacada por Ergas (1986) em países industrialmente atrasados como o Brasil. Segundo esse autor, um dos deméritos de tais políticas é que elas reforçam problemas de lock-in, o que tende a ser particularmente danoso em estruturas produtivas cujas firmas são fundamentalmente "tomadoras" de tecnologia. Vale dizer, políticas tecnológicas predominantemente passivas não apenas são incapazes de romper os mecanismos inerciais típicos do atraso econômico como podem reforçá-los. Debalde realçar que, do ponto de vista explicitado no presente estudo, não seguiria daí que políticas do tipo mission oriented seriam per se mais adequadas a países atrasados, ao menos como políticas de desenvolvimento econômico.

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A construção de um NSI em um país como o Brasil teria certamente muito

a ganhar em aproveitar as lições do catching up japonês, no qual a política

industrial, além do que o Brasil praticou até o final dos anos 1970, foi combinada

conscientemente com uma série de outras medidas que pressionavam e ao

mesmo tempo proviam os meios para as empresas acelerarem seus processos

de aquisição de competênicas cognitivas para além do learning by doing e by

using em direção ade capacitações tecnológicas mais complexas. Porém,

ganharia pouco ou nada com medidas que partem de uma estrutura industrial

ainda fundamentalmente atrasada, especialmente frágil nos setores nos quais a

capacidade científica pode realmente cumprir um papel de acelerador da

aprendizagem tecnológica, em que pese a inevitável desvantagem no acúmulo de

conhecimento tácito e habilidades informais comparativamente às suas líderes

mundiais em seus mercados.

Embora as bases para criar esse sistema tenham de resultar de decisões

tomadas há muito mais tempo, a investigação da recente política de CT&I, mais

nítida há não mais de dez anos, deve ajudar a ilustrar esse problema e a

evidenciar o caráter eminentemente distinto que políticas para o aumento da

capacidade tecnológica tem de adotar para o país voltar a ser senhor de seu

processo de desenvolvimento econômico.

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137

4. AS POLÍTICAS DE C&T BRASILEIRAS DAS PRIMEIRAS INICIATIVAS À

BUSCA DA CONSTITUIÇÃO DE UM SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO

4.1. Introdução

Sistemas nacionais de inovação são agrupamentos institucionais de

natureza híbrida que, embora tenham firmas capitalistas em disputas

concorrenciais livres em seu vértice, transcendem o mercado em sentido estrito.

Apesar de seus efeitos desejáveis sobre a inovatividade e a competitividade

empresariais, e sobre a própria capacidade de crescimento da economia, não são

muitos os países que possuem sistemas de inovação, pois diversas condições,

além de vontade política, são necessárias à sua constituição.

Para existirem em um sentido economicamente significativo, os NSIs

requerem uma série de elementos dos quais apenas uma parte pode ser criada

pela ação governamental, por mais decidida e capaz de mobilizar recursos que

seja69. Em particular, é difícil erigi-los sobre estruturas produtivas atrasadas, na

69 A política de ciência e tecnologia (PC&T) inclui, grosso modo, ações voltadas para a expansão da oferta de ciência em

geral e de tecnologia de base científica, a qual compreende tanto a ciência aplicada como a promoção de conhecimentos sistemáticos sobre assuntos de interesse social ou nacional – conhecimentos atinentes a bens públicos, portanto. Em geral, esse tipo de conhecimento, embora conte com agências específicas no âmbito de cada ministério no Brasil – caso da saúde, da energia ou do meio ambiente – é às vezes englobado na PC&T. Contudo, mais frequentemente esta é identificada com esforços cognitivos e/ou inventivos mais difusos, como os relativos, por exemplo, à astronomia e à oceanografia. Finalmente, parte da política de educação superior, sobretudo a relativa às universidades com relevante atividade de pós-graduação científica, pode ser explícita ou implicitamente considerada como componente da PC&T. A política de ciência, tecnologia e inovação, por sua vez, abarca um rol muito maior de medidas, ademais das de C&T em sentido estrito, em particular as de direcionamento da oferta de C&T para as empresas, as quais possuem caráter ―meso-econômico‖ e frequentemente incluem um extenso conjunto de instrumentos voltados, via de regra, para integrar a ―oferta‖ típica da C&T clássica, com uma variedade de interesses potenciais e manifestos das empresas capitalistas. Tal aproximação é informada tanto pela busca de maior legitimação econômica da C&T, como pelo aproveitamento do efeito de retroalimentação entre inovação e C&T, bem como, em nível mais imediato, pelo efeito multiplicador dos recursos empregados como estímulos à inovação tecnológica, aos quais idealmente são adicionados, rompidos os primeiros estágios da incerteza ―procedural‖ que cerca o esforço tecnológico empresarial, montantes muito maiores de recursos privados. A política de CT&I compreende ainda parte das políticas comercial, de defesa da concorrência e de propriedade intelectual, ademais, de, sob algumas acepções, poder englobar (a depender de certas hipóteses sobre a importância da qualificação prévia da mão de obra de chão de fábrica para o esforço tecnológico empresarial), paradoxalmente, também parte importante da política de educação fundamental e da política de treinamento técnico dos trabalhadores. Não se pode fazer facilmente um corte mais ou menos "desenvolvimentista" entre esses dois róis de ações. Políticas de inovação podem, por exemplo, partir da assunção de que a demanda empresarial tem de ser tomada como um dado, não se devendo induzi-la além do que correções de falhas de mercado e reduções de custos de transação sugerem. Essa posição não necessariamente é ―neoclássica‖, haja vista se poderem ver falhas de mercado desde a acepção schumpeteriana ou hayekiana do que seja ―mercado‖ e ―concorrência‖. Com efeito, tomada de forma geral, a expressão ―política de inovação‖ é amiúde empregada como alternativa à política industrial, não apenas pelo suposto menor foco desta na competitividade, na eficiência e na capacidade empresarial de agregar valor em geral (primordialmente, mas não apenas, por via tecnológica), mas, sobretudo pela irrelevância do aspecto setorial, ao menos a priori. Por outro lado, políticas de C&T podem ser concebidas e implantadas com extremo ativismo, mesmo que não incluam escolhas setoriais fortes. Por exemplo: as compras públicas podem ser utilizadas para induzir esforços tecnológicos exagerados em relação ao que o cálculo capitalista corrente sugere ou a que empresas provedoras de bens públicos busquem avanços tecnológicos além do que a sociedade precisa imediatamente (a saúde pública e a defesa nacional amiúde participam da PC&T dessa forma). Um último aspecto a ser observado é a dificuldade em delimitar por órgão responsável a PC&T ou a PCT&I. Uma alteração na lei de licitação que se permita pagar o dobro por um produto comprado pelo setor público, desde que tenha sido objeto de extremo esforço tecnológico, não pode ser atribuída a um órgão específico, evidentemente, mas constituiria também parte da PC&T ou da PCT&I (especificações adicionais da alteração legal permitiriam esclarecer no âmbito de qual medida

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medida em que a especialização produtiva baseada em recursos naturais e/ou na

vantagem de seguidor causam forte impacto sobre as decisões de alocação do

gasto capitalista. Nesses casos, é ainda menos provável que o Estado possa ser

bem sucedido na criação de NSIs apenas com políticas de CT&I, mesmo que

açambarquem aprimoramentos institucionais que aproximem das empresas os

produtores de C&T e de conhecimento em geral e reduzam os custos de

transação entre esses agentes.

Não segue daí, em primeiro lugar, que os NSIs dos países avançados

possam ser entendidos como sistemas espontâneos ou ―naturais‖ como são os

mercados na teoria walrasiana, por exemplo. Dessa forma, se há espaço para

discutir se a Primeira Revolução Industrial foi um processo essencialmente

espontâneo, dadas algumas precondições institucionais, é praticamente

consensual que, mesmo no país mais desenvolvido ou inovativo, existem

sistemas nacionais de inovação cuja formação teve participação decidida e

significativa do Estado.

Em segundo lugar, isso não significa que mesmo em países menos

desenvolvidos o Estado não possa, em tese, atuar complementarmente à PCT&I,

de forma a criar ou a estimular a criação de condições complementares

suficientes para que sistemas nacionais de inovação sejam gerados. Vale dizer, o

Estado pode, em princípio, sob certas condições de autonomia, de capacidade de

mobilização de recursos e de estratégia adequada, implementar outras ações as

quais, combinadas com as de fomento tecnológico, propiciariam a constituição de

efetivos sistemas nacionais de inovação, desde que sua atuação não seja restrita

ao que se define como política de CT&I e desde que essas ações sejam

sustentadas durante um tempo suficientemente longo.

Sob a perspectiva da interpretação de Schumpeter proposta, um problema

decisivo para que políticas de CT&I sejam capazes de criar NSIs em países

industrialmente atrasados reside na demanda70, ou seja, no interesse empresarial

se encaixaria melhor), de forma que qualquer análise dessas que se fixasse nos órgãos executores ou mesmo nos programas e funções governamentais perderia sua relevância. Ver KOELLER 2009 (especialmente capítulo 1); AVELLAR 2007 (capítulos 1 e 2); CARACOSTAS 2007; OECD 2001; METCALFE 1994; LUNDVALL 2001. 70

Frequentemente, os especialistas em política de C&T criticam a acepção clássica (ver rodapé anterior) por seu foco na oferta, ou ―ofertismo‖, ao qual opõem as necessidades sociais, supostamente muitas vezes ignoradas pela comunidade científica, ou as necessidades potenciais das empresas. Essa segunda crítica é acompanhada freqüentemente da recomendação mais ou menos explícita de que a demanda tem de ser levada em conta, – implicando que a oferta deve ser mais dirigida para as empresas, e que canais de diálogo e de interação, a serem construídos ou facilitados pelo Estado, são desejáveis. Evidentemente, a demanda a que se está fazendo referência nesta tese não se confunde com essa.

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efetivo – portanto, de natureza financeira – em implementar inovações

tecnológico-científicas. O mundo do cálculo capitalista é muito distante do mundo

da pesquisa acadêmica, mesmo a de caráter mais aplicado, voltada para a

criação de utilidades. Trata-se de um mundo forjado, resumidamente, por duas

forças fundamentais: a da pressão competitiva, real ou potencial, a que cada

capitalista individual está submetido, e a das capacidades competitivas que detêm

ou que estão ao seu alcance, para enfrentar, com presumível sucesso (medido

em termos de lucratividade superior à que lograria empregando os mesmos

recursos na melhor opção alternativa disponível) os contendores relevantes.

No capítulo 1 há elementos para se compreender por que, a partir da

perspectiva do cálculo capitalista ou ―da demanda‖ empresarial por C&T, a

atividade inovativa e o esforço tecnológico autóctone são pouco plausíveis em

economias atrasadas. Elas tendem a se especializar em setores cuja produção é

intensiva no emprego dos insumos que são relativamente abundantes, os quais

são, via de regra, recursos naturais. Por disporem de vantagem de seguidor, caso

essa seja aproveitada por políticas industriais de médio alcance, os capitalistas

tenderão a ―inovar‖ adquirindo tecnologias prontas, disponíveis no mercado de

países mais avançados, no máximo adaptando-as superficialmente.

Os autores schumpeterianos ajudaram decisivamente a, finalmente,

acrescentar outro aspecto que se sobrepõe à vantagem de seguidor: é que ao

aproveitarem da vantagem, o que vem a ser uma sorte de atalho, as empresas de

países atrasados, ditas latecomers, ficam mirradas de acúmulo de aprendizagem.

A esse aspecto pode-se contrapor outro, também revelado por autores

schumpeterianos, em tempos mais remotos, qual seja, o fato de as indústrias

serem diferentes quanto à importância do acúmulo de conhecimento próprio.

Evidentemente, este acúmulo é relevante em todos setores, mas, naqueles em

que o conhecimento tecnológico está disponível de forma mais aberta e mais

sistemática, esse aspecto perde importância relativa. Na mesma medida,

aumenta a possibilidade de ações coordenadas e decididas pelo Estado

conseguirem influenciar significativamente os condicionantes do cálculo

capitalista, capazes de fazer a inovação mais atrativa em países industrialmente

menos densos, ou seja, de influenciar a demanda.

Entretanto, não há almoço grátis no catching up tecnológico de países que

se industrializaram com muito atraso. Políticas industriais capazes de alterar a

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estrutura do cálculo capitalista e, assim, empurrar a demanda por capacidade

tecnológica própria para estágios mais avançados tendem a obstruir as pressões

competitivas, gerando efeitos macroeconômicos indesejáveis e eventualmente

afastando em demasia esses esforços de sua lucratividade verdadeira,

prevalecente em condições de menor intervenção e maior exposição à

concorrência externa.

Ao longo do presente capítulo, é apresentada esquematicamente a

evolução das medidas adotadas em prol do avanço científico e tecnológico

brasileiro, destacando-se a importância do Estado e a relação desse processo

com o desenvolvimento nacional. Esse painel permite situar as mudanças

recentes em uma perspectiva que evita um certo formalismo das análises mais

conhecidas, presas a modelos de análise de políticas de C&T. Em particular,

destaca-se a criação de um tipo de sistema nacional – em que pese

fundamentalmente distinto de um NSI, porque, por sua lógica, pervasivamente

dependente do suporte estatal – de C&T.

Evidencia-se também que grande parte do salto tecnológico empresarial

alcançado pelo Brasil no início do período de ―choques adversos‖, em 1914, até o

II PND, foi feito praticamente sem medidas relevantes com foco na oferta de

conhecimento. Sem embargo, no período final, a própria necessidade de avanço

industrial impôs uma agenda de construção acelerada de um sistema de C&T –

com efeito, desde o início assim compreendido e designado: Sistema Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SNDCT).

O SNDCT explicita como um objetivo central o aumento da oferta de

conhecimento científico-tecnológico, mas o diagnóstico que o inspira nada tem

que ver com o modelo linear de política de C&T. Pelo contrário, é focado na

capacidade tecnológica das empresas privadas nacionais e tem clara a

importância das interações e retroalimentações que marcam a relação dessa com

a universidade e com os ICTs. Na verdade, sua diferença mais decisiva

relativamente aos modelos de política de C&T atuais é que seu modus operandi é

assentado no planejamento estatal, o qual permite maior efetividade haja vista

que a demanda empresarial pode ser grandemente direcionada pelo pervasivo

aparato de estímulos e regulações então existentes.

O vigor do SNDCT é decisivo para explicar a trajetória adotada

posteriormente pela política brasileira de C&T, a qual é marcada, de um lado, por

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extrema resiliência; e de outro, por uma crescente autonomização em relação ao

setor produtivo não-estatal, negando seu objetivo original. Um conjunto

institucional distinto, menos pelos órgãos que o compõem e mais pela lógica de

seu funcionamento, forma-se da deterioração do SNDCT, um aparato institucional

ainda menos articuladocom o meio empresarial, oSistema Brasileiro de fomento à

C&T (SBCT).

A partir de 1999, o governo federal vem tentando, com medidas cujo cerne

só termina de ser implantado em 2005, alterar a lógica do SBCT, no sentido de

torná-lo base de um NSI brasileiro. É evidente que o fato de um sistema distinto

ter se formado implicou em significativa resistência à mudança. Não obstante, o

sentido e a importância das medidas adotadas revelam que o Estado vem

logrando alterar o status quo. A resultante até o presente aponta, sem embargo,

menos para a constituição de um NSI do que para uma disjunção: se o Estado for

assumindo para si a definição da demanda empresarial por inovações, acabará

recriando a lógica de plano que orientava o SNDCT; se abdicar desse objetivo, o

SBCT e o sistema produtivo brasileiro seguirão fundamentalmente autônomos e

apenas pontualmente não cindidos. Neste caso, a formação de um NSI

dependerá, ademais da PCT&I existente, da própria consecução do catching up

econômico.

4.2. Etapas da Evolução das Ações de Promoção da C&T no Brasil

4.2.1. Visão geral

Há autores que defendem que a fundação da ciência brasileira remonta a

Dom João VI ou mesmo aos jesuítas (SCHWARTZMAN, 1994; MOTOYAMA,

2004; AZEVEDO, 1994). Ondas de crescimento do número de institutos

tecnológicos podem ser associadas à própria expansão territorial e à estabilidade

política (NAGAMINI, 2004; ERBER et alii, 1984; VARGAS et alii, 1994). Mas é de

aceitação geral que a II Guerra Mundial se constitui em um importante divisor de

águas, marcando a transição de um primeiro para um segundo momento.

Vários autores destacam que a aceleração da formação de institutos de

pesquisa no final do século XIX, estendendo-se ao início do XX, configura um

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movimento difundido pelos principais estados da federação. Mas, embora se

possam observar concentrações no tempo da criação de alguns desses órgãos,

seu conjunto é desarticulado e recalcitrante. Após a II Guerra Mundial, não há

exatamente um desenvolvimento sistemático e progressivo, mas é plausível

afirmar que a C&T brasileira passa desde então a deter massa crítica o suficiente

para evitar recuos estruturais.

Um terceiro momento emerge no início dos anos 1970, quando o essencial

do atual sistema brasileiro de C&T – SBCT, doravante – é montado. Essa

mudança é pela primeira vez fundamentalmente endógena, informada pela

percepção de que uma crescente barreira tecnológica se imporia à continuidade

do catching up até então em curso acelerado. Embora o desenvolvimento

harmônico de ciência, tecnologia e indústria seja enfatizado, há uma clara

percepção de interdependência entre esses aspectos, mas é à indústria – em

particular, as firmas industriais privadas de capital brasileiro – que cabe o

protagonismo. Não seria correto, entretanto, ver aí uma política de CT&I, pois, do

ponto de vista conceitual, a inovação e as condutas correlatas a ela não cumprem

um papel estruturante na política, e, do ponto de vista prático, as ações para

estabelecer e estreitar laços entre empresas e ICTs são, se tanto, secundárias.

Esse sistema, sob severas dificuldades financeiras desde o início dos anos

1980, sofre vários estrangulamentos e é alvo de reformas informadas pelo

imperativo da competitividade, sobretudo ao longo da década seguinte. No

entanto, sobrevive, apesar de depauperado em elementos de importância central

segundo a lógica de sua constituição (voltados para o fomento tecnológico),

praticamente intacta.

De 1999 para cá, esse sistema vive sua terceira fase de mudanças,

eventualmente inaugurando seu quarto momento. Talvez não seja correto dar-lhe

estatuto de ruptura estrutural, mas decerto, mesmo com a limitada perspectiva

histórica de que se dispõe, viveu-se uma reforma bastante profunda, a qual se

estende até os dias de hoje. Essa reforma pretende distinguir a política de C&T

antiga da atual, por ser essa uma política de CT&I.

Apesar de ser o tema central deste capítulo, pois uma face importante da

compreensão do que se passou no período de 1999 a 2006 reflete características

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herdadas dos momentos anteriores, se farão observações mais detidas sobre a

maneira como essas características se constituíram71.

4.2.2. O primeiro momento

A ―C&T‖ praticada no Brasil até a metade do século XX tinha como

característica essencial o fato de depender umbilicalmente da iniciativa de

empreendedores científicos, cujo modelo mais conhecido é Osvaldo Cruz: misto

de intelectual, homem público, cientista puro, cientista aplicado e empreendedor.

Em parte, a razão de seu nome estar inscrito na história brasileira decorre de seu

talento individual; em outra, o que o distingue de outros inventores de talento

procede de seu interesse poder ser expresso como o provimento de um bem

público, no caso, a saúde pública, especialmente a saúde preventiva.

Assim como Osvaldo Cruz, outros marcos na constituição de algumas das

instituições que são hoje referências na produção científico-tecnológica no Brasil,

– muitas vezes, sem qualquer relação orgânica com o sistema empresarial não-

público – têm por trás um ou mais homens de iniciativa, cuja luta foi bem

sucedidapor poder ser expressa como alguma forma de bem público ou

semipúblico. Portanto, as instituições que se formam no período possuem esse

traço comum, englobando atividades de astronomia; saúde pública, desde

estudos da farmacopéia até a formação de médicos; infraestrutura, sobretudo

obras de engenharia civil; geologia e agronomia.

Conforme mencionado, essas instituições apresentam relação apenas

difusa com a inovação empresarial (exceção parcial feita aos institutos

agronômicos) e têm forte caráter científico-tecnológico. Há nisso certa diferença

com a ―produção científica‖ colonial, que era ainda mais dependente de iniciativas

individuais, além de ser predominantemente analítico-descritiva, contemplativa ou

apreciativa e subjetiva, embora, na medida em que voltada para a compreensão

do meio social e natural (Motoyama, 2004 e Schwartzman, 1994), mais científica

e menos tecnológica, forçando um pouco os limites dessa dicotomia. Contudo, a

ascensão de instituições direcionadas para a oferta de utilidades públicas e o fato

71 Os fatos que servem de base para a formulação da interpretação do sentido do desenrolar histórico da C&T no Brasil

constam de Motoyama, 1994 e 2004; Motoyama; Nagamini, 2004; Schwartzman, 1994 e 2007; Vargas, 1994; Mello, 2009 e Pacheco, 2008. Não necessariamente há concordância entre esses autores e a interpretação fornecida quanto ao sentido dos fatos, embora se entenda que em geral esta não difira em demais da desses autores, que, não obstante, concentram-se em outros aspectos da história que descrevem.

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de a produção científica ser menos contemplativa, mesmo quando tivesse

decorrências práticas mais visíveis, não permite delimitar uma mudança

pronunciada no período mais recente, supostamente coincidente com o ―processo

de independência‖ político-administrativo, iniciado, grosso modo, em 1808.

Embora talvez estejam certos Nagamini e Andrade ao destacarem a boa

qualidade dos trabalhos realizados no país ao longo desse período, sem dúvida o

Brasil estaria muito longe dos países desenvolvidos e mesmo de ex-colônias no

que diz respeito à escala da produção nacional. O número de invenções

atribuídas a brasileiros era mínimo. Menor ainda é a referência nos estudos de

história da ciência a contribuições de brasileiros ou mesmo de portugueses. Até o

final do século XIX, estudos de ciência aplicada, descrições sistemáticas do meio

natural e assemelhados eram quase sempre de autoria de europeus que vinham

ao país contratados por autoridades locais ou estrangeiras. Finalmente, e mais

importante, inexiste não apenas um ―sistema universitário‖, mas mesmo

universidades isoladas. De modo geral, essas instituições guardavam pouca

relação com a educação formal e com as escolas de treinamento de mão de obra

em massa, sendo exceção a Escola de Minas de Ouro Preto, inaugurada apenas

em 1876, mais de 100 anos após o ciclo do ouro.

Não se pode, é claro, diminuir a importância da fundação da USP, em

1934. Mas mesmo a maior das universidades brasileiras só se constitui

plenamentejá nos anos 1960 (Schwartzman, 2007 e Guzzo, 2008), e é de

qualquer forma tardia até em relação às universidades da América Hispânica e da

Ásia do Leste (SCHWARTZMAN, 1994). Finalmente, a quase totalidade dos

avanços logrados decorria da aplicação de conhecimentos produzidos, às vezes

há bastante tempo, nos países mais desenvolvidos, quando não eram

diretamente realizados por cientistas estrangeiros. Portanto, é acertado dizer que

ao quadro geral ao atraso econômico-industrial correspondia um outro,

igualmente profundo, em termos de capacidade educacional, científica e

provavelmente tecnológica, com uma ou outra exceção confirmando a regra.

Por último, parece marcante o fato de que o Estado era via de regra

passivo nesse processo (a USP não sendo, quanto a isso, a única exceção), na

realidade, mais abrigando iniciativas individuais do que dando o passo inicial e,

muito menos, adiantando-se à existência do problema. Embora certamente o

Estado fosse menos proativo quanto ao avanço tecnológico e científico nacional

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nos países adiantados nesse longo período em relação ao que é atualmente,

também quanto a isso o Brasil encontrava-se comparativamente atrasado72.

O fato de o crescimento liderado pela manufatura ter substituído o modelo

primário-exportador em pouco tempo, sob a liderança de um Estado industrialista,

não altera imediata ou automaticamente essa descrição geral. Todavia, o fato de

ser a relação entre a indústria – mesmo uma indústria tardia e precariamente

instalada como a dos anos 1930 – e a tecnologia muito mais profícua que com as

atividades primárias resulta em uma demanda crescente, ainda que mais

potencial e tendencial, pela geração de tecnologia adaptativa e operacional. A

fundação do Senai e as tentativas de Vargas, já no início do Estado Novo, de criar

instituições tecnológicas e acelerar a produção de bens de capital, reduzindo a

dependência do exterior (o que na época se imiscuía com a capacitação

tecnológica nacional), sugerem que uma transição se fazia premente73. Não

obstante, as mudanças acabam sendo detonadas por outros acontecimentos,

exógenos em relação à vigorosa industrialização em curso, e, na verdade,

externos ao país como um todo.

4.2.3. O segundo momento

É difícil superestimar a importância do Projeto Manhattan na definição do

padrão científico contemporâneo. O impacto da explosão da bomba, material,

humano e simbólico, os valores envolvidos – nos dois últimos anos do conflito, o

projeto consumiu mais recursos que todo o restante do orçamento militar dos

Estados Unidos –, e, por último mas não de menor importância, o fato de a bomba

ter tido origem em descobertas científicas puras, todos esses são elementos

centrais para o surgimento do que ficou conhecido como ―big science‖.

A ascensão da corporação chandleriana, com seus possantes

departamentos de P&D (os quais têm origem nos mais modestos departamentos

de P&D das indústrias químicas alemãs do final do século XIX), como o sujeito

72 Esse não é o ponto central da argumentação. Parece evidente que a penúria fiscal durante o Primeiro Império, passando

pelo período das Regências e mesmo a seguir impediriam ações de grande porte nessa área. Sem embargo, o fato de o apoio público ter acontecido, mostra que essa limitação não era pura e simples decorrência da falta de recursos. Por outro lado, são documentados esforços estatais bastante arrojados na busca por protagonismo em C&T desde, pelo menos, Napoleão Bonaparte, ademais de, certamente, na Alemanha, no Japão e nos Estados Unidos, já no século XIX. Ver SZMRECSANYI, 1996. 73

Ver, FONSECA, 1989 e FIGUEIREDO, 1999.

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basilar do ciclo expansivo dos golden years, ademais, obviamente, da Guerra

Fria,contribuíram para moldar a forma que concretamente toma a big science

norte-americana. Entretanto, não se pode, a despeito do sentido específcio que

desempenhou seja no padrão de acumulação seja na geopolítica da pax

americana típicos do pós-guerra, retirar o protagonismo da lógica do domínio

tecnológico como um objetivo central das políticas públicas nas potências do pós-

guerra (NELSON; ROSENBERG, 1993; NELSON, 1990; BROOKS, 1986 e

STOKES, 2004). Tal protagonismo, ademais, passa a ser associado, no mais das

vezes irrefletidamente, à tecnologia de base científica (associação,

evidentemente, não necessária, haja vista que até antes da II Guerra ou pelo

menos até antes de Pasteur, a relação entre ciência e tecnologia era, quando

muito, eventual). Ao fim e ao cabo, tanto a ciência passa a ser enviesadamente

compreendida como insumo tecnológico74, como a tecnologia passa a ser

entendida como fruto da ciência.

Dois documentos expressam bem essa lógica. Primeiro, o estudo Science,

the Endless Frontier, mais conhecido como ―relatório Bush‖, em alusão ao alto

burocrata que o elaborou, ainda em 1945. Embora não seja um trabalho científico,

acabou tomado como referência elementar para a maioria dos estudos

acadêmicos sobre política de C&T doravante, os quais na verdade podem ser

vistos como devendo-lhe a origem75, pois é do relatório Bush que nasce o que

mais tarde ficou conhecido como ―modelo linear de CT&I‖. Por sua vez, o conceito

de ―big science‖ aparece, explicitamente, pela primeira vez, no trabalho de Alvin

Weinberg, em 1961. Não tão célebre quanto o estudo de Bush, o de Weinberg

logra resumir particularmente bem o ésprit du temps, ao reclamar para a ciência e

para os cientistas o verdadeiro protagonismo na história do século – ou ao menos

do pós-II Guerra Mundial:

74 Em Habermas (1978, p. 32): a ciência passa a valer pelas suas realizações. 75 STOKES, 2004. Ver também DOSI, 1982.

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When History looks at the 20th century, she will see science and technology as its theme; she will find in the monuments of Big Science—the huge rockets, the high-energy accelerators, the high-flux research reactors—symbols of our time just as surely as she finds in Notre Dame a symbol of the Middle Ages. (...) We build our monuments in the name of scientific truth, they built theirs in the name of religious truth; we use our Big Science to add to our country's prestige, they used their churches for their cities' prestige; we build to placate what ex-President Eisenhower suggested could become a dominant scientific caste, they built to please the priests of Isis and Osiris (WEINBERG apud MILLER, 1998).

O Brasil foi significativamente afetado por essa percepção que englobou

países de níveis de desenvolvimento muito distintos. Segundo Motoyama (2004b),

ademais, o fato de o imediato pós-guerra ter coincidido com uma assembléia

nacional constituinte estimulou a busca de novas regras que inculcassem a noção

de que a ciência (geralmente entendida na acepção vulgar de insumo para a

tecnologia) é um motor fundamental do desenvolvimento e da afirmação nacional,

noção que esteve ausente, com algumas exceções, no main stream das políticas

do Estado Novo76.

Outro acontecimento que marcou a percepção dos constituintes foi a bem

sucedida construção de um sonar pelo Brasil, após o ataque alemão a fragatas

brasileiras em 1942. Aparentemente, os cientistas brasileiros, e não apenas

práticos e engenheiros, tiveram papel relevante no empreendimento77,

contribuindo para a que a compreensão da ciência como moto fundamental do

progresso tecnológico fosse assimilada como uma regra geral, válida tanto para

os Estados Unidos como para o Brasil.

Assim, apesar do senso comum em torno da associação ciência-

desenvolvimento ter tido um papel relevante nas mudanças ocorridas no período,

a qual estava presente entre constituintes ávidos para dar vazão à opinião

pública, não é de surpreender a participação central dos militares na tentativa de

constituição de um sistema de C&T de caráter nacional. Vale dizer, a despeito de

um discurso frequente associar vagamente ciência, em um pólo, a

desenvolvimento, em outro – sugerindo que os órgãos de fomento à C&T

formados nos anos 1950 tivessem inspiração no modelo linear de Bush –,

76 Em que pese Vargas mesmo ter por algumas vezes buscado avançar na construção de instituições nacionais de C&T, até

então, inexistentes. 77

MOTOYAMA, 2004b e VARGAS, 1994.

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concretamente a influência militar foi decisiva para torná-lo real no tocante ao

circuito ciências instrumentais (isto é, plasmada em pesquisas mais aplicadas do

tipo ―arm’s lenght‖, no entorno das engenharias) e às tecnologias ―estratégicas‖,

sobretudo, mas não exclusivamente, de interesse militar. Coerentemente, as

principais instituições federais fundadas à época tiveram militares por

protagonistas: o CTA; o ITA; o CNPq, na origem, órgão de coordenação da

pesquisa nuclear no Brasil; e o Impa, antes vinculado ao CNPq, em 1952 (a

exceção fica por conta da Capes).

Na mesma direção, o incipiente sistema universitário, depois de pós-

gradução que começa a ser edificado é justificado por sua função para a

tecnologia (SCHWARTZMAN, 1994; MOTOYAMA, 2004a; VARGAS, 1994), mas

não necessariamente para a economia. Embora a demanda por ―mais educação‖

já fosse bastante evidente, a busca por aceleração na formação de cientistas tem

como mote principal a capacidade tecnológica nacional, percebida como um bem

público.

Exceção parcial a esse cenário é o subsistema de fomento à C&T paulista.

Em 1961, a política desse estado já se constitui como um conjunto articulado –

não no sentido de um sistema de inovação inspirado no modelo triple-helix,

evidentemente, mas no de um conjunto de políticas com uma significativa

coordenação ex ante. Em 1962, a Fapesp é construída sob uma perspectiva que

o CNPq só adquiriria muitos anos depois, repetindo, mutatis mutandis, o padrão

de adiantamento da USP.

Ignora-se se os construtores das novas instituições tiveram conhecimento

do estudo de Bush, mas é bastante certo que tanto a contaminação geral pelo

espírito de época como o fato mais prosaico de que homens públicos, como

Casemiro Montenegro, e parte significativa dos homens de ciência (amiúde

alçados a gestores de órgãos de fomento à C&T), importados dos Estados Unidos

ou lá formados, estivessem imbuídos da mesma percepção. Segundo ela, ciência,

tecnologia e produção, apesar de causalmente relacionadas, possuem elevado

grau de autonomia entre si, cabendo ao Estado apenas fomentar – ainda que

maciçamente – a primeira e, em menor grau, a segunda. Parece que no caso

brasileiro houve, entretanto, ao menos ex post, certa fusão ideológica entre o

desenvolvimentismo industrialista e o cientificismo pragmático (em oposição à

percepção emancipatória, por assim dizer, do cientificismo iluminista) do

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paradigma linear, o que propiciou uma leitura bastante pró-tecnologia por parte

das lideranças brasileiras.

Embora a dominância da tecnologia como cerne das políticas públicas e a

consequente percepção instrumental da ciência tivessem gerado o terceiro

momento, explicado adiante, como um todo, semelhante ao segundo, pode-se

perceber a perda de força do próprio sentido da dicotomia entre os dois referidos

elementos, de resto bastante clara no relatório Bush e no modelo de Big Science.

O que vai se desvelando com mais nitidez ao Estado brasileiro, contudo, é a

percepção da enormidade da distância que separava o Brasil dos países

avançados, sobretudo pela contundência do fracasso nuclear. Paradoxalmente, a

formação de cientistas vai se firmando como um caminho mais fácil (ou ao menos

mais certeiro) e, de resto, indispensável para que a experiência do sonar não

ficasse apenas como memória de uma estréia afortunada.

Desnecessário destacar que é pouca senão nula a relação entre o sistema

tecnológico que começa, ainda que algo erraticamente, a ser erigido e o sistema

industrial, em construção mais avançada. De um lado, o catching up produtivo

encontrava-se ainda em estágio muito inicial para que pudesse se esperar

interesse significativo das empresas em perceber o conhecimento científico ou o

conhecimento tecnológico mais elaborado, paracientífico, como insumo de seu

interesse. De outro, a própria menção ao possível papel que o esforço tecnológico

poderia ter sobre o desenvolvimento econômico nacional é rara ou vaga, em que

pese a efervescência do discurso desenvolvimentista-industrializante.

No caso brasileiro, desenvolvimento e tecnologia passaram a se vincular

por meio da associação entre dependência e não-desenvolvimento. Obviamente,

não se tratava de uma associação medida, aferida, muito menos tema dos

economistas da época, mas de uma percepção forte e bastante presente, ainda

que difusa, que via na autonomia tecnológica uma dimensão importante do

desenvolvimento. O avanço tecnológico nacional tinha, nessa elaboração,

consequências econômicas importantes, mesmo que não facilmente visíveis ou

mensuráveis. Isso posto, pode-se dizer que no Brasil do desenvolvimentismo pré-

1964, a C&T passava a ser tratada essencialmente como um bem meritório, sem,

contudo, perder seu caráter de bem público.

Quanto ao grau de ativismo estatal, o setor público passou a deter

protagonismo mais nítido nesse segundo momento, ainda que esse papel

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mantenha elementos de ações ex post facto, característicos do momento anterior,

na medida em que militares e constituintes tiveram papel relevante nas medidas

adotadas, as quais, ademais, refletem uma alteração do cenário internacional.

Portanto, três elementos revelam-se importantes para explicar como o maior

ativismo estatal foi possível: o papel dos militares, então com grande prestígio; a

redemocratização, que permitiu a vazão das pressões do pequeno mas legitimado

grupo de cientistas brasileiros (ao menos sob o domínio do modelo da big

science), com especial destaque para o CNPq; e, não de somenos, a nova ―regra

do jogo‖ internacional, já que parece implausível que a afirmação de poder militar

fosse capaz de mobilizar recursos avidamente requeridos para acelerar o catching

up industrial. Nesse sentido, e considerando a emergência do problema da

defasagem tecnológica como uma pauta reconhecida e legitimada da agenda

nacional, o protagonismo estatal assinalado não deve ser tomado como

testemunho de um grau elevado de insulamento, como pode parecer à vista

apressada.

Com efeito, justamente quando esses dois aspectos – a busca de

autonomia tecnológica voltada para o desenvolvimento econômico e o aumento

do papel proativo do Estado – se unem é que a história da C&T nacional entra em

um terceiro momento, como se verá a seguir.

4.2.4. O terceiro momento

4.2.4.1. A Constituição e a Lógica Peculiar do Novo Modelo

É entre o final dos anos 1960 e meados dos 1970 que se concentra o mais

sistemático esforço de o Brasil converter seu então nítido catching up industrial

em catching up tecnológico. É difícil superestimar sua importância para o avanço

da C&T nacional, e, menos direta e mais difusamente, para a capacidade

tecnológica da indústria brasileira.

Embora eventos como a expansão do sistema Capes, definida em 1964, o

projeto de lei de criação do MCT, em 1963, ou a fundação da Coppe, também em

1963, indiquem tanto o aumento da autonomia da iniciativa estatal de aceleração

na construção de um sistema avançado de C&T como sua crescente identificação

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151

com a pesquisa e a pós-graduação acadêmicas; o terceiro momento da C&T

brasileira é inaugurado apenas com a criação do FNDCT, em 196978, principal

funding sobre o qual a Finep atuaria, demarcando o finalde sua constituição

apenas com a criação do MCT, em 1985.

Mais que a extensão do seu período de constituição, contudo, é específica

ao terceiro momento a profundidade da ruptura que representa, a qual pode

sugerir, a partir de uma análise apressada, que o Brasil sai de um conjunto

desarticulado, e quase casuístico na sua falta de objetivos, de medidas de apoio à

C&T até os anos 1960 para um sistema de inovação, ou ao menos de

aprendizagem tecnológica, completo e bem articulado no início dos anos 1980.

Mais ainda: na medida em que a partir da desmontagem do II PND, a C&T deixa

de ser prioridade, o fato de que esse conjunto mantém-se praticamente o mesmo

(ainda que menos pujante financeiramente) evidencia um elevado grau de

autonomia em relação às vicissitudes da política e das mudanças de governo.

Com efeito, é inequívoco que, de muito pouco, chega-se a um verdadeiro

sistema de promoção de C&T em pouco mais de uma década. De fato, a

construção institucional empreendida e parte significativa do rol de ações que dela

emanaram foram conscientemente designadas como um sistema – o sistema

nacional de desenvolvimento científico e tecnológico, SNDCT. Esse sistema,

ademais, explicitamente visa unir produção a científica realizada em

universidades e o avanço tecnológico empresarial, em particular nas empresas

privadas de capital nacional.

Coerentemente, em sua origem, o conjunto de órgãos componentes do

SNDCT caracterizava-se por uma extrema organicidade, a qual abarcava diversas

outras instituições cuja função precípua não era de fomento ao avanço

tecnológico mas, sem cuja contribuição a efetividade da ação dos órgãos centrais

do SNDCT seria significativamente reduzida. Essa unidade estratégica era dada

pelo papel de todo conjunto funcional para o desenvolvimento econômico, em

particular para o aumento da autonomia tecnológica brasileira, sugerindo, uma

vez mais, que se estava diante de nada menos que a formação de um NSI

brasileiro.

78 Por intermédio do Decreto-Lei 719, de julho daquele ano.

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O diagnóstico que servia de base a esse objetivo foi sendo processado

pelo núcleo de planejamento do Estado, à medida que as fragilidades do parque

produtivo e possíveis óbices ao desenvolvimento em geral iam sendo mais bem

identificados e delimitados79. Antes da criação do SNDCT, já no Programa

Estratégico de Desenvolvimento (PED), ainda na gestão de Costa e Silva, em

1967)80, a associação entre desenvolvimento econômico e avanço científico-

tecnológico aparece delimitada. Essa percepção ganha mais consistência e

objetividade em pleno ―milagre brasileiro‖, no Plano Básico de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (PBDCT) do I PND, de 1973, o qual define que se dê:

[...] prioridade à articulação do sistema de ciência e tecnologia com o setor produtivo, com a programação governamental e com as realidades da sociedade brasileira atual. A integração entre aquele sistema e as diferentes dimensões da sociedade em mudança permitirá a consequente e fecunda interação (BRASIL, 1972 apud Sales, 2002).

Mais adiante, é notável que a noção de NSI, ainda que em nível bastante

intuitivo, apareça sugerida:

A interação indústria-pesquisa-universidade [será] impulsionada mediante realização de programas conjuntos de pesquisa, em setores prioritários e, em grande dimensão, com participação de instituições governamentais de pesquisa, universidades e setor privado [...].

Mas é no II PBDCT, de 1976, que desenvolvimento industrial-empresarial e

avanço tecnológico são articulados de forma a superar a visão linear da política

de C&T, a qual não é mais compreendida como provisão de um bem público:

O Brasil está dando impulso ao desenvolvimento científico e tecnológico, em particular com um sistema de fundos e agentes especiais (FNDCT, FUNTEC, CNPq, FINEP, CAPES), que exercem, no setor, o papel que, por exemplo, o BNDE desempenha em relação às Indústrias Básicas.[...] [a] política de ciência e tecnologia não define autonomamente seus objetivos mas antes os deriva da própria estratégia nacional de desenvolvimento, as diretrizes e proposições contidas no plano científico e tecnológico para o período 1975/1979

79 A Embrapa foi criada em 1973 e o sistema de Emater regionais, em 1975 (embora a Emater de MG, por exemplo, tenha

sua origem em um órgão estadual muito mais antigo). Os NAIs, através dos quais as estatais eram amarradas à política de fomento tecnológico, em particular para o setor de bens de capital, são de 1976. 80

Ver Motoyama 2004 e Reis Veloso 2008

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resultam das necessidades de natureza científica e tecnológica decorrentes do projeto de desenvolvimento contido no II Plano Nacional de Desenvolvimento — PND, com vigência no mesmo quinquênio. Sob esse aspecto, ressalte-se que as novas ênfases sublinhadas pelas diretrizes de política econômica contidas no II PND e os aperfeiçoamentos dos instrumentos e medidas mobilizados implicam em acentuar a importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o cumprimento dos objetivos da estratégia nacional de desenvolvimento econômico e social. (BRASIL, 1976 apud SALES, 2003 p. 186-188).

Em particular, manifesta a percepção de que o catching up produtivo

depende do catching up tecnológico, ao mesmo tempo que extrapola a percepção

de que a ciência é alavanca essencial para a necessária elevação da

competitividade das empresas nacionais:

Caracterize-se, nesse sentido, a economia brasileira como tendo atingido um estágio avançado no processo de industrialização no qual se configurou um sistema econômico com participação de empresas públicas e de economia mista nas atividades produtivas e com a presença, não raro, do capital estrangeiro nos setores industriais mais dinâmicos. Como contrapartida, assinalem-se as condições desfavoráveis de competitividade em que se encontra, frequentemente, a empresa privada nacional. As peculiaridades apontadas têm consequências importantes do ponto de vista da formulação da política de ciência e tecnologia. Embora tal configuração seja o resultado da própria dinâmica do processo brasileiro de desenvolvimento, postula-se como um objetivo de política econômica contrapor-se à tendência natural ao acentuamento dessas características, através do fortalecimento da empresa nacional. Tais intenções se inserem no quadro das opções básicas da estratégia de desenvolvimento econômico proposta desde o I PND e contêm implicações significativas sobre a política científica e tecnológica (BRASIL, 1976 apud SALES, 2003, p. 189-190).

Com certeza, os planos que delimitam grande parte da política econômica

―de longo prazo‖ dos governos Costa e Silva até Geisel, não são de C&T e,

apesar de colocarem o desenvolvimento econômico como o mais crucial dos

objetivos a serem buscados, extravasam a economia em sentido estrito. Não

obstante, e a despeito das diferenças de abrangência, de objetividade e de

articulação entre os diversosdocumentos ilustrativos do novo momento no

desenvolvimento da C&T brasileira, e mesmo de uma mudança de enfoque (por

exemplo: enquanto no PED o aumento do domínio tecnológico viria naturalmente

acompanhado de maior coerência entre as técnicas produtivas adotadas e as

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dotações de fatores de produção existentes81, essa noção se dilui no I PBDCT, de

1973, e está ausente do II PBDCT, de 1976, apesar de este plano expressar um

nível de importância relativa da C&T no conjunto da política econômica que, salvo

erro, jamais voltou a acontecer), a importância da C&T para o desenvolvimento

econômico do Brasil é uma questão que une o PED e os dois PNDs. Mais ainda:

a importância da C&T é crescente e mais bem articulada com o aspecto produtivo

e empresarial do desenvolvimento.

Ao longo dos três planos, vai-se caminhado de uma noção de promoção da

C&T como desejável para o desenvolvimento em geral e para o aumento da

autonomia nacional, para a de que seu papel fundamental é econômico e,

coetaneamente, de uma relação mais difusa entre C&T e economia, para uma

clara vinculação entre aquela e o aumento da capacidade tecnológica das

empresas instaladas no Brasil, em particular das empresas privadas de capital

nacional (tidas como especialmente frágeis no conjunto do ―tripé‖, ao mesmo

tempo que especialmente relevantes para o desenvolvimento econômico). Ao fim

e ao cabo, do PED ao II PBDCT, torna-se nítida a percepção de que é preciso

avançar no domínio tecnológico de forma a permitir que a industrialização alcance

estágios mais sofisticados82.

Embora as informações para o período sejam precárias e assistemáticas,

ao que tudo indica, os anos 1970 correspondem ao único período em que o Brasil

efetivamente logrou um aumento sensível do gasto em P&D, o qual era próximo

de 0,2% do PIB no início da década e alcança algo como 0,7% no final83. É

evidente que grande parte desse aumento foi realizada diretamente pelo governo

ou foi induzida pelo uso dos instrumentos criados no âmbito do SNDCT.

A evolução da concessão de crédito subsidiado no período mostra que as

ações de política de C&T foram decisivas para que tais resultados tenham sido

alcançados. A tabela 4.1, a seguir, evidencia a aceleração dos dispêndios no

SBDCT, sobretudo na segunda metade dos anos 1970.

81 ERBER et alii, 1985; SEPLAN, 1967.

82 Veloso, 2007 e SEPLAN, 1976.

83 Esse é o número com que SUZIGAN, 1998 e MOTOYAMA, 2004 trabalham. As informações contidas no projeto do II

PBDCT confirmam que se buscava dobrar o gasto em cruzeiros nominais, induzindo à conclusão de que não houve falta de prioridade na realização do plano. Também as informações compiladas por ALMEIDA, 2009 vão nessa direção. No capitulo seguinte, comentamos a evolução do gasto brasileiro total de P&D, baseados na pesquisa de ERBER et alii, 1985 e de DAHLMANN; FRISCHTAK. De forma geral, esse alcança 0,7% do PIB na segunda metade dos anos 70, com participação estatal de aproximadamente 70%, embora estes últimos autores sugiram um aumento nessa proporção para até 90% entre o final dos anos 70 e início dos anos 80. Nos anos 90 essa participação situa-se próxima de 1%, com o gasto público perfazendo pouco mais de 60%.

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155

Tabela 4.1 – Evolução dos gastos do subsistema Finep-FNDCT nos anos 1970,

em R$ de 200684

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos)

.

As evidências são eloquentes. O terceiro momento na formação do sistema

federal de C&T inicia-se com uma ruptura liderada pela iniciativa estatal em

relação à evolução anterior, letárgica até, pelo menos os anos 1950, coerente

com um esforço tecnológico total na faixa de 0,2 a 0,3% do PIB. Ainda nos

marcos do PED, há uma notável expansão dos desembolsos do FNDCT, os quais

crescem quase 50% em termos reais ao ano (até 1974). Daí em diante, esse

ritmo desacelera-se um pouco, mas sob um contexto diverso: parte significativa

do aumento dos recursos acontece por via de desembolsos da Finep em sentido

estrito, isto é, como agente de financiamentos voltados para empresas, públicas e

não públicas. Em 1976, mais de R$ 2 bilhões (valores de 2006) são destinados ao

84 As tabelas 4.1, 4.6, 4.7, 4.9, 4.11, 4.12, 4.13, 4.14, 4.15 e 4.16 são todas excertos de uma única tabela em que foram

consolidadas informações sobre os principais dispêndios federais em política de CT&I entre 1969 e 2009, tomando por base as fontes referidas ao pé de cada uma dessas tabelas (apesar de cada tabela individualmente não empregar diretamente todas fontes), em comparação com variáveis macroecon. Os dados sempre foram corrigidos pelo IPCA para o ano que se julgou pertinente. Há algumas quebras metodológicas (por exemplo, quanto à demarcação entre o MEC e oMCT sobre quais rubricas deveriam ser consideradas como parte da PC&T, no final dos anos 90), as quais, quando conhecidas, foram explicitadas. Os dados para alguns anos foram projetados com base na taxa média de variação entre um ano anterior e outro posterior, quando a trajetória não apresentava grandes descontinuidades

A C N A U S C A D T E N T O T A L

1 9 6 9 – 3 4 ,3 3 4 ,3 0 ,0 0 6 8 0 ,0 0 6 8

1 9 7 0 1 5 4 ,3 1 4 ,7 1 4 ,7 1 6 9 0 ,0 0 2 7 0 ,0 3 0 5

1 9 7 1 2 5 7 ,7 3 8 ,7 3 8 ,7 2 9 6 ,4 0 ,0 0 6 3 0 ,0 4 8 0

1 9 7 2 4 5 3 ,9 4 7 ,7 4 7 ,7 5 0 1 ,6 0 ,0 0 6 9 0 ,0 7 2 6

1 9 7 3 5 9 9 ,7 5 ,9 2 2 2 ,3 0 ,8 2 2 9 8 2 8 ,8 0 ,0 2 9 1 0 ,1 0 5 3

1 9 7 4 9 0 9 ,6 4 4 ,9 2 8 1 1 3 3 3 8 ,9 1 .2 4 8 ,6 0 0 ,0 3 9 8 0 ,1 4 6 7

1 9 7 5 1 .0 7 4 ,7 0 9 2 ,6 4 6 4 ,6 4 2 ,9 6 0 0 ,1 1 .6 7 4 ,8 0 0 ,0 6 7 0 0 ,1 8 7 1

1 9 7 6 1 .1 0 4 ,2 0 3 8 ,4 6 3 4 ,7 2 2 5 ,8 8 9 9 2 .0 0 3 ,2 0 0 ,0 9 1 1 0 ,2 0 2 9

1 9 7 7 1 .0 3 9 ,8 0 4 0 2 3 9 ,1 2 4 3 ,1 5 2 2 ,2 1 .5 6 2 ,0 0 0 ,0 5 0 4 0 ,1 5 0 8

1 9 7 8 1 .4 5 2 ,5 0 2 2 ,2 3 9 8 ,9 2 6 9 ,6 6 9 0 ,7 2 .1 4 3 ,1 0 0 ,0 6 3 5 0 ,1 9 7 1

1 9 7 9 1 .1 5 8 ,4 0 1 9 ,3 3 0 6 ,3 2 3 9 ,1 5 6 4 ,7 1 .7 2 3 ,1 0 0 ,0 4 8 6 0 ,1 4 8 4

1 9 8 0 1 .0 2 7 ,8 0 2 8 8 ,4 1 .3 1 6 ,3 0 0 ,0 2 2 7 0 ,1 0 3 8

1 9 8 1 7 2 1 ,3 2 7 0 ,8 9 9 2 ,2 0 ,0 2 2 3 0 ,0 8 1 7

1 9 8 2 6 8 0 ,5 2 7 7 ,6 9 5 8 ,1 0 ,0 2 2 7 0 ,0 7 8 3

% F IN E P /

P IB

% (F IN E P +

F N D C T )

/P IB

A n o F N D C T

F IN E PF IN E P +

F N D C T

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156

fomento à C&T apenas por esses canais, dos quais, 899 milhões (pelo menos, já

que parte dos recursos do FNDCT poderiam estar destinados a projetos com

empresas ou ao menos do interesse de empresas ainda que executados

fundamentalmente em universidades85) possuem elevado impacto sobre a

capacitação tecnológico-científica empresarial, correspondendo às operações

ADTEN e a gastos com os respectivos projetos.

Como proporção do PIB, ao longo do PED o total de dispêndios atinge

0,05%, dos quais pouco mais de 1/10 são devidos à ação da Finep em sentido

estrito. Esse percentual atinge 0,18% ainda na vigência do I PBDCT, ao mesmo

tempo que a participação da Finep, com destaque para as operações ADTEN,

perfaz mais de 1/3 desse total. Durante o II PBDCT, esse patamar se mantém por

4 anos, até 1979, e chega a alcançar 0,2% do PIB em dois anos – proporção que

corresponde a mais que o dobro do realizado em 2008, ano considerado

excepcional no período recente86.

4.2.4.1.1. Nem modelo linear de PC&T nem NSI

Não é fácil conceituar esse conjunto de ações de governo. Há diversos

elementos de uma política de C&T presentes, mas o grau de destaque dado à

indução da demanda dos capitalistas por esforço tecnológico sugere que uma

percepção mais integrada de política de C&T e de política industrial informou a

concepção dos planos. Pergunta-se: teria um país periférico ―inventado‖ um

sistema nacional de inovação antes de o mesmo ser assim denominado pela

vanguarda do schumpeterianismo no final dos anos 1980, tendo por inspiração os

capitalismos avançados do Japão e, em menor medida, da Escandinávia?

Certamente não: primeiro, como visto, NSIs não são construtos a partir de

uma decisão ou de um grupo de decisões estatais, por mais que essas tenham

tido importância decisiva em seu surgimento e provavelmente sejam de fato

indispensáveis para que se constituam. NSIs, como destacam Nelson e

Rosenberg, têm firmas como seu ente fundamental – firmas que agem desde

decisões perfeitamente autônomas, dados os recursos próprios e a rede

85 Ferrari (2002) narra especificamente o caso da Biobrás, criada praticamente por indução da Finep a partir de um projeto

de ampliação dos laboratórios de química da UFMG. 86

Embora se deva esperar que os gastos do FNDCT em sentido estrito, agora destinados aos fundos setoriais, alcancem ainda mais as empresas ou tenham propósitos tecnológicos. No capítulo seguinte se verá até que ponto isso de fato acontece.

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―cooperativa‖ que podem mobilizar – e seu sentido não decorre das decisões

estatais, senão que é dado ex post, mercê da articulação que se constitui, com

alto grau de espontaneidade, entre empresas, ICTs e Estado. NSIs são afins a

Estados regulacionistas, conforme exposto no capítulo 2.

Em segundo lugar, as firmas constituintes desses sistemas, ao contrário do

SNDCT brasileiro dos anos 1970, tomam decisões levando em conta sinais

emanados dos mercados relevantes em que atuam, além de terem por moto, em

suas condutas criativas, a busca de sobrelucros, em clara oposição a decisões

voltadas ao aumento da capacitação tecnológica per se, induzidas por elevado

nível de intervencionismo, o qual tem no cálculo capitalista um elemento de

restrição em uma função de maximização.

Diferente seria afirmar que o SNDCT conduz, sob certas condições, à

constituição de um NSI brasileiro, considerando que o caráter até certo ponto

auto-regulado e autônomo em relação ao ativismo estatal que os NSIs realmente

existentes possuem foi construído direta e indiretamente (mesmo que não

ostensivamente) por ação estatal. É possível, sem dúvida. Mas sobre isso se

pode apenas especular.

Na verdade, ao que tudo indica, o modelo do II PBDCT é menos

compreensível pelo recurso aos modelos abstratos conhecidos do que pela

comparação com outras experiências históricas, como as da Coréia do Sul e, em

menor medida, do Japão. Embora vários outros países tenham de alguma forma

procurado acelerar o desenvolvimento científico-tecnológico por seus efeitos

sobre a economia já a partir dos anos 1960 (e daí em diante, obviamente), a

busca efetiva de planejamento e coordenação – e a percepção explícita de que a

autonomia nacional tem seu cerne no aumento mais qualitativo que quantitativo

do parque produtivo e que o caminho para esse avanço dependia crucialmente de

um aumento da capacidade científica e da aproximação da indústria ao

incremento da oferta científico-tecnológico, aproximação essa guiada pela ação

discricionária do Estado – é crivada de semelhança com as políticas de

desenvolvimento levadas a cabo na mesma época pela Coréia do Sul e, salvo

erro, em Taiwan87.

87 Ver KIM, 2004a; 2004b e 1993; AMSDEN, 1992 e, sobre Taiwan, WADE, 1990 e WHITE, 1991.

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158

4.2.4.1.2. Limites do II PND como política industrial

Não se deve, entretanto, daí induzir que um esforço de catching up

tecnológico ou mesmo de fomento à C&T muito maior do que o atual estivesse

sendo realizado coetaneamente ao II PND, pois:

- não se dispõe de todos gastos com C&T;

- parte significativa do FNDCT virou estrutura de pós-graduação em

universidades;

- as estatais realizavam esforços próprios sem recorrer à Finep;

- por meio dos NAIs, as estatais induziam gastos em P&D por parte das

empresas privadas, inclusive buscando esforços tecnológicos em si mesmos; e

- por outro lado, não existiam, ao menos não de forma explícita e

sistemática, benefícios fiscais para P&D e para inovação, como os atuais;

Apesar dessas dificuldades, algumas observações podem ser feitas quanto

ao aumento do esforço tecnológico empresarial durante o período como um todo.

Como já se observou, os PBDCTs devem ser compreendidos dentro dos

PNDs. Embora o ministro Reis Veloso, principal autor dos documentos, tenha

notado que ele, como ao menos o Presidente Geisel, tivesse especial

compreensão da importância da C&T por seu papel econômico empresarial (ou

seja, da CT&I, em termos atuais), e que deveras os documentos mencionem

explicitamente essa importância, inclusive destacando setores de alta intensidade

tecnológica como cruciais para o avanço produtivo do país, há que ser cauteloso

com o que efetivamente foi realizado. Por mais que simpatizassem com a noção

de transformar a política de C&T no baluarte do desenvolvimento econômico, o

ministro e o presidente estavam constrangidos por elementos, tais como a crise

energética e a baixa demanda por importações de outros países, aos quais se

somaram a crescente perda de dinamismo da economia brasileira a partir de

1977.

Ainda assim, a União, em especial, foi capaz de sustentar uma

impressionante política anticíclica baseada em um volumoso bloco de

investimentos que visava à transformação estrutural do parque produtivo e, assim,

da economia nacional como um todo.

A participação estatal na expansão da capacidade produtiva da economia

já era significativa em 1970. Não obstante, mantém-se acima de 40% durante

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159

todo o período correspondente ao II PND (para se ter uma idéia, em nenhum

momento do pós-real esse percentual chegou a atingir 10%88).

Tabela 4.2 – Importância do investimento público na FBKF nos anos 1970,

com destaque para o período do II PND

Segundo Erber, apenas três grandes centros de pesquisa das estatais

(Cenpes, CPqD e Cepel) equivalem a 10% de todo esforço de C&T brasileiro. Em

adição, os NAIs constituíam parte decisiva da lógica do ―modelo SNDCT‖, sendo

isoladamente talvez a maior fonte de indução pelo lado da demanda de esforço

tecnológico, não necessariamente coberto com P&D, mas com frequencia

incluindo desafios tecnológicos que obrigavam os fornecedores a irem além de

seu padrão produtivo corrente, seja em termos de qualidade, seja em termos do

rol de itens já existentes89.

Em conjunto, dificilmente esses elementos não mais superariam o fato de

que apenas parte dos dispêndios do FNDCT serem diretamente destinados à

ciência aplicada e ao avanço tecnológico ―em geral‖ (ao aumento da capacidade

de ―invenção‖, poder-se-ia dizer). Ademais, certamente o país estava atrasado em

oferta de conhecimento científico como tal. Seria inapropriado deduzir do fato de

que o FNDCT foi grandemente dispendido em simples aumento da oferta de

conhecimento científico, uma vez que, ao contrário do que acontece atualmente, o

país padecia de capacidade científica stricto sensu. Assim, o ―desvio‖ de uso de

88 PIRES, 2009.

89 Paulinyi e Costa (1988) estimam que as estatais eram responsáveis por uma demanda a fornecedores nacionais de, em

média, US$ 600 milhões – aproximadamente R$ 6,5 bilhões de 2008 – ao ano, entre 1977 e 1981.

Investimento 1970 1974 1975 1976 1977 1978 1979

FBKF COMO

% DO PIB22,3 24,2 25,4 23,7 21,9 22 21,5

PRIVADO 61,2 60,2 58 57,6 56,9 57,5 56,3

PÚBLICO 38,8 39,8 42 42,4 43,1 42,5 43,7

ADM. DIR. 18,5 16,5 16,9 17,7 17,5 16,1 15

SPEs - 15,1 16,3 16,8 18,8 20,3 20,8

ESTATAIS 20,3 23,3 25,1 24,7 25,6 26,4 28,7

Fonte: COUTINHO,L; Reichstul, H-P 1983

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160

instrumentos dedicados ao catching up tecnológico para aceleração do progresso

científico como tal não só era relativamente pequeno, como fazia parte de um

conjunto coerente de ações cujo sentido era, ainda assim, claramente econômico.

Desse modo, não há indícios de que a lógica do sistema fosse apenas

discurso, como os elementos existentes sugerem uma dominância pela demanda

da política de C&T do período: ela tanto tinha por objetivo suprir as necessidades

já detectadas para a continuidade do catching up, como era bastante articulada,

via estatais e via plano, por meio da criação de demanda derivada dos

investimentos, dirigidos para a mudança estrutural.

Ora, conforme observado nos capítulos iniciais, o fomento à inovação em

economias menos desenvolvidas tem de passar pela alteração decidida dos

parâmetros do cálculo capitalista, vale dizer, deve alterar a demanda por inovação

(e por aprendizagem tecnológica).

Os PNDs, contudo, buscavam a mudança tecnológica em um sentido

peculiar: o da autonomia nacional. Assim, não é surpreendente que, em que pese

a explicitação de que o avanço tecnológico em sentido lato seria o principal alvo

dos PNDs (cf. BRASIL apud SALES, 2003a, p. 184) e de que era importante

migrar para indústrias novas como química fina e eletrônica (BRASIL apud

SALES, p. 192), os ministros da época enumerassem como projetos cruciais do

governo, em ordem decrescente de importância: prospecção de petróleo;

expansão da siderurgia; transportes urbanos; saneamento básico; ferrovia do aço;

telecomunicações; III pólo petroquímico; programa rodoviário; programa nuclear,

Itaipu (cf. CASTRO, 1985, p. 43) (apud castro).

As metas dos planos, de resto, não reservavam especial espaço para as

indústrias de alta tecnologia. O sentido da autonomia era menos o de

competitividade diante dos concorrentes externos e mais a de não dependência

em relação ao instável capitalismo dos anos 1970, como ilustra a próxima tabela,

na qual estão listadas asmaiores metas de expansão de capacidade e/ou de

produção até o final do II PND:

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161

Tabela 4.3 – Prioridades de investimentos realizados no âmbito do II PND

Fonte: LESSA, 1987.

A mudança estrutural que o país experimenta em torno do II PND

(alcançando uma relação de alta e baixa intensidade tecnológica de 0,75 no início

dos anos 1980, como se verá no capítulo seguinte) não deve ser menosprezada,

mas correspondeu ao aumento da indústria de base e, entre as de maior

intensidade tecnológica, apenas parte da química e do setor de máquinas e

equipamentos – muito de acordo com as metas acima listadas, aliás.

A tabela 4.4 evidencia a correspondência entre estas e os resultados

alcançados de forma mais abrangente:

S e to re s

c re sc i

m e n to

%

L a m in a d o s p la n o s e p e r f is p e sa d o s 2 2 0

Á c id o su lf ú r ic o 2 4 4

C lo ro 1 7 9

D e te rg e n te s 1 7 8

A ç o e m l in g o te s 1 5 9

C o n s tru ç ã o n a v a l 1 7 8

M in é r io d e F e rro 1 3 0

R e s in a s te rm o p lá s t ic a s 1 1 8

M in é r io s n u c le a re s 1 1 7

E la s tô m e ro s 6 6

T ra to re s 9 1

M a q u in a r ia m e c â n ic a e e lé tr ic a 7 9

P ro d u ç ã o d e p e tró le o 2 6 4

F e rro v ia s 1 2 4

F e rt l iz a n te s e d e fe n s iv o s 1 0 8

B K - to ta l 7 0

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162

1 9 6 9 1 9 7 3 1 9 7 6 1 9 7 8 1 9 7 9 1 9 8 1

T o ta l 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0

In d ú s tr ia s e x tra t iv a s e d e p ro d u to s m in e ra is 2 ,8 3 2 ,4 7 2 ,4 4 2 ,4 8 2 ,5 6 2 ,6 5

In d ú s tr ia d e tra n s fo rm a ç ã o 9 7 ,1 7 9 7 ,5 3 9 7 ,5 6 9 7 ,5 2 9 7 ,4 4 9 7 ,3 5

P ro d u to s m in e ra is 2 ,8 3 2 ,4 7 2 ,4 4 2 ,4 8 2 ,5 6 2 ,6 5

M in e ra is n ã o -m e tá l ic o s 5 ,6 6 4 ,8 7 5 ,8 0 5 ,7 3 5 ,3 3 5 ,3 4

M e ta lú rg ic a 1 1 ,1 1 1 1 ,6 4 1 1 ,4 9 1 1 ,7 3 1 1 ,9 7 1 0 ,5 9

M e c â n ic a 5 ,8 3 8 ,5 0 9 ,9 6 9 ,9 4 9 ,7 6 1 0 ,3 9

M a te r ia l e lé tr ic o e m a te r ia l d e c o m u n ic a ç õ e s 6 ,0 8 5 ,5 9 5 ,6 8 6 ,4 3 5 ,9 9 6 ,6 2

M a te r ia l d e t ra n sp o rte 8 ,4 0 7 ,3 8 7 ,0 3 7 ,4 9 6 ,3 2 7 ,0 3

M a d e ira 2 ,5 4 3 ,1 4 2 ,5 0 2 ,2 9 2 ,3 1 2 ,1 0

P a p e l e p a p e lã o 2 ,5 8 2 ,9 0 2 ,4 7 2 ,5 4 3 ,0 8 2 ,4 3

B o rra c h a 2 ,0 2 1 ,7 5 1 ,4 9 1 ,6 1 1 ,4 2 1 ,3 2

C o u ro s e p e le s e p ro d u to s s im ila re s 0 ,6 1 0 ,6 8 0 ,5 5 0 ,6 1 0 ,6 1 0 ,4 2

Q u ím ic a 1 0 ,0 5 1 0 ,2 5 1 2 ,2 6 1 2 ,1 7 1 3 ,1 9 1 5 ,3 9

P ro d u to s fa rm a c ê u t ic o s e m e d ic in a is 3 ,7 8 3 ,1 8 2 ,4 3 2 ,0 5 1 ,9 1 1 ,9 3

P ro d u to s d e m a té r ia s p lá s t ic a s 1 ,7 3 2 ,2 8 2 ,3 4 2 ,2 7 2 ,3 0 2 ,1 0

T ê x t i l 9 ,8 0 9 ,0 5 6 ,6 4 6 ,0 2 6 ,5 5 6 ,0 7

V e s tu á r io , c a lç a d o s e a r te fa to s d e te c id o s 2 ,7 5 3 ,5 0 4 ,2 2 4 ,0 1 4 ,3 7 4 ,1 7

A lim e n to s , B e b id a s e F u m o 1 6 ,5 7 1 4 ,5 1 1 3 ,2 4 1 3 ,5 1 1 3 ,1 8 1 2 ,7 4

Tabela 4.4 – Mudança setorial na indústria brasileira ao longo dos anos 1970

Fonte: SIDRA/IBGE.

É verdade que foi também nos anos 1970 que o Brasil experimentou a

maior transformação em suas relações comerciais com o resto do mundo. As

exportações mudaram sua composição e cresceram rapidamente, sobretudo no

início da referida década e da seguinte. Na metade dos anos 1980, mais de 50%

correspondiam a bens manufaturados, proporção que era de pouco mais de 15%

em 1969. Com isso, passaram de menos de 0,2% para 0,9% das vendas

internacionais em 1985 (sendo o total de 1,3%). As importações também

responderam aos estímulos, pois parte significativa dos bens cuja absorção

interna era predominantemente suprida por compras externas – caso de bens de

capital – passa a ser dirigida para a produção interna. O mesmo ocorre com

diversas outras indústrias, as quais, respondendo aos esforços maciços de

investimentos voltados à mudança estrutural, aumentam decisivamente a parcela

da oferta nacional no atendimento à demanda.

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163

Não obstante, todos os casos notáveis equivalem com precisão aos

principais focos dos PNDs, como manifesto em suas metas. Além de bens de

capital, apenas alguns ramos da química correspondem a produtos de maior

intensidade tecnológica. Ademais, como se pode observar, naquele grupo de

indústrias, o ganho relativo da substituição de importações foi, apesar de

expressivo, significativamente mais modesto que o de setores de menor

intensidade tecnológica.

Tabela 4.5 – Alterações de algumas competitividades setoriais relativas

devidas ao impacto do II PND

Fonte: Castro, 1987.

Assim, uma das dificuldades que o SNDCT teria para enraizar-se no meio

empresarial é o fato de que o esforço de aproximação entre C&T e produção

levado a cabo pelas empresas estatais, direta e indiretamente, e o de

direcionamento da oferta científica para a criação tecnológica não teria

correspondência ―natural‖ nos setores que foram privilegiados pelo plano. Não se

trata de criticar as escolhas: elas teriam de levar em conta o momento vivido e

também aproveitar as linhas de menor resistência à mão. O ministro Veloso (ver

LESSA, 1985) não ignorava que a disponibilidade de recursos naturais não era

garantia mínima de desenvolvimento. Contudo, era preciso, em algum momento,

dar resposta ao problema do balanço de pagamentos.

O uso de mecanismos de indução pela demanda do aprendizado

tecnológico, mas setorialmente enviesado em prol das indústrias de base e

produtoras de insumos, não poderia deixar de produzir resultados importantes,

mas mais modestos que se tivessem sido concentrados em setores cujo padrão

concorrencial favoreceria o ―empurrão‖ governamental. Tão ou mais decisivo que

essa decorrência, contudo, é o fato de que o sistema montado, conquanto

IM P O R T

IM P O R T

S U B S T I

T

G a n h o

R e la tIM P O R T

IM P O R T

S U B S T I

T

G a n h o

R e la tIM P O R T

IM P O R T

S U B S T I

T

G a n h o

R e la tIM P O R T

IM P O R T

S U B S T I

T

G a n h o

R e la tIM P O R T

IM P O R T

S U B S T I

T

G a n h o

R e la tIM P O R T

IM P O R T

S U B S T I

T

G a n h o

R e la t

M é d . 7 9 /8 0 3 3 ,8 - - 8 8 7 ,3 - - 5 1 7 ,3 - - 5 2 5 0 - - 4 5 5 ,7 - - 1 6 5 ,3 - -

1 9 8 1 2 0 ,1 9 0 4 ,4 7 7 6 3 8 0 ,9 7 7 7 ,7 2 ,0 4 1 7 3 4 8 ,8 3 5 4 ,2 1 ,0 1 5 5 4 4 0 0 7 5 0 0 ,1 7 0 5 2 3 8 ,3 2 5 1 ,1 1 ,0 5 3 7 1 5 6 ,5 - -

1 9 8 2 9 ,1 6 2 6 ,8 1 3 2 3 8 1 ,9 9 7 5 ,2 2 ,5 5 3 5 2 3 0 ,1 2 1 7 ,8 0 ,9 4 6 5 3 4 0 0 1 8 0 0 0 ,5 2 9 4 2 0 9 ,6 2 3 5 ,1 1 ,1 2 1 7 1 4 3 ,4 1 0 7 ,3 0 ,7 4 8 3

1 9 8 3 6 ,9 9 5 1 3 ,7 6 8 1 5 5 ,1 9 5 9 ,6 6 ,1 8 7 9 9 ,5 3 0 7 ,7 3 ,0 9 2 5 2 5 0 0 1 7 0 0 0 ,6 8 9 1 ,1 3 4 8 ,7 3 ,8 2 7 7 1 2 1 ,5 9 3 ,1 0 ,7 6 6 3

1 9 8 4 9 ,8 1 1 7 1 1 ,9 3 9 1 6 ,4 1 0 8 8 ,1 6 6 ,3 4 8 2 3 9 ,5 3 2 4 ,8 1 ,3 5 6 2 2 2 0 0 2 2 0 0 1 1 3 8 ,2 2 1 9 ,6 1 ,5 8 9 1 0 4 ,6 2 6 1 ,6 2 ,5 0 1

B E N S D E C A P IT A L Q U ÍM . IN O R G . P A P E L

A n o

C E L U L O S E Q U ÍM . O R G A N . F E R T IL IZ A N T E S

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164

fundado em razões econômicas e voltado ao avanço tecnológico, resultou ser

extremamente dependente da manutenção de alto nível de apoio estatal para que

pudesse se manter.

4.2.4.2. A latência

4.2.4.2.1. Noção esquemática da transformação do SNDCT em SBCT

Um conjunto de circunstâncias levou ao colapso do SNDCT ainda quando

grandes projetos do II PND estavam sendo postos de pé, outras políticas

industrial-tecnológicas, em particular, a de informática, estavam apenas

começando e, na verdade, o conjunto institucional no qual se plasmou e que

caracteriza o terceiro momento da C&T brasileira sequer havia sido, com a

criação do MCT, completado90.

Essa situação insólita tornou-se possível porque, em primeiro lugar, o

cerne lógico do SNDCT, o planejamento econômico, estava sendo desmontado

pela premência da política econômica de curto prazo, precisando gerar divisas em

quantidades crescentes a custos fiscais decrescentes, e, em segundo lugar,

porque a expansão vertiginosa do SNDCT nos anos 1970 facultou uma expansão

também expressiva da comunidade científica que reivindicara, nos tempos das

reformas de base, a criação de um ministério dedicado à promoção da C&T.

Em tese, o desfecho que se seguiu poderia ter sido outro caso o sistema

empresarial nacional tivesse reagido tão intensa e prontamente aos estímulos ao

esforço tecnológico criados pelo SNDCT como as estatais reagiram. Isso teria

ocorrido mais facilmente se o foco setorial dos PNDs fosse menos a autonomia

econômica e mais a ênfase em setores intensivos em uso de tecnologia de base

científica. Sem embargo, essa tese baseia-se na percepção de que o cálculo

capitalista é o vetor chave da efetividade de políticas em prol da mudança

estrutural. Assim, há que se admitir que muito provavelmente o conjunto de

choques que se abateram sobre a economia minaria a efetividade econômica de

90 Um indício decisivo de que a C&T brasileira ainda vive o mesmo ―momento‖ que foi inaugurado pela criação do FNDCT é

o fato de que a estrutura ―ampliada‖ do conjunto de órgãos responsáveis, principal ou acessoriamente pela política de C&T federal, é praticamente a mesma desde a fundação do MCT, e significativamente distinta da existente até o colapso do SNDCT apenas pela inclusão desse ministério. No anexo II, ilustra-se esse conjunto – ao qual chamamos SBCT não apenas pela inclusão do MCT e de mais um conjunto de órgãos de importância limitada (para a PC&T, evidentemente), mas, como será esclarecido a seguir, porque o que o anima é uma lógica essencialmente diferente. Dentre esses órgãos, estão as agências reguladoras, o COMASSE, o CCT, o CNDI e a ABDI.

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165

quaisquer políticas industriais e de C&T que estivessem sendo adotadas, na

medida em que a perda de espaço fiscal do Estado, conjugada com a drástica

redução da taxa de crescimento da demanda, e a instabilidade de parâmetros

elementares das decisões capitalistas de investimento impediriam que os

estímulos advindos daquelas políticas fossem significativos para alterar as

decisões.

Por outro lado, o surgimento de uma massa crítica de defensores

fervorosos do papel da C&T no desenvolvimento nacional, não apenas

econômico, em grande parte resultante justamente do esforço dirigista anterior,

levará o SNDCT a se transformar em algo responsivo a uma lógica distinta e

surpreendente. Essa resultante é chamada simplesmente de: Sistema Brasileiro

de fomento à C&T – SBCT. O surgimento, até certo ponto não planejado do

SBCT, levou ao estabelecimento de uma espécie de piso para os dispêndios

estatais, sobretudo federais, com o significativo conjunto de entidades criadas ou

adaptadas para comporem o SNDCT. Na verdade, esse piso é tendencialmente

crescente, uma vez que certa inércia indexada ao crescimento do aparato de pós-

graduação se estabelece a partir da rotinização e autonomização do SBCT em

algum ponto dos anos 1980.

Contudo, o que há de mais surpreendente é que a autonomização do

SBCT pouco tem que ver com a que caracteriza os NSIs. Trata-se de uma

autonomia em relação às diretrizes governamentais – resultante, em última

instância, da incapacidade do governo em fazer cumprir sua decisão de unir o

sistema de produção de C&T ao sistema empresarial – mas também em relação

ao meio empresarial e, na verdade, em relação à sociedade como um todo. Isso

porque a autonomia do SBCT ocorre em detrimento da autonomia estatal, no

sentido da autonomia face a interesses políticos mais imediatos que caracteriza

os estados desenvolvimentistas.

Ao mesmo tempo, o SBCT torna-se mais dependente do suporte do fundo

público, pois a continuidade de sua separação face ao sistema produtivo

empresarial o faz dotado de uma capacidade de gerar endogenamente sua pauta

de problemas, de forma apartada dos problemas nacionais. Como consequência,

o SNDCT, cujo sentido era suportar a expansão econômica do país sob domínio

desenvolvimentista, converte-se no SBCT, cuja lógica de funcionamento é

essencialmente política.

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166

A seguir, se verá com mais detalhe como isso ocorreu.

Ainda durante o governo militar, as turbulências macroeconômicas levam à

eventual paralisação e, em alguns aspectos, a um colapso, se não formal, ao

menos de facto de todo modus operandi do Governo Federal no pós-milagre.

Pode-se argumentar que a transição à ordem democrática, por mais gradual que

efetivamente tenha sido, contribuiu para a instabilidade. Não obstante, o essencial

do desmonte do esquema de governança da estrutura voltada para o

planejamento inicia-se no governo Figueiredo e, mais do que por decisão, a

severa restrição econômica passa a dominar, cada vez mais, a agenda do

governo.

Apesar de a inflação já beirar os 100% em 1979, apalavra de ordem torna-

se ajuste externo, sobretudo de 1981 em diante. O ajuste passou

fundamentalmente pela centralização das operações financeiras com o exterior,

verbi gratia por intermédio da estatização dos passivos externos, e, mais

nitidamente, por uma agressiva política de geração de superávits comerciais. O

câmbio e, até o limite do razoável, a política alfandegária são colocados a serviço

do aumento das exportações e, sobretudo, da redução das importações,

evidentemente sem qualquer preocupação com seus efeitos tecnológicos, de

forma que um aumento da proteção é empregado generalizadamente, em

completa inobservância ao princípio da abertura comercial crescente contido no II

PBDCT. Os estímulos fiscais são reduzidos ao mínimo, inclusive os subsumidos

em operações financeiras mediadas por agências públicas, salvo os voltados para

exportações. Da mesma forma, os programas de investimento e de fomento à

tecnologia industrial são levados ao mínimo indispensável, e, eventualmente,

caem abaixo disso. Como se não bastasse, a abrupta queda do PIB – cuja

variação anual cai ano a ano, passando de 8,5% em 1980 para -4,5% em 1983 –

desestimula investimentos em geral, em particular os que implicam em esforço (e

risco) inovativo significativo91. É esse o cenário ao qual Suzigan (1998. p. 102)

chama ―política industrial negativa‖.,

91 Ver Tapia, 1999; Motoyama, 2003; Guimarães, 1993.

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167

4.2.4.2.2. Estertores do II PBDCT

Paradoxalmente, é a fundação do Ministério da Ciência e da Tecnologia e a

elaboração do I Plano Nacional de C&T, com participação de cientistas e

pesquisadores em geral, em 1985, que marcam o fimdo período estruturante e

proativo do SBCT atualmente existente.

Vista em si mesmo, a constituição de um ministério específico para tratar

de C&T atesta o avanço que o tema obteve em menos de 20 anos, desde o fim de

sua ―infância‖. A confusão aumenta ao se ter em conta que esse ministério acaba,

por decisão do próprio Presidente eleito, Tancredo Neves, designado ao grupo

histórico do MDB, entre os quais se situava Renato Archer. Tal grupo, além de

representar a reivindicação de controle civil da área, era marcadamente

nacionalista.

Sem embargo, representava também a comunidade científica ou ao menos

extensa parte dela. O ideário típico do momento não era propriamente contra o

planejamento, mas certamente era a favor de decisões que emanassem das

bases ou ao menos de seus foros representativos. Essa ―má consciência‖ resulta

ser um ingrediente fundamental quando o grupo de C&T sofre sucessivas

derrotas em disputas com o grupo, entre outros, do Ministério das Comunicações,

liderado por Antônio Carlos Magalhães (apesar da aparente vitória na aprovação

da Lei de Informática). Embora não fosse pró-militares, era decerto um grupo

antinacionalista, que advogava a democratização do debate em relação ao poder

econômico constituído, representado pelos utilizadores de TICs, mas não pelos

poucos e recalcitrantes produtores existentes. O resultado para o grupo histórico

da C&T foi o recuo das trincheiras.

Aos poucos, esse grupo ―encontra seu espaço‖. Ao mesmo tempo, fica

patente para o alto comando do Estado que, do ponto de vista do cálculo político,

a C&T é uma clientela relativamente pouco onerosa, se não para controlar, ao

menos para satisfazer. Essa união de interesses está na base da fragmentação

das ações de C&T, que tanto preocupa nove em dez analistas de políticas e

burocratas de C&T no Brasil: a partir do momento em que sua promoção passa a

se dar na base do atendimento de demandas do tipo ―arm’s lenght‖, desvinculada

de uma estratégia mais geral focando o catching up tecnológico do parque

produtivo, fica mais inverossímil a interação entre universidades e empresas nas

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168

condições específicas de uma economia retardatária. Pior, na medida em que

essa lógica foi se consolidando, esse ―sistema‖ foi se enrijecendo e uma poderosa

inércia se estabeleceu a ponto de expressões como ―papel do Estado‖,

―estratégia‖, ―planejamento‖, ―visão de longo prazo‖ e ―desenvolvimento‖, apesar

de amiúde empregadas, frequentemente não significam quase nada.

A tabela abaixo congrega informações de dispêndios das três grandes

agências de gasto federal com C&T, as quais, embora não representem sua

maior parte, permitem aferir seja direção geral da prioriodade da política seja seu

viés mais pró-empresa ou mais pró-pesquisa acadêmica. Primeiramente, é

notável que, apesar da crise econômica e da perda de participação da receita

pública no PIB ao longo dos anos 1980, apenas os anos finais do Governo

Figueiredo e o Governo Collor são de clara perda de importância relativa da C&T.

O quadro geral, contudo, é de leve tendência de crescimento como proporção do

PIB, em que pese a nítida instabilidade dos gastos.

Tabela 4.6 – Gastos com grupos de ações da PC&T ao longo do período de latência do SBCT, em R$ de 2008 e como % do PIB

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos) Observações: Ver nota de rodapé 86

CNPq

valores de

2008

Toda C&T

federal

método

antigo

CNPq/PIB FINEPFINEP+

FNDCT3 grandes

1980 192,03 0,0128 0,0227 0,1038 0,1166

1981 300,19 0,0208 0,0223 0,0817 0,1026

1982 471,75 0,0325 0,0227 0,0783 0,1108

1983 362,54 0,0257 0,0190 0,0606 0,0863

1984 323,69 0,0218 0,0092 0,0388 0,0606

1985 524,53 0,0327 0,0174 0,0446 0,0774

1986 589,61 0,0342 0,0194 0,0591 0,0933

1987 916,08 0,0514 0,0546 0,0908 0,1421

1988 1131,65 0,0635 0,0248 0,0581 0,1216

1989 1151,40 0,0626 0,0056 0,0257 0,0884

1990 942,33 0,0536 0,0014 0,0160 0,0696

1991 1077,59 6195,87 0,0607 0,0046 0,0116 0,0722

1992 863,86 4573,02 0,0489 0,0299 0,0402 0,0891

1993 1676,65 5753,74 0,0905 0,0448 0,0616 0,1521

1994 1749,45 7352,62 0,0892 0,0117 0,0474 0,1366

Ano

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169

Por outro lado, pode-se observar uma tendência marcada de aumento do

foco na comunidade acadêmica, representado pelo CNPq, na destinação do

conjunto dos gastos, tendência essa observável mesmo relativamente ao PIB, a

qual só é interrompida em anos de recrudescimento da crise econômica.Em

contraste, a FINEP só alcança valores especialmente altos em anos relativamente

melhores, provavelmente em razão da concentração de operações realizadas sob

demanda empresarial92.

A Constituinte do final dos anos 1980, apesar do forte lobby da comunidade

científica (ou, eventualmente, por força desse lobby), consolidou uma visão (Arts.

218 e 219) bastante nacionalista (nesse aspecto, mais radical que o PBDCT e

acorde com o discurso da esquerda do MDB), mas sem ultrapassar o caráter ―de

gueto‖: prova disso é estar localizada próxima aos capítulos de educação e

cultura. Sua bandeira mais conhecida no período passa a ser a da segregação de

recursos para ―a área‖. De outro lado, cada vez mais distante da percepção dos

líderes desenvolvimentistas progressistas da época, o aumento da democracia e

de autonomia no interior do sistema passam a ser cada vez mais tratados como

fins em si mesmos. O aumento da importância do CNPq em detrimento da Finep,

ao mesmo tempo em que aquele órgão passa a seridentificado como ―o que

distribui bolsas‖, é bastante sintomático dessa tendência.

Naturalmente, disso não se depreende que inexista um discurso

conectando promoção de C&T com desenvolvimento, talvez até pelo contrário.

4.2.4.2.3. A diretriz da competitividade baseada em CT&I: primeiros movimentos

Já no II PND, conforme visto, o aumento da competitividade empresarial foi

explicitamente mencionada como um objetivo a ser buscado pela política de

desenvolvimento. Tratava-se de uma evidência de arrojo: a competitividade

empresarial não decorrente do mero aproveitamento de vantagens comparativas

estáticas, no bojo de um conjunto ambicioso de ações destinadas a superar o

subdesenvolvimento, refletiria o ―emparelhamento‖ das empresas nacionais frente

a suas concorrentes externas. O fato de esse objetivo estar referido no

subconjunto das ações voltadas para a C&T evidencia, ademais, a clareza de que

92 No capítulo 6 a lógica das operações da Finep é discutida mais detidamente.

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170

o problema tecnológico era um ponto-chave para que esse emparelhamento fosse

alcançado.

O discurso oficial pró-competitividade dos anos 1980, contudo, pretende-se

uma superação da lógica do plano e tem como pressuposto, salvo engano nunca

explícito, que o Brasil já não é um país industrializado, ou que simplesmente não

faz muita diferença para a formulação de políticas econômicas de longo prazo o

grau de desenvolvimento produtivo existente. Não que certas diferenças não

persistam, mas elas são diferenças essencialmente de grau e/ou dizem respeito

mais a idiossincrasias nacionais e não à condição atrasada, subdesenvolvida ou

periférica, afastando também os países desenvolvidos entre si.

Embora a visão pró-competitividade das políticas industrial e de C&T não

seja homogênea e tenha se alterado ao longo do tempo (como já ocorrera do II

PND para os anos 1980), é fundamental distinguirda visão estruturalista a

percepção de que C&T e atividade empresarial encontram-se em algum ponto,

vale dizer, que é ―natural‖ que empresas competitivas busquem suporte em

conhecimento externo para serem bem sucedidas, preservando ou aumentando

seu mercado.

Numa versão minimalista, a busca de eficiência e de competitividade

tecnológica se confundem, de forma que competitividade tecnológica é apenas a

utilização ótima de insumos cujas características são exógenas à firma. Nesse

âmbito, as decorrências normativas podem variar. Sem embargo, apesar de

firmas em equilíbrio já serem eficientes e, portanto, tecnologicamente

competitivas, a qualidade dos insumos pode alterar decisivamente as

consequências dessa eficiência. Por exemplo, com mão de obra mais qualificada,

empregos mais bem remunerados e/ou em quantidade maior serão mantidos e

gerados. Pode-se compreender que é assunto pertinente aos economistas as

políticas voltadas a alterarem a qualidade desses insumos, como definir o que

conta como qualidade.

Em outras versões, imperfeições significativas podem ofuscar ou impedir

que as firmas decidam adequadamente sobre o ponto ótimo de utilização de

insumos e, no limite, impedir que o encontro entre oferta e demanda tecnológica

empresarial aconteça – mais ou menos como ocorre no ―mercado de lemons‖, de

Akerlof. Ademais, a própria oferta pode ser inapropriada, já que os pesquisadores

e educadores obedecem a lógicas distintas das que movem os empresários,

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171

resultando em que o avanço do conhecimento, em especial o científico, pode se

dar em direções pouco adequadas para o avanço tecnológico.

Consequentemente, tal encontro pode depender de um maior direcionamento da

oferta e, do lado da demanda, desde a redução dos custos de transação até o

provimento de estímulos fiscais para o compartilhamento de riscos entre a

sociedade (representada pelo Estado) e a empresa.

Logo, políticas bastante complexas e abrangentes podem ser necessárias

para isso – políticas que dependem de elevada governança, de legitimidade social

e, evidentemente, de capacidade fiscal e financeira do Estado. Não obstante,

significativos esforços de formulação foram realizados nessa direção.

No governo Sarney, e ainda contando com alguma participação do grupo

mais desenvolvimentista de militantes da C&T, foi elaborada a ―Nova Política

Industrial‖ (NPI), que pretendia romper com a lógica protecionista e tímida em

relação à busca de mercados externos das políticas anteriores. Embora tenha

sido uma obra tardia da Nova República, elaborada em plena crise de

governabilidade e coetaneamente a uma política econômica ortodoxa,

visceralmente de curto prazo (já nos tempos de Maílson da Nóbrega), deve-se à

NPI a criação de um mecanismo fundamental de transição do modelo baseado na

lógica do plano das políticas industriais até o II PND, para a da indução pela

demanda, que caracteriza as políticas de competitividade (ou novas políticas

industriais) que se seguem: a ―troca‖ de proteção por estímulos à P&D.

Conjuntamente, a NPI propunha um conjunto amplo de incentivos à exportação,

os quais incluíam a desburocratização de processos (particularmente quando

envolviam a lógica de drawback, ou seja, a compra de insumos que gerariam

bens destinados ao mercado externo), a manutenção do programa Befiex (ainda

proveniente dos governos militares) e a criação de ―zonas de processamento de

exportações‖, as quais buscavam em particular atrair investimento externo para

as áreas de TICs.

Não obstante, a política de competitividade mais bem elaborada e completa

do período de latência é a Pice – Política Industrial e de Comércio Exterior – de

Collor. Alicerçada em um diagnóstico de médio alcance, a PICE lançou os

elementos fundamentais do que seriam diversas medidas isoladas que se

seguiram dela em diante, as quais basicamente aperfeiçoavam-na ou alteravam-

na. Vale dizer, a Pice consolidou uma espécie de referencial das políticas de

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172

competitividade e, até certo ponto, o que vieram a ser, mais recentemente, as

políticas de inovação tecnológica.

Três linhas de atuação foram distinguidas: a promoção de setores de alta

tecnologia (onde a política de informática reformulada foi encaixada); a promoção

da qualidade e do empreendedorismo (na qual estava o PBQP, o programa mais

bem avaliado de todos que compunham a política) e a Pacti – Política de Apoio à

Capacitação Tecnológica e Inovação – a qual incluía medidas de fomento à

capacitação tecnológica de empresas em geral, como as executadas no âmbito

do Padti.

Evidentemente, não é apenas a sigla que a designa que faz da Pacti uma

vanguarda das políticas de inovação atuais. Na verdade, ela propicia uma visão

mais integrada do conjunto de ações relevantes para a promoção da

competitividade e da inovação. Por exemplo, o tema do poder de compra do

Estado, que recentemente vem sendo tratado como uma ousadia, já era então

visto como um mecanismo importante a ser considerado. Também a defesa da

concorrência, reestruturada em 1994, era considerada como parte decisiva da

política de competitividade como um todo, em notável coerência com o enfoque

adotado93.

O Pacti e a Pice, apesar de a rigor pertencerem ao rol das políticas de

competitividade, também prenunciam a transição para as políticas de inovação,

ao superarem a preocupação mais imediata com exportações, voltando-se para a

construção ―estrutural‖ da capacidade competitiva. Como se verá, essa é uma

característica decisiva das políticas de inovação.

Foi ainda do ventre da Pacti que nasceu o programa Padti/Padta –

instrumento fiscal de promoção da CT&I por excelência –, na forma que vigorou

até bem pouco, quando teve seu foco deslocado da promoção da P&D para a

promoção da inovação94. Ao lado dos mecanismos da lei de informática, o

Padti/Padta permitiu uma notável retomada do gasto em C&T mais dirigido às

empresas, contribuindo decisivamente para a manutenção de gastos em P&D

93 É debalde sublinhar que o arrojo e coerência interna da PICE em primeiro lugar nada garantem sobre como e com que

prioridade foi posta em prática, em segundo, não impedem que outras políticas tenham mais que contra-arrestado seus efeitos, como deve parecer evidente à luz da fragilidade relativa de políticas de CT&I em afetar variáveis econômicas em países atrasadas, destacadas nesse estudo. ZUCOLOTTO (2009, p. 102-4) chama atenção em particular para os efeitos perversos da abertura econômica sobre a capacidade competitiva, sobretudo tecnológica, das empresas nacionais. Ver também SUZIGAN (1995). 94

O programa Padti/Padta entrou em extinção com a edição da Lei do Bem em 2005. Contudo, foi reformulado no FHC I, quando da piora das condições fiscais após a ―crise russa‖, em 1997-98. Ver MORAES, 2007 e De Negri, 2009.

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173

privados, em torno de 0,4% do PIB ao longo dos anos 1990, como a tabela 4.7, a

seguir, evidencia:

Tabela 4.7 – Evolução dos gastos com principias grupos de ações da PC&T

nos anos 1990, em R$ de 2008

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos). Observações: Ver nota de rodapé 86

Já a partir de 1993 esse conjunto de estímulos supera o conjunto Finep-

FNDCT em valor, exceção feita ao ano de 2001. É verdade que alguns desses

estímulos não se referem à inovação, como é o caso da isenção de importação

para compra de equipamentos pelo CNPq, correlacionada ao core do SBCT.

Ainda assim, pode-se perceber que o sentido pró-pesquisa acadêmica das

políticas durante o período de latência está longe de ser unívoco.

Outras medidas não analisadas evidenciam que, se a força inercial do

SBCT foi a principal fonte de movimento das ações de C&T, esteve longe de ser

única. Os PADCTs, por exemplo, inicialmente utilizados para evitar um

atrofiamento do aparato de pesquisa e de pós-graduação brasileiro – sendo uma

parcela destinada ao pagamento de bolsas em algumas ocasiões – em momentos

de acirramento do quadro geral de dificuldades fiscais, lançam, no começo dos

Importação

de

equipament

os para

pesquisa

pelo CNPq

Isenção ou

redução de

impostos

de

importação

Lei de

informática

Capacitação

tecnológica

da ind. e da

agropecuária

Lei de

informática

Zona

Franca

Lei do BemTotal de

incentivos

1990 79,9 27,8 – – – – 107,7

1991 168,8 15,7 – – – – 184,5

1992 131,2 13,1 – – – – 144,3

1993 166,7 26,6 790,6 – – – 983,9

1994 146,6 12,6 689,8 3,4 – – 852,4

1995 195,6 30,5 845,4 32,0 – – 1103,5

1996 175,5 24,5 1233,8 34,9 188,1 – 1656,8

1997 173,3 9,6 1532,9 64,5 269,8 – 2050,0

1998 172,9 12,0 2089,5 116,7 263,5 – 2654,5

1999 183,7 10,2 2454,1 78,4 887,5 – 3614,0

2000 127,2 22,2 2538,5 47,0 28,2 – 2763,1

2001 224,9 12,0 0,0 42,6 118,5 – 398,0

Ano

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174

anos 1990, as bases do que seria posteriormente utilizado como mecanismo de

indução à interação entre universidades e empresas (Furtado, 2004 e Cassiolato,

1998), muito antes de a Lei de Inovação abrir as portas para injetar diretamente

nas empresas recursos para projetos tecnológicos com conteúdo científico95. A

Finep e o próprio CNPq adotaram pacotes, como a RHAE, evidenciando que o

comando burocrático dos órgãos centrais do SBCT, mesmo os que, como o

CNPq, representam em tese os interesses mais corporativos da comunidade de

C&T, buscava uma ampliação do escopo desse sistema em direção a uma maior

integração com as empresas e com ações de política industrial lato sensu, as

quais, em outras circunstâncias, seriam cruciais para que um NSI tivesse sido

formado.

Ao lado do aprendizado institucional que vai sendo acumulado no SBCT,

as alterações da política econômica constituem os principais elementos a

tensionarem a lógica de clientela que o dominava durante os anos de latência.

4.2.4.2.4. Elementos conceituais que permeiam a relação entre política de C&T e

política de desenvolvimento econômico nos anos FHC

A superação do período de latência acontece em dois estágios. No

primeiro, há a extrapolação da lógica estrita do SBCT, pari passu a uma firme

adesão, presente no discurso e na prática, à visão do desenvolvimento liderado

pelo Estado, na qual inclusive a percepção de que elementos exógenos à

economia que são decisivos para o desenvolvimento são pouco relevantes diante

dos ganhos de eficiência propiciados pela abertura e pela desregulamentação da

economia. O segundo momento resulta da ação de outros elementos, ademais da

busca de ampliação do escopo da PC&T por parte do núcleo de comando dessa

política, e das interações com a política macroeconômica, já mencionados. Esses

elementos cumprem papel na ruptura iniciada efetivamente em 1999, mas são

ladeados por outros, tão ou mais importantes. Para compreendê-los, é preciso

voltar à primeira metade da década.

Escrevendo no início dos anos 1990, Dahlman e Frischtak destacam que o

―NSI‖ brasileiro caracteriza-se por:

95 A noção de cooperação universidade-empresa em si é, evidentemente, muito mais antiga. É mencionada no PED e é

objeto de um decreto – o Decreto 70.553, de 1972 – voltado para esse objeto, o qual, contudo, funcionava sob lógica fundamentalmente distinta da adotada pelo PADCT III.

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175

[…] a combination of limited technological involvement by domestic producers, regulatory and policy restrictions on both embodied and disembodied forms of technology imports and weak institutional support to industrial firms has increased Brazilian firms‘ distance from the price-performance frontier. […] despite a number of important exceptions (Embrapa, CTA, ICT), the public R&D network is not very responsive to the productive needs of the economy. Moreover, fragmentary and overlapping efforts dissipate scarce resources […] (DAHLMAN; FRISCHTAK 1993, p. 445-6).

Observadores sagazes, os autores adiantam o que seriam os aspectos

centrais do diagnóstico da grande parte dos analistas sobre as fragilidades do

sistema de fomento à C&T brasileiro96. Em primeiro lugar, a independência entre

produção de ciência e produção de mercadorias; e em segundo, a falta de

articulação entre os órgãos executores de políticas voltadas, em última instância,

para o desenvolvimento tecnológico (especialmente o empresarial).

No entanto, não há nada de surpreendente nesse diagnóstico. O

afastamento entre aparato produtivo capitalista e aparato científico resulta da

própria lógica do SBCT, nascido das cinzas do SNDCT, cujo sentido é o

atendimento a uma clientela e, portanto, movimenta-se por lógica política, embora

resulte, em última instância, da escassez de casos de empresas referidos como

exceções (exceptions) pelos autores. A desarticulação, por sua vez, deriva do fato

de o SBCT ser, materialmente, pelo conjunto de órgãos e instrumentos que

abrange, o próprio SNDCT, apenas subtraído de sua, por assim dizer, ―alma‖, ou

seja, o plano econômico. Sem ele, a rearticulação das atividades realizadas por

esses órgãos dependeria de, na verdade, extingui-los no que refere às suas

96 Na verdade, nesse estudo e em parte significativa dos estudos internacionais da primeira metade dos anos 1990, a noção

de PC&T cede espaço à de PCT&I, visto que cada vez mais é atributo de ações típicas daquela gerar desempenho econômico. Há, até hoje, certa ambiguidade na associação entre PCT&I e desempenho econômico em sentido estrito, já que aquela é quase sempre nítida nas justificativas dessas políticas e amiúde na explicação de diferenciais de desempenho entre países, como na hipótese do catching up tecnológico (ver capítulos anteriores e AVELLAR 2007); enquanto as avaliações das mesmas costumam se restringir aos chamados ―indicadores intermediários‖, como taxa de inovação (em suas diversas gradações: ―produto‖, ―processo‖, ―inovação para o mercado da firma‖ versus ―inovação para o mercado nacional‖ etc.), gastos com P&D&I (também em suas diversas modalidades) e patentes. De qualquer forma, há que se observar que a PCT&I vai paulatinamente substituindo as políticas de competitividade como forma por excelência de políticas de desenvolvimento saudáveis, fora do campo ortodoxo, para o qual, como visto, o desenvolvimento mantém-se como fundamentalmente exógeno à economia, de modo que a defesa de medidas pró-capital humano baseiam-se no pressuposto da qualidade dos insumos processados pela ―função de produção‖. Embora a expressão ―política industrial‖ tenha retomado parte do seu status, graças, salvo erro, à guinada heterodoxa de Dani Rodrik e seu grupo e à manutenção da liderança de Paul Krugman; de forma geral é utilizada com muita parcimônia pelas grandes agências e think tanks internacionais. Nos documentos brasileiros oficiais, como é de praxe, o termo aparece enevoado, às vezes, ao que parece, servindo mais a objetivos retóricos, já que sugere alguma heresia, não necessariamente de um governo em relação a outro, sendo mais frequente o uso de ―política de desenvolvimento‖ ou órgãos marginais na política econômica relativamente ao core desta. Quando a expressão ―política industrial‖ possui conteúdo empírico relevante, geralmente corresponde a ações passivas, destinadas a desobstruir impedimentos à expansão de setores ou de grupos de empresas. Embora nesse caso possua caráter setorial, mais uma vez se tem amiúde ruídos semânticos: a expressão ―setorial‖ aqui corresponde apenas a (atender a demanda) de grupos de empresas. Portanto, não se aplica nesse caso a noção de foco setorial, de caráter tecnológico e associado ao padrão concorrencial de cada setor, o qual tem como corolário lógico a existência de respostas diferentes (inclusive por seus efeitos externos ao setor) para os mesmos estímulos quando se passa de um setor a outro.

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176

atribuições e instrumentos que manejam (evidentemente, seus corpos funcionais

e seus nomes seriam meros detalhes nesse caso, podendo permanecer os

mesmos), criando-se um novo sistema, a partir de outra estratégia.

Com efeito, se uma característica era marcante no SNDCT era justamente

seu elevado nível de articulação, inclusive com órgãos e ações que não abrangia.

Não obstante, Dahlman e Frischtak, ao contrário do que provavelmente diriam

Reis Veloso e César Peluso, sustentam que parte considerável da explicação

para o desinteresse por capacitação tecnológica das empresas resultava

exatamente do desenvolvimentismo ou, ao menos, de um suposto exagero a que

foi levado durante o II PND. Na tentativa obstinada de emular a estrutura industrial

das economias de ponta (o que a rigor não era o que realmente o II PND

pretendia, como visto), o Brasil teria pago um preço elevado em termos de baixa

competição e de estímulo à busca, por parte das empresas privadas, nacionais e

estrangeiras, de atalhos para a absorção de tecnologia.

A percepção de que algo além da pressão competitiva adequada e de mais

ambição e consenso na política de C&T (no sentido de integrá-la ao meio

empresarial), só mais adiante deu lugar a uma política de inovação semelhante às

propugnadas pela OCDE e pela UE e executadas pela maioria de seus Estados

membros, na medida em que se torna evidente que uma intervenção mais

proativa do setor público é necessária para que os elos entre indústria e academia

se estabeleçam e se consolidem. Entre essa percepção e a que orienta o primeiro

mandato de Fernando Henrique Cardoso coloca-se a absorção, em linhas gerais,

do diagnóstico traçado ainda no início dos anos 1990, representada pela última

citação acima.

Pode-se dizer que essa transição tem como corolário a paulatina redução

do grau de naturalidade com que se pretende que essas duas instâncias (e as

que lhes adjazem) interajam. Até os anos 1970, esperava-se que esse seja o

resultado de mudança estrutural cum expansão da formação científica, sendo

esses dois aspectos coordenados de forma explícita e planejada desde a ação

fundamentalmente exógena do Estado. No entorno do Plano Real até o final dos

anos 1990, entende-se que o fundamental é que o Estado injete mais

concorrência nesse arranjo (ou, sob outra perspectiva, que desregule e abra mais

a economia, com as políticas de promoção da concorrência cumprindo papel

apenas complementar ou residual).

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177

Conforme visto no capítulo 2, a integração ciência-empresa se sustenta

apenas a partir de certo estágio do desenvolvimento e sob determinadas

condições, com medidas ―regulatórias‖, passivas, do Estado. A estrutura na qual

essas medidas atuam não surge espontaneamente, mesmo em economias

avançadas, sem medidas de cunho estruturante. Em países menos avançados

―empresarialmente‖, é duvidoso que esse ―modelo NSI‖ prospere: isso acontecerá

apenas a partir do ponto em que o atraso tecnológico do setor produtivo tenha

sido fundamentalmente superado. Mas a visão predominante no Brasil à época do

real era de fato anterior ao modelo NSI, ao centrar o problema da competitividade

na exposição à competição. O debate dava-se mais quanto até que ponto era

cabível o Estado apoiar empresas em seus esforços competitivos, oscilando de

uma posição em que devia fazê-lo, até mesmo direcionando as estratégias

empresariais e adiantando-se aos problemas de ajustamento ao novo cenário, até

a de que o aumento da competitividade só poderia de fato acontecer pela ação da

seleção pelo mercado, disso resultando o aumento da eficiência, garantido pelo

respeito aos preços relativos corretos, vigentes em uma economia aberta. Essa

visão, bastante sofisticada do ponto de vista do debate econômico que lhe

subjazia, alterou-se decisivamente ao final dos anos 1990.

Um condicionante essencial dessa mudança foi, como dito, o colapso do

regime macroeconômico ―original‖ do Plano Real, o qual passa do câmbio fixo

para o regime de metas de inflação. O que não deixa de ser paradoxal: em um

sistema de câmbio flutuante, mas com metas de inflação, é preciso que se

administre firmemente o nível de endividamento do setor público, o que significa,

no quadro de uma economia que vem de uma longa trajetória de baixo

crescimento, exceto por boa fortuna, enrijecimento fiscal97. É muito difícil, e

eventualmente impraticável em uma democracia, efetivar a transformação do

sistema de C&T, então jánitidamente enviesado para a produção científico-

acadêmica, em um sistema de inovação, sem um apoio decidido e contundente

do Estado, pela via da renúncia fiscal, da subvenção e do subsídio. O fato de a

economia se encontrar sob baixo crescimento dificulta ainda mais essa transição.

97 Isto é, em uma economia em que acelerações do nível corrente de crescimento tendem a ser interpretadas como desvio

em relação ao potencial de expansão natural, salvo se tidas como decorrência de choque exógeno.

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4.2.4.3. O interregno do real

Não obstante, é preciso ver, de início, que o próprio regime

macroeconômico baseado em metas de inflação não está de todo planejado no

núcleo dirigente do governo ou, ao menos, não estão seus desdobramentos para

as demais áreas de sua atuação, em oposição bastante clara ao que se passou

no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (doravante, FHC I, sendo

correlatamente utilizada a expressão FHC II para a referência ao segundo

mandato).

Como se sabe, durante o Plano Real, e mesmo antes dele, vários

intelectuais vinculados ao partido do Presidente trataram de expor e discutir, não

necessariamente de forma direta ou prática, aspectos da construção de um novo

padrão – seria inexato se falar em modelo, uma vez que parte do novo ―modelo‖

estava exatamente em abrir mão de modelos e de escolhas que soassem

demasiadamente ―leninistas‖98 – de desenvolvimento, em oposição ao varguismo

que até então vigorava (exceção feita ao governo Collor, evidentemente, o qual,

por outro lado, era ralo de fundamentações acadêmicas que não as estritamente

referentes à política econômica).

O tema mais caro ao debate microeconômico e de desenvolvimento

produtivo era o da competitividade99, a qual era compreendia como uma

decorrência da presença de alto nível de concorrência, seja tautológica e

irrefletidamente – pois na presença de um alto nível de concorrência as empresas

seriam obrigadas a se adaptar ao novo cenário e, as que restassem, teriam de,

logicamente, ser mais competitivas, independente do que isso significasse, por

exemplo, em termos de capacidade tecnológica própria –, seja porque realmente

se avaliava que a causa mais importante da alta competitividade é a existência de

um ambiente de elevada rivalidade concorrencial, embora implícita ou

explicitamente se admitisse que essa não é uma condição suficiente. É discutível

98 No sentido empregado por Chalmers Johnson, ou seja, de uma intervenção perfeitamente insulada de demandas sociais

manifestas. 99

Ver Haguenauer, 1990; MCT, 1992 (ECIB); Franco, 1996; Paulani, 1997; Guimarães, 1993; Bonelli, 1995; Goldenberg; Barros 1997 e Coutinho, 1998.

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se essa foi a posição dominante entre os chamados intelectuais do PSDB, mas o

que importa é que acabou se revelando decisiva no governo100.

Assim, de forma geral, a abertura econômica, tanto no que se refere à

―não-discriminação‖ do capital estrangeiro (na forma de IED ―clássico‖, do tipo

green field, e, mais ainda, de fusões e aquisições), como à abertura comercial

propriamente dita, cumpririam um papel central na elevação da competitividade

das empresas instaladas no Brasil, não apenas pelo aspecto quantitativo como,

mais decisivamente, pelo aspecto qualitativo, vale dizer, por forneceram um

padrão mais sofisticado e mais dinâmico de competição, baseado em qualidade e

em inovação. Não é sem motivo que até mesmo a política antitruste –

originalmente preconizada como, juntamente com a regulação econômica dos

monopólios naturais onde as estatais eram privatizadas, um substituto para as

políticas de controle direto de preços – acaba por ser defendida como uma

política pró-inovação, de forma particularmente destacada entre o final do primeiro

e o início do segundo FHC.

Não é demais lembrar que longo e curto prazos apresentam aqui uma

interessante sinergia, já que a entrada de IED propiciaria justamente uma ampla

margem para déficits significativos na balança comercial, os quais resultariam

tanto da importação de mais bens concorrentes como de nova capacidade

produtiva, na forma de máquinas e equipamentos que incorporavam a fronteira

tecnológica.

As empresas brasileiras responderiam de duas maneiras: tentando

competir ou tentando se associar com as empresas estrangeiras, tanto na forma

de joint-ventures e operações assemelhadas, como estabelecendo vínculos ao

longo das cadeias produtivas. A abertura comercial evitaria acomodações como

as que aconteceram nos anos 1970 e 1980, permitindo que defasagens de preço

e de qualidade fossem apenas friccionais. Esse mecanismo seria reforçado pela

adesão do Brasil aos acordos do tipo TRIPS, os quais estimulariam a mudança

tecnológica, e mesmo à OMC, que teria o condão de homogeneizar as regras

internas e externas reguladoras da competição, ademais, obviamente, do Sistema

de Defesa da Concorrência, o qual evitaria, mercado a mercado, concentrações

excessivas e cartéis.

100 O debate sobre produtividade e desindustralização de meados dos anos 1990 foi protagonizado por autores como

Bonelli, Bielschovsky, Coutinho, Laplane, Sarti, Kupfer, Mendonça de Barros, Goldenstein, Maurício Mesquita etc.

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Embora o resultado líquido imediato pudesse pressionar o câmbio (e

mesmo após a flexibilização cambial do início de 1999, estimular o aumento de

preços e, assim, o de juros e do gravame fiscal), esperava-se que, dada a

elevada defasagem dos níveis de produtividade das empresas brasileiras, não

demorasse muito a que um importante emparelhamento fosse posto em curso.

Os ganhos de competitividade eram muitas vezes associados a toda

espécie de indicadores que sinalizassem redução do déficit de produtividade que

as empresas brasileiras acumularam nas décadas passadas, sobretudo do II.

PND em diante. Poderia se dar sob a forma de melhoras de gestão, programas de

qualidade total, modernização de equipamentos (inclusive fora do chão de fábrica,

como bens de informática e comunicação), treinamento e mesmo mudança de

mentalidade dos empresários, mais integrados aos padrões de eficiência e de

qualidade típicos das empresas dos países avançados. Vale dizer, o aumento da

inovação não era comumente um objetivo manifesto, e, quando era, significava

antes a adoção de inovações, já que a expressão não aparecia muito diferente de

"modernização" ou mesmo de "busca de eficiência". Naturalmente, muito menos a

capacitação tecnológica empresarial, ou expressões sinônimas, frequentava o

discurso e os documentos oficiais.

Com efeito, objetivos concernentes à ―tecnologia‖ e ―inovação‖

subordinavam-se aos da competitividade, na medida em que deviam estar

submetidos a um tipo de ―realismo competitivo‖. Ou seja, é desejável que as

empresas inovem, desde que façam isso com eficiência, pois a inovação só faz

sentido se respeitadas as dotações de recursos, não necessariamente naturais, já

existentes na economia nacional. Do ponto de vista normativo, não é que não

houvesse preocupação com competitividade por meio da inovação tecnológica,

mas essa preocupação era difusa e desarticulada teórica e praticamente das

ações essenciais do governo, de onde resulta terem ficado apenas em

declarações de intenções, de ―vontades‖, nos órgãos responsáveis pela ―política

industrial‖, tanto do governo Collor como do FHC I.

Isso não significa que o governo como um todo, e mesmo o alto comando

da área econômica, impedisse ou desdenhasse de qualquer ação complementar,

confiando apenas em um ajuste benévolo ao nível das empresas em decorrência

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das mudanças nos incentivos promovidas pela nova ordem macroeconômica101.

Por exemplo, se o ajuste fosse lento, a perda na confiança imediata poderia

submeter a arquitetura geral do pós-varguismo a um estresse demasiado frente

aos limites do ciclo eleitoral. Ademais, não estava inscrito na lógica do ―novo

modelo‖ que esse processo teria de acontecer apenas como decorrência da

mudança institucional pró-desregulação, pró-concorrência. Assim, ao BNDES, em

particular, caberia um papel relevante não apenas para reduzir o risco e permitir

as escalas financeiras na venda das grandes estatais, mas também para viabilizar

os esforços de modernização e de ganhos de eficiência necessários para as

empresas se adaptarem às novas regras do jogo. De fato, entendia-se que ambos

os papéis eram parte do objetivo mais geral de aumento da competitividade,

entendida como propriedade do que é, de alguma forma, capaz de competir. Que

o Estado viabilizasse ou mesmo que estimulasse esse movimento não feria o

princípio geral que articulava macro e microeconomia.

Autores como Goldenstein e Mendonça de Barros postulavam ainda que a

própria redução e estabilização da inflação acarretariam, via incremento do

horizonte de cálculo capitalista, um aumento da propensão a investir e a buscar

ganhos de competitividade por upgrading produtivo. Embora o problema da

incerteza evidentemente não fizesse parte do rol de argumentos utilizados pelos

economistas ortodoxos do governo para defender os efeitos, não era incomum

que se utilizassem de raciocínios semelhantes para advogar os efeitos

"expansionistas" que a desinflação engendraria.

Naturalmente, aqui havia diferenças significativas entre os economistas

que propugnavam por uma nova política de competitividade, oscilando desde os

que advogavam uma ação mais proativa do BNDES, capaz mesmo de expandir e

qualificar o sistema industrial brasileiro sob o sentido geral da especialização

produtiva e de evitar a liquidação de elos das cadeias produtivas mais dinâmicos

tecnologicamente (contanto que não transpondo o limite da utilização do crédito

como instrumento – nunca, por exemplo, da proteção); até os que entendiam que

101 Um bom exemplo de programa complementar que, embora nitidamente de caráter não liberal, não estava em desacordo

com as diretrizes macroeconômicas nem com a percepção de desenvolvimento liderado pelo mercado de então, é o PBQP, Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, concebido originalmente no âmbito da PICE, primeira ―política industrial‖ do período da abertura econômica. As políticas de C&T do período, como os PADCTs, apesar de mencionarem objetivos econômicos, por via da competitividade, interagiam muito pouco com aquelas medidas, as quais se situavam no âmbito do Ministério da Economia e, posteriormente, do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo (MICT), em oposição às últimas, sob comando dos órgãos de fomento científico.

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o decisivo, além de mais coerente com o regime macroeconômico, era que a

concorrência fosse acirrada, dentro de amplos limites, os quais contemplavam

inclusive uma grande leniência com a falta de isonomia das empresas

estabelecidas vis-à-vis as ingressantes102.

Eis aí uma fonte de confusão, estimulada provavelmente pela retórica

agressiva de alguns economistas mais ―antivarguistas‖: não que se advogasse

que o Brasil devia retomar sua suposta vocação agrícola, mas que não devia

artificialmente buscar uma outra vocação, qualquer que fosse.

A diferença entre ortodoxos e heterodoxos dentro do governo se dava mais

pela percepção de quanto se devia apoiar as estratégias de mudanças, quanto ao

grau de proteção em relação às novas condições – que gerariam políticas

passivas, mas intervencionistas – e quanto ao direcionamento dos instrumentos –

que tendiam a gerar políticas mais caras e mais proativas. A ―escolha de setores‖

tendia a ser tratada como um tema maldito, e não foi pouca a comoção que os

casos da SID informática (que pediu concordata em 2001), da Cofap (vendida ao

Grupo Marelli em 1997) ou da Metal Leve (vendida à Mahle em 1996) geraram.

Nesse último caso, havia, no limite, a percepção de que se deveria buscar um

aumento da competitividade onde fosse mais fácil encontrá-la, até como forma de

impedir que a falta de divisas levasse ao colapso do modelo; por outro lado,

entendia-se que as exportações eram um canal decisivo para a aceleração do

crescimento, seja porque o comércio internacional vinha crescendo muito mais

rapidamente que os PIBs, seja porque, no caso brasileiro, não se antevia o fim

das restrições monetárias e fiscais.

Dessa perspectiva, a inserção de empresas brasileiras em cadeias de

suprimento cuja agregação de valor se concentrasse no exterior, por exemplo,

não apenas era admitida, mas saudada como prova de que o modelo estava

102 A existência ou não de capacidade tecnológica nacional era considerada um problema menor nessa última versão, cujos

protagonistas eram antigos economistas neo-estruturalistas. Capacidade tecnológica e conceitos afins eram muito próximos à dotação relativa em quaisquer outros fatores de produção, e não seria tão danoso assim perdê-la: de fato, sua perda indicaria sua artificialidade e, assim, sua ineficiência. Portanto, uma empresa que passasse a montar kits importados de ventiladores sem precisar de subvenção pública que distorcesse preços relativos, seria claramente preferível a outra que construísse hélices para helicópteros de grande porte, mas que para isso precisasse de um amplo menu de apoio direto e indireto. Essa versão, contudo, era dominante apenas entre os macroeconomistas. Os policy makers que lideravam a discussão sobre ―política industrial‖ (alguns, como o Secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, bem posicionados dentro do Ministério da Fazenda) estavam mais próximos da primeira acepção de política de competitividade, a qual não pode ser chamada de completamente passiva, pois admitia a possibilidade de que ao Estado cabe se adiantar e mesmo direcionar decisões empresariais, sobretudo quanto à questão tecnológica e da produtividade agregada, o que é melhor para as empresas. Uma visão realmente passiva se limitaria a permitir que o Estado ajudasse as empresas a, ante manifestação espontânea, a se adaptarem às mudanças que aconteciam sob forma de choques, tanto conscientemente induzidos pela política macroeconômica como decorrentes de efeitos, derivados, incontroláveis da mesma.

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funcionando, pois a aceleração do progresso técnico e do crescimento da

produtividade que promovia era inequívoco e facilmente replicável para

concorrentes interessados na eficiência. Naturalmente, a quebra de empresas

não seria desejável, mas as consequências disso seriam menos perversas que os

comportamentos oportunistas e rent-seekers gerados por tentativas de

salvamento pontuais, que não baseadas, no máximo, no uso de linhas de crédito

ofertadas de forma absolutamente horizontal pelo BNDES. O câmbio, por outro

lado, seria um problema apenas na medida em que faltassem reservas para

esmagar surtos especulativos e comportamentos de manada, irracionais e

temporários por sua natureza, e, estritamente do ponto de vista da lógica

microeconômica da promoção da concorrência e da competitividade, menos por

seu nível e mais por sua instabilidade.

Mutatis mutandis, o mesmo que vale para a inovação e a capacidade

tecnológica empresarial pode ser dito do sistema de formação de recursos

humanos: sua importância para o desenvolvimento econômico não seria

desprezível, mas claramente secundária, por exemplo, em relação à

disponibilidade de crédito para a importação de equipamentos baratos e, mais

ainda, em relação à atração de capital estrangeiro. Destarte, não há um lugar

claro para o aparato de C&T no modelo de desenvolvimento econômico do FHC I,

eventualmente mais por que parte importante dos pesquisadores brasileiros nem

buscou reivindicar um lugar, mas também porque a lógica do modelo implicaria

um significativo détour para fazer caber ―esse tipo de política industrial‖, ainda que

outras formas, voltadas para a isonomia e a redução de falhas do mercado ou do

arcabouço institucional disponível, pudessem ser admitidas103. A partir dessa

perspectiva ―passiva‖ da competitividade adotada, a colocação do problema do

aumento da capacitação tecnológica soava a rigor como simples reformulação de

diretrizes tipicamente varguistas em sua essência, visto que implicaria pôr

demasiadamente de lado os parâmetros de naturalidade dados pelo mercado.

Com tudo isso, parece impreciso afirmar que o país esteve ―sem rumo‖ ou

―sem projeto‖ durante o FHC I. Principalmente considerando o curto tempo a que

a inflação havia sido controlada, é de fato surpreendente quão bem articulado era

o discurso oficial quanto ao desenvolvimento, inclusive, por exemplo, em relação

103 Em que pese já estar bem encaminhada pelo esforço das agências multilaterais de pensar o problema da assimetria

tecnológica nos catching ups, notavelmente desde o World Development Report de 1992.

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a aspectos não econômicos, como o da democracia e da participação, e da

importância dos direitos sociais concedidos pela Constituição de 1988104. Que

essa articulação fosse feita em detrimento de um maior protagonismo estatal e,

em particular, representasse um retrocesso em relação ao papel da promoção da

C&T para o desenvolvimento econômico, mesmo em comparação com as

políticas adotadas por Collor e por Sarney, não impede que assim seja.

De fato, é no FHC I que aparece de forma mais coerente e acabado o

antidesenvolvimentismo (no sentido que os autores do ―developmental state‖ dão

à expressão), o qual não necessariamente implica em Estado pequeno ou mesmo

menor, mas certamente em Estado mais passivo e mais responsivo à lógica das

clientelas. Não há nada no projeto do FHC I que impeça facilitar a criação e o

desenvolvimento de laços entre C&T e empresas, e muito menos que leve à

liquidação daquelas, na medida em que são tomadas como bens meritórios. O

que lhe seria inconcebível é que o Estado passasse a dirigir essa integração, pelo

lado da oferta ou pelo lado da demanda. Assim, de forma geral, foi no FHC I que

o SBCT moveu-se mais claramente desde sua lógica inercial, sob ação do

mecanismo político de atendimento à sua respectiva clientela. Sua dupla

característica de ser extremamente autônomo vis-à-vis o governo e ao mesmo

tempo muito dependente da generosidade do fundo público revelou-se mais

fortemente. E, quando do agravamento da crise fiscal, a partir de 1997, foi

bastante abalado.

4.2.4.4. Limitações fiscais não intencionais

A transição de uma política de C&T efetivamente capaz de integrar, de um

lado, empresas defasadas por mais de uma década de baixo investimento,

ademais de submetidas a condições macroeconômicas inadequadas e instáveis;

e, de outro, centros de pesquisa com vínculos rarefeitos com empresas e com

necessidades tecnológicas do país em geral implicaria um esforço fiscal por parte

do Estado, no caso brasileiro, a ser, intransferivelmente, liderado pelo Governo

104 Luiz Carlos Mendonça de Barros foi presidente do BNDES de novembro de 1995 a abril de 1998. Apesar de ladeado por

nomes do porte de Pérsio Arida, Andréa Calabi, Lara Resende e Edmar Bacha, foi o que ficou mais tempo no cargo durante o governo FHC, secundado por Francisco Gros – nome que dominou o segundo mandato de FHC, tanto por seu tempo maior como por ter preparado o banco para a pós-desestatização. Embora os nomes dos presidentes do BNDES não digam muito sobre a política econômica efetiva do governo no caso do governo FHC, exceção feita a Luiz Carlos Mendonça de Barros, Francisco Gros evidencia que o movimento de desintervenção era mais profundo do que faz crer o simples problema da carestia fiscal e indica que a perspectiva de um desenvolvimento liderado pelo mercado não havia sido derrotada apenas pelo fogo amigo contra os irmãos Mendonça de Barros.

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Federal. É evidente que a escolha por uma política de CT&I proativa dificilmente

caberia enquanto a estabilidade macroeconômica, não apenas dos preços no

curto prazo, estivesse verossimilmente consolidada.

Por outro lado, como visto, o modelo de crescimento protagonizado no

FHC I tinha na competitividade um pilar essencial. Sem embargo, ela era

compreendida, ao menos dentre o comando da política econômica e, ao que tudo

indica, também no Palácio do Planalto, de forma tal que não implicava a

existência de capacidade tecnológica empresarial própria.

Não segue daí que o governo como um todo não tivesse a política de C&T

em alta conta, observados, ça va sans dire, os limites estreitos para a criatividade

em um governo cuja agenda era amplamente dominada pelo tema da estabilidade

monetária, em um país de longo histórico de inflação elevada e resistente. Com

efeito, pelos discursos e depoimentos de FHC, fiados pela sua trajetória pessoal

de acadêmico brilhante erepresentante político da comunidade científica, entre

outros próceres de seu governo e de seu partido, é incauto simplesmente deduzir

que já que o governo FHC não colocava a capacitação tecnológica como decisiva

para o crescimento econômico ―sustentável‖105, as políticas afins a esse tema

eram descartáveis. Não foi esse o caso da C&T, como não foi o caso da

Educação, embora também essa pasta não integrasse o núcleo do que era

entendido como primordial para a gestão econômica.

A redução da capacidade de o Estado agir em outras áreas pouco pode ser

explicada por uma suposta fúria neoliberal destrutiva, avessa a qualquer

intervenção pública. Certamente essa seria a posição de alguns núcleos dentro

do Estado, os quais gozavam de amplo prestígio e elevado poder de veto. Mas

isso não implica que o comando central do governo efetivamente a comprasse por

seu valor de face. O fato de o modelo econômico dar de ombros para o papel da

C&T no desenvolvimento não equivale a dizer que se oporia a apoiar o

desenvolvimento científico nacional. O elo de ligação era simplesmente a

escassez de recursos para uma área cuja expansão dependia – ao menos na

lógica vigente, em que a C&T é fundamentalmente bem público – da

generosidade do fundo estatal, a qual não apenas era reduzida, mas decrescente.

105 Eis outra expressão típica da época que, a julgar pela forma como era empregada em textos oficiais, era subentendida

aproximadamente como ―crescimento que não dependa de elevado custo fiscal, de alteração da estrutura de preços relativos ‗natural‘ da economia, nem coloque em risco, de qualquer outra forma que se possa imaginar, o controle da inflação‖.

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É apenas ex post que se pode compreender que a percepção da competitividade

como obra da submissão à competição é a que mais se coaduna com a lógica

decisória vitoriosa no conjunto da ação governamental, porque essa é a que

permite dar mais sentido à ―resultante‖ dos diversos vetores representativos da

miríade de medidas adotadas no prazo de qualquer governo, por um Estado da

complexidade do Estado brasileiro, não obstante o fato de que muitas medidas

que sugiram menos passividade terem sido adotadas e de que frequentemente se

encontrarem declarações cujo teor, ainda mais, é contraditório com tarjas simples

como a de ―neoliberal‖.

Com efeito, atado pela via da política monetária, guindada ao papel de

gestora do estrangulamento externo,também a política fiscal teve seu poder

rapidamente comprometido. Do lado das receitas, apesar do surpreendente

incremento na eficácia arrecadadora em conjunto com a elevação do gravame

tributário, o baixo e decrescente dinamismo da economia impedia seu aumento

mais significativo. Do lado das despesas, um conjunto de fatores reduziu

dramaticamente a vantagem de uma dívida pública modesta herdada por FHC de

seus antecessores. Elevadas despesas com os juros incidiam sobre aquela,

correspondendo à transmissão fiscal do estrangulamento externo, como visto. O

crescimento da dívida, sempre que o superávit primário, praticamente instituído

depois da crise da Rússia, não fosse capaz de cobrir as despesas com juros, por

sua vez, conduzia a uma deterioração das expectativas quanto à solvência

brasileira, exigindo juros maiores – mesmo com taxas de inflação baixas e mesmo

cadentes – para que investidores externos aceitassem comprar papéis do

governo brasileiro. Um círculo vicioso se formava.

Dois outros fatores também contribuíram, em menor grau, mas de forma

relevante para ampliar as dificuldades fiscais no período.

Em primeiro lugar, a regulamentação e posterior execução de novos

direitos sociais criados ou ampliados pela constituição, notavelmente a

universalização do direito à aposentadoria, por intermédio da Loas, a expansão

do SUS e da rede educacional, por via do Fundef, e o sem número de vinculações

criadas. O sistema previdenciário, em particular, se converteu em um sorvedouro

extraordinário de recursos, graças à rápida redução de suas fontes ao mesmo

tempo que o número de beneficiários era ampliado e o salário mínimo passava a

crescer acima da inflação e, nos piores anos, acima da arrecadação de tributos.

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Obviamente, essas pressões, possivelmente administráveis no quadro de uma

economia em expansão acima da necessária para absorver a expansão da força

de trabalho, tornavam-se um complicador, usando de um eufemismo, significativo.

Em segundo lugar, ao aderir a normas externas de reconhecimento de

passivos, mercê do esforço de ―faxina fiscal‖ levado a cabo pelo governo (o que

redundou na aparição quase sistemática de ―esqueletos‖ contábeis), um foco

adicional de aumento do nível de endividamento foi acionado. Embora seus

efeitos pareçam ser, em princípio, once for all, a aparição de esqueletos foi uma

constante no imediato pós-real. Por serem imprevisíveis, mas sempre de efeito

fiscal degenerativo, colocavam um custo adicional sobre a colocação de novos

papéis, pressionando ainda mais a taxa de juros106.

É verdade que a criação do Fundo Social de Emergência, em 1993-4,

diminuiu esses impactos. Contudo, pode-se argumentar que a dramática redução

do imposto inflacionário absorveu a maior parte da margem de manobra criada

por esse mecanismo.

O quadro geral pode ser resumido pela evolução de alguns dados

agregados:

Tabela 4.8 – Evolução do resultado primário do conjunto do setor público,

em % do PIB, e dos gastos federais totais em C&T, em R$ de 2008, entre

1994 e 1999

Fonte: Elaboração própria sobre dados da STN/Ministério da Fazenda e da CGTI/Ministério da Ciência e Tecnologia

Como se pode perceber, a carestia fiscal crescente atinge fortemente o

orçamento do MCT e do MEC, bem como de outras ações de C&T federais, mas

106 Ver Velloso, Raul, 1998 e 1997.

Anos 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Result.

Prim.2,19 5,21 0,27 -0,1 -0,95 0,01 3,19

Gastos 5629,24 7191,25 7388,41 7639,75 7001,6 6318,15 6268,29

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apenas no ano de 1997. Mesmo em 1996, ano em que a deterioração do

resultado fiscal primário (ou seja, independente do problema do aumento dos

juros primários, cuja determinação estava ligada ao resultado do balanço de

pagamentos, como visto) já era evidente, a trajetória de expansão da oferta

pública de C&T foi preservada em níveis significativos.

A partir de 1997, a situação se altera dramaticamente, propiciando um

elemento basilar para a deterioração das relações do Governo Federal com a

comunidade de C&T brasileira. No início do segundo mandato, em conjunto com

outros elementos, isso se tornou decisivo.

4.3. A Crise do SBCT e a Ascensão da PCT&I107

Seria um equívoco entender que a criação dos fundos setoriais (e sua

efetiva implementação logo a seguir), episódio que marca o fim do período de

latência da política de C&T brasileira, possa ser explicada como decorrência de

contradições intrínsecas entre a expansão do sistema de fomento à C&T e o

―neoliberalismo‖. Sem embargo, a adoção dogmática de políticas de deferência ao

mercado como solução para grande parte dos problemas econômicos do país,

inclusive o do subdesenvolvimento, levou a consequências que condicionaram

decisivamente as mudanças que acabaram por reafirmar a importância do

ativismo estatal para sua superação. Ao fim e ao cabo, essas mudanças

alteraram significativamente a lógica do SDCT, ainda que materialmente grande

parte do mesmo tenha permanecido.

Uma série de condições confluíu para que esse desfecho ocorresse.

107 As seções 4.3 e 4.4 têm por objetivo principal oferecer uma interpretação da lógica e dos condicionantes da ascensão

da política de C&T a um papel de destaque na política econômica (em sentido lato), durante o segundo governos FHC e o primeiro de Lula, nos quais permance nítido o predomínio da ortodoxia macroeconômica de curto prazo, ao mesmo tempo em que inexiste uma política econômica de longo prazo consciente. Diversas fontes foram utilizadas, além das bibliográficas e das referidas nas tabelas apresentadas, entre as quais merecem destaque as atas do CNDI, as atas dos comitês-gestores dos fundos setoriais e notas técnicas e notas informativas dos responsáveis pelo acompanhamento dos temas PC&T e política industrial no âmbito da Casa Civil e da Secretaria-Geral da Presidência da República a partir de 2003. Embora parte desse material faça referência ao período de estruturação das mudanças enfocadas, entre 1999 e 2002, foram também fontes relevantes para reconstituir fatos compreendidos neste período os jornais Folha de São Paulo e Valor Econômico e entrevistas informais com burocratas que participaram da sua implementação, elaboração ou acompanhamento.

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189

4.3.1. Ocolapso do câmbio fixo e a perda de prestígio da ortodoxia com

relação ao problema da competitividade e do crescimento

Apesar do regime de câmbio fixo só ter sido desmontado oficialmente com

a ascensão de Francisco Lopes (seguido de Armínio Fraga) em substituição a

Gustavo Franco, ao comando da autoridade monetária e com a liquidação da

administração explícita da taxa cambial, a preparação para uma nova etapa do

pós-varguismo era visível bem antes. A transição se fazia evidente já em meados

do ano de 1998 e resultava, de um lado, na admissão de um papel menos passivo

em relação a relegar à seleção do mercado a competitividade empresarial; de

outro, na alteração na correlação de forças entre ―desenvolvimentistas‖ e

―monetaristas‖.

A campanha presidencial de 1998 explicitou, inclusive no discurso da

situação, que sérias dúvidas se elevavam contra a correção da sustentabilidade e

firmeza do modelo, não apenas pela consistência de sua política macroeconômica

de curto prazo, mas também por sua capacidade efetiva de promover crescimento

em um patamar politicamente sustentável.

Assim, duas questões, aparentemente interligadas, dominaram o debate

presidencial em 1998: o emprego e as exportações. A ligação entre os dois itens

se dava de forma indireta, já que, tendo participação relativamente pequena na

demanda agregada, as exportações afetavam o emprego pela restrição de

divisas, obrigando à manutenção de uma política monetária exageradamente

rígida (a despeito da taxa de inflação doméstica modesta), como forma de manter

sob controle o crescimento da demanda e, assim, das importações.

Adicionalmente, os juros elevados eram necessários para equilibrar o balanço de

pagamentos, pois, mesmo com seu efeito de reduzir as importações, as contas de

transações correntes e em particular a balança comercial, apresentavam déficits

crescentes, os quais as entradas de capital de risco (IED em sentido amplo,

inclusive para aquisições e fusões), em patamar historicamente elevado, eram

insuficientes para cobrir.

A incapacidade do choque de competição (e do aumento da produtividade

em curso, em parte propiciado por aquele) em romper esse círculo vicioso

permitiu uma significativa perda de prestígio do main stream da área econômica

entre o grupo palaciano. A percepção de que medidas mais incisivas teriam de

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ser adotadas – naturalmente, sem colocar em risco a estabilidade dos preços –

ganhava peso. Seria precipitado ver aí uma adesão ao discurso específico da

área de C&T, a qual, embora insistisse que, com custos relativamente baixos e

pouco intervencionismo discricionário, seria capaz de elevar as exportações por

meio do aumento da competitividade e da agregação de valor tecnológico das

exportações, e o crescimento, por meio de ganhos de produtividade menos

efêmeros que os logrados por melhoras estritas de gestão e de eficiência. Por

volta de 1998 a desconfiança de que a combinação de abertura comercial e

financeira e a desregulamentação dos fluxos de IED seria capaz de trazer

crescimento econômico sustentável passa a crescer exponencialmente, se não

entre os gestores da política macroeconômica, certamente no grupo palaciano e

entre as lideranças políticas sujeitas à chancela eleitoral. Se é exagerado falar em

um retorno ao desenvolvimentismo, parece inequívoco que uma flexibilização do

anti-desenvolvimentismo que marcou o primeiro mandato de FHC se firmou.

Abriu-se, recôndita e subliminarmente, um espaço de debate para a formação de

uma nova pauta de política econômica, a de uma política para o desenvolvimento.

Contendores mais prudentes mencionavam a necessidade de políticas pró-ativas

de competitividade, afirmando com maior ou menor clareza um relevante papel

para a tecnologia e a inovação nesse rol. Os mais ousados, reivindicavam uma

nova política industrial.

Os irmãos José Roberto e Luiz Carlos Mendonça de Barros (LCMB) e, em

menor grau, José Serra, eram os interlocutores mais autorizados, entre os que

tinham acesso ao Palácio, na crítica à política econômica, possuindo aqueles a

vantagem de se oporem menos ostensivamente ao conjunto da gestão

macroeconômica. Decerto, ambos atribuíam um papel mais importante à política

de C&T do que o núcleo malanista, mas seu foco estaria mais bem associado à

política industrial em sentido estrito, com ações voltadas para aumentar o

investimento em novas instalações e novos bens de capital e, mais difusamente,

para ativar o animal spirits capitalista pela melhora do ―ambiente regulatório‖,

conjuntamente a articulações de alto nível com dirigentes empresariais, nacionais

e estrangeiros, em posições estratégicas, particularmente para incrementar o

ingresso de IED no país.

Ao que tudo indica, ainda durante a campanha de 1998, FHC já havia

tomado decisões que, ao revés do interesse de Pedro Malan e de Gustavo

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Franco, permitiriam abrigar LCMB no restrito grupo de gestores com elevada

autonomia decisória. Como se sabe, LCMB fora presidente do BNDES. Em plena

hegemonia do neoliberalismo no país, lograra vitórias importantes, impedindo um

sem número de reduções de investimentos, estimulando decisivamente outros,

inclusive alguns que implicavam em aumento de agregação de valor tecnológico.

Curiosamente, as condições para que fosse bem sucedido só se

completaram no início de 1999, com o ―colapso do Real‖. Mas essa condição só

se definiu tardiamente: Mendonça de Barros foi cada vez mais afastado do grupo

palaciano e finalmente do governo e da aliança governamental. A depreciação

cambial, apesar do choque de juros e tributário, resultou ser extremamente

estimulante sobre a atividade produtiva, engendrando uma melhora paulatina,

mas robusta, da competitividade macroeconômica e, de 2000 em diante, da

situação fiscal.

Não se pode muito mais do que especular quanto ao sucesso que teria

obtido LCMB. O mais provável é que possuísse limitado âmbito de atuação, ao

menos em um primeiro momento, logo após o colapso do regime cambial, cujo

efeito imediato foi antes o de reacender a ortodoxia, ante o medo da inflação.

Para evitá-la, rumo a uma política baseada na autonomia do Banco Central com

metas de inflação, rigidez fiscal e flexibilidade cambial, o que se seguiu foi um

severo aumento da carga tributária líquida. Ora, políticas industriais efetivas são

caras e criam inúmeros pontos de atrito com políticas macroeconômicas voltadas

aos bons fundamentos, sobretudo se estas implicam em medidas contracionistas,

as quais não apenas restringem o espaço fiscal para as de fomento e subsídio,

mas, tão ou mais importante, desestimulam decisões de investimento mais

arrojadas (em relação à estrutura produtiva existente), nas quais qualquer política

industrial tem de se plasmar.

Sem embargo, o colapso do câmbio fixo criou um cenário diverso, o qual

acabou estimulando uma maior criatividade no que o ministro nomeado em

substituição a LCMB, Celso Lafer, chamou de ―políticas microeconômicas‖ em seu

discurso de posse. Seria precipitado, contudo, crer que essa alteração, ainda que

decisiva e deletéria, tivesse o condão de alterar toda ou mesmo o essencial da

política econômica de FHC. A flexibilização cambial foi lida primeiramente como

uma ameaça séria à própria estabilidade de preços, de forma que o poder do

Banco Central foi, de fato, ampliado ao longo de 1999. A partir daí, uma nova

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―ideologia‖, só desvelada mais claramente no governo seguinte, começa a

emergir. Segundo ela, políticas microeconômicas menos ortodoxas podem ser um

complemento apropriado para a solidez e legitimidade de políticas

macroeconômicas ―corretas‖.

4.3.2. Incompatibilidade da lógica do SBCT com uma prolongada

carestia fiscal e a ascensão de gestores “desenvolvimentistas” ao

comando do MCT

O orçamento da C&T brasileira, como visto, não foi o mais duramente

atingido pela crise do Estado que durou duas décadas. Evidentemente, isso não

significa que tenha sido satisfatório, mas que, considerando a perda da relevância

da agenda do desenvolvimento econômico, à qual originalmente aparece

entrelaçada, a C&T esteve longe do ostracismo, seja pelo prestígio do tema entre

formadores de opinião, seja pela competente articulação de suas lideranças e da

burocracia pública que ―milita‖ no seu campo.

Sem embargo, o ―pacote 51‖, de 1997-98, atingiu-a duramente. Essa

situação foi agravada pela implemantação do programa de ―modernização e

qualidade" da Finep, sob a combinação de flexibilização das garantias exigidas

dos tomadores com elevadas taxas de juros, a qual colocou a agência à beira do

colapso aproximadamente no mesmo período. Anunciava-se um fim trágico para

o legado de FHC em matéria de fomento à C&T, cuja vida política iniciara-se no

meio acadêmico, o qual seria realçado pela insatisfação, nas universidades, com

a gestão de Paulo Renato de Souza.

Na verdade, o dispêndio com C&T durante o FHC I não diferiu muito do

que caracteriza todo o período de latência do pós-FNDCT, tendo inclusive

aumentado um pouco até 1996, pelo menos, por conta dos incentivos fiscais

provenientes da Pice, no governo Collor, notavelmente o mecanismo Padti/Padta.

A partir daí, as crescentes dificuldades fiscais alteraram esse padrão, levando a

uma queda significativa do fomento à C&T relativamente ao PIB.

A tabela 4.9, contudo, sugere que a lógica política do SBCT foi

determinante na criação dos Fundos Setoriais (FS):

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193

Tabela 4.9 – Composição e evolução do esforço federal de C&T nos anos

imediatamente anteriores ao nascimento da PCT&I

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008; Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central; MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos) Observações: Ver nota de rodapé 86

Como se pode observar, a perda de espaço da C&T relativamente ao total

das disponibilidades da União simplesmente não ocorreu e foi determinada pela

redução dos custos de rolagem da dívida durante um curto período. De forma

geral, na verdade a C&T já gozava de alguma prioridade entre os gastos sobre os

quais o Estado tinha certa discricionariedade, ao mesmo tempo que os

mecanismos fiscais expandiram significativamente seus custos relativos quando

do recrudescimento da crise no final dos anos 1990. Entretanto, o conjunto CNPq,

Finep e FNDCT foi duramente atingido sob todos os critérios, exceto se

consideramos a receita líquida de juros, a qual cai abruptamente de 1997 em

diante. Vale dizer, os recursos destinados à pesquisa em sentido mais estrito

acabaram sofrendo parte do custo de ajuste – por assim dizer, ―violando a regra‖

de manutenção do SBCT durante o período de sua latência.

A solução, ou ao menos a mitigação desse cenário, não obstante, poderia

ser equacionada a um custo fiscal relativamente modesto. Porém, desde o fim do

monopólio da Petrobrás e da privatização da Embratel, com a edição da LGT, o

Estado havia criado uma nova fonte de recursos relevante, à parte do bolo fiscal

levado em conta nas decisões voltadas a essa área. Tratava-se, em poucas

palavras, de dinheiro novo, pouco relevante diante do elevado custo de

C N P Q F IN E PF IN E P +

F N D C T

IN C E N T .

F IS C A IS

T O D A C & T

P E L O

M É T O D O

A N T IG O

C N P Q F IN E PF IN E P +

F N D C T

IN C E N T .

F IS C A IST ota l C N P Q F IN E P

F IN E P +

F N D C T

IN C E N T .

F IS C A ISto ta l

1 9 9 3 0 ,0 9 0 0 ,0 4 5 0 ,0 6 2 0 ,0 5 3 0 ,3 1 0 0 ,5 1 1 0 ,2 5 3 0 ,3 4 9 1 ,1 6 0

1 9 9 4 0 ,0 8 9 0 ,0 1 2 0 ,0 4 7 0 ,0 4 3 0 ,3 7 5 0 ,4 4 1 0 ,0 5 8 0 ,2 3 5 0 ,2 1 5 0 ,8 9 1

1 9 9 5 0 ,0 8 5 0 ,0 3 3 0 ,0 6 4 0 ,0 5 4 0 ,3 6 9 6 ,0 2 0 0 ,4 5 9 0 ,1 8 1 0 ,3 4 7 0 ,2 9 3 1 ,0 9 9 1 ,4 0 5 0 ,5 5 4 1 ,0 6 3 0 ,8 9 6 3 ,3 6 4

1 9 9 6 0 ,0 7 0 0 ,0 1 7 0 ,0 5 2 0 ,0 7 9 0 ,3 7 4 7 ,0 2 0 0 ,3 8 9 0 ,0 9 5 0 ,2 9 0 0 ,4 4 0 1 ,1 1 9 0 ,9 9 9 0 ,2 4 5 0 ,7 4 5 1 ,1 3 0 2 ,8 7 3

1 9 9 7 0 ,0 6 9 0 ,0 5 8 0 ,0 6 6 0 ,0 9 5 0 ,3 3 1 8 ,0 2 0 0 ,3 7 9 0 ,3 1 8 0 ,3 6 2 0 ,5 2 1 1 ,2 6 2 0 ,8 6 1 0 ,7 2 2 0 ,8 2 2 1 ,1 8 4 2 ,8 6 7

1 9 9 8 0 ,0 5 0 0 ,0 2 4 0 ,0 5 9 0 ,1 2 3 0 ,2 9 9 5 ,5 5 0 0 ,2 6 0 0 ,1 2 7 0 ,3 0 9 0 ,6 4 5 1 ,2 1 4 0 ,8 9 3 0 ,4 3 4 1 ,0 5 9 2 ,2 1 4 4 ,1 6 6

1 9 9 9 0 ,0 5 1 0 ,0 1 2 0 ,0 2 9 0 ,1 6 7 0 ,2 9 6 1 ,5 5 0 0 ,2 5 2 0 ,0 5 8 0 ,1 4 2 0 ,8 2 4 1 ,2 1 7 3 ,2 8 8 0 ,7 6 3 1 ,8 5 2 1 0 ,7 6 6 1 5 ,9 0 6

A

N

O

S

C O M O % D O P IB

C O M O % D A R E C E IT A B R U T A , A N T E S

D A S T R E N S F E R Ê N C IA S , D O G O V E R N O

F E D E R A L

C O M O % D A R E C E IT A B R U T A , A N T E S D A S

T R A N S F E R Ê N C IA S , D O G O V E R N O

F E D E R A L , D E S C O N T A D A S D E D E S P E S A S

C O M J U R O S E P R E V ID Ê N C IA

R E C E IT A

D IS P O N ÍV E L

D A U N IÃ O

C O M O % D O

P IB

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194

carregamento do passivo público e livre para ser destinado a aplicações não

―carimbadas‖ (para repasses a estados ou para tipos específicos de gastos),

porque fruto de contribuições e de direitos da União (royalties), cujo uso contaria

com significativa flexibilidade.

Carlos Américo Pacheco, diferentemente de LCMB, era um burocrata

típico, exceto por seu acesso a políticos influentes (fora coordenador do plano de

governo do PSDB em 1998 e possuía ótimo trânsito dentro do Palácio) e pelo fato

de não ser um servidor de carreira federal. Por outro lado, atuava como tal,

possuindo na qualidade técnica e na discrição atributos decisivos. Como novo

secretário-executivo do MCT, apoiado pelo novo ministro, Luís Carlos Bresser

Pereira, foi sob sua liderança que um grupo pequeno, mas ativo e bem

posicionado, de policy makers foi capaz de unir essas novas possibilidades com

um plano simples, mas arguto, para recuperar terreno diante da clientela do MCT.

A queda súbita de Bresser Pereira, em junho de 1999, substituído pelo ex-

secretário de assuntos estratégios da Presidência da República, Ronaldo

Sardenberg, não abalou a estratégia delineada no primeiro semestre daquele ano.

O mérito maior de Sardenberg, Pacheco e seus colaboradores, contudo,

vai muito além de encontrar um meio de permitir que FHC encerrasse seu

governo em paz com a comunidade científica. Coube-lhe recuperar e trazer à luz

a velha percepção de que economia e C&T estão profundamente imbricadas,

articulando-a em um novo discurso e em um novo diagnóstico sobre a dificuldade

do Brasil em superar a estagnação, e a plasmando em diretrizes concisas e

compreensíveis, capazes de serem legitimadas fora da clientela do MCT.

Evidentemente, é irrelevante se os membros desse grupo entendem que a

efetividade da articulação entre C&T e economia só poderia ser garantida com o

retorno de um planejamento vigoroso e decidido, haja vista que abraçar tal

discurso só lhes condenaria ao limbo, mesmo que uma recuperação das bolsas

dos pesquisadores e do orçamento do MCT pudesse ser alcançada.

Para que a C&T ampliasse decisivamente seu papel no conjunto da ação

governamental e passasse a disputar um lugar relevante na política econômica

propriamente dita, deixando seu caráter de nicho (por mais recursos que

passasse a receber), um novo enfoque teria de ser construído. O locus

institucional do mesmo teria de ser o da política industrial e ―de competitividade‖,

o qual se encontrava vago, pela manutenção da idéia de que o ajuste

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microeconômico automático preconizado por Gustavo Franco era, além de o mais

neutro, o mais capaz de recompor o ―crescimento sustentável‖; e pelo

afundamento da candidatura de LCMB ao posto de comandante da política

econômica estruturante.

Faltava, não obstante, dar mais força e abrangência ao discurso da C&T

como séria contendedora ao locus reivindicado pelos "desenvolvimentistas". As

Conferências Nacionais de C&T – muito semelhantes a que ensejou o I Plano

Nacional de C&T, nos tempos de Renato Archer – foram importantes elementos

de mobilização e para dar visibilidade à proposta. A partir daí, a política de C&T

passa a poder reivindicar-se como parte da política econômica. Para que isso se

tornasse realidade, entretanto, seria necessário o comprometimento de um

público que extravasasse significativamente a comunidade de fervorosos

militantes da C&T.

Felizmente, a percepção de que o Consenso de Washington fora incapaz

de retomar o crescimento não estava restrita ao Brasil. No âmbito do Banco

Mundial e, de forma mais ousada, na OCDE e na UE, uma fusão entre elementos

da nova teoria do crescimento endógeno e do neoschumpeterianismo, imiscuídos

em diagnósticos e estudos normativos propostos pela comunidade internacional

de burocratas e policy makers de C&T, engendrava uma nova sabedoria sobre o

crescimento econômico108. Normativamente, pode ser associado ao ―modelo NSI‖,

em suas versões diversas, mas sempre com doses de voluntarismo incompatíveis

com uma leitura serena e teoricamente fundamentada do conceito (conforme

discutido no capítulo 2). Suas bases teóricas, contudo, encontram-se em um

espectro amplo de estudos, com muitas afinidades e diferenças entre si, mas que

podem ser associados à percepção da emergência da ―economia baseada no

conhecimento‖, entendida tanto como uma nova realidade, na qual o crescimento

é devido muito mais ao aumento da oferta e do uso de ―conhecimento‖, como se

fosse um ―fator de produção‖ distinto dos demais; como quanto uma nova teoria, a

qual compreende o funcionamento da economia, ao menos da economia

capitalista, de forma distinta tanto da economia neoclássica quanto das diversas

heterodoxias antigas (exceção feita a Schumpeter, ao menos parcialmente).

108 Cf também KOELLER 2009

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196

4.3.3. O chão ideológico-conceitual: a consolidação da “Economia do

Conhecimento”

O processo ao qual Mário Possas chamou ―cheia do main stream‖ decorreu

essencialmente, por motivos que não interessam aqui, da tentativa do saber

convencional em Economia de abarcar hipóteses pouco convencionais, mesmo

as que vão de encontro aos pressupostos basilares da lógica da ação individual,

de agentes econômicos, unidades familiais e firmas, baseada na chamada

racionalidade maximizadora. Uma nova pauta de questões foi criada, em

particular concentrada na expansão da macroeconomia neowalrasiana para o

longo prazo e na compreensão do funcionamento das firmas ―para dentro‖. A

ortodoxia restaria viva no tratamento metodológico das novas questões,

abordadas sob hipóteses mais flexíveis.

No que diz respeito à economia da inovação e à teoria do crescimento

econômico, esse movimento resultou na aproximação com a teoria

neoschumpeteriana, o qual, ao que tudo indica, tanto foi ditado pelo ―diálogo‖ com

o novo main stream, como pelo fato de as questões práticas e empíricas que

emergiram no período eram, naturalmente, comuns a ambos os ―paradigmas‖,

ainda que ―lidas‖ a partir dos distintos arcabouços conceituais.

A percepção de que o crescimento no longo prazo independe da gestão

macroeconômica é uma tipo de princípio pétreo da economia neoclássica,

sobretudo em sua versão neowalrasiana. Dentre os autores que lhe são

representativos (Lucas, Sargent, Barro, Fisher e, mesmo entre os monetaristas

―clássicos‖, Patinkin, Friedman e Modigliani), o debate relevante trata sobre o

custo dos erros de política a curto prazo, os quais são transitórios e não afetam a

taxa de crescimento propriamente dita, a qual é definida pela distância em relação

ao nível de equilíbrio, que, por sua vez, reflete a taxa de poupança, o estoque de

capital humano e a velocidade do progresso técnico. Os avanços recentes109 só

realçaram a percepção de que o crescimento econômico possui causas

microeconômicas.

109 Mais recentemente, o rol de variáveis relevantes foi ampliado para abarcar também a qualidade das instituições,

sobretudo no sentido de evitar o crescimento acelerado de custos de transação ou de falhas de intervenção, ademais, obviamente, das variáveis relativas à internalização dos benefícios esparsos, gerados pela inovação e pela presença de rendimentos marginais crescentes no uso de conhecimento pelas empresas (via P&D, em geral).

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Por sua vez, a concentração, dentre o rol das possíveis causas

microeconômicas, nas relativas ao conhecimento e à tecnologia tem uma história

menos linear. Com certeza, os estudos de Solow do final dos anos 1950

cumpriram um papel decisivo nessa delimitação. Posteriormente, Arrow e Hayek

contribuíram para a percepção de que o conhecimento não era exatamente um

fator de produção e que as considerações para que assim fosse, heuristicamente,

considerado, confrontar-se-iam com significativas dificuldades analíticas, uma vez

que seria um fator de produção com características muito peculiares. Embora

partissem de hipóteses e mesmo de marcos epistemológicos distintos, a

―formulação de problema‖ aí gerada – ainda nos anos 1960 – permitiu aos

schumpeterianos um fértil campo de diálogo com o main stream.

Os grandes think tanks e agências multilaterais passaram a ecoar essa

percepção com mais firmeza apenas ao final dos anos 1990. Pode-se enumerar

três razões para tanto.

Primeiro, a nova teoria do crescimento endógeno foi assimilada e passou a

integrar a sabedoria convencional por essa época. Tal assimilação deu-se pari

passu à sua integração a um núcleo mais amplo, do qual também fazem parte

(não sem notáveis diferenças, ao menos de ênfase) a teoria do capital humano e

a nova economia institucional. Ao todo, compõem linhagens distintas do main

stream sobre crescimento econômico110, cujo chão empírico comum é a chamada

growth accouting.

Segundo, os resultados logrados pelo chamado Consenso de Washington

foram significativos quanto à estabilidade monetária, mas vinham gerando, com

exceções localizadas, taxas de crescimento muito menores que as típicas do

período pós-guerra, caracterizado por elevado ativismo macroeconômico. (Fiori,

1995; Maddison, 2002; Bresser-Pereira, 2003).

Terceiro, mesmo em suas versões mais heterodoxas, políticas para o

desenvolvimento econômico que não implicassem escolhas de firmas ou setores

vencedores poderiam conviver bastante bem com políticas macroeconômicas

voltadas para a estabilidade, em particular respeitando a trindade câmbio flexível

– contas públicas equilibradas – autonomia da autoridade monetária.

110 Ver Dequech, 2006 a.

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198

A percepção de que uma ―economia baseada no conhecimento‖ emergia

nasce daí. Embora parte significativa das idéias que abriga não seja propriamente

nova – podendo ser retroagida aos estudos de Arrow ou mesmo de Hayek, ou

associadas ao surgimento de um novo paradigma tecno-econômico baseado nas

TIs, como destacado nos trabalhos de Freeman e Perez nos anos 1980 –, há uma

novidade decisiva no enfoque mais normativo e menos arredio a políticas

macroeconômicas market friendly, como as que caracterizam as recomendações

da OCDE, do Banco Mundial e, mais sistematicamente, da União Européia pós-

euro.

Ao contrário, espera-se que a estabilidade garantida pela perseguição de

políticas a ela voltadas seja parte decisiva das condições indispensáveis para a

aceitação do elevado risco que caracteriza a inovação (cf. WORLD BANK 1999;

COMISSÃO EUROPÉIA 2000)

Por outro lado, uma série de políticas micro e ―meso‖ econômicas

marcadas por forte ativismo é admitida e saudada. Assim, apesar de significativas

diferenças epistemológicas e conceituais, schumpeterianos e neoclássicos pouco

se distanciam quanto ao tipo e à intensidade de políticas relevantes para o

crescimento econômico, já que ―these approaches agree on basic issues such as

the importance of innovation and technology for economic growth, as well as the

positiva role that can be played by government policy for scince and technology‖

(VERSPAGEN, 2005p. 492)111.

Embora academicamente caiba a Paul Romer a liderança da nova

corrente, os autores schumpeterianos, sob protagonismo de Bengt-Ake Lundvall,

possuem destacada participação. Com efeito, os textos de guidelines e de

melhores práticas estão mais frequentemente embebidos da percepção

schumpeteriana de que a promoção do crescimento deve ser buscada

essencialmente por meio da promoção do conhecimento e de seu uso pelas

empresas:

The most fundamental resource in the modern economy is knowledge, and, accordingly, the most important process is learning. The fact that knowledge differs in crucial respects form other resources in the economy makes traditional economics less relevant and motivates efforts to develop an alternative paradigm. (LUNVALL, 2010, p. 5).

111 No mesmo sentido, ver Howitt, 1999 e Dahlmann, 2002.

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Em que pese as frequentes declarações de incômodo com a Economia

Neoclássica, a noção de que é o conhecimento a variável crucial na determinação

do crescimento econômico é decisiva para situar o main stream schumpeteriano

em linha com o main stream neoclássico, ao menos no que se refere às políticas

para o crescimento e o desempenho econômico em geral:

As can be seen from the overview of empirically based studies, it is clear that the overall economic performance of OECD countries is increasingly and more directly based upon their knowledge and their learning capabilities (LUNVALL AND FORAY, 1999).

Por Lundvall, Soete e Dahlmann, entre outros, terem participado

diretamente da formulação desses documentos, não é surpreendente aquele

autor declarar que:

In international organisations – OECD, UN, World Bank, European Commission - it is now recognised that competitiveness and economic progress is based upon knowledge; in the management literature it is increasingly recognised that knowledge is the strategic ressource [i.e.,] knowledge needs to be managed (Lundvall, 2007).

Com efeito, não é difícil de perceber a influência desse diagnóstico nos

textos do Banco Mundial, por exemplo:

To capitalize on the knowledge revolution to improve their competitiveness and welfare, developing countries need to build on their strengths and carefully plan appropriate investments in human capital, effective institutions, relevant technologies, and innovative and competitive enterprises. Countries such as Korea,Ireland,Malaysia and Chile illustrate the rapid progress that can be made. (WORLD BANK, 2008).

Essa percepção já era bastante visível no World Development Report de

1998, que reformulava a noção de catching up tecnológico, aoafirmar que:

Increased importance of knowledge provides great potential for countries to strengthen their economic and social development by providing more efficient ways of producing goods and services and delivering them more effectively and at lower costs to a greater number of people. However, it also raises the danger of a growing 'knowledge divide' [rather than just a 'digital divide'] between

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200

advanced countries, who are generating most of this knowledge, and developing countries, many of which are failing to tap the vast and growing stock of knowledge because of their limited awareness, poor economic incentive regimes, and weak institutions. Combined with trade policy liberalization, the knowledge revolution is leading to greater globalization and increased international competition, which is eroding the natural resource and low labor cost advantage of most developing countries. (WORLD BANK, 1998).

A política de desenvolvimento da União Européia também evidencia a

aproximação entre schumpeterianos e neoclássicos.112 Embora destaque a

importância de maior liberalização dos mercados, desburocratização, promoção

do empreendedorismo e enrijecimento da proteção aos direitos de propriedade

intelectual como pontos-chave de sua agenda, a estratégia de Lisboa era

fundamentalmente heterodoxa na promoção da P&D&I:

There is overwhelming evidence of the vital importance of boosting R & D as a prerequisite for Europe to become more competitive. To fail to act on that evidence would be a fundamental strategic error — yet too many Member States remain worryingly complacent and need to instil a much greater sense of urgency. Major structural obstacles still lie in the way of higher levels of R & D spending, both private and public. Tax incentives for newly founded small and medium-sized enterprises (SMEs) that invest in research should be encouraged. Public support for R & D at the EU and national levels should be boosted, particularly on key technologies that drive economic growth, both to strengthen the science base and to increase the leverage effect on R & D investment by the private sector. Public–private partnerships should be facilitated and encouraged as a means of boosting investment. Europe‘s science base should be strengthened by funding and coordinating long-term basic research ranked by scientific merit via the creation of a European Research Council. At the same time, Member States and the Commission should look at ways in which public procurement could be used to provide a pioneer market for new research and innovation-intensive products and services. (European Union, 2004, p. 21).

Não obstante, a OCDE é a mais influente e decidida promotora da

percepção de que políticas de desenvolvimento têm de ser políticas direcionadas

a promover e aprofundar a relação entre economia e ―conhecimento‖:

112 KOELLER (2009) é referência obrigatória quanto à influência do modelo de PCT&I europeu, sobretudo o francês, sobre o

brasileiro. Sem embargo, essa autora entende que a influência (neo) schumperiana é apenas ambígua e mediada sobre aquele modelo, em que pese, segundo sua percepção, apesar da retórica arrojada e com elementos nítidos de schumpeterianismo com que é advogada. Não é demasiado destacar que, por outro lado, ZUCOLOTTO (2009, p. 110), entende que a PCT&I brasileira recente é claramente neoschumpeteriana.

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201

The OECD economies are increasingly based on knowledge and information. Knowledge is now recognised as the driver of productivity and economic growth, leading to a new focus on the role of information, technology and learning in economic performance. The term ―knowledge-based economy‖ stems from this fuller recognition of the place of knowledge and technology in modern ECD economies. OECD analysis is increasingly directed to understanding the dynamics of the knowledge-based economy and its relationship to traditional economics, as reflected in ―new growth theory‖. The growing codification of knowledge and its transmission through communications and computer networks has led to the emerging ―information society‖. The need for workers to acquire a range of skills and to continuously adapt these skills underlies the ―learning economy‖. The importance of knowledge and technology diffusion requires better understanding of knowledge networks and ―national innovation systems‖. Most importantly, new issues and questions are being raised regarding the implications of the knowledge-based economy for employment and the role of governments in the development and maintenance of the knowledge base. Identifying ―best practices‖ for the knowledge-based economy is a focal point of OECD work in the field of science, technology and industry. (OECD, 1998, p. 3).

A compilação de melhores práticas, por sua vez, colocava um dos temas

prediletos do debate normativo neoschumpeteriano – a relação entre o aparato

produtivo não estatal e o aparato de produção científica:

In part because of its increased importance in the knowledge-based economy, the science system finds itself torn between more traditional areas of research and investigations that promise more immediate returns. Many argue that if scientists are to create the knowledge that will generate the new technologies of the next century, they should be encouraged to have their own ideas, not continue with those that industry already has. There should be sufficient scope to allow scientists to set research directions guided by their own curiosity, even when these are not seen as immediately valuable to industry. On the other hand, some of the most important scientific insights have come from the solution of industrial problems. The knowledge-based economy is raising the profile of the science system, but also leading to a more intense probing of its fundamental identity. (OECD, 1998, p. 26).

A conclusão desse dilema é coerentemente arbitrada em prol do enfoque

subjacente aos NSIs, na medida em que um conjunto de indicadores referentes à

criação tecnológica e à efetividade competitiva dos ―insumos de conhecimento‖ é

sugerido para avaliar as políticas direcionadas para a promoção da economia

baseada no conhecimento.

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202

Não obstante alguns autores considerarem a própria noção de economia

baseada no conhecimento como escorregadia e pouco rigorosa, à base dessa

formulação, desde meados dos anos 1990, a OCDE e, em menor grau, o BIRD e

a UE, passaram a constituir uma relação de melhores práticas de políticas pró-

inovação, práticas essas consoantes à noção de NSI, elevando o

―schumpeterianismo‖ a uma espécie de novo consenso desenvolvimentista.

Embora preserve elementos do Consenso de Washington, como o que se refere

às políticas macroeconômicas, à horizontalidade e à mínima discricionariedade

das intervenções microeconômicas; o schumpeterianismo da economia do

conhecimento altera fundamentalmente a delimitação do papel do Estado. Em

particular, entende que o Estado pode, sem afetar em demasia a eficiência

alocativa ―estática‖ da economia, adotar medidas ―estruturantes‖, capazes de

alterar o curso da economia a longo prazo, aumentando seu potencial de

crescimento113.

Assim, apesar de cuidadoso em relação ao problema do excesso de

intervenção (ainda que não ―dirigista‖) que o foco em falhas de mercado

tradicionais pode acarretar, gerando falhas de intervenção tão ou mais danosas

que aquelas, o novo enfoque assevera que o caráter horizontal dos incentivos à

P&D e à inovação, mesmo quando realizados por meio de incentivos fiscais, é

pouco intrusivo na formação de preços e taxas de lucro relativas e, assim, no uso

de fatores de produção.Mais que isso: compreende que esse tipo de intervenção

é capaz de acelerar a taxa de crescimento não inflacionária da economia,

elevando, ao acelerar o aumento da produtividade total de fatores, o nível de

expansão não inflacionário da renda. O rol de boas práticas típicas da economia

do conhecimento, portanto, permite, e mesmo exorta o convívio entre elevado

intervencionismo (ao menos quantitativamente), sob a forma de estímulos

variados à inovação e à absorção de conhecimento pelas firmas, bem como de

políticas não econômicas fiscalmente pesadas (sobretudo a de educação formal),

e, de outro lado, políticas macroeconômicas saudáveis, voltadas para a

manutenção de fundamentais sólidos (portanto, passivas e não keynesianas em

sua essência), desinteressadas de afetar a taxa de crescimento.

113 Jessop (1994) propõe uma ―teoria do Estado schumpeteriano‖ que combina elevado intervencionismo pelo lado da oferta,

reversão dos padrões keynesiano-fordistas de gestão da demanda agregada e rumo a um workfare state. Ver a esse respeito ARIETI, 2003.

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203

Embora anova ―sabedoria convencional‖ tenha se propagado rapidamente

entre os países centrais (mais nitidamente entre os europeus), projetando seu

espectro em diversos pontos do GATT e dos acordos TRIPS e TRIMS, no Brasil o

enfoque pró-competitividade dos anos 1990 foi-lhe fundamentalmente alheio,

muito mais associado, como visto, ao processo adaptativo das firmas diante de

um aumento da exposição a concorrentes mais arrojados, dadas as condições

vigentes, com umas poucas ações defensivas, adaptativas. Não obstante, do

mesmo modo que o Brasil aderiu tardia, mas decididamente, ao ideário pró-

abertura e desregulamentação do Consenso de Washington, apenas ao final da

década as recomendações derivadas do schumpeterianismo da economia do

conhecimento começam a ser assimiladas. No princípio recebidas de forma

marginal e mediada seja em relação ao discurso pró-competitividade, seja em

relação às demandas da comunidade científica, as novas idéias paulatinamente

aceleram sua propagação, para se tornarem hegemônicas e decisivas no primeiro

governo Lula.

Todavia, já em 2001 apareciam de forma bastante articulada e apontando

para uma estratégia para o crescimento e a competitividade. Assim, o texto inicial

do ―Livro Verde da C&T‖, anterior à Conferência Nacional de C&T da qual resulta

o ―Livro Branco‖, estabelece-se que:

Inicia-se um novo século. Este será, ainda mais do que o anterior, o século da Ciência, da Tecnologia e da Inovação. O Brasil precisa levar adiante a discussão sistemática, ampla e participativa dos desafios de construção de uma sociedade onde o conhecimento seja o propulsor de conquistas culturais, sociais e econômicas. A questão fundamental a ser formulada, e que orienta a construção deste Livro Verde, é a de como inserir Ciência, Tecnologia e Inovação na agenda política do País e, dessa forma, transformá-las em verdadeira alavanca da criação de uma sociedade rica e eqüitativa.(...) É preciso criar as condições para aproveitar o imenso potencial de promoção social, econômica e cultural que o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia oferece, hoje e ainda mais no futuro. O desafio é construir, de forma coordenada e participativa, as bases efetivas de uma sociedade sintonizada com a produção e o avanço do conhecimento. (...) Sociedade do conhecimento, sistemas de inovação, função social do conhecimento, estes, entre outros temas, são assuntos recorrentes neste Livro. Seja qual for o enfoque que se privilegie, há forte convergência em âmbito internacional sobre o papel-chave que hoje cumprem Ciência, Tecnologia e Inovação na construção das sociedades modernas. Os países desenvolvidos e um grupo cada vez maior de países em desenvolvimento têm colocado a produção

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204

de conhecimento e a inovação tecnológica no centro de sua política para o desenvolvimento. Fazem isto movidos pela visão de que o conhecimento é o elemento central da nova estrutura econômica que está surgindo e de que a inovação é o principal veículo da transformação do conhecimento em valor.(...) Os investimentos feitos em Ciência, Tecnologia e Inovação trazem retorno na forma de uma população mais bem qualificada, de empregos mais bem remunerados, de geração de divisas e de melhor qualidade de vida. A produção de conhecimento e sua incorporação em inovações tecnológicas são instrumentos cruciais para o desenvolvimento sustentável. Pelo lado do desempenho econômico, isto se deve ao fato de que as inovações são o principal determinante do aumento da produtividade e da geração de novas oportunidades de investimento. (BRASIL, 2001)

Embora apenas no governo seguinte a adesão ao núcleo duro da gestão

macroeconômica à hipótese da EBC se torne evidente, é sob a expansão desse

"espírito de época" que a conversão da PC&T em política econômica,

extravasando largamente o grupo de militantes e clientes que se satisfez em

atender durante o período de latência, alcança e encontra acolhida no Palácio e

tolerância entre os dirigentes da política macroeconômica em sentido estrito,

situados entre os Ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento e o

Banco Central.

4.3.4. Redução da instabilidade macroeconômica e ampliação do escopo

da PC&T

A união destes três elementos – a perda de legitimidade da defesa do

aumento da competitividade como efeito do aumento da concorrência e do

equilíbrio macroeconômico per se; a carestia fiscal da C&T no pós-pacote 51 (e a

reação que engendrou); e a conformação internacional de um novo consenso pró-

crescimento baseado no conhecimento –, e mesmo que a isso se adicionassem a

argúcia e perícia do grupo no comando do MCT, não bastaria para que uma

guinada no papel da C&T no conjunto da ação governamental ocorresse. Uma

condição sine qua non foi a abertura, ainda que tímida e incipiente, de

perspectivas novas para a economia e para a política fiscal, condição na qual a

redução da carestia fiscal seria unida a melhores perspectivas para o

investimento. Havia que se aproveitar, enquanto perdurasse, esse novo cenário.

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205

Cabia ao governo fazer as melhores opções para que um novo ciclo de expansão,

baseado em aumento da competitividade, fosse estabelecido.

Na ―exposição de motivos da criação dos fundos setoriais‖, o ministro da

C&T apresenta como argumento central para justificar o timing das medidas:

Em mais de um sentido, estamos diante de um problema de natureza estratégica [...] registra-se o início de uma promissora recuperação econômica, o que cria uma oportunidade excepcional, talvez única. [...] Em termos amplos, a opção do Governo e da sociedade se situa agora muito simplesmente entre uma aceitação passiva de que vige uma alta propensão, no sistema internacional, para a exclusão do País, e o esforço deliberado nos sentido de garantir a participação do Brasil no processo de renovação tecnológica mundial.O caráter estratégico da capacitação científica e tecnológica e da formação de recursos humanos qualificados tem sido dramaticamente realçado pela internacionalização da economia. Nos países que têm enfrentado melhor os novos desafios, o suporte ao desenvolvimento científico e tecnológico assume importância crescente. É esta a razão pela qual os incentivos à P&D passaram a ser instrumentos-chave das novas políticas industriais(MCT, 1999, apud Pacheco, 2004, p. 9).

Com efeito, à luz do diagnóstico comum entre os atores relevantes do

sistema de C&T brasileiro, bem como entre os empresários próximos, entendia-se

que um dos motivos basilares para as políticas de então não funcionarem era a

elevada taxa de juros, incompatível com o risco peculiarmente elevado da

atividade inovativa, do crédito existente, mesmo subsidiado, e a perspectiva

econômica em geral quanto ao crescimento da demanda – interna, pelo baixo

nível de atividade; e externa, pelo irrealismo da taxa cambial. Esses dois aspectos

dificultavam sobremaneira o avanço na construção ou complementação do

―sistema de inovação brasileiro‖. A esse aspecto se unia, segundo a visão dos

gestores públicos, o reconhecimento de que a instabilidade e a penúria fiscal

dependiam, igualmente, de algum alívio macroeconômico. Superados os

momentos mais dramáticos do reajuste ao novo regime macroeconômico,

rapidamente instalado, abriu-se espaço para uma oportuna e ágil ação no sentido

de aproximar universidades, centros de pesquisa e empresas, sob os auspícios

de um governo interessado em deixar um legado de prosperidade – para o quê,

como visto, a PC&T parecia de custo modesto e com ampla chancela por parte

dos especialistas em desenvolvimento de variados matizes.

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Sem embargo, a penúria fiscal, em condições macroeconômicas ainda

adversas, impedia decisões mais arrojadas nessa direção. O clarão em meio a

um céu carregado que se abriu em meados de 1999 permitia que uma ação mais

arrojada fosse tentada – com um pouco de ―fortuna‖, permitiria romper ou ao

menos enfraquecer o mecanismo do círculo vicioso. Na verdade, a própria ruptura

do círculo de ferro do câmbio fixo e valorizado estimulava a um maior ativismo

competitivo. Ademais, contra os maus augúrios de alguns economistas, sobretudo

os mais fincados na ortodoxia (de então), a situação evoluiu extraordinariamente

bem após o colapso do ―antigo regime‖, como evidencia a evolução de alguns

macroagregados representativos:

Tabela 4.10 – Evolução de alguns dos principais indicadores

macroeconômicos no entorno do colapso do câmbio fixo

Indicador 1996 1997 1998 1999 2000

Inflação 9,56 5,22 1,66 8,94 5,97

PIB 2,15 3,38 0,04 0,25 4,31

Dív/PIB 30,7 31,8 38,9 44,5 45,5

Bal.Com. -5,6 -6,8 -6,6 -1,2 -0,7

BP/PIB -2,8 -3,5 3,97 -4,33 -3,78

Fontes: Banco Central do Brasil e IpeaData.

Como se pode observar, pari passu a um relaxamento do problema do

estrangulamento externo, com uma redução significativa já em 1999 do déficit

comercial e um impressionante incremento na relação saldo do BP/PIB, a gestão

monetária pôde, sem sacrifício relevante do nível de atividade, manter a inflação

em patamar modesto (trajetória parcialmente interrompida pela ―crise do apagão‖

em 2001).

Por outro lado, embora diferentemente do que se passou durante o primeiro

mandato do presidente Lula (doravante, Lula I), quando a própria área econômica

e os ministérios gestores de interesses corporativos estabelecidos, como o da

Indústria e o da Agricultura, também aderem significativamente à noção do

desenvolvimento liderado pela inovação e pelo conhecimento, no FHC II a área

macroeconômica, então fortemente dominada pelo Banco Central, mantém-se

quase completamente desinteressada do tema. Embora para esse grupo já

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207

estivesse bastante difundida a crença de que políticas pró-inovação eram, no

mínimo, preferíveis por menos distorcivas e menos passíveis de falhas de

intervenção, que as de corte setoriale/ou voltadas a aumentar a formação de

capital – ademais de certamente possuírem menor impacto fiscal –

evidentemente, isso não foi suficiente para que uma nova estratégia fosse

adotada.

A união entre C&T e desenvolvimento econômico não é, evidentemente,

uma idéia nova. Conforme visto, já estava bem delineada ao menos desde o II

PBDCT, apesar de então passar ao largo da questão da inovação empresarial.

Nos tempos das políticas pró-competitividade, essa relação voltava às vezes à

tona, mas trazia, de um lado, a perspectiva do retorno à lógica do plano; de outro,

o receio de que significasse elevado intervencionismo. Apenas nos anos 1990,

uma consciência e um savoir faire específico em torno das políticas de inovação

tecnológica se formam114. Como visto, esses elementos foram em boa medida

resultado da consolidação e divulgação de um novo arranjo de diretrizes e linhas

de ação por parte da OCDE e outras agências internacionais de elevada

reputação.

Mas à oportunidade dada pela crise dos recursos para a C&T, a partir de

1998, teve de ser unido um elevado senso de oportunidade da equipe reunida em

torno do ministro da pasta, a partir de meados do ano seguinte, Ronaldo

Sardenberg.

É nítido que o plano pró-crescimento original do presidente FHC passava

longe da área. Mendonça de Barros, o escolhido para liderar essa mudança, era

muito mais identificado como um defensor da importância do elevado nível de

formação de capital como elemento essencial da aceleração sustentável do

crescimento, ademais de lhe ser atribuída uma maior leniência com o controle da

inflação. Além disso, a indicação de FHC para o MCT recaiu sobre um

especialista em gestão (para o que deve ter decisivamente contribuído a

percepção de que tal ministério era incapaz de coordenar até mesmo órgãos

formalmente sob seu comando, como o CNPq), o ex-ministro e laureado

economista Bresser-Pereira, nome identificado àquele tempo com a reforma

―gerencialista‖ do Estado.

114 KOELLER 2009

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208

Após sua breve passagem, em que tentou confrontar a lógica clientelista

dominante, Bresser-Pereira foi substituído por um nome ―de fora‖, mas marcado

pela capacidade de diálogo e articulação, Ronaldo Sardenberg, que se acercou

de uma equipe saudada como arrojada, com uma visão global do sistema de

C&T, boas articulações junto à burocracia mais técnica do Palácio e, não de

somenos importância, um objetivo claro e bem definido à frente: fazer com que o

sistema de C&T brasileiro, já então de porte respeitável, mas enviesado para a

―oferta‖, fosse mais integrado ao sistema produtivo, contribuindo decisivamente

para o desenvolvimento.A contrapartida política do sucesso na realização desse

objetivo seria uma natural ocupação do espaço seja da ortodoxia econômica, para

a qual o crescimento é essencialmente um resultado derivado de uma gestão

macroeconômica saudável, combinada com a mínima intervenção

microeconômica; seja dos desenvolvimentistas propriamente ditos, para os quais

estimular o investimento e as exportações era a questão determinante.

A exposição de motivos da criação dos fundos setoriais, elaborada ainda em

1999, articula esses elementosde forma bastante equilibrada, como se verá

adiante. Entrementes, o diagnóstico mais comumente compartilhado pelos

representantes da comunidade científica era de que os recursos, que já eram

poucos, estavam inviabilizando até atividades cotidianas nos ICTs, mas que

qualquer solução que não atacassea questão da instabilidade de recursos era

uma não solução. Embora fosse bem conhecido o problema da alta participação

dos governos nos gastos de P&D (e de C&T) e da raridade de pesquisadores em

empresas, sua interpretação era a de que esse dado evidenciava a falta de

empreendedorismo e de arrojo dos dirigentes empresariais brasileiros.

Certamente, seria pouco astuto insistir em que os pesquisadores brasileiros

precisariam se aproximar mais da economia e das empresas para que a

legitimidade de seu pleito por recursos em maior quantidade e com mais

estabilidade fosse ouvido além da opinião pública e dos círculos decisores que

lhes eram simpáticos (mesmo que esses círculos em parte estivessem dentro do

próprio Palácio do Planalto).

Era necessário satisfazer essa clientela com alto poder de influência e, se

possível, atraí-la para a base de apoio às mudanças. A solução foi engenhosa.

Utilizando-se de dispositivos remanescentes das privatizações ainda mal

ajambrados, os policy makers alojados no MCT tomaram como modelo a lei de

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quebra do monopólio da Petrobrás (Lei 9478/97) e a Lei Geral de

Telecomunicações (Lei 9472/97), as quais trocavam, por assim dizer, abertura e

desregulamentação, pela criação de fundos destinados a apoiar projetos de

inovação tecnológica nos respectivos setores. A proposta, relativamente simples,

estendia o mecanismo que, no casodesses setores baseava-se na arrecadação

de contribuições sobre receitas ou parte delas, auferidas pelas empresas

―beneficiárias‖ das desregulamentações (no caso do Fundo do Petróleo,

sobretudo, da Petrobrás, a quem evidentemente não interessava o fim do

monopólio). Na verdade, parte decisiva da nova base de recursos foi gerada

graças à expansão da CIDE, que passa a ser cobrada também, além de sobre as

importações de petróleo e derivados, sobre royalties enviados ao exterior e outros

serviços relativos à venda de ―conhecimento‖ gerado em outros países. Esses

recursos, a partir da Lei 10.168, de 2000, que plasma mais claramente a

―generalização‖ do mecanismo, estabelece que o FNDCT, recriado por Collor mas

mantido praticamente sem importância até então, seria o depositário de toda

arrecadação dos FS, exclusive o Funttel.

Os fundos setoriais marcam uma ruptura profunda na lógica do SBCT, na

medida em que, por intermédio da Finep, do MCT e do CNPq, o governo disporia

de grande capacidade para efetivamente garantir que o uso dos recursos

rompesse, ou ao menos pressionasse, os limites de tal lógica no que se refere ao

caráter autocentrado da maioria da pesquisa acadêmica realizada no país, em

direção a uma maior preocupação com a tecnologia e as pesquisas aplicadas.

Isso seria viabilizado da seguinte forma:

i. os comitês gestores, quadripartites, seguiriam diretrizes elaboradas

pelo CGEE, as quais refletiriam essa orientação mais geral;

ii. a coordenação dos comitês caberia ao governo, o qual na prática

grande dominava a formulação da pauta das discussões, desde que

algumas demandas dos pesquisadores fossem atendidas;

iii. a combinação entre os interesses dos acadêmicos, área técnica do

MCT (basicamente, relativamente ao escopo de atuação dos FS, a

Finep), militantes da C&T e empresários permitiria, dada uma boa

gestão da pauta(conforme mencionado no item ii acima), reduzir a

influência de corporações esepcíficas e microinteresses localizados

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210

(amiúde internso à burocracia ministerial) e elevar sobremaneira a

qualidade do processo decisório;

iv. na medida em que o Tesouro e a SOF eram vistos como adversários

em comum, ademais, os representantes do MCT sempre tinham um

poder de Minerva implícito;

Dessa maneira, as convocações de projetos eram feitas por meio de

―chamadas públicas‖ com ampla transparência, mas que sempre podiam ser

direcionadas, em formatos e graus diferentes, para dar um caráter muito mais

tecnológico aos projetos assim aprovados do que os que caracterizavam a

atuação do CNPq e, a partir de certo ponto, de parte significativa da ação da

Finep como repassadora dos recursos do FNDCT. Essa função, na verdade, foi

delegada a um único fundo, de grande porte, o CT-Infra, apesar de, como se verá

no último capítulo, muitos projetos ainda se mantiverem no âmbito de problemas

essencialmente acadêmicos (não raro simplesmente porque, mercê da raridade

de empresas science-based, essa era a única demanda relevante de algumas

chamadas públicas).

De qualquer forma, os fundos setoriais permitem uma alteração decisiva ao

―tecnologizarem‖ a oferta de recursos públicos para a C&T. Conforme se verá

com mais detalhe no capítulo 5 deste estudo, isso não garante inovação nem

tentativas de inovações (que teriam, evidentemente, de ter as firmas como

participantes interessadas em algum ponto do processo), mas garante invenções.

Também não supera a lógica do ―ofertismo‖ – até porque esta superação

dependeria de políticas além da de CT&I – mas passa a direcionar a oferta de

modo a torná-la mais atraente a uma potencial, esperada, demanda.

Finalmente, é autorizado dizer que a ruptura na lógica do SBCT (embora

materialmente os órgãos que o constituem mantenham-se mais ou menos os

mesmos e com atribuições bastante parecidas115) inclui uma crescente

relativização jurídica da fronteira entre entidades públicas e privadas, a qual

subverte sorrateira e radicalmente a ojeriza aos subsídios típica do FHC I. Essa

115 Nos governos de Lula, contudo, mudanças relevantes de conteúdo tornam-se mais claras com o aumento exponencial da

importância da Finep, a convergência da atuação de órgãos marginais no sistema para o avanço tecnológico (ainda que sob a lógica, agora, da PCT&I, e não de um sistema de planejamento ordenado, com instrumentos poderosos e variados), tais como o Inmetro e o Inpi, e certa reativação, apesar de desordenada e demasiado porosa a interesses constituídos, de uma política industrial de fato, v.g., por meio de compras públicas em escala significativa.

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mudança, embora não tenha se completado nesse governo, inicia-se com a

criação de um fundo específico para o fomento à cooperação entre empresas e

universidades, o FVA, que rapidamente passa a abranger mecanismos de:

equalização de taxas de juros, até o ponto de zerá-las, em operações de crédito a

empresas da Finep; participação no capital e operações de private equity em

geral com Empresas de Base Tecnológica (EBTs); subvenção direta a empresas

aderentes aos programas PadtI/Padta.

É inequívoco o elevado comprometimento do governo com essas mudanças,

as quais, conforme observado ao tratar do schumpeterianismo da economia do

conhecimento, implicavam elevado grau de intervenção estatal, ainda que

geralmente inócuas vis-à-vis a preocupação com o verticalismo e as falhas de

intervenção que faculta, e com a política macroeconômica ortodoxa. Sem

embargo, os números do FHC II exibem mudanças pouco enfáticas. O total de

gastos com C&T, por exemplo, cai a maior parte do tempo116:

Tabela 4.11 – Gastos totais da União com C&T – variação real anual

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos) Observações: Ver nota de rodapé 86

Essas quedas, contudo, são em parte explicadas pela alteração da lei de

informática em 2000, a qual acarretou um vácuo legal, que gerou, após a edição

da nova lei (Lei 10.176/01), certa insegurança jurídica, zerando as renúncias no

ano seguinte, apenas parcialmente recuperadas em 2002. Enquanto durante a

vigência do instrumento anterior, remanescente das reformas de Collor, Lei

8248/91, as renúncias crescem de R$ 2,03 bilhões (valores de 2008) em 1998,

116 Observe-se que nesse total estão incluídas operações de crédito, de renúncia fiscal e de fomento. Uma análise detalhada

obrigaria a segmentar e a considerar separadamente todas as possíveis modalidades desses tipos de incentivos. Em particular, as medidas que envolvem crédito facilitado exigiriam aferi-las conforme o diferencial entre as taxas de juros oferecidas e as melhores taxas contratáveis no mercado para cada operação. Não obstante, pressupõe-se que esse diferencial ou é constante ao longo do período ou é levamente prá-ciclo fiscal, de forma que o sentido geral que interessa para as conclusões extraídas está correto.

ANO 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Var.% 3,402 -8,353 -9,761 -0,789 1,939 -1,437 -19,16

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212

para mais de R$ 2,5 bilhões em 2000, caem a zero em 2001 e só atingem R$

1,12 bilhão em 2002 (para se ter uma idéia, em 2008, esse mesmo instrumento

permitiu renúncias de mais de R$ 3 bilhões).

Por outro lado, é fora de dúvida que as vicissitudes da política

macroeconômica atingiram duramente a PCT&I em 2001, reverberando o

―apagão‖, e em 2002, por conta do chamado ―risco Lula‖. Assim, não só o PIB e,

com ele a arrecadação, diminui, mas também os gastos com juros crescem, ao

mesmo tempo que a tendência de aumento de gastos com a previdência é

mantida sem um crescimento equivalente da receita, dada a tibiez do mercado de

trabalho formal:

Tabela 4.12 – Variação do PIB em % ao ano e outras variáveis como proporção

do PIB no FHC II

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos) Observações: Ver nota de rodapé 86

Observe-se que a última coluna, que representa a receita líquida da União

em relação ao PIB, apresenta comportamento desigual e instável, e, mesmo

crescendo a partir da reação da economia em 2000, não chega sequer a

recuperar o nível de 8% atingido em 1998. Essas quedas afetam o conjunto da

PCT&I, mas atingem ainda mais duramente os gastos mais capazes de alterar

estruturalmente o SBCT, como os do FNDCT – que é contingenciado – e da Finep

– que sofre com elevada inadimplência – ao mesmo tempo que afetam, embora

Anos PIB juros previdência rec. líq.

1997 3,38 5,2 5 8,02

1998 0,04 8 5,5 5,55

1999 0,25 13,2 5,5 1,55

2000 4,31 8 5,6 7,42

2001 1,31 8,1 5,8 7,70

2002 2,66 12,9 6 3,44

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213

em graus diversos117, a demanda pelo uso desses instrumentos, seguindo efeito

análogo ao que afeta as decisões de investimento em geral

Tabela 4.13 – Dispêndios com modalidades da PCT&I como % da receita

líquida da União no FHC II

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos) Observações: Ver nota de rodapé 86

Apenas o FNDCT apresenta uma trajetória virtuosa ao longo de todo o

período, apesar da expressiva distorção provocada pela intensa queda de receita

disponível em 1998, 1999 e 2002. Mesmo o principal indício da mudança em

curso, ao lado do necessário aumento do total desses dispêndios (que seria uma

alteração decisiva na relação de grandeza entre CNPq, de um lado, e Finep e

FNDCT, de outro); é pouco visível diante da elevada oscilação da receita, que

afeta mais severamente esses instrumentos do que o CNPq, cujo orçamento é

mais rígido.

Na verdade, não se deve menosprezar as resistências que suscitavam, por

mais pacíficas em comparação ao regime macroeconômico que as reformas do

SBCT fossem (o que é essencialmente correto, ao menos ao nível das fundações

teóricas que as informavam, como visto). Embora o período pós-crise russa seja,

até 2004, dominado como um todo pelo imperativo da reversão da trajetória de

crescimento da dívida pública, apesar do pequeno alívio entre o final de 1999 até

117 Seguindo a lógica que orienta a hipótese principal deste estudo, os gastos da Finep stricto sensu seriam mais elásticos

ao ciclo de que os do FNDCT. Essa comparação é explorada em profundidade no capítulo 5. Observe-se, porém, que os dados do FHC II resultam de efeitos diversos, o que impede captar a verdadeira natureza das mudanças em curso – mudanças que, ademais, estão neste momento em fase inicial de implantação.

Anos cnpq finep FNDCT fiscais

1997 0,861 0,722 0,100 1,184

1998 0,893 0,434 0,625 2,214

1999 3,288 0,763 1,089 10,766

2000 0,794 0,089 0,169 1,649

2001 0,599 0,139 0,341 0,226

2002 1,104 0,676 0,601 1,799

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214

o início de 2001, há algo de fundamentalmente estranho no fato de o orçamento

da C&T crescer menos do que lograra em momentos de menor instabilidade e

carência, como os períodos Collor e Sarney. Salomonicamente, já que aprofundar

mais esse ponto extravasaria os objetivos desta tese, dir-se-ia que essa quebra

de tendência resulta de:

i. ajuste fiscal em curso, mais decidido que os de momentos anteriores e

mais pressionado pela necessidade (no caso da previdência, em parte

por imposição constitucional) de atender à pressão por aumento de

gastos sociais;

ii. reação ao ativismo que marca as reformas do SBCT rumo à PCT&I

cujas consequências fiscais, ainda que modestas e distantes do

―varguismo‖ anterior, punham em alerta os núcleos mais duros do

modelo econômico do FHC I, sobretudo os localizados no Tesouro e na

SOF;

iii. o próprio fato de as reformas ainda estarem em uma etapa inicial,

implicando tentativas, erros e adaptações, cujos efeitos são ampliados

pela presença de ―choques exógenos‖, como a crise do apagão.

A profundidade das alterações iniciadas no II FHC, contudo, podem ser

percebidas ao considerá-las em seu devido contexto: são alterações da lógica de

funcionamento do SBCT, cujos efeitos decerto não são completamente

perceptíveis em pouco tempo – sobretudo se ocorrem em um período de extrema

volatilidade como aquele. Entretanto, podem ser aferidas ao se tomar como dados

o arcabouço regulatório em que se plasmam reformas desse tipo.

Para isso, elencaram-se todas as leis e decretos com significado direto e

indireto na indução à inovação tecnológica (desde que o mesmo esteja manifesto

no resumo dos objetivos dessas normas), propostos a partir de 1990, pontuando-

as de -1, no caso de a regra desestimular a inovação e o avanço tecnológico, até

4, no caso de possuir elevado poder de estímulo.

Enquanto noFHC 1, o total de pontos atingidos foi 4, contra 1 de Itamar e

10 de Collor, nada menos que 40 pontos foram atingidos no FHC II. O quadro

completo, com resumos das medidas, as datas de edição epontos considerados,

consta dos anexos ao presente capítulo.

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215

4.4. O Governo Lula

4.4.1. Aspectos Gerais

A ascensão de Lula à chefia do Executivo Federal desfez, em parte, o

pacto das elites em torno do caráter ―seguro‖ da transição à democracia iniciada

na Nova República. Duas dimensões dessa mudança são particularmente

importantes para se compreender a PCT&I que se pratica daí em diante – ao

menos no que se refere a intenções de governo em sentido estrito. Em primeiro

lugar, a perspectiva de retorno à pauta das reformas de base, não

necessariamente na mesma forma que possuía antes de 1964, mas ao menos

quanto ao seu significado e ao seu conteúdo de ―desenvolvimentismo popular‖, na

falta de melhor expressão. Em segundo lugar, o ingrediente especificamente

associado ao PT e à esquerda não-comunista brasileira de dar centralidade,

quase como um fim em si mesmo, à participação popular.

Essas duas dimensões não são importantes apenas por seu reflexo direto

nas decisões adotadas, mas também pelas expectativas que se criavam quanto a

essas decisões. A sustentabilidade de um governo qualquer depende de sua

capacidade de apresentar realizações que em grande parte são ―do Estado‖ como

um todo, as quais amiúde possuem – sobretudo no caso de um Estado como o

brasileiro, com uma máquina arrecadatória poderosa à qual corresponde um

leque de atribuições extenso e extremamente rígido – elevada inércia e caráter

tendencial. As peculiaridades do governo Lula – cuja base política era

amplamente minoritária e cuja experiência administrativa estava restrita ao

escopo de governos estaduais menores e intermitentes – só fazem exacerbar

esse aspecto de vestir como mudanças histórico-estruturais tendências ou

possibilidades já existentes no vasto universo de ações e ―políticas‖ executadas

pela União. Por outro lado, essas expectativas, no caso de um governo cuja base

é popular, mas que não se propõe a contestar a ordem constitucional, estendem-

se até o outro pólo do leque social, o qual tende a ver como ameaça ou ceticismo

qualquer sinal de mudança mais consistente. Um jogo sob a lâmina da navalha se

estabelece inevitavelmente, ao menos nos momentos iniciais.

Não segue daí que, logo, o governo Lula só pode ser, por seu aspecto

administrativo-executivo, pouco mais que uma decorrência do próprio Estado

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216

federal ou que, por seu conteúdo, embora não necessariamente pela forma, tenha

de ser uma continuidade dos governos que o precederam, mais experientes e

com mais pedigree político. Sem embargo, significa que esses elementos

circunscrevem, e circunscrevem decisivamente, suas opções iniciais.

O terceiro elemento fundamental para a compreensão dos primeiros

movimentos do governo Lula quanto à PCT&I é muito mais conhecido: a restrição

fiscal e monetária. Essa restrição converte-se em uma única restrição

macroeconômica, que os economistas neoclássicos lêem como prova de suas

associações entre condição fiscal e decisões de política monetária e cambial

racionais, quando, na verdade, trata-se fundamentalmente de um jogo de poder

quanto à capacidade de o Estado impor-se frente aos detentores da dívida

pública. Evidentemente, não segue daí que a política econômica tudo possa, até

porque a restrição fiscal era real e evidente. Mas o impacto efetivo dessa restrição

sobre a política monetária, por exemplo, exigindo juros reais de 20% ao ano em

alguns momentos, só pode ser explicado na relação de forças vigente em um jogo

de poder. Em termos mais práticos, nas condições específicas da economia

brasileira em 2003, é inverossímil que apostar imediatamente em uma

significativa alteração da taxa de crescimento, por via de um choque

heterodoxo118, para viabilizar mais flexibilidade fiscal objetiva e, assim, alterar a

relação de forças, trouxesse resultados positivos (embora certamente o fizesse

em relação aos apoiadores mais entusiasmados do novo presidente, ao menos

durante um bom tempo).

Na verdade, essa restrição aparece extrapolada pela própria incapacidade

administrativa inicial. A combinação desses elementos não poderia resultar muito

diferente: um elevado conservadorismo administrativo – que tende a ser lido como

adesão tout court ao liberalismo econômico por analistas apressados –, ladeado

por um discurso tão radical e impressionista quanto sem correspondência nos

fatos, vale dizer, as decisões efetivamente tomadas. Mas como sustentar esse

discurso a partir de certo ponto? Obviamente o alto comando do novo governo

não ignorava que algo teria de ser realizado mais adiante. Portanto, a primeira

resposta era: há que se ganhar tempo. Supunha-se que o tempo estava a favor

118 ―Choque‖ que a rigor se deve colocar entre aspas, visto que as expectativas quanto ao governo de alguém que nunca

governara carecem de objetividade por definição, o que as faz inevitavelmente sensíveis aos analistas, por oportunismo ou convicção sincera, catastrofistas e paranóicos, que até hoje abundam na América Latina como um todo.

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217

do governo. Com mais tempo, elementos objetivos (por exemplo, nomeação de

juízes e diretores de agência) contribuiriam para alterar a correlação de forças –

porque com o comando do executivo federal era provável um aumento do

tamanho da aliança governista – e a capacidade administrativa – porque a curva

de aprendizagem acelerar-se-ia a partir de determinado ponto. Eventualmente,

mudanças mais profundas poderiam ser realizadas ou, de qualquer forma,

surgiriam resultados capazes de seduzir as expectativas mais exageradas.

Contudo, o que fazer até lá?

É aqui que entrou em questão o ―democratismo‖ típico de muitas gestões

petistas, o qual conviveu muito bem com o equilíbrio fiscal e mesmo com

melhoras fiscais significativas. Os orçamentos participativos estavam fora de

questão – embora o Conselho de Desenvolvimento Social tenha sido sugerido

pelo inicialmente entusiasta desse ―método‖ de governo, o ex-prefeito de Porto

Alegre, Tarso Genro, e a Secretaria Geral da Presidência tenha até certo ponto se

assumido como locus de uma espécie de "assembléia permanente" com os

movimentos sociais – mas o princípio geral de compartilhamento de decisões foi

um dos caminhos adotados. Embora uma excessiva rigidez fiscal pudesse impor,

como ocorreu no caso da PCT&I do FHC II, limites estritos para certas decisões, a

criação de foros, conselhos, grupos de consulta, assembléias e assim por diante,

permitia esticar a corda do tempo. Até que resoluções mais arrojadas pudessem

ser tomadas (ou pudessem simplesmente deixar de ser tomadas), contava-se

com a tendência de ganhos marginais referida, decorrente do aperfeiçoamento

inercial que o Estado brasileiro vivia.

4.4.2. Autonomia relativa da PCT&I em face da ortodoxia

macroeconômica

Embora o ―currículo‖ do novo ministro da C&T, Roberto Amaral Vieira

sugira não ter sido casual a radicalidade nacionalista de seu discurso119, as

prioridades120 que anunciara sugerem uma regressão nas mudanças começadas

por seu antecessor.Mas também isso deve ser interpretado com cuidado.

119 Em uma de suas primeiras entrevistas à frente do MCT, Amaral sugere que interessa ao Brasil aprofundar seu programa

nuclear, inclusive para fins bélicos. 120

Ampliar a concessão de bolsas, implantar laboratórios nas escolas de segundo grau e criar o instituto de pesquisas do semi-árido.

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218

Alguns dos pesquisadores nacionalistas-desenvolvimentistas que ajudaram

a fundar o MCT depositavam esperanças no novo governo e chegaram a ocupar

cargos relevantes logo em seu início. Contudo, outra ala de especialistas em C&T

tinha além de voz ativa, mais possibilidade de influenciar decisões naquele

momento. Tratava-se também de um grupo nacionalista e, sob certos aspectos,

mais à esquerda: os defensores de uma C&T legitimamente brasileira e voltada

para os interesses da população mais carente. Entretanto, por entenderem que o

arrojo em PC&T está em grande medida em protegê-la dos interesses

econômicos, resultava ser uma posição em princípio mais cômoda ao status quo

do alto comando do governo.

Diz-se ―em princípio‖ porque a aceleração do crescimento econômico, sob

a ordem capitalista, era, se não um objetivo, com certeza um desejo profundo

desse grupo. Por exemplo, porque não se desconhecia que o crescimento era a

possibilidade de um jogo de soma positiva: a base ficaria satisfeita, pois

empregos e melhores salários seriam gerados; a elite, porque os novos chefes do

Estado não questionavam o núcleo duro do seu poder e permitiam lucros maiores

ao menos para uma parte dela; e para o próprio governo eleitoralmente, que, sem

ameaçar a ordem, conseguiria se diferenciar profundamente dos anos FHC, que

se encerraram com uma perda de renda média relativamente aos países mais

desenvolvidos.

Além disso, há que se ver que imediatamente a diretriz da autonomia e

―popularização‖ da C&T recolocava a lógica de clientela como o nome do jogo

(simplesmente por não haver uma relevante ―clientela da ciência popular‖

constituída). Isso, mesmo intuitivamente, afastava a C&T da economia (não seria

preciso, em 2003, ler os textos de guidelines da OCDE para saber dessa relação,

a qual, em que pese sob forma vulgarizada, era praticamente um clichê entre a

mídia voltada para a classe média ―que lê jornais‖). Mas também era perigoso a

partir de certo ponto, uma vez que a lógica de clientela da PC&T traz sempre

implícito um risco fiscal. Em um governo ―popular‖, esse risco deveria ser

multiplicado por algum fator maior que um.

Seja como for, o que se colocou imediatamente era a volta da lógica da

clientela ou, ao menos, uma possibilidade muito palpável de que retomasse parte

do protagonismo perdido nos três anos anteriores. Assim, a maioria das

nomeações iniciais, como a do novo presidente do CNPq, é compreendida como

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219

um possivelmente desastroso recuo na tomada de controle pela burocracia do

MCT, do comando efetivo da política, recuo este com a assinatura da clientela. É

indubitável que seu espectro pairava quando o projeto de lei da Lei de Inovação

foi retirado do Congresso para nova rodada de discussões a ser mediada pelo

próprio MCT, acolhendo reclamações, nem sempre de sentido unívoco, da

chamada comunidade científica.

De fato, a lei pouco tinha andado desde seu envio, em meados de 2002,

para debate na comissão de C&T da Câmara dos Deputados. Pode-se inferir que

o ministro Sardenberg considerava o envio provavelmente precipitado e que eram

necessários aperfeiçoamentos de natureza técnica. Mas, argumentando-se pela

sua urgência e pela possibilidade de corrigi-la no próprio parlamento, no contexto

de encerramento de mandato e da intenção de se aumentar o rol de ―realizações‖,

a medida foi enviada.

Diante disso, o governo Lula teve boas razões para retomar as discussões.

O que é original e discutível é a forma como, num primeiro momento, opta por

fazê-lo. O correto seria atribuir essa ―opção‖ específica ao ministro Amaral. Mas,

caso esse fosse o caminho, qualquer resultado seria duramente cobrado: se

afirmasse a linha de reformas pró-CT&I de Sardenberg, se aceitasse os

interesses corporativos ou, ainda, se apontasse para uma nova C&T popular.

Já em maio de 2003, o MCT convoca um amplo grupo para o debate.

Participaram oficialmente dezenas de pessoas diferentes, sendo 4 representantes

de ministérios (MDIC, MF, Casa Civil e MEC) e 8 de diferentes órgão do próprio

MCT, aos quais se somam um grupo talvez equivalente de ―convidados‖ – no

mais das vezes, por representantes individuais, estes, sim, efetivamente

convidados pelo MCT. Naturalmente, um ponto frequente da discussão referia-se

à perda da autonomia das universidades e seus ICTs e, mais abstratamente, da

criação científica como um todo121. Debateram sobre as regras de divisão de

direitos autorais de possíveis invenções e, é claro, não faltou quem afirmasse que

se isso fosse bem resolvido, bastaria. Criticou-se especialmente o sacrilégio de

um pesquisador admitido por uma ICT trabalhar de fato para um capitalista que

pouco ou nada sabia de ciência e que, a rigor, estava perfeitamente

121 Não é demais lembrar com KOELLER (2009), autora que destaca o extenso rol de coincidências entre as leis de

inovação francesa e brasileira, que na França essa foi uma preocupação central da sua vasta e poderosa comunidade de cientistas e pensadores

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220

desinteressado do tema. Embora o Ministério da Fazenda tenha oposto pouca

resistência a esse mecanismo, foi duro contra a possibilidade de fazer

subvenções diretamente a empresas ―inovadoras‖, alegando que mesmo sendo

possível eleger bons critérios, seria muito difícil efetivamente fiscalizar seu uso, e

que mesmo nos tempos do Padti/Padta clássicos (antes da reforma de 1998, no

âmbito do Pacote 51), os indícios de mau uso eram frequentes.

O assunto chegou a ir à Câmara de Política Econômica – presidida pelo

ministro Antônio Palocci, ladeado por todos os ministro do Estado-Maior de Lula,

entre outros –, no início de 2004, onde o mecanismo de autorizar pesquisadores

pagos pelo erário público nas empresas foi admitido pelo secretário do Tesouro à

época. Na mesma ocasião, defendeu com vigor a redução dos

contingenciamentos aos fundos setoriais e com mais vigor ainda, a

impossibilidade de o FNDCT ser destinado a empresas. Embora sua posição

tenha parecido ser vitoriosa nessa reunião, a mesma em que uma proposta

razoavelmente bem adiantada de ressuscitar a política industrial foi apresentada a

um grupo amplo de ministros, o simples fato de que tenha alcançado esse status

no principal conselho de política econômica do Lula I mostra uma extraordinária

mudança em curso.

4.4.3. Outros condicionantes do aprofundamento da PCT&I durante o

Lula I

Os governos costumam mudar ao longo do seu curso. Há um lugar-comum

segundo o qual o poder corrompe, e que é tomado corriqueiramente como

explicação dessa mudança. Em que pese essa ser uma das possíveis mudanças,

há muitas menos prosaicas. Por exemplo, é comum governos radicais rumarem

para o centro; todavia, centro, esquerda e direita nem sempre são boas

referências. Przeworski certa vez afirmou ser provável que os governos sejam

mais diferentes de um país para outro do que sob comando de um partido político

para outro, dentro do mesmo país. Talvez esse seja um bom ponto de partida

para interpretar o que se passou com a política de C&T brasileira.

Como se sabe, esse foi em boa medida o caso do FHC II. No governo Lula,

também isso aconteceu. Em ambos, pode-se dizer que ―o país mudou‖ e, ao

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mudar, abriu possibilidades de linhas de ação distintas. Vários elementos, com

vínculos rarefeitos entre si, colaboraram para essa mudança no FHC II. Já no

governo Lula, esse movimento – iniciado logo em seu primeiro mandato –

precisou de menos elementos para tomar forma.

Um primeiro condicionante decisivo foi o contato com as agências

multilaterais. Um grupo pequeno, mas atuante, de diplomatas manteve-se há

muito próximo de alguns dirigentes do PT, inclusive de Lula. Esse grupo estava

em posição privilegiada para influenciar o governo, na medida em que era um dos

poucos estratos da alta burocracia que unia elevada articulação com estruturas

decisórias relevantes na direção do aparelho de Estado à confiança relativamente

alta do grupo palaciano. Embora sua principal ambição – deslocar o poder do

comando da área econômica – fosse de difícil realização e lhe faltasse, de resto,

estofo para articular um projeto de desenvolvimento (em boa medida justamente

pela quase completa alienação em relação à área econômica), um subproduto de

sua elevada influência relativa sobre Lula foi a rápida aproximação, dele e de

parte significativa de seus colaboradores mais fiéis, a organismos internacionais

em geral, inclusive de seus tecnocratas.

Tal contato foi muito relevante para suprir a falta de quadros do novo

governo não porque muitos técnicos com elevada liderança tenham vindo da

carreira diplomática ou afins, mas por oferecer um programa bem articulado e

factível (ao menos mais factível que o programa de governo do PT, em 2003), que

gozava da valorosa virtude de não ter sido implantado por FHC e, de forma geral,

situar-se à esquerda do que seu governo tinha efetivamente realizado, sobretudo

se considerado o conjunto de seus mandatos e a insistência do ex-presidente em

se apresentar como anti-Vargas.

Influenciado pelo condicionante em questão, o presidente ordenou a

formação de uma política industrial, a partir de um Grupo de Trabalho (GT)

constituído desde a Câmara de Política Econômica. Dentro da lógica dos

discursos hiperbólicos de então, era decisivo o nome, pois o simples fato de

possuir uma política industrial servia como um poderoso diferenciador, mesmo

que se tratasse de uma política ―de papel‖ ou que tivesse na prática muito pouco

de política industrial. Com efeito, como observado anteriormente, é muito difícil

que o Estado de um país atrasado e periférico protagonize mudanças decisivas

na estrutura produtiva desde medidas claramente anunciadas e debatidas – já

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222

que, se o fizer, na melhor das hipóteses o poder de veto dos interesses

constituídos a impedirão de prosperar ou reduzirão grande parte do seu impacto;

na pior, derrubarão ou neutralizarão o governo. Não obstante, uma vez que

mudanças tenham sido anunciadas, é preciso que aconteçam e que tenham

efeitos relevantes – mesmo quando, a rigor, possam ser colocadas sobre uma

linha tendencial, dada, conforme visto, pela ação estatal enquanto tal (e não por

força de decisões de um governo particular).

São estes – a proximidade com organismos internacionais imbuídos da

noção positiva e normativa de economia baseada no conhecimento; a decisão de

anunciar uma política industrial; e o fato de que o Estado já caminhava na direção

de uma PCT&I – os elementos fundamentais que levaram o governo Lula a

retomar as mudanças no SBCT iniciadas no FHC II e que estiveram sob sério

risco de reversão por alguns meses.

Seguindo a mesma metodologia adotada na análise anterior da PCT&I

deste governo, se verá de que maneira foi formada e expandida no Lula I.

4.4.4. A Pitce posta em movimento

A aproximação da cúpula palaciana aos organismos e agências

internacionais deu-se ainda nos tempos do ―governo de transição‖. O próprio

futuro ministro Palocci, visto que a gestão macroeconômica implicava administrar

relações com essas organizações, foi, ao lado dos diplomatas próximos ao

presidente eleito, figura importante nesse processo. Em particular o Banco

Mundial, a União Européia e o PNUD foram bem sucedidos. A percepção de que

parte significativa dos problemas nacionais, cuja solução era cara à esquerda

reformista brasileira, podia ser minorada sem colocar em risco a gestão cuidadosa

da política monetária e fiscal foi especialmente relevante para sua rápida

assimilação pelo núcleo dirigente do Estado. Seja como for, Palocci, em clara

diferença com seu antecessor, assumiu-se muito mais como um ministro da

economia à moda antiga, dedicando-se a temas como o desenvolvimento

econômico e mesmo às políticas sociais, ao mesmo tempo que praticamente

deixou, excetuados a arrecadação e o gasto fiscal, a gestão macroeconômica a

cargo do BC. Embora sempre tenha se manifestado por reformas

microeconômicas pró-mercado e as tenha estendido ao rol dos direitos sociais,

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223

sobretudo os trabalhistas, Palocci soube com maestria combinar defesa da

ortodoxia econômica (para desespero de alguns correligionários, e contrariamente

ao que o Ministro-Chefe da Casa Civil reiterava, como um fim em si mesmo) com

reformas microeconômicas. Em particular, defendia mudanças institucionais pró-

mercado ou destinadas a reduzirem custos de transação, as quais abrangiam o

Cade e a área de defesa econômica do Ministério da Justiça; a reforma fiscal

como um todo, desde que o equilíbrio fiscal não fosse posto em risco; políticas

compensatórias (entre as quais, evidentemente, o Bolsa Família) e, finalmente,

ecoando os guidelines do Banco Mundial, o ativismo na política educacional e

estímulos à aproximação entre firmas e produtores de C&T.

A retomada do discurso pró-CT&I era particularmente importante a Palocci

porque lhe servia de resposta à insistente defesa de apoio aos exportadores,

principal bandeira do ministro da Indústria e em boa medida também do ministro

da Agricultura de então, respectivamente, Luiz Fernando Furlan e Roberto

Rodrigues, defesa esta que tinha o apoio explícito e enfático do presidente. Mas é

apenas com o recurso à procura de alternativas ao pequeno e disperso grupo de

economistas heterodoxos do governo, os quais buscavam avidamente maior

atenção do Estado-Maior de Lula, que se pode compreender um fato insólito:

Palocci foi o principal artífice da Pitce.

Logo no início das discussões sobre o novo conjunto de medidas, o

problema da baixa taxa de inovação empresarial foi relacionado ao da

competitividade externa e colocado como o alvo central a ser atingido. Embora

proposto e reiterado por representantes próximos ao ministro Palocci,

evidentemente esse objetivo teve aceitação quase unânime. Asdiferenças

apareceram com a tentativa de incluir escolhas setoriais. Houve concordância

geral de que isso seria adequado, desde que um critério demarcatório claro fosse

adotado. AFazenda sugeriu a elasticidade-renda; enquanto o representante

institucional do BNDES (um convidado mais próximo ao CGEE/MCT e ao

Ipea/MP) defendeu que os impactos pela matriz industrial também teriam de ser

levados em conta; ao passo que o MCT sugeriu que fossem incluídos setores

―portadores de futuro‖, como a nano e a biotecnologia. Finalmente, os

biocombustíveis foram incluídos por sugestões de nível superior.

Outros pontos polêmicos foram a articulação com a Zona Franca de

Manaus e a definição do aparato institucional e da governança da nova política.

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224

Na verdade, foi determinante do ―resultado‖ final o fato de que o GT original

subdividiu-se em outros, ao mesmo tempo que grupos ―de bastidores‖ se

formaram. Assim, os temas foram repartidos e as pautas alteradas por sugestões

dos superiores. Embora o Ipea, ao qual coube a consolidação do documento,

também estivesse sob influência direta do ministro Palocci, a redação refletiu

antes a porosidade da pauta, a assistematicidade e falta de rigor nos debates. Por

exemplo, enquanto as inclusões setoriais eram assimétricas a ponto de colocar

lado a lado bens de capital, software e biocombustíveis, refletindo medidas que já

tinham sido gestadas e estavam apenas esperando o anúncio da Pitce para

serem anunciadas; as medidas pró-inovação eram mais focadas, incluíam ações

realmente novas, ainda sendo construídas, e possuíam seus próprios ―setores‖ –

os portadores de futuro.

De forma resumida, pode-se dizer que o documento inicial da Pitce refletia

a união entre MCT, Ipea e ministério da Fazenda em prol de um pacote de

medidas pró-inovação (cujo escopo e profundidade estavam em estágio bastante

incipiente de discussão, exceção parcial feita à lei de inovação, proposta e

aprovada ainda em 2004) e a disposição do governo em acatar demandas de

setores específicos como a indústria de bens de capital (beneficiado pela isenção

de IPI e pelo Modermaq) e a exportação de software. Entretanto, qualquer leitura

técnica perde de vista a relevância das questões políticas que inspiraram a Pitce:

i. a diferenciação do novo governo ―pela esquerda‖ em relação a seus

antecessores;

ii. do ponto de vista do ministro Palocci em particular, o esvaziamento de

parte importante da crítica dos economistas heterodoxos e dos segmentos sociais

progressistas em geral;

iii. a promoção dos ministérios da C&T (de fato) e do MDIC (pelo lado da

visibilidade alcançada).

O MDIC e principalmente o ministro Furlan foram especialmente

agraciados porque a institucionalidade nova, amplamente dominada por ele,

permitia dar resposta a demandas de segmentos importantes da clientela

específica desse ministério, elaborando-a discursivamente como uma novidade

voltada para a competitividade e para o aumento das exportações.

Isso, contudo, está longe de ser pouco. Além de o CNDI, órgão superior da

Pitce, presidido por Furlan, ter servido essencialmente como uma câmara de

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225

apresentação de pleitos pré-processados, foi decisivo também para propiciar uma

aproximação real entre a indústria e a inovação tecnológica, justamente porque

esses pleitos eram submetidos ao crivo anterior dos ministérios-chave da Pitce

(MF, MDIC e MCT), e legitimados por sua relação com as diretrizes da política.

Foi do CNDI que surgiram as alterações que radicalizaram a Medida Provisória

(MP) da inovação, futura Lei 10.973, e a MP ―do bem‖, futura Lei 11.196.

Assim, durante o Lula I, em que pese a ortodoxia macroeconômica, foram

editadas medidas que perfizeram 26 pontos quanto a seu potencial impacto sobre

a inovação tecnológica – menos que no FHC II, cuja pontuação, não obstante, foi

bastante determinada pelo fato de que os FS foram criados por uma miríade de

leis e decretos. No Lula I, ao contrário, apenas 10 medidas foram consideradas,

algumas das quais, como as leis citadas, possuíam diversos artigos de elevado

impacto potencial sobre o avanço tecnológico empresarial (ver Anexo ao Capítulo

4). Esse ritmo arrefece, à medida que a reforma do SBDC avança, mas ainda

assim se mantém elevado, de forma que no segundo mandato do presidente Lula

(doravante Lula II) mais 17 pontos são alcançados, em 3 anos.

Durante o FHC II, as medidas adotadas fizeram toda diferença: os gastos

federais totais com C&T decresceram em média 1,1% ao ano e , ademais, de

forma extremamente volátil, evidenciando que a área econômica venceu várias

batalhas naquele governo. No Lula I e II, os gastos federais com C&T crescem à

taxa média de 8% ao ano e 11,5%, respectivamente, se considerados apenas os

sob comando direto do MCT, exclusive a Finep.

Tabela 4.14 – Evolução dos dispêndios com a C&T e do MCT ao longo dos

governos Lula, em R$ de 2008

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos). Observações: Ver nota de rodapé 86

Ano 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Toda C&T 7179,9 7335,2 7675,1 8541,1 9670,6 10776,2 10941,3

Só MCT 2332,4 2804,6 2783,8 3304,8 3831,2 4105 4396,8

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226

A composição desses gastos e de outros com forte impacto potencial sobre

o esforço tecnológico evidenciam que a decisão pró-PCT&I não foi apenas

sincera nos governos Lula, mas também efetiva. A tabela abaixo reúne todas as

informações decisivas quanto a isso:

Tabela 4.15 – Evolução dos principais instrumentos da PCT&I nos governos

Lula, em R$ de 2008

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos) Observações: Ver nota de rodapé 86

Observe-se que praticamente todos os componentes de elevada

importância crescem vigorosamente, com destaque, justamente, para aqueles

cuja trajetória refletiu as deliberações do CNDI – os estímulos fiscais e o FNDCT.

Embora os dados para 2008 ainda não estivessem revisados quando da redação

desta avaliação, é expressivo o crescimento das renúncias relativas à lei do bem,

a qual ampliou enormemente o escopo do Padti/Padta, ao considerar atividades

de PD&I (e não apenas de P&D), além de flexibilizar os critérios de

enquadramento. Assim, o novo instrumento mais que quintuplica seu uso em

apenas 3 anos.

Os dispêndios da Finep, que serão analisados em profundidade no capítulo

6, são especialmente relevantes para induzir a inovação. A queda inicial reflete

sobretudo a elevada inadimplência que se seguiu à tentativa do órgão de

flexibilizar exigências em um período de elevada instabilidade macroeconômica e

A n o

T o d o s

In c e n tiv o

s F is c a is

Im p o r ta ç

ã o d e

e q u ip a m e

n to s p a ra

p e s q u is a

p e lo

C N P q

Is e n ç ã o

o u

re d u ç ã o

d e

im p o s to s

d e

im p o r ta ç

ã o

L e i d e

in fo rm á ti

c a

P A D T I/

P A D T A

L e i d e

in fo rm á ti

c a Z o n a

F ra n c a

L B C N P q L B F N D C T F IN E P

2 0 0 2 1 4 5 4 ,0 1 7 2 ,3 1 0 ,0 1 1 2 8 ,7 2 3 ,4 1 1 9 ,6 – 8 9 2 ,9 – 4 8 5 ,7 5 4 6 ,7

2 0 0 3 1 7 3 8 ,0 2 1 3 ,1 1 1 ,5 1 3 4 8 ,3 2 7 ,6 1 3 7 ,6 – 9 1 2 ,2 – 8 1 4 ,8 2 0 7 ,5

2 0 0 4 1 5 3 4 ,5 1 9 4 ,8 1 4 ,3 1 1 6 7 ,4 4 6 ,4 1 1 1 ,8 – 8 9 2 ,1 – 7 4 1 ,8 1 4 6 ,1

2 0 0 5 2 0 0 2 ,1 2 2 4 ,2 1 2 ,0 1 5 9 7 ,4 4 3 ,4 1 2 5 ,0 – 9 4 4 ,5 – 9 1 8 ,1 7 0 4 ,4

2 0 0 6 3 1 5 3 ,7 2 1 7 ,6 4 ,5 2 4 1 7 ,6 1 2 2 ,0 1 2 6 ,4 2 6 5 ,6 1 0 2 0 ,7 2 6 5 ,6 1 1 5 8 ,8 6 7 7 ,2

2 0 0 7 4 3 5 5 ,5 2 4 1 ,6 6 ,4 3 0 6 4 ,0 1 1 ,5 9 0 ,8 9 4 1 ,2 9 6 7 ,2 9 4 1 ,2 1 2 1 6 ,2 6 3 8 ,3

2 0 0 8 n .d . n .d . n .d . n .d . 2 ,5 4 n .d . 1 5 4 4 7 8 5 ,1 1 5 4 4 1 1 1 1 ,8 8 7 2 ,1

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227

na ausência de medidas de política industrial de peso. Contudo, essas operações

reagem fortemente a partir de 2005.

A única exceção notável é justamente a que mais evidencia a guinada pró-

inovação da política de C&T: o CNPq. Em clara oposição ao que se passou

durante os anos em que o SBCT entrou em latência e se movia sob a lógica de

satisfação de uma clientela específica, resultando em uma manutenção dos

gastos em C&T com aumento da importância relativa do CNPq e da concessão de

bolsas e auxílios de pesquisa em geral, observa-se queda relativa forte e

estagnação em termos de gastos reais. Não é debalde observar que esse padrão

está em clara oposição às declarações de objetivos do MCT no início do Lula I.

Como esses dados se comportaram em relação ao PIB? Como se situam

ao período áureo da política de avanço tecnológico nacional, durante o II PBDCT?

Sabe-se que naqueles anos os dispêndios conjuntos do FNDCT e das operações

a crédito da Finep, em particular as da linha ADTEN, representaram mais de 0,2%

do PIB – em um país cujo esforço tecnológico privado dificilmente chegaria a

0,3%.

A tabela abaixo evidencia que, como era de se esperar, houve um

significativo crescimento desses gastos também em relação ao PIB (cuja taxa de

crescimento foi bastante superior à verificada no FHC II, particularmente após

2003). Sem embargo, a combinação FNDCT e Finep encontra-se ainda distante

da alcançada em 1978.

Tabela 4.16 – Evolução dos principais grupos de ações federais de apoio à

inovação tecnológica ao longo dos governos Lula, em % do PIB

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos). Observações: Ver nota de rodapé 86

A n o F IN E PF IN E P +

F N D C T

In c e n t iv

o s

F is c a is

2 0 0 2 0 ,0 2 3 0 ,0 4 4 0 ,0 6 2

2 0 0 3 0 ,0 0 9 0 ,0 4 3 0 ,0 7 3

2 0 0 4 0 ,0 0 6 0 ,0 3 5 0 ,0 6 1

2 0 0 5 0 ,0 2 7 0 ,0 6 3 0 ,0 7 7

2 0 0 6 0 ,0 2 5 0 ,0 6 8 0 ,1 1 7

2 0 0 7 0 ,0 2 2 0 ,0 6 5 0 ,1 5 2

2 0 0 8 0 ,0 2 9 0 ,0 6 6 n .d .

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228

Por outro lado, quando se considera também os incentivos fiscais ao

esforço tecnológico, não apenas aquele nível foi ultrapassado, como se pode

dizer que, na medida em que grande parte dos gastos do FNDCT nos anos 1970

corresponderiam ao que faz atualmente o CT-Infra, sem dúvida, os incentivos

diretos concedidos às empresas são hoje superiores – ademais de desde 2005

pelo menos conformarem um padrão muito menos volátil que o verificado

naqueles anos. Não se deve, contudo, daí deduzir que atualmente o governo

federal estimula a capacitação tecnológica mais do que fazia na época, pois, em

primeiro lugar, contava-se com instrumentos poderosos de indução pela

demanda, como os NAIs e a própria rede maior de estatais, e, em segundo lugar,

a política tecnológica era então articulada com uma série de ações mais amplas

relativas ao desenvolvimento econômico. No Lula I, a PCT&I foi de certa forma

―trocada‖ pelas políticas de desenvolvimento clássicas, voltadas ao investimento e

à transformação estrutural – as quais, sem embargo, começam a aparecer no

Lula II.

Nos capítulos seguintes se verá mais atentamente até que ponto essa

troca tem trazido resultados que vão além dos desembolsos públicos, alterando a

competitividade tecnológica das empresas brasileiras. Antes, contudo, talvez

caiba indagar como uma mudança tamanha foi possível.

Primeiramente, esse padrão de mudança radical não é inédito, pois ao se

tomar o governo FHC como um todo, se notará uma transformação ainda mais

radical que a verificada no governo Lula. A principal diferença é que essa foi

condicionada por uma mudança na sabedoria convencional internacional sobre

crescimento econômico e competitividade e, mais importante, por uma grave crise

que abalou seriamente a relevância das políticas ortodoxas para a promoção do

desenvolvimento.

Os anos Lula se diferenciam desde o início porque seu ponto de partida é

distinto: trata-se de um candidato vindo da esquerda, com promessas de

mudança. É certo que frequentemente um candidato ao vencer a eleição toma

decisões muito diferentes das que sugeriu, por mais que tente lhes dar um verniz

de mudança. Tal atitude seria de eficácia limitada em um candidato de esquerda

construído em mais de 20 anos de luta política, com vínculos profundos com as

reformas de base, senão por suas convicções pessoais ao menos pelo leque de

apoios que suscitou e que lhes eram leais.

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229

Com efeito, mesmo que a Pitce tenha sido originalmente pouco mais que

um texto bem redigido para uma coleção de propostas desiguais combinadas,

adicionado à uma boa proposta de aceleração da mudança da PC&T rumo a uma

PCT&I – mudança não apenas acatada, mas recomendada pela sabedoria

convencional dominante à época – ela foi uma resposta necessária da parte do

núcleo econômico do governo às pressões por mais ousadia.

Essas pressões acabaram levando a política a adquirir uma intensidade

que provavelmente ia além do que o Ministério da Fazenda planejava. Isso já

ocorreu durante a vigência da Pitce, podendo ser delimitada pelos 14 encontros

efetivos que o CNDI teve. alguns dos quais tiveram por pauta incorporar

demandas e dar precisão e efetividade à lei do bem, cuja propostas original

almejava desonerar investimentos, sobretudo por meio de depreciação acelerada

de alguns itens e isentar de pagamento de contribuição previdenciária empresas

com elevada participação da exportações na receita de vendas, como,

especulava-se, eram ou poderiam vir a se tornar algumas produtoras de sotware.

Foi considerável a importância desses debates para a ampliação do escopo da lei

do bem. Mas outras condições contribuíram para tal desfecho

Em primeiro lugar, o fato de que a situação fiscal melhora rapidamente,

mercê de um avanço macroeconômico sem precedentes. Esse avanço foi

surpreendente em parte porque as exportações tiveram um crescimento muito

superior às melhores expectativas nos anos iniciais do governo Lula, basicamente

graças à escalada de compras da China e à celebração de aproximações

comerciais – algumas, ainda no FHC – com diversos países menores que

aumentaram rapidamente as compras de bens industriais brasileiros. À medida

que o fluxo de divisas era crescente, dada uma taxa de câmbio efetiva (ou mesmo

ante uma valorização desta), a política monetária pôde ser aliviada mesmo em

presença de um Banco Central tão ou mais ortodoxo que o do pós-real, reduzindo

decisivamente o custo fiscal da rolagem da dívida. Assim, em 2002, as três

esferas de governo despenderam mais de 12% do PIB com despesas financeiras,

as quais declinaram para 5,4% em 2008.

A tabela abaixo traz indicadores essenciais desse desempenho:

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230

Tabela 4.17 - Indicadores de ênfase e de resultados da política

macroeconômica, 2001 a 2008

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos) Observações: Ver nota de rodapé 86

Como se pode ver, a radicalização da política de CT&I iniciada no FHC II

foi facultada por uma melhora sensível do quadro macroeconômico, o qual atua

sobre a política de CT&I tanto pelo alargamento do espaço fiscal, como pela

melhora das expectativas dos agentes, que passam a demandar mais

investimentos em P&D e outras formas de esforço tecnológico, e, assim, a utilizar

intensamente os instrumentos que lhes são postos à disposição pelo poder

público122.

Em segundo lugar, a maior aderência à base política e social de apoio ao

governo também foi estimulada, por assim dizer, pela reação de parte significativa

das elites ao chamado escândalo do mensalão. O fantasma do golpe de 1964, ou

ao menos do ―golpismo udenista‖, assustou muitos colaboradores do presidente,

quem reiteradas vezes sugeriu sentir-se traído pela ―elite‖, com a qual entendia

haver feito uma espécie de pacto de governabilidade com a ―Carta do Povo

122 Por outro lado, é difícil atribuir apenas à melhora das exportações o crescimento do PIB – o qual traz impactos

expressivos sobre a relação dívida/PIB, seja pelo aumento da arrecadação (favorecendo o resultado fiscal, ademais, por quedas quase sucessivas na Selic média), seja pelo aumento direto do denominador. Essa mudança se deve em grande medida a uma revisão geral do potencial de crescimento da economia, o qual se situava próximo a 3,5% ao ano para taxas superiores a 4,5%. Essa reavaliação contribuiu sobremaneira para que o Copom adotasse uma atitude relativamente mais ousada na definição da taxa básica de juros a partir de 2005, ao mesmo tempo em que deu ao CMN tranquilidade para fixar a TJLP em níveis reais (próximos de 2% ao ano), semelhantes aos verificados em países desenvolvidos – o que, ao elevar a taxa de investimento, propiciou um círculo virtuoso entre essa variável e a taxa de crescimento potencial da economia.

A N OT erm o s

T ro c a

C â m b io

(R $ /U S $

c o r ren tes )

E xp U S $

c o r ren tes )S d T C IP C A

S E L IC

m é d iaP IB D ív /P IB

2 0 0 1 9 6 2 ,3 5 5 8 ,3 -4 ,1 9 7 ,7 1 8 ,3 1 ,3 1 4 9 ,9

2 0 0 2 9 4 ,7 2 ,9 2 6 0 ,4 -1 ,5 1 1 2 ,5 1 8 ,4 2 ,6 6 5 1 ,3

2 0 0 3 9 3 ,4 3 ,0 8 7 3 ,2 0 ,7 5 9 ,3 2 4 ,9 1 ,1 5 5 3 ,5

2 0 0 4 9 4 ,2 2 ,9 3 9 6 ,7 1 ,7 6 7 ,6 1 6 ,2 5 ,7 1 4 8 ,2

2 0 0 5 9 5 2 ,4 4 1 1 8 ,5 1 ,5 8 5 ,7 1 9 ,4 3 ,1 6 4 8

2 0 0 6 1 0 0 2 ,1 8 1 3 7 ,8 1 ,2 8 3 ,1 1 5 ,2 3 ,9 6 4 5 ,9

2 0 0 7 1 0 2 ,1 1 ,9 5 1 6 0 ,6 0 ,1 2 4 ,5 1 1 ,9 6 ,0 9 4 3 ,9

2 0 0 8 1 0 5 ,7 1 ,8 3 1 9 7 ,9 -1 ,7 2 5 ,9 1 2 ,2 5 ,1 4 3 8 ,8

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231

Brasileiro‖, de julho de 2002. Paradoxalmente, uma das vítimas do ataque dos

setores conservadores foi o principal fiador da hegemonia liberal no governo, o

ministro Palocci,que perdeu o mandato e era então o principal candidato de Lula

para sua sucessão, em 2010. Seu lugar acabou sendo ocupado por uma

colaboradora muito mais fiel ao intervencionismo, a então ministra das Minas e

Energia, Dilma Roussef. Sem dúvida, é provável que mesmo com Palocci o Lula II

seria menos preocupado em ouvir a extensa tecnocracia remanescente do

período FHC, ainda ocupando muitos cargos no primeiro escalão da área

econômica. Não obstante, a ascensão de Dilma radicalizou essa opção e

reaproximou o lulismo de suas raízes históricas.

Isso nos traz ao último condicionante da guinada ―desenvolvimentista‖ de

Lula. Um salto de visão estratégica do poder conformou-se em algum ponto do

Lula I, ainda antes da reeleição. Uma das condições para que decisões nessa

direção efetivamente fossem adotadas é certamente a ruptura ou ao menos a

relativização do pacto com as elites econômicas representado pela mencionada

Carta ao Povo. Outros fatores ou aspectos distintos, mas interligados entre si, têm

de ser adicionados para uma compreensão mais completa da perda de

hegemonia do liberalismo.

Em primeiro lugar, a falta de competência foi mitigada por um tipo de

learning by doing. Essa carência apresentou-se como restrição a um maior arrojo

nos momentos iniciais do governo. Aos poucos, os decisores indicados

descobriram que poderiam governar com a ajuda da extensa burocracia de que o

Estado dispunha, parte remanescente dos tempos do varguismo, parte contratada

durante os anos da ―reforma do Estado‖ de Bresser-Pereira, e parte recém-

chegada ao alto funcionalismo público. Ao mesmo tempo, antigos quadros

partidários acostumados com prefeituras lograram dar o salto dimensional

necessário para enxergar a intervenção estatal com relevante capacidade

estruturante.

Em segundo lugar, o governo Lula viu-se em um tipo de insulamento.

Apesar de ter se desgarrado das diretrizes históricas do programa de governo

―democrático e popular‖, a decadência do paloccismo – mais pela sensação de

traição das elites do que pela queda do ministro – criou um vácuo ideológico que,

se de um lado foi ocupado pela ministra Dilma; de outro, abriu espaço para o

pragmatismo, que alguns analistas vêm apontando como traço marcante do

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―lulismo‖. Com efeito, o pragmatismo derivou da ascensão de uma percepção de

que o sentido verdadeiro de controlar o executivo federal era o ―bom governo‖.

Embora a ―ideologia do bom governo‖ esteja muito distante em si do

desenvolvimentismo, acabou se plasmando entre outras coisas em uma defesa

radical do Estado como ―máquina pública‖, responsável por políticas que, se

corretamente levadas a cabo, tanto trariam progressivos ganhos ao bem comum

como permitiriam um novo espaço social ao PT e à grande parte da esquerda não

revolucionária brasileira123.

Em terceiro lugar, essa identificação com o Estado permitiu ao lulismo a

surpreendente ―consciência de lugar histórico‖. Apesar de o partido se distinguir

da esquerda ―histórica‖ brasileira por seu desdém, quando não por sua oposição

ao Estado (daí, parte significativa de seu descompromisso com a recuperação

das reformas de base), à medida que esse foi se revelando seu locus ideal de

sobrevivência e crescimento, o governo passou a crescentemente ver-se como o

próprio Estado brasileiro. O que era obra das elites subitamente foi relido como

conquista do povo brasileiro e de seus verdadeiros líderes, construtores de fato

do país e de sua posição internacional. O governo entendeu-se como herdeiro

legítimo desse legado, pelo qual sinceramente se vê como responsável, cabendo-

lhe defendê-lo contra os ataques dos neoliberais que lhes precederam.

Ora, o pragmatismo, sobretudo se associado à identificação com as

atividades executivas corriqueiras do Estado, é contraditório com o

desenvolvimentismo, no sentido dado por Chalmers Johnson à expressão. Sem

embargo, a certa consciência de grandeza que a mesma identificação trouxe, por

exemplo, na prática da política externa, criou e vem criando iniciativas de caráter

potencialmente mais estruturante, distantes, de qualquer forma, da noção de

―Estado regulador‖ de Johnson em sentido estrito.

Essa tensão se revela tanto na PCT&I como na relação dessa política com

as políticas industrial e de infra-estrutura.

123 Obviamente, não cabe avançar em teses sobre as bases sociais dos partidos políticos brasileiros. Mas é relevante

observar que talvez Lula e o PT estejam bastante certos, pois perceberam a tremenda dificuldade em ampliar os recursos de poder reais, enraizados em clivagens sociais, que facultou a eleição de Lula. Na verdade, é possível que a classe média urbana tenha mais retirado que acrescido apoio ao governo à medida que na prática o redistributivismo parecia reduzir sua força social relativa. Assim, paulatinamente, o PT percebeu que depende de permanecer no comando do governo para imediatamente mobilizar os recursos de que necessita e, a longo prazo, poder colher a lealdade que espera receber da nova classe média em formação. Em uma sentença simples: o PT passou a ser antes de tudo o ―partido do Estado‖. O pragmatismo pode parecer uma grande vantagem para pensadores e analistas antiliberais, contudo, padece de falta de visão de longo prazo. Sintomaticamente, às vésperas de entrar em uma nova disputa eleitoral de grande envergadura, o PT e as esquerdas aliadas a Lula seguem sem dispor de um projeto para o país.

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233

No caso da primeira, há que se lembrar que se tratava de uma política em

formação, apesar de suas bases já estarem lançadas e de seus fundamentos

teóricos, plasmados na identificação da ascensão de uma economia baseada no

conhecimento, acoplarem-se muito bem ao paloccismo. O assembleísmo,

contudo, tensionou-o, levando a Pitce a uma expansão significativa, no sentido de

ampliar e aumentar a intensidade das medidas voltadas para estimular o arrojo

empresarial. De qualquer forma, não caberia falar aqui em simplesmente gerir

uma dada estrutura de atividade executiva do governo.

Ainda assim, a reforma da governança dos FS iniciada em 2005 evidencia

uma mudança significativa no padrão que vinha sendo seguido desde então, na

medida em que não foi uma resposta a pressões imediatas de setores da

sociedade civil, nem foi uma projeção do plano original, vindo do governo anterior,

de construção da nova política. Antes, essa mudança espelha como o

pragmatismo pode, eventualmente, conduzir a mudanças mais profundas.

A centralização rompeu decisivamente com o mecanismo de uso dos

comitês gestores. Embora aparentemente liquide com a ―setorialidade‖ dos

fundos, na verdade, ao contrário, abre a possibilidade real de que os recursos

auferidos – na verdade, provenientes de uma única fonte, o FNDCT, e, portanto,

fundamentalmente da Cide – sejam utilizados desde uma estratégia setorial. Com

extrema timidez, esse foi o caso nas operações de subvenção a empresas. Não

obstante, o principal avanço foi reduzir o poder das clientelas sobre essa

significativa base de recursos e, ao ampliar decisivamente a importância da Finep

em sua gestão, facultar uma maior integração entre suas operações a crédito e as

operações que realiza como executora dos FS.

Quanto à relação da PCT&I com outras políticas econômicas de longo

prazo, apesar de uma verdadeira integração pressupor avanços muito mais

decididos no sentido de coordenar ex ante ao menos as medidas de fomento

tecnológico e de fomento ao investimento, o processo de learning by doing vivido

pelo governo Lula se plasmou em alguns resultados dispersos, mas significativos,

tais como:

i. a efetivação da criação do Ceitec como empresa estatal em 2007;

ii. a edição de medidas de apoio específico a nichos da indústria eletrônica,

como o Padis/Padtv;

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234

iii. a reativação, ainda mais ao nível das diretrizes do que da adoção, do uso

de compras públicas de grande porte como instrumento de indução ao

esforço tecnológico, como nas compras de defesa e de saúde, e, em

estágio mais adiantado, das cadeias de fornecedores da Petrobrás e dos

biocombustíveis;

iv. as tentativas de recuperar a influência sobre parte importante das

empresas de comunicações, em particular, de telefonia e de comunicação

por cabos.

Tais medidas encontram-se, mesmo quando já passaram do nível das

diretrizes, em estágio inicial. Em particular, faltam-lhes minimamente um sentido

geral e uma estratégia que tenha por objeto o aparato produtivo como um todo

(ou ao menos a indústria de transformação), ainda que essa estratégia possa

incluir decisões como deixar um setor ser regulado apenas pelo mercado ou

reduzir estímulos fiscais a outro. Em especial, as zonas de negociação com a

política macroeconômica como um todo são residuais e casuísticas. Ao não

serem objeto, igualmente, de uma visão articulada e sistemática, mas resultante

de disputas isoladas, ―vencidas‖ em uns casos em prol de algumas medidas

isoladas; ―derrotadas‖ em outros, reduzem significativamente a eficácia dessas

ações ao mesmo tempo que acarretam certa irracionalidade para o mix de política

macroeconômica adotada.

Naturalmente, não se pode falar de política industrial nessa situação. Nos

anos 1970, frequentemente o governo era levado, por cálculo político ou por força

de emergências macroeconômicas, a recuar ou a moderar a intensidade de

algumas ações dentro de um conjunto de objetivos bem articulados e pré-

estabelecidos. Mas o próprio fato de que cada recuo podia ter seu custo relativo

considerado evidencia a existência de uma política ―de fato‖.

Em que pese a articulação dessa política com a política de C&T ter, ao que

tudo indica, sido menos intensa do que sugere o texto do II PBDCT, ademais de

seu viés em prol de setores de maior intensidade tecnológica ser acanhado, os

resultados logrados foram significativos em mais de um sentido. A política de

CT&I atual, de corte mais horizontal e apenas eventualmente, e mesmo assim de

forma superficial, articulada com ações de política industrial, pode, analogamente,

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235

ser associada aos resultados competitivos que vêm sendo alcançados e a outros,

cujo impacto pode-se prospectar, nos anos futuros.

É disso que os capítulos 5 e 6, a seguir, tratam.

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237

5. EVIDÊNCIAS DA EVOLUÇÃO E SITUAÇÃO ATUAL DAS EMPRESAS

BRASILEIRAS QUANTO À INOVATIVIDADE E CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA

5.1. Introdução

Os indicadores de capacidade tecnológica empresarial e de inovatividade

das firmas brasileiras (na verdade, as industriais, para as quais há parâmetros de

comparação mais bem estabelecidos) sugerem uma defasagem significativa vis-à-

vis suas correspondentes em países avançados, em diversos aspectos: seja

quanto à capacidade científica e nível educacional; seja quanto à capacidade

tecnológica em geral, científica e não científica, estatal e privada, seja, finalmente,

quanto a indicadores de competitividade revelada, de inovatividade e de

capacidade de agregação de valor pelas empresas nacionais relativamente às

suas concorrentes estrangeiras.

A evolução desses indicadores, no entanto, mostra um quadro mais

complexo. Primeiro, porque há diferenças significativas no grau de defasagem

entre eles. Segundo, porque sua evolução vem se processando de forma muito

diferente. De modo geral, o Brasil vinha evoluindo muito mais rapidamente em

indicadores de capacidade industrial, em sentido estrito, até os anos 1980 –

apesar de, conforme visto no capítulo anterior, as políticas para o avanço

tecnológico empresarial só terem existido nos 11 ou 12 anos finais do período

desenvolvimentista. Esse fato era evidente pelo crescimento maior dos setores

com mais requisitos de capacidade tecnológica própria, bem como pela

aproximação ao padrão de oferta industrial dos países avançados.

Além disso, as aferições de competitividade revelada disponíveis sugerem

que o setor produtivo vinha ganhando posições rapidamente no cenário mundial,

inclusive à frente dos setores em que o país possuía vantagens comparativas bem

estabelecidas até os anos 1970124. Esse processo se desacelera daí em diante,

mesmo após a superação da crise da dívida, da hiperinflação e da fragilidade

124 Os indicadores de inovatividade são mais recentes

dependendo da existência de pesquisas amplas e confiáveis, segundo

as diretrizes do Manual de Oslo, como é o caso da Pintec brasileira, da ―Encuesta nacional de inovación‖ argentina e da CIS européia, entre outras. Na segunda metade deste capítulo, há algumas comparações restritas ao período coberto por essas pesquisas, iniciadas no final dos anos 1990.

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238

fiscal. Com efeito, no pós-2000, coincidentemente com o avanço da política de

C&T em política de CT&I e com a subsunção da política de desenvolvimento

econômico sob o guarda-chuva da política de CT&I; esse processo não só estagna

como em alguns itens o Brasil passa a regredir em relação ao patamar alcançado

anteriormente.

Quanto aos indicadores científicos e educacionais, o quadro é inverso.

Aproximadamente até os mesmos anos 1980, o catching up brasileiro, se existia,

era mais lento no que se refere a tais aspectos. A partir de então, acelera-se

notavelmente, passando a processar-se, ao que tudo indica, a taxas superioras às

atingidas pelos próprios países que vêm logrando avançar rapidamente em seu

catching up industrial: os tigres do second tier, a Índia e a China125, quando

supostamente já está consolidada a chamada ―economia do conhecimento‖.

Esquematicamente, os resultados evidenciam que o Brasil viveu um intenso

catching up industrial acompanhado de catching up tecnológico-empresarial até o

final dos anos 1970, com resultados estendendo-se aos primeiros anos da década

de 1980. Daí em diante, aproximadamente coincidindo com o período de latência

da política de C&T referido no capítulo anterior, o processo rapidamente se

arrefece e o país entra em ―falling behind‖ tecnológico. A partir de meados dos

anos 1990, dois novos catching ups entram em curso: um educacional e outro

científico – este correspondendo à criação de massa crítica do sistema de

(fomento público à) C&T, também mencionado no capítulo anterior, iniciado ainda

nos anos 1980.

Sem embargo, esses dois movimentos passam a ser acompanhados de um

falling behind também industrial, com queda da participação do valor da

transformação industrial no PIB, coetânea à perda relativa de densidade

tecnológica do aparato produtivo. A soma dos resultados desses processos parece

não ter sido suficiente para estancar o falling behind tecnológico, pois os

indicadores de competitividade tecnológica revelada, após esboçarem uma tênue

reação entre 1999 e 2000, voltam a se afastar dos verificados nos países

125 Exceção feita possivelmente a este último país o qual avança mais aceleradamente que o Brasil em todos os indicadores.

Via de regra, não são empregados indicadores referentes à China ao longo deste capítulo. Em primeiro lugar, por que tais dados cobrem pouco tempo, são assimétricos (ora incluindo Hong Kong e Formosa) e frequentemente têm sua precisão contestada. Em segundo lugar, porque ser duvidoso se a China já vive efetivamente um catching up: como se sabe, há pouco mais de um século, o tamanho de economia, da capacidade tecnológica (não empresarial, por suposto) e mesmo do nível de renda per capita chineses eram significativamente superiores em relação às economias de ponta do que são hoje. Ver Maddison, 2008.

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239

desenvolvidos ou que se mantiveram em catching up. Não há qualquer evidência

disponível de alteração desse padrão devido à política de inovação tecnológica

iniciada em 1999.

Nas seções finais, há um quadro empírico para avaliar mais detidamente as

interações entre estrutura industrial e indicadores de competitividade tecnológica,

destacando o que, desde a hipótese desta tese, parece ser a causa predominante

da inefetividade das políticas federais de inovação do período recente, marcadas

pelo arrojo e pervasividade: a falta de demanda empresarial, a qual reflete,

sobretudo, a defasagem e a estagnação da estrutura setorial do parque produtivo

brasileiro.

No capítulo seguinte aprofunda-se essa avaliação, focando-a nos resultados

intermediários das políticas atuais à luz da hipótese defendida.

5.2. Descrição do Panorama Geral da Inovação Tecnológica no Brasil

5.2.1. Indicadores industriais e de competitividade revelada de uso de

ciência e de tecnologia pelas empresas brasileiras

5.2.1.1. Exportações

O Brasil participava, em 2008, com 2,58% da economia mundial (2,87 % se

corrigido por paridade de poder de compra). No mesmo ano, suas exportações

perfizeram aproximadamente 1,25% do total mundial e significativamente menos

das exportações de bens manufaturados – pouco mais de 0,8% – sobretudo, os de

alta e média alta tecnologia.

A economia brasileira já foi significativamente maior em relação à economia

mundial – alcançou 3,46% em 1980 e em 1987 ainda era de 3,29%, além de já ter

sido responsável por parcela maior das vendas internacionais, embora por um

breve período, entre 1983 e 1985, e sob condições especialíssimas.

Apesar da pauta de exportações figurar atualmente entre as mais

diversificadas dentre os países não desenvolvidos – em franca oposição ao que os

estruturalistas apontavam como um grave impedimento ao crescimento

sustentável dos países primário-exportadores –, parte importante do vigor recente

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240

desse agregado é devido ao crescimento da demanda por alimentos e minérios in

natura da China e da Índia, como é conhecido.126

Como resultado, a participação dos bens manufaturados na pauta vem

caindo, sobretudo as dos bens em cuja produção é em geral exigida maior

capacidade tecnológica própria, bens de alta e média alta intensidade tecnológica.

Assim, enquanto em 2000 os manufaturados participavam com quase 59% das

exportações, em 2008, equivaliam a 47% (55% em 2004). A tabela 5.1, a seguir,

evidencia o veloz aumento das exportações desse tipo de bens até o final do

período da industrialização liderada pelo Estado, bem como sua posterior

estagnação eparcial decadência:

Tabela 5.1 – Participação dos manufaturados nas exportações brasileiras de

1964 a 2008

Fonte: Secex/MDIC

Os bens de alta e média alta intensidade tecnológica, que chegaram a

perfazer mais de 35% dos manufaturados em 2000, caíram para 26% em 2008

(30% em 2004). Evidentemente, as quedas em relação ao total exportado são

muito mais significativas, de forma que, apesar do maciço aumento das

exportações que o Brasil logrou nesse intervalo, vem de fato perdendo espaço nas

exportações mundiais, intensivas em tecnologia.

Esse quadro é tanto mais notável ao se ter em mente que as informações,

escassas para anos muito distantes, sugerem que o Brasil, com alguma

defasagem em relação ao avanço tecnológico do parque produtivo voltado ao

mercado interno, protegido, vinha rapidamente sofisticando suas exportações. O

gráfico 5.1 ilustra as grandes linhas da nítida perda de vigor do catching up

tecnológico brasileiro, de meados dos anos 1980 em diante, tendência que não foi

revertida após a virada do século.

126 As exportações brasileiras de produtos básicos cresceram à vertiginosa taxa de 27,8% ao ano, de 2003 em diante. O

efeito do aumento da demanda asiática deu-se, sobretudo, a partir de 2005, sobre o preço em dólar desses bens, alterando também o valor exportado aos demais países.

a n o s 1 9 6 4 1 9 7 0 1 9 7 5 1 9 8 0 1 9 8 5 1 9 9 0 1 9 9 5 2 0 0 0 2 0 0 3 2 0 0 5 2 0 0 7 2 0 0 8

p a rt ic ip . % 6 ,2 2 1 5 ,1 9 2 9 ,8 2 4 4 ,8 4 5 4 ,8 5 5 4 ,1 5 5 4 ,9 7 5 9 ,0 5 5 4 ,2 6 5 5 ,0 6 5 2 ,2 5 4 6 ,8 2

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241

Gráfico 5.1 – Evolução da Participação Brasileira nas Exportações Mundiais

por Grupos de Produtos, de 1960 a 2008, em %

O ano de 1985 representa um ponto de inflexão, a partir do qual é

interrompido o movimento de crescimento rápido da ―competitividade revelada‖ da

indústria brasileira. De lá para cá, diversos fatores têm contribuído para recuperar

aquela tendência, mas com sucesso apenas passageiro. A taxa de câmbio, os

ciclos de investimento ou de modernização e a demanda externa cumprem papel

importante. Mas o protagonismo em impulsionar o parque produtivo a patamares

superiores de sofisticação tecnológica parece ter se perdido justamente em um

período em que tecnologia, C&T, competitividade e inovação, estiveram como

nunca nas declarações de especialistas e nos textos de documentos oficiais das

diversas esferas de governo.

As exportações de manufaturados, cujo share internacional vinha crescendo

a taxas muito superiores ao das exportações totais desde os anos 1960 – observe-

se que durante o chamado ―II Delfinato‖ essa tendência na verdade se arrefece –,

passam a se mover letargicamente a partir de 2000, inclusive passando a perder

share internacional de 2003 em diante.

PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NAS EXP MUNDIAIS POR GRUPOS DE

PRODUTOS

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1960 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2008

ANOS

%

SHARE MANUF

SHARE TOTAL

SHARE H-T

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242

A comparação das duas linhas superiores no gráfico corrobora uma

tendência, ainda que possivelmente tênue, à reespecialização em recursos

naturais no pós-desenvolvimentismo, não revertida, antes pelo contrário, pelo

crescente protagonismo das políticas de CT&I como políticas de desenvolvimento

econômico127.

Por outro lado, coetaneamente à ―desindustrialização‖ das vendas externas,

um miniciclo de crescimento das exportações intensivas em ciência acontece entre

1995 e 2000, quando esses bens chegam a representar quase 20% da pauta e, o

que é mais notável, ultrapassam 0,5% do total exportado por todos os países. A

desagregação dos dados informa que grande parte desse crescimento é devido ao

aumento das vendas de produtos aeronáuticos, que alcançam 6,7% das

exportações de manufaturados em 2000, aos quais podem ser agregadas

exportações de telefones celulares e de equipamentos de vídeo, destinadas em

sua maioria a países sul-americanos, em esquemas de outsourcing regional. Sem

embargo, esse surto – cuja intensidade pode ser visualizada pela inclinação da

curva azul entre 1995 e 2000 – é fugaz.

Infelizmente, não há dados de vendas externas de bens intensivos em C&T

anteriores a 1990, embora não faltem indícios de que eram residuais ou

esporádicas. Decerto não é esse o caso das exportações de média alta

intensidade tecnológica, nas quais o Brasil, por força de relevante competitividade

na metal-mecânica, possui certa tradição128. Isso não tem sido suficiente para

expandir as exportações desses produtos relativamente às exportações de

manufaturados – mantidas entre um máximo de 25,4% em 1998 e um mínimo de

20,3% –, sobretudo em um contexto cambial desfavorável. Evidentemente, a

participação da oferta brasileira no mercado internacional, não representada no

gráfico 5.1, vem caindo.

O fato de o quadro refletir a baixa capacidade tecnológica da indústria

nacional resulta mais claro ao se ter em conta que a deterioração do saldo

comercial deu-se de forma desigual, conforme a complexidade dos bens

comercializados. É o que evidencia a tabela 5.2:

127 Assunto ao qual se retornará na segunda seção deste capítulo.

128 Ver, por exemplo, Puga, 2007.

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243

Tabela 5.2 – Evolução do saldo comercial brasileiro por intensidade

tecnológica, de 1996 a 2008

Fonte: Secex/MDIC

Os produtos manufaturados intensivos em recursos naturais ou em mão-de-

obra não apenas não sofrem os efeitos da valorização cambial evidentes de 2005

em diante, como são capazes de melhorar seus resultados apesar desse cenário.

Por outro lado, em segmentos de alta e média alta tecnologia, o país sofre

duramente com o câmbio desfavorável. Nove anos após a guinada pró-inovação

tecnológica da política de C&T brasileira, o país apresenta déficit de

impressionantes US$ 50 bilhões em bens manufaturados mais elaborados. A

percepção da dramaticidade desse fenômeno é turvada pela rápida integração da

economia brasileira aos fluxos comerciais internacionais após o colapso do câmbio

fixo, a qual ocasionou um aumento geral nas exportações, inclusive das de bens

mais intensivos em C&T (embora, nesse caso, insuficiente para acompanhar o

crescimento mundial).Na verdade, como o crescimento das importações foi muito

mais rápido, perde-se de vista que provavelmente passo-se por uma

―maquillarização‖ desses subsetores, com perda da densidade das suas cadeias

produtivas e com crescimentos em alguns segmentos insuficientes para

acompanhar a decadência de outros.

O gráfico 5.2, abaixo, evidencia a reversão das derivadas-segundas das

exportações e das importações de bens intensivos em tecnologia em direções

aproximadamente opostas: a partir de 2003, enquanto as exportações (linhas

pontilhadas) de maior conteúdo tecnológico passam a crescer a taxas

decrescentes129, as importações (linhas contínuas) correspondentes aceleram seu

crescimento. Esta última característica é especialmente acentuada, de 2007 em

diante, em bens de alta tecnologia e, de 2006 em diante, em bens de média alta

129 Após o esgotamento da desvalorização cambial de 1999 (em conjunto, provavelmente, com a aceleração do crescimento

da renda disponível vis-à-vis o resto do mundo depois de 2004).

1996 2000 2005 2008

ALTA -8380 -7342 -8377 -21932

MÉDIA-ALTA -9727 -8695 493,81 -29169

MÉDIA 2887,3 1433,7 12257 9648,4

BAIXA 10130 11435 28862 40158

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244

tecnologia. Assim, em 2008, o Brasil importa mais de 70% a mais do que exporta

nesse subsetor.

Gráfico 5.2 – Evolução das Importações e Exportações Brasileiras de Bens

de Maior Intensidade Tecnológica nos anos recentes, em USD correntes

Esse dado é especialmente digno de nota porque, até os anos 1980, a

participação da indústria mecânica – que domina o subsetor de média alta

tecnologia – no VTI brasileiro era tido como uma espécie de testemunho de que o

catching up industrial havia, grosso modo, sido concluído e de que eventuais

problemas de competitividade teriam raiz fora do chão de fábrica, como pela falta

de capital humano ou pela baixa pressão concorrencial existente.

Na subseção seguinte apresenta-se um painel mais detalhado da evolução

da estrutura do VTI brasileiro.

EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES DE ALTA INTENSIDADE TECNOLÓGICA 1996 A 2008

-

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

60.000

70.000

80.000

96 97 98 99 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

TEMPO, EM ANOS

VA

LO

RE

S, E

M U

S$

MIL

ES

CO

RR

EN

TE

S

M Indústria de alta

tecnologia

M Indústria de

média-alta tecnologia

X Indústria de alta

tecnologia

X Indústria de média-

alta tecnologia

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245

5.2.1.2. Oferta interna total

A oferta total confirma a tendência geral anteriormente apontada. Como

visto, o PIB é de fato o resultado mais evidente do arrefecimento do catching up

brasileiro. Ademais, mutatis mutandis, o mesmo movimento ocorrido nas

exportações, de perda de densidade tecnológica, acontece no conjunto da

produção, com perda de espaço da indústria de transformação concomitantemente

à fraqueza relativa dos setores que tendem a utilizar mais intensivamente ciência

e/ou que são ―formadores‖ (em oposição a tomadores) de tecnologia.

O VTI total brasileiro em 2008 alcançou US$ 157 bilhões, correspondendo a

aproximadamente 1,77% do total mundial. Essa proporção, que já foi de quase 3%

em 1985 (2,9% em 1980), vem caindo desde então, com alguns períodos de

estancamento da tendência. Naturalmente, parte da perda de espaço da indústria

pode ser creditada ao baixo crescimento do PIB como um todo, por efeito da

elasticidade-renda; e parte ao florescimento relativo das atividades primárias, nas

quais a conjunção de elevada competitividade nacional com o aumento da

demanda externa anularia os esforços internos de incrementar a composição

tecnológica do VTI. Não obstante, a alteração da participação setorial da indústria

de transformação sugere que a perda de intensidade tecnológica das exportações

foi acompanhada por um movimento tão ou mais dramático do conjunto da oferta

manufatureira.

A tabela a seguir ilustra as características gerais desse movimento.

Tabela 5.3 – Razão VTI dos setores de alta tecnologia e VTI dos setores de

baixa tecnologia entre 1978 e 2007, em países selecionados

Fonte: Elaboração própria sobre dados da Unido e Sidra/IBGE (*) – Dado de 2007, corresponde à relação entre 2000 e 2007, de acordo com o IBGE, multiplicada pela razão de 2000 na Unido

Países 78 a 80 80 a 86 86 a 89 2000 2005 2007

Brasil (*) 0,61 0,74 0,78 0,71 0,65 0,52

Índia 0,46 0,63 0,75 0,77 0,75 -

Coréia 0,6 0,56 0,77 1,28 1,44 -

P. Avançados0,97 1,14 1,4 1,12 1,1 -

Turquia 0,36 0,36 0,38 0,48 0,42 -

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246

Há que se ter presente que a estrutura industrial brasileira resultante do

período desenvolvimentista era, para um país cuja industrialização só se inicia no

século XX e considerando sua dotação de fatores, notavelmente intensiva em

setores de alta e média alta tecnologia. No início dos anos 1980, o VTI desses

segmentos correspondia a aproximadamente 30% do VTI total, percentual superior

até mesmo ao da Coréia do Sul naquele momento; de forma que, apesar de sua

extensa base de recursos naturais, não só o setor industrial era relativamente

grande, como a intensidade tecnológica era alta na comparação com o padrão

então existente. Na verdade, mesmo em comparação com os países

desenvolvidos, o Brasil encontrava-se bem posicionado sob esse critério, detendo

a 12º maior participação em mais de 80 países, dos quais há informações

disponíveis130.

Com efeito, a observação em perspectiva longa das informações de

intensidade tecnológica da indústria brasileira pelo critério da composição setorial,

à la Pavitt, sugere que tão ou mais notável que o declínio relativo dos anos 1990

em diante é a velocidade e a persistência da ascensão relativa anterior. O gráfico

5.3, abaixo, ilustra esse processo a partir de um comparativo internacional:

130 Unido Industrial Development Report, 2002/2003.

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247

Gráfico 5.3 – Evolução da Razão entre a Participação dos Setores de Alta

Intensidade Tecnológica e a Participação dos Setores de Baixa Intensidade

Tecnológica no VTI de países e de grupos de países selecionados

entre 1963 e 2005

Até meados dos anos 1980, o Brasil vinha se aproximando rapidamente do

padrão setorial da indústria de transformação dos países avançados – inclusive

com mais consistência do que a Coréia, por exemplo –, ao mesmo tempo que a

indústria como um todo aumentava sua participação no PIB131.Do final dos anos

131 O debate sobre a convergência da relação entre os setores primário, secundário e terciário na formação do PIB é

marcado pela hipótese de Rowthorn, segundo a qual apenas após certo nível de renda per capita é normal – no sentido de ―saudável‖ – a redução da participação da indústria no PIB. Palma e Akhiouz, entre outros, destacam que esse movimento foi prematuro na periferia latino-americana, por exemplo, em contraste com a forma de integração à economia mundial do

evolução da razão de intensidade tecnológica NICs gdes vs

países avançados 1971 a 1989

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1,6

1963 1971 71 a

74

74 a

78

78 a

80

80 a

86

86 a

89

2000 2005

tempo, em anos

razã

o p

art

icip

se

t a

lta

in

ten

s t

ec

n p

art

ic b

xa

in

ten

sid

tec

n

brasil

india

indonesia

coreia

turquia

avançados

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248

1980 em diante, essa tendência é bruscamente revertida e o Brasil não apenas

não consegue acompanhar outras economias em desenvolvimento (países como

Malásia e Taiwan passam por processos semelhantes ao vivido pela Coréia do

Sul, ilustrado no gráfico), como passa a se afastar dos países industrialmente

maduros (nos quais, coerentemente com os estudos schumpeterianos-

penrosianos, o avanço tecnológico e a capacidade de criar e manter elevados

níveis de agregação de valor via quase-rendas de diferenciação perde grande

parte do seu viés pró-setores tendencialmente intensivos em ciência, a partir do

final dos anos 1990). Assim, em 2005, o Brasil figurava como a única das grandes

economias em desenvolvimento, consideradas no grupo selecionado, cuja

intensidade tecnológica havia declinado relativamente aos países avançados em

cotejo com a situação no final dos anos 1970 – apesar do enfraquecimento do viés

estrutural pró-setores intensivos em ciência nos países ricos. Mesmo os países

abundantes em recursos naturais, como a Índia, a Turquia e a Indonésia, seguiram

se ―des-especializando‖ na agregação de valor baseada na exploração de

vantagens comparativas estáticas132, conforme ilustra o gráfico 5.4:

leste-asiático, a qual propiciou uma aceleração do ritmo de crescimento da indústria, permitindo, assim, manter ou mesmo aumentar as taxas de crescimento vigentes até os anos 1970. 132

Não é debalde observar que, salvo erro, Coréia, Malásia e, menos claramente, Índia, Turquia e Indonésia, obtiveram taxas de crescimento do PIB per capita e de exportações especialmente elevadas no período. Desnecessário mencionar o caso chinês, cujo vigor nesses critérios e nos destacados acima é ainda mais patente, apesar da precariedade das estatísticas disponíveis.

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249

Gráfico 5.4 – Evolução da Relação entre Intensidades Tecnológicas das

Indústrias de Transformação de países selecionados e os principais países

do Núcleo Orgânico do Final dos Anos 1970 em diante

5.2.2. Produção Científica e Indicadores de Educação Formal

5.2.2.1. Pesquisa científica

No período recente, o desempenho internacional brasileiro como produtor

de ciência parece não apenas ser bastante superior ao de sua capacidade

industrial e sua competitividade externa em bens mais sofisticados

tecnologicamente, como lhes é, por assim dizer, antagônico.

evolução da intensidade tecnológia da IT de países atrasados

comparativamente à dos países avançados entre meados dos

70 e 2005 (int. tecn. avanç. = 1)

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

78 a 80 80 a 86 86 a 89 2000 2005

tempo, em anos

int.

tecn

. re

lati

vam

en

te a

os p

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es a

van

çad

os

brasil

india

malasia

indonesia

coreia

turquia

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250

Depois de um período de crescimento lento, nos anos 1980, vindo de uma

quase insignificância até o início da década anterior, a participação brasileira na

publicação de papers indexados acelera-se notavelmente nos anos 1990, e

extraordinariamente de seu final em diante, configurando uma espécie de catching

up científico. É o que evidencia o gráfico 5.5, abaixo.

Gráfico 5.5 – Evolução da Participação da Produção Científica Brasileira

Indexada como % do Total Mundial entre 1981 e 2008

Em patente oposição ao que se verifica quanto à participação brasileira nas

exportações e no VTI de setores econômicos de alta intensidade tecnológica,

depois de ter conseguido, nos anos de maior carestia financeira e fiscal, manter-se

relativamente estável, a produção científica brasileira indexada vem exibindo

crescimento extraordinário. Assim, em 2008, 2,63% dos papers indexados,

gerados no mundo, eram de autoria de brasileiros. Esse percentual não é apenas

superior ao share das exportações brasileiras em bens de maior intensidade

tecnológica, de 0,33%; de bens manufaturados, de 0,83%; e de valor total

exportado, de 1,23%; como é superior à própria participação da economia

brasileira na economia mundial, de 2,53% em 2008.

Coerentemente, o número de publicações indexadas vem se expandindo

com rapidez. Apenas Coréia, China, Taiwan e Turquia vêm apresentando taxas de

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

1981198419871990199319972000200320062008

PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS BRASILEIRAS INDEXADAS - PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL NO

TOTAL MUNDIAL ENTRE 1981 E 2008

PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS BRASILEIRAS INDEXADAS -PARTICIPAÇÃO NO TOTAL MUNDIAL

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251

crescimento superiores às brasileiras. Dessa forma, o Brasil vem ganhando

posições no ranking internacional de maiores produtores de ciência, ocupando

atualmente a 13ª posição. Ademais, a ―qualidade científica‖ dessa produção

também tem avançado, a ponto de os papers brasileiros ocuparem atualmente a

22ª posição entre os mais citados.

Como atividade meritória, a ciência brasileira é criada por um corpo

crescente e cada vez mais titulado de pesquisadores, os quais recebem bolsas,

prêmios e honorários. Mesmo quando não estão empregados diretamente no setor

público, é comum que parte importante de seu trabalho seja custeado direta e

indiretamente por algum órgão, em geral de C&T ou de educação, de alguma

esfera administrativa.

Nesse campo das políticas públicas, o impacto do "esforço estatal" tende a

surtir efeitos praticamente imediatos, dependendo apenas, dada uma decisão

nessa direção, de eficiência administrativa. Assim, refletindo o fato de, como visto

no capítulo anterior, mesmo durante a crise econômica dos anos 80 e 90, o

governo federal (acompanhado de alguns governos estaduais) ter sustentado as

ações de PCT&I como foco mais acadêmico, um salto igualmente impressionante

na formação de recursos humanos sustentou os resultados acima destacados. Em

1987, o país possuía pouco mais de 30 mil alunos de mestrado e 8 mil de

doutorado, e titulara 3800 mestres e 1000 doutores. Até 2008, esses números

cresceram às impressionantes taxas de, respectivamente, 5,7, 9,7, 11,6 e 11,9%

ao ano.

A produtividade desse estrato da força de trabalho é desigual. Por um lado,

gera muita pesquisa; por outro, poucas patentes e, finalmente, parece gerar muito

pouca inovação nas empresas, de forma que, tomando por parâmetro o velho

modelo linear ciência → tecnologia → inovação, dir-se-ia que seu desempenho é

extraordinário no primeiro estágio, mas decai velozmente à medida que o pólo final

se aproxima. Essa dinâmica aparece refletida nas próprias motivações que

inspiram os cientistas brasileiros em suas atividades de pesquisa, como pode ser

evidenciado pela tabela 5.4, a seguir, a qual oferece um comparativo internacional

desse aspecto.

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252

Tabela 5.4 – Declarações dealta importância de possíveis objetivos de pesquisa

por parte dos cientistas em países selecionados como % do total

dedeclarações, no ano mais recente disponível

Países Ano Avanço do

Conhecimento Desenvolvimento

Econômico

Saúde e Meio-

Ambiente

Programa Espacial

Alemanha 2008 59,7 21,7 10,1 5,1

Austrália 2009 31,2 41,4 25 0,8

Brasil 2007 68 21 8,7 1,1

Canadá 2006 38,9 29,2 23,8 4,3

Coréia 2009 28,5 51,3 14 3,9

Espanha 2007 30,4 43,4 18,6 3,7

EUA 2008 14,2 11 53,9 18,9

França 2008 44,1 23,6 14,6 12,2

Itália 2008 36,8 23,9 19,4 6,7

México 2006 57 23,6 16,4 -

Portugal 2007 50,9 31 12,3 0,5

Reino Unido 2006 58,1 7,5 26,8 2,3

Fonte: MCT

O ―avanço do conhecimento‖ é apontado por nada menos que 68% dos

pesquisadores como a principal motivação de seu trabalho, acima do que é

verificado em qualquer outro país, inclusive em potências científicas consolidadas,

como Estados Unidos, França, Inglaterra e Alemanha. Ao mesmo tempo, uma

parte reduzida dos pesquisadores brasileiros se declara interessada no

desenvolvimento econômico – pouco mais de 1/5, parcela superior apenas à

verificada nos Estados Unidos e no Reino Unido, coerentemente, países

confortavelmente situados no cenário científico e tecnológico internacional,

detentores de papel central na formação das pautas de discussão mundial. Ao

mesmo tempo, nos países menos avançados cientificamente, como Portugal,

Coréia e Espanha, os cientistas mostram-se particularmente preocupados com a

aplicação econômica e prática de seu trabalho.

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253

A distribuição setorial – por áreas de conhecimento, na verdade – da

produção científica brasileira contribui para compreender o descompasso entre a

competitividade tecnológica revelada da indústria e a pujança científica dos anos

recentes. Sem embargo, não revela um perfil ―especulador‖, concentrado em

ciência pura, por exemplo.

Com efeito, bastante de acordo com o que se viu no capítulo 2 e é

fartamente descrito na literatura, as ênfases científicas relativas do Brasil parecem

chancelar seu desenvolvimento tecnológico relativo – o que não necessariamente

se confunde, como também observado, com o desenvolvimento tecnológico

empresarial, muito menos o das firmas industriais.

Como se pode observar na tabela 5.5, abaixo, está sugerida uma

―competitividade revelada‖ em ciências ―rurais‖, como veterinária, agronomia,

biotecnologia, zootecnia, botânica etc. Apenas quatro das especialidades

científicas nas quais o Brasil é desproporcionalmente bem sucedido não

apresentam vínculos plausíveis diretos com a produção agropecuária:

farmacologia, imunologia, ciências espaciais e física. Mesmo assim, é fácil

perceber que há ganhos ―de escopo‖ das duas primeiras em relação a pesquisas

voltadas para o chamado ―agronegócio‖.

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254

Tabela 5.5 – Participação de publicação brasileiras indexadas no total mundial

por áreas de conhecimento, 2004 a 2006

Fonte: MCT

Uma explicação adicional sobre a especialização relativa brasileira reside

na área médica e sanitária, áreas nas quais os cientistas brasileiros estão

relativamente bem ou não estão mal posicionados: clínica médica, biologia

molecular, imunologia e outras.

Não há grande mistério nisto: são segmentos em que o Brasil, apesar de

sua precária tradição científica, possui uma respeitável trajetória em

desenvolvimento tecnológico para fins públicos ou sociais, como se viu no capítuilo

anterior. Mesmo quando ―inovações‖ resultantes dessas pesquisas são

2004 2005 2006

Ciências Agrárias 3,37 4,56 4,28

Ciências dos Animais/Plantas 2,58 3 3,42

Microbiologia 2,32 2,42 2,71

Farmacologia 2,4 2,59 2,5

Biologia e Bioquímica 1,99 1,95 2,38

Imunologia 1,94 1,81 2,28

Ciências Espaciais 2,12 1,89 2,23

Física 2,47 2,08 2,12

Ecologia/Meio Ambiente 1,9 1,95 2,04

Média 1,73 1,79 1,92

Matemática 1,81 1,91 1,82

Química 1,65 1,7 1,8

Neuroc. e C. Comport. 1,41 1,65 1,74

Biologia Molec/Genét 1,4 1,56 1,72

Clínica Médica 1,4 1,48 1,68

Multidisciplinar 1,6 1,54 1,66

Geociências 1,38 1,48 1,62

Ciência dos Materiais 1,57 1,48 1,54

Engenharia 1,35 1,25 1,3

C. Sociais em geral 1,11 1,1 1,08

Ciência da Computação 0,83 1,16 1

Psicologia/Psiquiatria 0,46 0,69 0,68

Economia e Negócios 0,43 0,46 0,49

Educação 0,4 0,19 0,28

Direito 0,11 0,05 0

Grande área do conhecimento% do Brasil em relação ao

mundo

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255

apropriáveis na forma de lucros extraordinários por empresários privados, mais no

caso da agropecuária e da engenharia espacial, e menos no caso da medicina, o

esforço tecnológico é custeado pelo setor público. Vale dizer: as capacitações

tecnológicas associáveis a esses esforços científicos (não importa, aqui, em que

direção causal) existem e há bons indícios de que continuam em expansão, mas

não estão situadas em complexos setores-campos de conhecimento

caracterizados por elevada apropriabilidade. Portanto, a composição relativa da

produção de alto nível nacional não corrobora que a pesquisa científica brasileira é

especulativa, nem que não tenha vínculo com capacidades tecnológicas reveladas,

senão que essas capacidades são, por assim dizer, pouco lucrativas, seja porque

não são aplicáveis em atividade empresarial em sentido estrito, seja porque

quando são, geram inovações cujo resultado é difuso e difícil de ser retido.

Algumas das outras especialidades em que os cientistas brasileiros também

se destacam – por exemplo, por originarem uma proporção de publicações

superior à participação das exportações brasileiras no total mundial, de 1,25% –

são potencialmente geradoras de elevado nível de bens públicos difusos, como a

física, a química e a matemática. Estão, portanto, coerentes com o objetivo

"idealista" declarado por nossos pesquisadores. Obviamente, em países mais

adiantados industrialmente, independente do que buscassem os pesquisadores,

seria mais plausível que mesmo pesquisas em elevado nível de abstração

acabassem contribuindo para o desenvolvimento nacional. Em países menos

avançados, o resultado desse tipo de pesquisa é, quanto à inovação, estimular o

aumento da distância relativa vis-à-vis os países avançados, tanto mais ao se ter

em mente que publicações indexadas em geral seguem programas de pesquisa

oriundos dos grandes centros desses últimos países.

As especialidades cujos dados sugerem um bom desempenho relativo e

que não se encontram em nenhum dos casos listados – geociências, ciências dos

materiais, engenharia e multidisciplinar – também correspondem a uma

característica marcante do esforço tecnológico brasileiro já apontado: o

desenvolvimento ―fora do mercado‖, estimulado e frequentemente sustentado pelo

ativismo do Estado, algumas vezes por intermédio de empresas que controla.

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256

5.2.2.2. A questão educacional

É bastante consensual que o sistema educacional brasileiro é frágil, mesmo

relativamente ao nosso grau de desenvolvimento econômico. Embora o

desenvolvimento científico e a disponibilidade de mão de obra de alta qualificação

acadêmica sejam, em tese, insumos relevantes para a inovação baseada em

ciência, e mesmo para a inovação tecnológica em geral, faz sentido indagar-se

sobre a mão de obra menos qualificada. Essa percepção parte do raciocínio linear

(mas não necessariamente incorreto), segundo o qual o país menos avançado faz

inovação menos avançada ou simplesmente faz aprendizagem, aprimoramento,

melhora incremental, adaptação etc. em detrimento da inovação tecnológica

propriamente dita, a qual seria mais intensiva em ciência. Já se observou no

primeiro capítulo que talvez o contrário seja mais correto, haja vista que o

conhecimento científico é muito mais aberto e acessível do que o conhecimento

tecnológico empresarial, tácito e baseado em habilidades133.

De qualquer modo, não se encontram indícios de que o Brasil esteja se

defasando em termos de educação formal não acadêmica. É bastante conhecido

que o esforço realizado nos últimos anos, apesar das vicissitudes e dificuldades

frequentes, vem logrando resultados favoráveis. Não é muito fácil aferir a

importância relativa desses resultados. O último relatório da PNAD, por exemplo,

esclarece que o nível de desenvolvimento brasileiro em educação é

significativamente superior (0,818) ao seu nível em saúde (0,783) e em economia

(0,792).

Com efeito, a escolaridade média da mão de obra cresce velozmente no

Brasil. Tomando por base o famoso texto de Barro e Sala-i-Martim sobre educação

e convergência de níveis de renda, extraiu-se a escolaridade média em vários

países, estendendo, sempre que possível, para o último ano disponível. A Tabela

5.6 traz o último dado disponível e a taxa média anual de aumento da escolaridade

média da força de trabalho nos intervalos entre 1980 e 2000 e entre 2000 e 2006

(2004, no caso dos países da OCDE).

133 Essas habilidades sob certo ponto de vista são menos complexas que as habilidades científicas, mas isso não implica

que uma boa formação pré-acadêmica as crie ou mesmo as condicione. Na verdade, a educação formal é decisiva apenas na medida em que muitas das habilidades requeridas para a execução de tarefas no chão de fábrica já estão plasmadas em processos produtivos esquematizados ou em habilidades menos irreprodutíveis. Esse é o caso das escolas técnicas, por exemplo, essas sim corretamente associadas ao tipo de apoio ao esforço tecnológico que países atrasados em catching up tipicamente necessitam.

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257

Tabela 5.6 – Anos de estudo e taxas anuais de crescimento da escolaridade,

em %, em anos e períodos selecionados, em países selecionados

Fonte: Unesco; MEC; Barro; Lee, 2001

Embora no período de elevado crescimento econômico, entre 1960 e 1980,

a taxa de crescimento da escolaridade tenha sido excepcionalmente baixa no

Brasil, corroborando a explicação segundo a qual esse seria um dos possíveis

motivos para a perda de impulso em comparação à Coréia e Taiwan, por exemplo,

certamente esse não pode ser o motivo para o baixo desempenho subsequente.

De 1980 em diante, o Brasil acelera extraordinariamente a melhora na

escolaridade de sua força de trabalho – passando a deter a sexta maior velocidade

de crescimento e superior à de todas as economias de rápido crescimento

ilustradas134. No período após a Constituição de 1988, que institui uma série de

134 Não há dados para a China. Observe-se, contudo, que a seleção de países listada corresponde justamente aos que se

destacaram por dinamismo excepcional, acrescido de outras grandes economias, como as que apresentaram desempenho

País 1960 1970 1980 1990 2000 2006var% 80-00

aa

var% 90-06

aa

Brazil 2,85 3,31 3,11 4,02 4,88 7,3 2,28 3,8

France 5,4 5,68 6,69 6,95 7,86 11,6 0,81 3,73

Spain 3,67 4,78 5,98 6,44 7,28 10,6 0,99 3,62

Ireland 6,4 6,78 7,46 8,78 9,35 13 1,14 2,84

Sweden 8,07 7,98 9,71 9,51 11,41 12,6 0,81 2,03

Hungary 6,64 8,13 9,06 8,93 9,12 11,7 0,03 1,95

Mexico 2,76 3,68 4,77 6,72 7,23 8,8 2,1 1,94

Canada 9,11 9,08 10,32 10,99 11,62 13,3 0,59 1,37

Korea 4,25 4,91 7,91 9,94 10,84 12 1,59 1,35

Finland 5,4 6,11 7,16 9,38 9,99 11,2 1,68 1,27

Algeria 0,98 1,56 2,68 4,25 5,37 n.d. 3,54 n.d.

Egypt n.d. n.d. 2,34 4,26 5,51 n.d. 4,38 n.d.

Iran 0,8 1,61 2,82 3,96 5,31 n.d. 3,21 n.d.

Kuwait 2,89 3,13 4,53 5,75 6,22 n.d. 1,6 n.d.

Tunisia 0,61 1,48 2,94 3,94 5,02 n.d. 2,71 n.d.

Botswana 1,72 1,95 3,12 5,34 6,28 n.d. 3,56 n.d.

S. Africa 4,29 4,62 3,79 5,4 6,14 n.d. 2,44 n.d.

Argentina 5,25 6,21 7,03 8,13 8,83 n.d. 1,15 n.d.

Chile 5,21 5,65 6,42 6,96 7,55 n.d. 0,81 n.d.

Colombia 3,2 3,05 4,41 4,7 5,27 n.d. 0,89 n.d.

Peru 3,3 4,56 6,11 6,21 7,58 n.d. 1,08 n.d.

Indonesia 1,55 2,87 3,67 4,01 4,99 n.d. 1,55 n.d.

Malaysia 2,88 3,9 5,09 6,03 6,8 n.d. 1,46 n.d.

Singapore 4,3 5,05 5,5 5,96 7,05 n.d. 1,25 n.d.

Taiwan 3,87 5,31 7,61 7,98 8,76 n.d. 0,71 n.d.

Thailand 4,3 4,09 4,43 5,58 6,5 n.d. 1,94 n.d.

India 1,68 2,27 3,27 4,1 5,06 n.d. 2,21 n.d.

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258

mecanismos de incentivo à educação, o Brasil passa simplesmente a deter a maior

taxa de crescimento entre todos os países dos quais se dispunha de informações.

Parte importante desse crescimento é resultado do aumento da

escolaridade básica, cujo efeito sobre a aplicação de ciência aos processos

criativos e produtivos das empresas é marginal. Contudo, a escolarização superior

também avançou velozmente entre os brasileiros:

Tabela 5.7 – Proporção da PEA com escolaridade superior em anos e países

selecionados, taxa média de crescimento anual desta proporção

em todo período

Fonte: MCT; OCDE

A situação brasileira, como se pode perceber, se ainda difere da existente

nos principais países, por outro lado não é tão desvantajosa, ademais de vir

crescendo a uma taxa notável (os demais países que exibiram taxas superiores à

brasileira, em um universo de mais de uma centena e que possuíam pelo menos 5

anos de média de estudo estão listados).

Naturalmente, há que questionar a qualidade desse estudo: eventualmente,

nos 7,4 anos listados, pouco conteúdo foi ministrado, de forma que os

trabalhadores ficaram mais tempo nos bancos escolares, mas, devido à má

qualidade do ensino, não aprenderam muito. Isso poderia ser um óbice formidável

competitivo revelado superior. Dentre os países com melhor desempenho educacional, apenas os que possuíam menos de 3 anos médios de estudo concluído em 2000 não fizeram parte da subamostra acima.

var %

1995 1999 2004 2006 95 a 06

Alemanha 29 30 31,7 26 -10,3

Bélgica 35,3 38,5 46,4 29,8 -15,6

Brasil 6,7 7,5 9 10,1 50,7

Dinamarca 29,6 29,8 37,2 36,2 22,3

Espanha 25,6 31,6 40,2 35,6 39,1

França 26,3 30 33,8 30,8 17,1

Grécia 21,1 23,7 29,6 24,6 16,6

Itália 12 14,1 16,1 17 41,7

Portugal ... 10,2 16,1 14 -

Reino Unido 25 28,1 32,2 29,7 18,8

Países

Pessoas com escolaridade superior como % da PEA

RHCTe

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259

ao crescimento econômico com aumento da capacitação tecnológica de empresas

para as quais a capacidade do trabalhador de lidar com equipamentos

programáveis, por exemplo, é crucial, criando um tipo de gargalo para o catching

up tecnológico.

Todavia, em primeiro lugar, em um país em que metade da população não

possuía renda suficiente para fazer três refeições diárias há apenas 15 anos,

atribuir resultados em provas de conhecimentos à ―qualidade do ensino‖ revela

carência de perspectiva do analista antes de qualquer outra coisa. O fato de uma

ampla faixa de pessoas cujos pais e avós sequer tinham ambição de aprender a

ler e escrever ampliaria a taxas extraordinárias o estoque de capital humano por

trabalhador, mesmo que a qualidade média da educação oferecida – ou capaz de

ser absrovida por uma população com tais características – estivesse

significativamente abaixo dos padrões internacionais.

Em segundo lugar, há uma questão de má abstração subjacente nessa

discussão. Uma coisa é se admitir genericamente, por exemplo, para fins de uma

análise de cross section ampla, típica de estudos de growth accounting, que o

nível de capital humano é um fator explicativo robusto das diferenã de

produtividade, e que a escolaridade média pode ser usada como boa proxy deste.

Daí a uma análise normativa que indique o aumento da educação como melhor

política para aumentar a produtividade vai uma grande distância. O aumento da

educação formal pode ter efeito nulo a depender do estágio de desenvolvimento

em que uma economia em particular se encontra, ou da distribuição de atividades

econômicas que possui. Do ponto de vista da política industrial e da política de

inovação tecnológica, o trabalhador é o objeto. O fato de ele não possuir certas

habilidades já disponíveis ao ser contratado é um elemento horizontal do cálculo

capitalista no país em questão, sinalizando melhores perspectivas em um setor e

não em outro, dados essa qualidade exógena e o custo de um aprimoramento em

relação a outro. Assim, a carência de mão de obra pode ser um problema para

empresas que buscam competir na última tecnologia, mas não para aquelas que

ainda competem em tecnologias já conhecidas, as quais podem se expandir

baseadas em, entre outras formas de aprendizagem, learning by doing.

O fordismo, por exemplo, nasceu justamente da capacidade de utilizar mão

de obra sem nenhum treinamento, conseguindo produtividade acima da obtida

com trabalhadores mais sofisticados (inclusive em termos de conhecimento

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260

formal). A menos que não houvesse mais nenhum nicho, em outro setor, para o

qual a mão de obra que não domina a álgebra elementar, nem sabe quem foi

Napoleão Bonaparte é útil; trata-se de um atalho analítico precário – sobretudo no

caso de países atrasados – como uma explicação geral.

Finalmente, parece haver um repetido mau uso dos resultados de exames

como o PISA (Programme for International Student Assessment). É sabido de

sobejo que esse teste é menos adequado para países nos quais está em curso, no

ano da aplicação do exame, um esforço de catching up educacional extensivo.

Primeiro, porque o nível de recursos culturais dos pais, altamente relacionado ao

nível de renda, são decisivos para explicar o melhor ou pior desempenho dos

estudantes. Outros fatores relacionados ao bem-estar material familiar também

exercem importância não desprezível, embora isoladamente pareçam ter pouca

importância. É desnecessário destacar o quanto esses fatores subtraem validade

dos rankings montados a partir do PISA para medir a qualidade do capital humano

de um país relativamente a outro.

Além disso, a correspondência entre idade e anos de estudo tende a ser

inadequada: muitos jovens de 12 anos estarão na 4ª ou mesmo na 3ª série do

Ensino Fundamental. Evidentemente, sair-se-ão particularmente mal quando

indagados de conteúdos que nem lhes foram ―ensinados‖. O Brasil possuía a

segunda menor média de anos de estudo entre os jovens que participaram do

exame em 2005/6, superior apenas à da Estônia, e o terceiro maior desvio-padrão,

atrás do Uruguai e Tunísia.

A última edição do exame PISA apresenta tabelas com correção para o

nível escolar já atingido, cuja aplicação, por si só, alterou a posição brasileira no

ranking em sete lugares (a qual passa da 52a para a 45a colocação entre 57 países

para os quais há dados). Pode-se especular, ademais, a partir do efeito do capital

cultural familiar sobre o desempenho no exame de ciências, que um número quase

igual de posições fosse somada caso a OCDE também corrigisse por renda ou

excetuasse alunos com renda familiar per capita abaixo de um certo nível135.

Assim, se é certo que o avanço científico brasileiro não foi acompanhado na

mesma medida pelo avanço educacional, é certo também que esse existe e é,

outrossim, contrastante com a evolução dos indicadores de intensidade

135 Cf. WAISELFISZ, 2009; OECD 2007

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261

tecnológica, aferida seja pelas exportações, seja pelo valor da transformação

industrial.

5.3. Indicadores Intermediários de Esforço Tecnológico

Pode-se, com bons motivos, argumentar que a intensidade tecnológica e

mesmo científica da produção não é avaliada apenas pela participação setorial.

Países e firmas podem lograr importantes avanços no uso de conhecimento

científico em diversos outros setores que não os tipicamente intensivos em C&T,

como deveras se observa. Ao mesmo tempo, é verossímil que se oferte e exporte

bens cuja produção é supostamente intensiva em conhecimento por vantagens

competitivas em logística, em infraestrutura, em custo de mão de obra e mesmo

em sinais macroeconômicos, como juros e câmbio ―industrializantes‖, com pouca

atividade tecnológica própria.

A relação entre setor e atividade inovativa é, como visto, pouco relevante

em Schumpeter, ao contrário dos autores clássicos em geral, os quais a

compreendiam mais como inovação tecnológica (provavelmente por atribuírem

pouca relevância à inovação não tecnológica), fundamentalmente concentrada no

setor de bens de capital. Os autores neoschumperianos e os especialistas em

política de C&T em geral, costumam tentar ligar essas duas perspectivas

destacando a fecundidade da união entre ciência e produção empresarial,

explicitamente ou não, sob o conceito de sistema de inovação. Essa união, embora

corroborada por inúmeros indícios empíricos, não é um empreendimento teórico

trivial. Conforme visto, a percepção de que o mecanismo concorrencial é capaz de

engendrar ganhos de produtividade progressivos é uma descoberta extraordinária.

Por outro lado, a noção de que o arcabouço tecnológico sobre o qual o

desenvolvimento econômico se processa possui forte caráter setorial, ademais de

amiúde ter sido decisivamente impulsionado por ação estatal consciente, tende a

relativizar a força da explicação schumpeteriana stricto sensu. O clássico trabalho

de Pavitt sugeriu um caminho, potencialmente valioso, para integrar esses

enfoques: as formas de inovar em cada setor são distintas. A aplicação de ciência,

por exemplo, sem ser privativa de um ou outro segmento, é decisiva em alguns

poucos; acessória, mas importante, em outros; e residual em outros. Os

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262

segmentos podem alterar-se, ou a importância da aplicação científica aumentar ou

diminuir em cada um, mas é improvável que uma hierarquia se estabeleça. A taxa

de inovação tende a ser maior nesses setores porque invenções são excelentes

formas de inovar. Essa propriedade da invenção cria oportunidades claramente

diferenciadas para colher resultados econômicos do esforço tecnológico.

Sendo isso verdade, a distribuição setorial de um parque produtivo nacional

qualquer tende a influenciar o esforço tecnológico que as firmas, situadas nesses

setores, desejarão realizar.

A figura 1 do capítulo 3 evidencia que essa hipótese permanece – em que

pese um aumento surpreendente na extensão do uso de ciência nas atividades

inventivas, das quais o patenteamento é um indicador importante. É de se esperar

que o esforço tecnológico – frequentemente representado pelo nível de dispêndio

em P&D em relação a um agregado econômico, como valor adicionado, receita,

faturamento ou PIB – também reflita a ―setorialidade‖ das oportunidades

tecnológicas e, portanto, das fontes do ―progresso técnico‖.

Duas vantagens do uso do esforço tecnológico e não do perfil inventivo

parecem evidentes: primeiro, a P&D acrescenta capacidade tecnológica, ou seja,

capacidade absortiva, nos formatos que a empresa considera relevantes, não

precisando ser submetida a critérios estranhos à noção de oportunidade

tecnológica de cada negócio capitalista individual. Segundo, a P&D é mais

adequada para medir esforço tecnológico em países e empresas latecomers.136

Para tanto, seguem comparativos internacionais com relação a três grupos

de indicadores: P&D, concessão de patentes e atividades de inovação tecnológica

declaradas pelos dirigentes empresariais.

136 ZUCOLOTTO (2009) acrescenta um relevante motivo para a P&D, sobertudo a empresarial, ser o critério central de

avaliação e comparaçãod e efetividade de políticas de C&T: ao se admitir que neoclássicos, schumpeterianos e o estrutruralismo representam as principais escolas debatendo o desenvolvimento econômico, em que pese suas diferenças inclusive quanto a que questões devem ser debatidas, toas concordam que os níveis relativos de P&D são muito importantes.

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263

5.3.1. P&D

O Brasil possui um elevado patamar de gasto em P&D como proporção do

PIB relativamente ao seu nível de renda per capita, como se pode observar no

gráfico 5.6.

Gráfico 5.6 – Países selecionados segundo P&D e renda per capita

em 2006

Fonte dos dados brutos: OECD,2008

A curva que separa duas regiões do gráfico – alta intensidade relativa de

P&D na parte de baixo e pequena intensidade de P&D na parte de cima – é uma

curva de tendência. Assim, quanto mais um país se encontra longe da curva para

baixo, mais sua relação P&D/PIB é alta relativamente ao nível de renda média que

já atingiu. Esse é o caso de China, Coréia do Sul, Israel e Brasil, e, em menor

proporção, Chile, México, Polônia e Japão. Países que, como Itália, Austrália e,

sobretudo, Irlanda, possuem níveis de renda bastante elevados, mas cujos

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264

dispêndios em P&D são relativamente modestos – nesses casos,

significativamente abaixo de 2% do PIB –, encontram-se representados muito

acima da referida curva.

Essa informação, que em si mesma sugere que o Brasil realiza um esforço

tecnológico maior do que indica a composição setorial de sua indústria, tem, não

obstante, de ser relativizada.

Em primeiro lugar, porque, como é sabido de sobejo, uma elevada

proporção desses dispêndios corresponde não a gastos correspondentes ao arrojo

competitivo das firmas e mesmo ao esforço tecnológico nacional em sentido

estrito, mas à prioridade nacional com o progresso científico. Assim, o gasto

público em P&D é particularmente elevado no Brasil, aproximando-se de 60% do

total.

Em segundo lugar, na verdade, dado o nível de renda nacional, a indústria

brasileira é relativamente intensiva em ciência. Sem embargo, essa característica

vem perdendo força explicativa, em especial quando se tem em conta que esses

segmentos aumentaram rapidamente seu peso relativo nos países avançados e,

mais rapidamente ainda, nos países que sustentam processos de catching up

vigoroso.

De fato, o patamar de dispêndios públicos e privados em P&D como

proporção do PIB no Brasil, em torno de 1% do PIB, superado apenas pela China

dentre os países com renda per capita abaixo de US$ 20.000 (a Coréia do Sul

possui aproximadamente isso), estabilizou-se precocemente. Ademais, como visto,

esse patamar possui certa artificialidade na medida em que foi atingido graãs em

boa parte ao crescimento do poder de pressão da comunidade científica e à

assimilação da C&T como bem meritório pela sociedade brasileira, em detrimento

de ter resultado de um crescimento da demanda por apoio governamental ao

esforço tecnológico por parte dos parte das empresas privadas.

O gráfico abaixo evidencia uma série de traços importantes das tendências

de longo prazo do esforço tecnológico internacional, representado por um grupo de

países selecionados (convém lembrar que os gastos em P&D de países menos

desenvolvidos industrialmente, além de no mais das vezes não disporem de

estatísticas comparáveis, são residuais e estáveis, e não estão representados no

gráfico).

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265

O conjunto da OCDE, cuja representatividade é abalada pela frequente

entrada de novos membros, em geral em estágio tecnológico e científico bem

inferior ao grupo mais antigo, sugere uma estabilidade a partir dos anos 1990,

depois de um provável crescimento rápido nos anos 1970 e 1980, desde que os

Estados Unidos sejam excluídos (já que Alemanha, Japão e outros países, não

incluídos no gráfico, apresentavam números próximos a 1,5% nos anos 1960137).

Gráfico 5.7 – Evolução da intensidade de P&D em países selecionados

Pode-se conjecturar que o esforço tecnológico das economias

desenvolvidas foi afetada fortemente entre os anos 1960 e final dos anos 1980,

dobrando ou mais que dobrando o gasto em P&D em relação ao PIB, por motivos

como a ascensão de novas potências industriais crescentemente competitivas vis-

137 WALKER, 1993

Evolução da intensidade de P&D em países selecionados

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

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1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

tempo, em anos

pro

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rção

do

PIB

, em

%

Coréia

Brasil

EUA

Japão

França

Canada

Espanha

Turquia

OCDE

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266

à-vis o centro138; a maior intensidade científica dos novos setores139; e o

aparecimento, coroando o advento da big business science, de sistemas nacionais

de inovação, generalizando a possibilidade do uso de ciência e de tecnologia de

base científica como fonte de diferenciação competitiva140.

Quase tão curioso quanto esse crescimento é a relativa estabilidade que se

firma dos anos 1990 em diante, sugerindo que um gasto entre 2 e 2,5% do PIB em

P&D é o esperável para países de renda mais elevada. É comum o destaque para

uam suposta tendência de longo prazo de crescimento desses gastos, mas as

informações sugerem que o movimento geral é de estabilização (os dados em

torno de 1995 evidenciam mais provavelmente o efeito da introdução de países

como Polônia, Turquia e Hungria como membros da OCDE, os quais, sendo

economias relativamente grandes, puxaram para baixo a média do grupo).

Confirma a impressão de padrão o fato de apenas Noruega e Itália não realizarem

pelo menos 2% do PIB em P&D: todos os outros países ricos situam-se daí para

cima141.

Esse padrão é contestado por Israel, Suécia, Finlândia, Japão e Coréia, que

sustentaram crescimentos contínuos dos gastos, para níveis próximos de 4% do

PIB, por motivos certamente idiossincráticas no caso do primeiro país. Quanto aos

demais, pode-se conjecturar, a partir da tese do catching up tecnológico, que

graças a políticas de desenvolvimento realmente arrojadas esses países

continuaram a fazer o que é melhor do ponto de vista da eficiência dinâmica. Isso

provavelmente está correto, desde que se destaque as condições que permitem

aos capitalistas investir tanto em P&D – em todos, pelo menos ¾ desse gasto é

executado por empresas privadas – de forma lucrativa.De qualquer forma, em

ambos casos, quer parecer que a explicação para o ―outlying‖ tem forte

componente de orientação das políticas públicas.

No âmbito da OCDE, seja como for, outros países se destacam pelo padrão

de evolução diferente. Japão e, sobretudo, Coréia possuem trajetórias

impressionantes. Este, ao realizar proporcionalmente menos P&D que o Brasil do

II PND, ultrapassou quase todos os países desenvolvidos nesse indicador,

sustentando níveis de crescimento elevados após ter completado a

138 KATZ,1994; LALL, 1990; TEIXEIRA, 1985.

139 FREEMAN, 1984; LAPLANE; SARTI, 2006; FREEMAN; PEREZ, 1988; PAVITT, 1984.

140 SZMRECSÁNYI, 2001; MEDEIROS 2004

141 OECD, 2008.

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267

industrialização gerschenkroniana, ―por cópia‖, nos anos 1980142. Mas também a

Turquia, que se integrou economicamente à Europa como uma espécie de

maquilladora, a Espanha, cuja indústria encontra-se em patamares inferiores aos

países do G7, e o Canadá, desproporcionalmente rico em recursos naturais,

destacam-se como países que não arrefeceram trajetórias de aumento da

intensidade tecnológica do setor produtivo. Seus casos não podem ser

comparados ao dos países asiáticos, contudo, cuja velocidade é excepcional e se

prolonga para adiante do nível de 2,5%.

O caso brasileiro é emblemático por seguir o arrefecimento típico dos países

muito desenvolvidos, mas com políticas tecnológico-industriais mais frouxas, muito

antes de o patamar de 2% ou um elevado nível de renda serem atingidos. Vale

dizer, o Brasil, apesar de ainda preservar uma posição de destaque entre os

países não ricos quanto à intensidade tecnológica de sua economia, se observado,

por assim dizer, em cross section, exibe uma estagnação relativa surpreendente,

com uma trajetória de maturidade típica das grandes economias da OCDE.

Um indício significativo de que essa estagnação está correlacionada à

decadência do longo e vigoroso período de mudança estrutural da era

desenvolvimentista é dado pela composição do P&D brasileiro praticamente não

mudar ao longo de todo período: ainda hoje, as empresas privadas executam

apenas 40% desse gasto no país, patamar que, ademais de particularmente baixo

– nos países mais desenvolvidos ou em catching up as empresas executam de 60

a 80% desse dispêndio –, está estancado nesse nível durante um momento

marcado pela consolidação de sistemas nacionais de inovação vigorosos e

bastante autônomos em relação ao estímulo governamental e pelo rápido aumento

da participação dos setores mais intensivos em ciência no VTI industrial.

O gráfico 5.8 ilustra a evolução do esforço tecnológico privado em alguns

países para os quais há informações, exibindo a linha de tendência dos gastos

empresariais em P&D como proporção do total de 1970 até 2005.

142 Ver KIM, 2006 E 1994; AMSDEN, 1990.

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268

Gráfico 5.8 – Evolução dos Gastos em P&D Empresariais em % do PIB, em

países selecionados

Todos os países revelam uma tendência ao maior gasto privado como

proporção do gasto total, evidenciando o aumento da importância relativa dos

setores intensivos em ciência e tecnologia na matriz produtiva e da diferenciação

tecnológica como relevante estratégia concorrencial na grande parte dos

mercados. Mas a diferença da declividade mostra ora a precocidade desse

processo, como os Estados Unidos; ora seu amadurecimento, países da OCDE;

ora, ainda, processos de catching up em curso, como Japão, Coréia e Turquia, em

estágios diversos. Espanha e Canadá, países que já dispõem de elevado nível de

Evolução da participação empresarial nos gastos em P&D de

países selecionados 1970-2005

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

tempo, em anos

P&

D e

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P&

D t

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l, e

m %

Coréia

Brasil

EUA

Japão

Canada

Espanha

Turquia

OCDE

Linear (Brasil )

Linear (OCDE)

Linear (Coréia )

Linear (Canada)

Linear (Japão)

Linear (Espanha)

Linear (Turquia)

Linear (EUA)

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269

renda per capita, executam esforços peculiares143, de certa forma ―tardios‖, de

acelerar a absorção tecnológica das firmas, mas também do conjunto das

instituições nacionais como um todo (já que ainda possuem níveis relativamente

baixos de dispêndio total com P&D).

Por seu turno, o caso brasileiro chama a atenção pela declividade

semelhante à da linha de tendência da OCDE. Como os demais países, há

crescimento da participação do gasto privado em P&D, mas em um padrão

letárgico, típico de uma economia madura e sem mudança estrutural (observe-se

que a Turquia aproxima-se rapidamente de superar o Brasil, o que já ocorreu com

a Coréia e provavelmente com a China e a Índia quanto a esse último aspecto).

Se essas características do esforço tecnológico nacional – relativamente

alto, mas estagnado e pouco determinado pelo esforço empresarial – são

coerentes com a estagnação da competitividade em setores intensivos

tecnologicamente e do padrão setorial da indústria; por outro lado, parecem não

condizer com as informações disponíveis sobre a importância concedida à política

de CT&I, em particular no sentido de estimular a P&D empresarial.

Se, conforme visto, parte desse resultado pode ser estatisticamente

associado ao fato de o Brasil ter se defasado em relação aos países avançados

quanto à importância das indústrias intensivas em ciência em sua matriz produtiva,

parece evidente que, de uma perspectiva ―comportamental‖, a ênfase na inovação

como estratégia competitiva é rara entre as empresas nacionais. Infelizmente, não

se pode saber se essa ênfase foi maior ou menor no período desenvolvimentista.

As evidências disponíveis, entretanto, sugerem que também nesse aspecto

prevalece uma estagnação desde a virada do século, a qual resulta em crescente

defasagem relativa vis-à-vis setores empresariais tecnologicamente progressistas.

5.3.2. Comparativos entre pesquisas sobre atividade inovativa das

empresas

O Manual de Oslo alterou decisivamente a compreensão de como

pesquisas voltadas para aferirem o impacto de políticas de CT&I deveriam ser

143 Ver, por exemplo GUIMARÃES 2007 e OECD 2008. Países como o México e Portugal realizam esforços fiscais

significativos em prol de estimular a P&D empresarial e a P&D já há algum tempo, com resultados, ao que parece, pífios.

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270

realizadas. Coerentemente com a acepção schumpeteriana de que inovações são

resultados de atividades empresariais, dirigidas ao mercado e ao desempenho

concorrencial,propôs-se que a atividade inovativa fosse pesquisada diretamente

junto às empresas.

Um desejável efeito colateral da adoção dessas diretrizes, entre diversos

outros, foi o incremento na extensão e na qualidade das informações sobre o

esforço inovativo das empresas. Assim, a Pintec brasileira permite saber qual foi o

gasto com P&D empresarial, interno e externo, em relação à receita líquida de

cada empresa, e, logo, de setores, regiões ou países. A tabela 5.8, abaixo, traz

informações sobre a proporção de firmas inovadoras e os gastos com inovação,

dentre estes, com P&D, em relação à receita líquida, ao longo das três Pintecs.

Tabela 5.8 – Inovatividade e esforço tecnológico das firmas brasileiras de

2000 a 2005

ANOS 2000 2003 2005

Firmas inovadoras/ total 31,90% 33,60% 33,60%

Dispêndio com inovação/RL 3,90% 2,50% 2,80%

Dispêndio total com P&D/RL 0,76% 0,62% 0,67%

Fonte: Pintec/IBGE 2000, 2003 e 2005

Não surpreende que o percentual de firmas que realizaram inovações

tecnológicas em cada período não seja baixo no Brasil, situando-se próximo do

patamar encontrado em países do sul da Europa. Sem embargo, mantém-se

estável, apesar dos esforços governamentais, e vem resultando de empenhos

menores proporcionalmente ao total da receita líquida da indústria de

transformação. Os esforços efetuados especificamente por meio de P&D, mais

nobres, também apresentam-se em queda, mesmo com a recuperação parcial em

2005.

Uma comparação mais completa com os esforços inovativos realizados por

outros países que efetuam pesquisas conforme o Manual de Oslo permite uma

radiografia mais precisa do cenário brasileiro. O gráfico 5.9, a seguir, exibe seus

traços gerais.

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271

Gráfico 5.9 – Tamanho e tipo do esforço inovativo em países e anos

selecionados

O Brasil, em particular em 2000, apresenta como traços marcantes um

esforço relativamente alto respectivamente ao seu nível de renda, embora de

qualidade modesta, com amplo predomínio de outros gastos que não os com P&D.

Assim, apesar de superar Irlanda, Portugal, Noruega e Itália – observando-se que

todos esses países possuem proporção de inovadoras superior à do Brasil – no

esforço total empreendido pelas firmas para inovar, esse é de pouca qualidade,

apresentando baixa proporção de gastos em P&D e alta de gastos ligados à

aquisição de novos equipamentos (indicando mais adoção de inovações de outrem

do que esforço próprio, obviamente).

Outro traço negativo marcante do perfil brasileiro é a queda no esforço total

realizado: o Brasil é o único país dentre aqueles para os quais se dispõem de

dados detalhados que apresentou essa característica, embora ainda em 2005 seu

esforço inovativo total tenha sido maior que o da Espanha e mais intensivo em

P&D que o de Portugal.

0

1

2

3

4

5

6

7

GA

ST

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PR

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OR

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000

PAÍSES E ANOS

TAMANHO E TIPO DO ESFORÇO INOVATIVO EM PAÍSES E ANOS

SELECIONADOS

outros gastos

inov/turnover

aquis equip/turnover

P&D/turnover

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272

Com efeito, ainda que o padrão de medida sejam os gastos em relação ao

PIB, uma aferição mais exata de esforço inovativo (ou de aprendizagem

―complexa‖) seriam os dispêndios em relação à receita líquida de vendas do setor

manufatureiro (já que o PIB pode ter caído por conta de uma crise agrícola, por

exemplo).

Considerando-se que a indústria cresceu à frente da economia nos anos

recentes, de fato, o resultado é uma queda de 0,76% para 0,62% e uma

recuperação parcial, para 0,66%, em um nível ainda muito inferior ao de antes de

as medidas terem trazido impacto. Assim, conjugado esse resultado com a

redução do comprometimento dos governos dos estados acarretou que o nível de

gastos em P&D como proporção do PIB – mais adequado para se aferir o potencial

de avanço tecnológico ―mais nobre‖ – segue em nível baixo, inclusive para os

padrões brasileiros.

Como se sabe, o Brasil se destaca da maioria dos países não

desenvolvidos, excetuados os tigres asiáticos, por há muito tempo apresentar

patamares de investimento em P&D excepcionalmente elevados. Na verdade, até

o início dos anos 1980, o Brasil liderava ou disputava com a Coréia o maior gasto

médio entre os países não desenvolvidos. É o que evidencia a tabela 5.9.

Tabela 5.9 – Gastos governamentais e não governamentais em países

atrasados de 1971 a 1995

Fontes: World Bank 1999; DAHLMAN, FRISCHTAK, 1993; GUIMARÃES ET ALII, 1984; KIM, 2004 e 1993

Dessa forma, ao se tomar o gasto em P&D como um tipo de investimento,

como formação de um tipo de estoque de aprendizado ―mais nobre‖ (em relação

ao que se obtém por meio da compra de equipamentos em regime turn-key,

transferência de tecnologia em pacotes fechados, IED etc.), pode-se dizer que o

Brasil ―acumulou um significativo estoque‖, rivalizando com a Coréia do Sul pelo

G. Ñ.G. G. Ñ.G. G. Ñ.G. G. Ñ.G. G. Ñ.G. G. Ñ.G.

Brasil  0,3 0,05  0,4 0,1  0,5 0,15  0,7 0,2  0,6 0,2  0,7 0,3 

Coréia  N.D. N.D.  0,3 0,1  0,4 0,1  0,4 1,0  0,3 1,5  0,3 2,0 

Argentina  N.D. N.D.  1,1 0,1  0,4 0,1  0,3 0,1  0,3 0,1  0,4 0,1 

México  N.D. N.D.  N.D. N.D.  N.D. N.D.  0,3 0,1  0,3 0,1  0,3 0,1 

Índia  N.D. N.D.  0,6 0,05  0,6 0,05  0,5 0,1  0,4 0,1  0,5 0,1 

China  N.D. N.D. N.D. N.D.  0,5 0  0,5 0  0,5 0,1  0,6 0,1 

1985 1990 1995

 PAÍS

1971 1975 1980

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273

menos até o final dos anos 1980 (dado que a economia brasileira ainda é, até hoje,

bem maior que a coreana). Assim, parece lícito afirmar que, apesar de todos os

reveses e vicissitudes, o Brasil vinha acumulando um ―potencial competitivo

tecnológico‖ provavelmente único nos países atrasados. E, como se sabe, uma

das maiores barreiras ao aprendizado tecnológico é precisamente a existência de

uma ―acumulação prévia‖.

Ora, um dos problemas que poderia ter afetado a conversão desse

potencial em resultados é o fato de se concentrar demasiadamente ―na

universidade‖ ou no setor público. Com efeito, como se pode observar nas tabelas

5.9 e 5.10, acima, o Brasil, ainda que se diferencie de outros países atrasados por

seu elevado nível de gasto total em P&D – inclusive por uma parcela

correspondente às empresas destacadamente alta, até há pouco tempo (mais

recentemente, Índia e China também passam, além dos tigres asiáticos do first tier,

a deter elevadas participações privadas) –, situa-se em patamar baixo de gastos

não governamentais.

Entre os países avançados, o gasto público em P&D é invariavelmente

menor que o privado, apesar de diferenças significativas poderem ser observadas

entre países com elevado esforço militar ou com elevada participação pública na

infraestrutura (como Estados Unidos, França, Israel e Reino Unido); todos com

mais de 1/3 de gasto público sobre o total, em relação àqueles em que os sistemas

de bem-estar são esquálidos ou são relativamente desmilitarizados (os leste-

asiáticos, com exceção de Taiwan).

Sem embargo, na medida em que as medidas adotadas apontam para a

construção de um sistema de inovação, mesmo que as empresas tenham, desse

modo, se mantido pouco interessadas em construir estruturas de P&D internas

(apesar dos incentivos, inclusive para a aquisição de equipamentos para esse fim),

poderiam ter incrementado, de alguma forma, o aproveitamento da P&D pública,

tendo conseguido aumentar a quantidade e a qualidade das inovações ou

interagido mais com universidades e centros de pesquisa, vale dizer, aproveitando

uma oferta abundante de potencial input tecnológico. A Pintec permite lançar luz

sobre isso também.

Contudo, há pouca dúvida de que é precisamente nesse ponto que o

problema parece grave e impressionantemente resistente às políticas adotadas.

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274

Tabela 5.10 – % de firmas que inovaram, que inovaram em produto, que

inovaram em produto para todo seu mercado e que inovaram em produto

para o mercado mundial relativamente ao total de firmas pesquisadas, de

2000 a 2005

Anos

finais

Inovaram Produto geral Produto

mercado

Novo p/ mercado

mundial

2000 31,9 17,88 4,2 n.d.

2003 33,6 20,67 2,8 0,029

2005 33,6 19,81 3,3 0,031

Fonte: Pintecs 2000, 2003 e 2005

Como visto, não parece adequado falar de uma baixa presença de

empresas inovadoras no Brasil144, percentual que rivaliza e mesmo supera o

existente em países de renda média mais elevada. Ou seja, esse não é um dado

apropriado se se pretende mostrar baixa atividade tecnológica das empresas

brasileiras. A rigor, a atividade tecnológica pode ser alta apenas pela presença de

elevados gastos na compra de equipamentos mais modernos e pela transferência

de tecnologia. Mas o fato de a inovação de produto e para o mercado nacional

como um todo ser praticada apenas por algo entre 2,8% e 4,25% das empresas é,

sim, bastante indicativo de que as inovações são extremamente modestas,

ademais de seguirem estagnadas. Além disso: menos de meio milésimo das

empresas inova para o mercado mundial (nesse caso, sendo pouco relevante a

inovação de processo).

Ademais, o perfil pouco intensivo em ciência e mais provavelmente em

aprendizagem tácita, baseada em adaptações de outras tecnologias ou como

simples decorrência da aquisição de equipamentos das inovações implementadas,

pode ser confirmado pela importância relativa das diferentes atividades inovativas.

Em todas as Pintecs, a aquisição de máquinas e equipamentos é a única das

atividades inovativas que a maior parte das empresas inovadoras reputam como

de alta importância, correspondendo a quase o dobro das que consideram como

tendo média ou pouca importância.

144 Como fazem, por exemplo, Viotti, Messa 2005 e Viotti, 2006.

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275

Pintec Depto. P&D Clientes Fornecedores Univers./ ICTs

2000 0,09 0,36 0,37 0,05

2003 0,06 0,37 0,37 0,05

2005 0,07 0,43 0,4 0,06

A Tabela 5.11, a seguir, sugere um perfil essencialmente de ―país seguidor‖

das empresas brasileiras ainda pelo fato de que tanto as atividades de projeto

industrial como de treinamento simples são consideradas como de grande

importância por parte significativa das empresas (mais que toda a P&D somada).

Tabela 5.11 – % de informantes que declararam alta importância de

algumas atividades inovativas

Fonte: Pintec 2000, 2003 e 2005

Contudo, o que se revela mais surpreendente é que mesmo dentre as

empresas inovadoras, entre as quais há participação desproporcionalmente alta

das empresas ―de elite‖ brasileiras, houve uma queda na reputação da P&D –

ainda que o número e a taxa de inovadoras sobre o total tenha aumentado.

A observação das fontes de informação relevantes para a inovação ajuda a

completar esse quadro, pois mostra a ―direção‖ da decisão de inovar.

Coerentemente, a importância dos departamentos de P&D é muito baixa, apesar

de não ser claramente cadente, como é ao serem considerados atividade inovativa

em si, sugerindo que além de não usarem muito seus departamentos de P&D para

chegar ao artefato da inovação, de fato, são fontes de informação muito limitadas.

Tabela 5.12 – Taxa de declarantes que inovaram e que declaram

elevada importância da informação para a inovação segundo diferentes

fontes, 2000, 2003 e 2005

Fonte: Pintec 2000, 2003 e 2005

Pintec P&D i P&D e Máq/Equip Treinam. Proj. Ind.

2000 0,24 0,05 0,55 0,38 0,28

2003 0,17 0,03 0,67 0,41 0,29

2005 0,17 0,04 0,65 0,45 0,26

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276

Novamente, o quadro sugere que as empresas inovadoras brasileiras dão

grande importância aos fornecedores e aos clientes como fontes de informação

para criar novos produtos: inovam com os pés firmemente fincados no dia a dia do

mercado em que vivem. Além disso, esse perfil também não só se mantém como

se radicaliza nos anos recentes.

Uma visão mais completa dos inputs da inovação, contudo, fornece

evidências mais seguras de como as empresas processam o conhecimento. Como

se sabe, o modelo de interactive learning é inspiração para os guidelines que

influenciam a PCT&I. Não surpreendentemente, o Manual de Oslo, base para a

Pintec brasileira, é ele próprio fortemente inspirado pelos trabalhos dos grupos de

S&T da OCDE. Como seria de se esperar, a questão da cooperação aparece com

destaque.

Um bom resultado poderia ser o aumento da importância da cooperação

para a realização de inovadoras. Evidentemente, no caso brasileiro sobretudo, a

cooperação com universidades e centros de pesquisa se revestiria de especial

relevância. Não se poderia descartar que mesmo as universidades não sendo

fontes de informação relevante, uma vez decidida a direção da inovação, passam

a ser um significativo apoio para as empresas inovadoras. O quadro a seguir

resume as opiniões dos empresários inovadores sobre tipos de cooperação de alta

relevância.

Tabela 5.13 – % de declarações de alta importância de atividades de

cooperação externa às firmas industriais de 2000 a 2005

Pintec COOPERAÇÃO ALTA IMPORTÂNCIA

Cooperam Clientes Fornec. Univ/IP

2000 0,11 0,04 0,04 0,01

2003 0,04 0,01 0,01 0,01

2005 0,07 0,04 0,03 0,01

O dado de 2003, na segunda linha, deve ser olhado com alguma

desconfiança, já que o número de respondentes foi excepcionalmente baixo

naquele ano. Mas a queda na importância da cooperação é notável, de qualquer

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277

forma, apesar de sua recuperação com clientes e fornecedores (o que,

obviamente, envolve o estabelecimento de relações mais estáveis que no caso da

obtenção de informações, acima visto). Naturalmente, pode-se dizer que a

importância da cooperação com as universidades é residual, além de, como os

demais, não ter se movido ao longo desses 5 anos, reduzindo a importância da

tabela imediatamente anterior em que se observava um aumento na importância

das universidades como fornecedoras relevantes de informação para a inovação.

De modo geral, a atividade inovativa é autofinanciada. Esta não é uma

característica comum, tendo por base o que sugeem os resultados das Community

Innovation Surveys européias, mas o grau em que isso ocorre na indúistra

brasileira é peculiarmente elevado. Pode-se levantar algumas explicações.

Primeiro, porque o sigilo é de importância difícil de superestimar, mesmo se a

inovação não for um avanço extraordinário, dado que é um mecanismo competitivo

poderoso145. Segundo, porque envolve elevado risco. Terceiro, porque, mesmo

quando há um agente financiador arrojado, disposto a oferecer crédito, a

assimetria de informação é séria, coerentemente com o que destaca a abordagem

das capacitações, dentre os schumpeterianos. Finalmente, e de cabal importância,

é conhecido que o auto-financiamento cumpre papel decisivo também nos

investimentos tradicionais, de aquisição de equipamentos e ampliação de plantas.

Sem embargo, cabe verificar se está havendo alguma melhora declarada no

uso de apoio oficial para a realização da atividade inovativa. De fato, parece que

nos países mais desenvolvidos uma parte relativamente grande, embora

minoritária, da inovação empresarial acontece com apoio público, em geral

financeiro.Só há dados para o Brasil de 2003 em diante, os quais apontam para

um aumento na percepação da importância do apoio governamental, mas muito

modesto ( de 18% para 19% das inovadoras). Curiosamente, dentre os

mecanismos apontados, apenas a Lei de Informática teve sua relevância ampliada.

Entretanto, cresceu de 1149 para 1990, ou seja, em mais de 70%, o número dos

inovadores que apontam ―outros instrumentos‖ como importantes. Esse número só

é inferior ao dos que apontam o financiamento à compra de equipamentos como

de alta relevância na ação estatal.

145 NELSON, 1990.

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278

As declarações dos empresários quanto à intensidade de fatores que

impedem ou reduzem o esforço inovativo nas Pintecs permitem completar um

pouco esse quadro.

Tabela 5.14 – Taxa de firmas respondentes que declararam elevada

importância de algumas dificuldades para inovar em 2000, 2003 e 2005, e que

inovaram ou não

Como se observa, coerentemente com a melhora geral na qualificação

formal da força de trabalho, além de poucos empresários verem na falta de mão de

obra qualificada uma barreira à inovação (―pess. qualif.‖), esse percentual é

cadente, inclusive entre os que não inovaram. Até certo ponto corroborando a

noção de que há uma percepção de maior apoio à inovação, as dificuldades de

financiamento tiveram rapidamente reduzida sua importância como barreira à

inovação, o mesmo, aproximadamente, podendo ser dito do custo e do risco. De

fato, é possível que as informações da tabela 5.14 sejam mais apropriadas para

medir se o apoio governamental está chegando aos empresários: sabe-se que

está, a questão é, como se verá melhor no capítulo seguinte, que, talvez, eles não

queiram inovar mais, ao menos não do jeito que a PCT&I quer induzi-los a fazer.

5.3.3. Desempenho inovativo: registro e concessão de patentes

A irrelevante representatividade dos registros de patentes brasileiras no

USPTO corrobora a percepção de que as inovações realizadas no Brasil são ―de

baixa complexidade tecnológica‖ e que há pouca comunicação entre o mundo da

ciência e o do mercado. De fato, ao contrário do gasto em P&D, relativamente alto

e com participação elevada das empresas (em relação ao nível de renda médio), o

registro de patentes é considerado um tipo de calcanhar de Aquiles dos

indicadores de C&T&I brasileiros.

Pintec risco custo pessoal qualif. financiam. risco custo pessoal qualif. financiam.

2000 0,15 0,2 0,05 0,14 0,27 0,33 0,11 0,26

2003 0,13 0,16 0,04 0,1 0,24 0,25 0,11 0,21

2005 0,09 0,12 0,03 0,09 0,17 0,19 0,08 0,16

NÃO INOVARAM INOVARAM

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279

Com efeito, os pedidos de patentes de residentes no Brasil junto ao USPTO

não alcança, em nenhum dos anos de 1995 para cá, sequer 0,1% do total

registrado (inclusive residentes nos Estados Unidos), contrastando fortemente

tanto com a participação do Brasil tanto no PIB e na produção científica mundiais ,

próximas de 2,7%; quanto nas exportações, superior a 1. Essa diferença salta aos

olhos quando se comparam os pedidos de patentes de brasileiros com os de

canadenses, cuja economia é menor que a brasileira, mas cujos pedidos são

quase 30 vezes (sic) maiores; com os chineses, que partindo de um patamar

semelhante em 1995, requerem 10 vezes o número de patentes pedido por

brasileiros; e com os indianos, que pediam menos da metade, em 1995, e, em

2006, solicitaram cinco vezes mais que o reivindicado por brasileiros.

Tabela 5.15: Pedidos de patentes registrados por residentes no Brasil no

USPTO e milésimo do total de pedidos de 1995 a 2007

Fonte: WIPO

Esses desempenhos guardam, no caso dos países asiáticos, uma relação

mais que proporcional com o crescimento de sua participação em publicações

científicas, sendo o contrário válido para o Brasil, cujo esforço de patenteamento

parece não acompanhar o esforço de publicação. Sem embargo, é de se notar que

o aumento da participação brasileira no total de patentes requeridas sugere que o

país, embora não acompanhe o ritmo dos BRICs asiáticos (o mesmo se aplicando,

aproximadamente aos tigres do Leste), de forma geral, vem melhorando seu

desempenho. De pouco mais de 0,05% dos pedidos de patentes totais em 1995,

atualmente o Brasil situa-se acima de 0,075%.

Na medida em que mais interessa a assimetria entre o desempenho

extraordinário em produção científica – esse, comparável ou superior aos dos

países asiáticos em rápido catching up – e os demais indicadores de potencial

tecnológico empresarial, é relevante observar os pedidos de patentes concedidos,

Anos 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Pedidos 115 145 107 175 179 220 219 243 259 287 295 341 375

Tot/1000 228 212 220 237 266 296 326 334 342 357 391 426 456

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280

os quais sugerem não apenas o esforço, mas também sua efetividade, análogos

aos artigos aceitos por publicações indexadas.

Aparentemente, nesse caso, o desempenho industrial faz tanta diferença

quanto o desempenho científico. Albuquerque destaca que é uma peculiaridade do

Brasil ter por sujeito dos pedidos de patentes instituições predominantemente

científicas, o que talvez indique, como o autor aponta, menos o esforço crescente

de alguns centros universitários de se aproximar da criação de ―utilidades‖ do que

a fraqueza tecnológica do setor industrial brasileiro.

Tabela 5.16 –Patentes concedidas pelo USPTO para países selecionados e

participação, em %, do Brasil no total de concessões, de 1990 a 2006

País 1990 1993 1995 1998 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Todos - - 101 148 157 166 164 169 164 144 174

Coréia 236 789 1161 3259 3314 3558 3786 3944 4425 4352 5908

México 30 44 40 57 76 81 94 84 86 80 66

Brasil 38 58 63 74 98 110 33 130 106 77 121

Br/tot - - 0,062 0,05 0,062 0,066 0,02 0,077 0,065 0,053 0,07

Fonte: WIPO; ALBUQUERQUE, 1998

Os dados acima atestam queas impressionantes diferençasentre Brasil e

economias de porte ou capacidades científicas semelhantes quanto ao número de

patentes pedidas se mantêm ou mesmo aumentam ao se passar para o número de

patentes efetivamente concedidas. Mais além, o Brasil não consegue sustentar

uma participação próxima da que obtém nos pedidos (como visto há pouco, entre

0,75 e 0,8% do total), ficando pouco acima de 0,05% do total, como, o que parece

mais grave, não vem logrando aumentar essa participação de forma consistente.

Na verdade, esse resultado não é surpreendente.

De um lado, observou-se que apesar de as firmas industriais brasileiras

inovarem com relativa frequência – mais que alguns países europeus, por exemplo

–, tais inovações raramente se referem ao mercado mundial e, o que é mais

relevante para esta discussão, o conhecimento científico é uma fonte de

informações desprezível para sua realização.

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281

De outro lado, mas relacionado ao primeiro aspecto, os resultados em

termos de patentes concedidas estão mais associados à presença de empresas

que competem em setores intensivos em aplicações científicas, ainda que suas

exportações, outro indicador relevante de dinamismo tecnológico,possam durante

algum tempo não estar crescendo por um ou outro motivo (por exemplo, porque a

demanda interna se expande mais rápido que a externa).

Com efeito, mais de 2/3 das patentes mundiais se concentram exatamente

nos setores classificados como de alta intensidade em aplicação científica por

Pavitt (ou de alta intensidade tecnológica segundo a OCDE). Esse dado adere

surpreendentemente à concentração do esforço de P&D por setores industriais nos

países desenvolvidos e mostra um contraste fundamental com o padrão setorial da

P&D praticado no Brasil.

5.4. Composição Setorial do VTI e Composição Setorial dos Gastos em P&D:

A Permanência da Dimensão Setorial

5.4.1. Recolocando o problema

Durante os anos que seguiram à II Guerra Mundial até, aproximadamente, a

I Crise do Petróleo, um consenso pró-desenvolvimento dominava a discussão da

política econômica lato sensu, incluindo aí, em algumas versões, a própria política

macroeconômica. Mais controversa, mas ainda assim majoritária, era a percepção

de que no caso de países com níveis de renda e produtividade muito baixos, a

industrialização era tida como um meio fundamental para acelerar o

desenvolvimento, de forma que indicadores de aumento da participação do VTI no

PIB – em especial se acompanhado de aumento da participação das indústrias

metal-mecânica e química no VTI – eram tanto metas a serem atingidas como

indicadores aceitos amplamente como medida de catching ups em andamento.

Mais recentemente, indicadores de capacidade tecnológica e inovativa

própria passaram a ser considerados mais decisivos, de modo que a composição

setorial mais reveladora era a participação no VTI, no PIB ou nas exportações de

indústrias intensivas em C&T. Ademais, a própria importância dos indicadores

setoriais perdeu força, menos pelo que indicam e mais quanto a seu uso como

meta de políticas pró-desenvolvimento ou de políticas de CT&I. O motivo é que a

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282

inovação tecnológica aconteceria cada vez mais em todos os setores –

corroborando o que é chamado em outro lugar do presente estudo de

―acoplamento entre ciência e produção capitalista‖. Já do ponto de vista do

substrato teórico que acompanha essa percepção empírica, a importância ao

elemento setorial como determinante da relação das empresas com ICTs reduz a

endogeneidade do crescimento econômico e, mais claramente, minora a

interdependência entre ―conhecimento‖ e ―crescimento‖, em última instância – de

forma que, ao se admitir mais peso para a distribuição setorial do setor produtivo,

reduz-se a radicalidade da ruptura entre o velho modus operandi da economia e o

novo; entre as novas teorias do crescimento e as antigas. Em uma inversão do que

importa ser discutido – até que ponto o comportamento das firmas é explicado

pelas condições que as cercam, em termos de maior ou menor facilidade de inovar

e maior ou menos pressão concorrencial para que inovem –, passou-se a utilizar

fora de contexto o mantra ―o que importa é inovar, não importa onde‖.

Na realidade, as diferenças talvez tenham, em tese, se reduzido. O

aumento exponencial nos pedidos de patentes embasados em citações científicas

mostra, como visto no capítulo 2, uma transversalidade significativa. Sem

embargo, isso pode evidenciar tanto a intenção do pleiteante de evidenciar o arrojo

de sua atividade inventiva aos avaliadores dos escritórios de patentes, quanto

efetivas mudanças na importância da ciência, inclusive de diversas áreas de

conhecimento, para todas as atividades produtivas. Ademais, apenas em nível

muito abstrato é razoável assumir que a ciência converteu-se, fundamentalmente,

em uma ―força produtiva‖. Cada ciência e as tecnologias que lhe são afins

guardam significativa autonomia face às indústrias que as empregam, de maneira

que é preciso levar em conta suas desiguais capacidades de gerar invenções e,

assim, inovações, ao se buscar estimular o crescimento econômico. Assim, as

relações entre saberes acadêmicos e atividades industriais são cada vez mais

frequentes, mesmo em setores produtores de commodities ou bens de consumo

não durável. Mas os resultados que geram são, em média, muito desiguais –

mesmo em alguns setores com elevada atividade tecnológica, a ciência encontra

sérias dificuldades de se infiltrar, de efetivamente fazer a diferença146. Firmas

inovadoras são em grande medida capazes de romper com os padrões de

146 Naturalmente, tem-se em mente os conhecidos estudos de Rosenberg (1992 e 1996) sobre o tema.

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283

associação entre ciência e tecnologia consolidados. Mas esses casos são

certamente, com raríssimas exceções, um dado para países em estágio

empresarial e tecnológico inferior.

5.4.2. Importância Relativa dos Padrões Tecnológicos Setoriais vis-à-vis

Fatores Históricos e Intrafirmas em Perspectiva Internacional

Ao apresentar os fundamentos teóricos da noção de NSI, observou-se que

há cada vez mais patentes – assim como P&D, uso de ciência e inovação

resultantes desses esforços nas firmas ou delas em conjunto com ICTs – citando

papers científicos nos mais diversos setores, mesmo nos supostamente nada

científicos. Ao mesmo tempo, as líderes mundiais em inovação (e frequentemente

em patenteamento), aumentam cada vez mais a qualificação acadêmica do seu

staff de P&D e diversificam suas especializações científicas. No limite, a

percepção, cara aos estudos de Pavitt e de outros no início dos anos 1980, de que

há os setores que criam e os que tomam tecnologia (e, assim, só ―inovam‖ na

qualidade de ―primeiros usuários‖) teria se tornado arcaica.

Está inscrito ―em germe‖ no paradigma schumpeteriano, como visto no

capítulo 1, que a inovação é uma prática concorrencial capitalista – se não em

oposição, em marcada diferença com Marx –, não restrita a setores: os fatos de a

inovação ter se tornado intensiva em ciência e de os objetos e métodos da ciência

não serem facilmente moldáveis às oportunidades de lucros extraordinários, são

extrínsecos e contingentes desde essa perspectiva. Prova-o que o

neoschumpeterianismo tenha ido libertando-se dos resquícios ―estruturalistas‖

ainda vívidos nos escritos mais antigos de Pavitt, de Dosi e de outros, buscando

integrar cada vez maisdinâmica científica e dinâmica empresarial, sem ter de

passar pelas especificidades setoriais, retirando sempre que possível daí os

microfundamentos de sua portentosa teoria do desenvolvimento.

Consequentemente, quando se tenta extrair decorrências normativas, a nova

percepção, tanto quanto se pode resumi-la, consideraria o desenvolvimento

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284

nacional ―dependente de atividade‖, em oposição à anterior que o via ―dependente

de setor‖147.

Ainda no capítulo 1, observou-se que a crescente busca de

microfundamentos pela maioria dos autores schumpeterianos conduziu à eventual

hegemonia da perspectiva resource-based da firma, da inovação e do esforço

tecnológico em geral.Casos de sucesso competitivo e de arrojo inovativo foram

destacados nos mais diversos setores. Com efeito, admitiu-se que firmas com

longos acúmulos de conhecimento tácito possuem vantagens significativas para

diferenciar e para inovações tecnológicas intensivas em conhecimento tácito –

destacando apenas que essa constatação era pouco relevante para países pobres

e sem tradição manufatureira significativa, como o Brasil, os quais, no limite, teriam

de se concentrar em setores de alta intensidade científica, portanto, nos quais a

tacitness é de importância relativamente menor para avançar em seus processos

de aprendizagem a partir de certo ponto.

Finalmente, o fracasso de países como Brasil e Índia em sustentar catching

ups a partir de industrializações com foco setorial favoreceu a mudança de ênfase.

Entendia-se que esses países pagaram um preço elevado em termos de eficiência,

tendo por resultado macroeconômico, além de taxas de crescimento da

produtividade do capital baixas, dificuldades profundas em aproveitar a abertura

econômica e as reformas pró-desregulação para acelerar seu avanço tecnológico

e, de forma mais explícita, manter taxas de crescimento econômico elevadas148.

Nesse caso, talvez o esforço tecnológico tenha sido equivocado não apenas por

seu verticalismo, mas também por seu dirigismo excessivo. Um descasamento

entre estímulos exagerados e desvinculados da realidade do cálculo capitalista

(supostamente pouco responsivo a vantagens comparativas criadas), decididos

tecnocraticamente, teria ocorrido. Desde essa perspectiva, não é demais notar que

o ―ofertismo‖ das políticas de C&T na verdade se opõe à observação das

necessidades de ―conhecimento‖ manifestas das empresas.

Todos esses argumentos sugerem que a validade da classificação de

setores em alta e média alta tecnologia está em decadência ou que simplesmente

ela importa pouco sob o ponto de vista normativo, ao passo que as idiossincrasias

147 PALMA, 2005.

148 Ver, em sentidos diferentes, por exemplo, CANUTO, 1994; DAHLMANN, FRISCHTAK, 1993; LALL, 2004; PACK, 2005 e

2004.

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nacionais importam muito. No limite, cada caso nacional – suas vocações, sua

cultura, suas especificidades históricas em aspectos variados – é um caso.

Todavia, ainda que se tenha deparado com várias firmas que inovam muito

acima do padrão típico dos seus setores de atuação, mesmo as evidências mais

recentes, inclusive as referentes a países cujas firmas possuem longa trajetória de

acúmulos idiossincráticos de capacitações, sugerem que os esforços inovativos

são fortemente enviesados setorialmente.

O esforço de P&D setorial indica o quanto as firmas estão dispostas a

gastar para inovar, revelando em que grau essa ―atividade‖ é lucrativa em um setor

(ou em uma empresa) relativamente aos demais – sobretudo se mostra certa

estabilidade ou se muda lentamente, e se as relações entre os esforços setoriais

são razoavelmente estáveis entre países diferentes, desde que possuam escalas

econômica razoavelmente elevadas e que não estejam sujeitos a especificidades

históricas extraordinárias e de grandes proporções (embora não se tenha

conhecimento dos dados, esse seria talvez o caso da Rússia atualmente).

Por exemplo, o relatório anual da Booz-Allen Hamilton, ―The Global

Innovation 1000‖, atesta uma impressionante estabilidade no padrão setorial de

gasto em P&D – apesar da notável troca de posições e de participações no

ranking, conforme tabela a seguir:

Tabela 5.17 – Participação de grupos de setores no total de P&D realizada pelas

empresas mais inovadoras, em anos selecionados

Anos TICs Saúde Automob.

2003 25 21 18

2005 26 22 17

2008 28 23 16

Fonte: Booz-Allen Hamilton (http://www.booz.com/media/uploads/Beyond-Borders-Global-

Innovation-1000.pdf)

Empresas situadas em apenas dois grupos de setores – os quais englobam

todas as atividades ditas de ―alta intensidade tecnológica‖, segundo a classificação

da OCDE, exceto instrumentos de precisão não destinados à saúde e aeronáutica

– somaram nada menos que 51% de todo gasto em P&D entre mil empresas

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286

arrojadas tecnologicamente de porte mundial. Apesar de uma mudança sutil e

crescente desse indicador, e, como mencionado, as empresas não serem as

mesmas ao longo do tempo (as alterações, como é evidente, acontecem

lentamente de ano para ano, mas nunca deixam de ocorrer), uma notável

estabilidade é observada.

Essa proporção segue com impressionante proximidade a concentração

―por campo tecnológico‖ da concessão mundial de patentes. Embora essa

taxonomia não siga os mesmos critérios que os empregados nas classificações

padrão de setores produtivos, pode-se chegar a agregações que incluem

aproximadamente o conjunto que a OCDE define como ―alta intensidade

tecnológica‖ – exceto por ―instrumentos de precisão etc.‖, muito próximo ao que

Pavitt (1984) define como ―intensivo em uso de ciência‖ – e parte do que é

considerado como ―média alta intensidade tecnológica‖149. Essa correlação sugere

que o critério de ―oportunidade tecnológica‖ de Dosi está na base da alta

concentração de P&D observada na tabela anterior:

Tabela 5.18 – Participação no total de patentes concedidas por

“campos” tecnológicos, em anos selecionados

Fonte: WIPO (http://www.wipo.int/ipstats/en/statistics/patents/index.html)

Especificidades nacionais alteram decisivamente a relevância desses

fatores?

Como se sabe, as firmas inovam de acordo com seus recursos e

capacitações. Visto que firmas de um mesmo país compartilham políticas, acesso

149 Na verdade, material de transporte como um todo inclui a indústria aeronáutica, que é considerada de alta intensidade

tecnológica pela OCDE, e, em outro extremo, a indústria naval, tida como de média-baixa intensidade tecnológica. Apesar de criticada, essa tipologia vem sendo reiterada com base nas diferenças na relação gastos em P&D/receita líquida (turnover) desses distintos grupos de setores (ver OCDE, 2006), e será empregada, doravante, embora se saiba tratar-se de uma aproximação.

"Campos" Tecnológicos 2001 2003 2006

TICs e Elétrica em Geral, exceto serviços 27,6% 28,5% 30,4%

Instrumentos de Precisão 16,8% 17,0% 17,5%

Farmacêutica não-biotecnológica e química fina 7,0% 6,7% 7,4%

Engenharia mecânica para transportes 3,7% 4,0% 4,0%

Total vinculado à indústria de alta int. cientif (*) 55,1% 56,3% 59,2%

Química Básica 2,7% 2,5% 2,5%

Metalurgia e Materiais em geral 2,1% 2,0% 2,0%

Outros bens de consumo 2,0% 2,1% 1,9%

Total vinculado à indústria de alta menor cientif. 12,1% 12,0% 11,5%

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287

a insumos relevantes, fatores de produção e, mais importante, história, é de se

esperar, sob uma perspectiva centrada nas firmas, que especificidades

tecnológicas setoriais sejam de menor relevância, com os desvios nas atividades

inovativas devidos a diferenças individuais . Se os fatores "estruturais" dominam

sobre os individuais, contudo, mesmo sendo verdade que as peculiaridades

individuais das firmas importem, especificidades nacionais teriam pouco impacto

na distribuição setorial da P&D empresarial, por exemplo.

Naturalmente, espera-se que, tudo o mais constante, empresas situadas em

países de renda maior busquem inovar mais, e, ao perseguirem esse objetivo,

realizem maior esforço tecnológico. Entretanto, esse fator explicativo das condutas

empresariais, é, em primeiro lugar, pouco moldável por políticas públicas; em

segundo lugar, é irrelevante para separar a explicação do esforço tecnológico

baseada nas trajetórias das firmasda que se concentra nos fatores setoriais.

Portanto, dessa última perspectiva espera-se que embora em economias distintas

haja diferenças significativas nos indicadores de esforço inovativo e tecnológico, as

diferenças setoriais não apenas sejam significativas em todos países, como

obedeçam a distribuições semelhantes, com aproximadamente os mesmos

conjuntos de firmas setorialmente agregadas realizando proporcionalmente muito

esforço tecnológico, enquanto outros conjuntos setorialmente segmentados de

firmas realizam relativamente à média nacional pouco esforço tecnológico.

Dados que Furtado e Quadros reuniram certa vez permitem lançar luz

quanto à importância do componente setorial sobre o esforço de P&D empresarial

internacionalmente. Países tão distintos quanto Canadá e Japão, apesar de

possuírem em comum o fato de serem industrialmente avançados, estão

presentes. Reproduzimo-los na tabela a seguir, à qual foram acrescentadas

informações das últimas duas Pintecs brasileiras:

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288

Tabela 5.19 – Participação dos gastos privados em P&D de cada setor

industrial relativamente ao total da P&D realizada pela indústria de

transformação em países e anos selecionados

Fontes: FURTADO; QUADROS 2005; IBGE/Pintec 2003 e 2005

É evidente que idiossincrasias nacionais contam, mas muito menos que as

assimetrias tecnológicas dos setores, sobretudo se se restringe a países com

setores industriais tecnologicamente mais avançados150. A olhos vistos, todos os

segmentos cujo padrão de competição é intensivo em inovação tecnológica de

base científica – farmacêutica, informática, equipamentos eletrônicos, instrumentos

de precisão e outros materiais de transporte – possuem relevante participação no

total da P&D realizada (novamente, próximo de 50%, percentual que passa de 3/4

ao se incluírem os de média alta tecnologia).

Empresas de todos os países executam P&D na indústria têxtil e de

confecções. Mas apenas a Espanha e Brasil gastam significativamente mais que

1% de P&D empresarial em um setor cujo elevado esforço tecnológico

compensaria pouco. De forma similar, apenas Noruega e Brasil despendem

proporcionalmente muitos recursos para a diferenciação tecnológica na indústria

de alimentos e assemelhados, o mesmo acontecendo, em ambos, na indústria de

150 Segundo Keith Smith (2002,p. 17), comentando o perfil de gastos relativos com inovação por setores entre países

europeus, ―while there are inter-country differences in the basic data, nevertheless the variances tend to be low, suggesting that industry profiles do not vary significantly across countries of Europe‖.

Can 01 EUA 00 Jap 00 Cor 00 Fran 99 Ale 00 Ita 01 Nor 98 Esp 00 UK 00 Br 00 Br 03 Br05méd

avanç.

Alim Beb e Fumo 1,47 1,23 2,53 1,67 2,1 0,66 1,62 5,33 4,34 2,87 6,13 4,27 4,21 2,38

Têxt Confec Calç 1,03 0,15 0,74 1,08 0,58 0,66 0,37 0,74 4,02 0,37 2,73 1,52 2,1 0,97

Mad Pap Celul Ediç 1,91 2,47 1,16 0,48 0,47 0,44 0,37 4,23 2,09 0,37 2,3 1,87 1,66 1,4

Refino etc 0,73 0,92 0,32 2,39 1,63 0,11 0,87 2,94 1,29 2 12,02 11,78 13,59 1,32

Prod Químicos 1,91 6,47 8,53 5,62 7,12 11,94 6,09 7,9 8,02 7,36 10,43 9,65 9,01 7,1

Farmacêut 9,25 10,02 7,26 1,67 15,4 6,68 10,7 8,09 12,22 30,8 3,04 2,03 3,97 11,21

Borracha e Plást 0,44 1,23 2,53 1,67 3,27 1,86 2,49 1,84 2,57 0,62 2,46 2,05 2,69 1,85

Miner Ñ-Metal 0,15 0,62 1,68 0,6 1,52 1,31 0,37 1,47 2,73 0,5 1,38 1,05 1,52 1,1

Metalurgia 2,06 0,46 2,95 1,55 1,63 0,77 0,37 9,01 1,93 0,62 3,9 3,43 2,47 2,14

Produtos de Metal 1,62 1,54 1,16 0,72 1,17 1,53 0,75 1,47 2,41 0,75 1,63 0,98 1,16 1,31

Máq e Equip 3,08 5,24 9,79 3,35 5,25 10,41 9,33 13,42 9 7,61 9,21 5,79 4,94 7,65

Informática 7,05 8,01 11,37 8,48 2,22 2,08 1,24 1,84 1,29 1,25 2,94 3,43 2,36 4,48

Máq e Equip Elétr 2,2 2,93 10,32 2,03 4,32 3,29 2,99 4,41 6,27 4,61 7,02 2,84 5,17 4,34

Eletrônico e Comunic 42,4 19,9 19,8 43,9 14,6 11,7 24,3 24,8 14,6 11,1 10,4 5,8 7,5 22,7

Instrum. Precisão 1,91 14,79 4,74 1,19 7,82 5,37 3,48 3,86 3,05 5,24 1,89 1,28 2,21 5,15

Veículos 2,64 14,33 13,05 17,08 15,64 32,42 20,4 3,31 10,45 9,35 12,66 26,84 23,81 13,87

Outros Mat. Transp. 19,38 8,94 1,16 5,73 14,35 8,21 14,05 5,15 12,22 14,34 7,01 14,16 10,45 10,35

Mobiliário e Outros 0,88 0,62 0,95 0,96 0,93 0,55 0,25 0 1,29 0,25 1,11 0,72 1,2 0,67

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289

refino de petróleo. Mas mesmo nesses países setores de alta intensidade

tecnológica são poderosos atratores de esforço tecnológico em qualquer país.

Por outro lado, todos os países, exceto a Coréia e o Brasil, concentram

parcela significativa da P&D empresarial na farmacêutica, enquanto os ricos

(inclusive Coréia) despendem mais de 10% de toda sua P&D apenas nesse

subsetor. O segmento de eletrônicos e aparelhos de comunicação supera a

farmacêutica em participação na P&D empresarial em países avançados, com

mais de 20% do total, enquanto as firmas industriais brasileiras gastam em média

pouco mais de 1/3 disso, relativamente ao total, para um mínimo de 11% entre os

países desenvolvidos.

Quadros e Furtado chamam a atenção para o fato de que o Brasil, apesar

de deter uma indústria de transformação bastante arrojada setorialmente para os

padrões dos países não desenvolvidos, possui uma estrutura setorial de P&D

atípica, eventualmente ―deformada‖, marcada pela dispersão. A P&D privada,

típica de países avançados, em contraste, teria como traço deteminante uma forte

especialização setorial. Os esforços tecnológicos das firmas brasileiras parecem,

segundo os autores, pouco responsivos às peculiaridades setoriais. Em particular,

eles não convergem para aqueles nos quais é mais vantajoso, teoricamente – o

que é corroborado pelas evidências empíricas no caso dos países mais

desenvolvidos –, o gasto em P&D.

Com efeito, os dados sugerem que o padrão brasileiro só se aproxima ao

dos países ricos em setores de média alta intensidade tecnológica, como material

de transporte, material elétrico, química e mecânica, superando-o em

automobilística. De resto, as firmas brasileiras executam relativamente mais P&D

em setores nos quais o esforço tecnológico próprio costuma ser pouco atraente,

como borracha e produtos de plástico, têxtil, metalurgia e assim por diante. Um

corolário normativo disso é que políticas industriais clássicas, de escolha de

setores, perderam ou nunca tiveram grande sentido tecnológico no Brasil, devendo

ser usadas com parcimônia e justificadas com base em problemas de

desequilíbrios comerciais explosivos e/ou de elasticidades-renda especialmente

elevadas (além dos casos de falhas de mercado, naturalmente). Caberia às

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290

políticas de CT&I que obedeçam à máxima ―o que importa é inovar, não importa

onde‖ ocuparem-se do avanço tecnológico empresarial151.

Mas até que ponto esse padrão seria resultado de esforços tecnológicos

setoriais muito diversos em detrimento do simples fato, de, como observado no

início do presente capítulo, o Brasil ter arrefecido e mesmo regredido em seu

catching up ―estrutural‖ e, atualmente, possuir uma distribuição setorial da indústria

muito diferente da dos países avançados? A Tabela 5.20, a seguir, busca

responder à essa questão.

Tabela 5.20 – Intensidade relativa de P&D setorial em países selecionados,

no último ano disponível

Fontes: Elaboração própria sobre dados de: Quadros, Furtado, 2004; IBGE Pintec, 2005; SIDRA

IBGE (http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/pesquisas/pia/default.asp); UNIDO (http://www.unido.org/index.php?id=1000313); Vekeman, G., 2005 (The Pharmaceutical Industry in Europe)

Foram grifadas as quatro maiores elasticidades ou as elasticidades maiores

que 2 em todos os países. Mais uma vez, pode-se observar que, estatisticamente,

a importância da inovatividade tecnológica no padrão concorrencial de cada setor

151 Essas conclusões, cumpre destacar, não estão no texto mencionado de Quadros e Furtado. Sem embargo, mesmo

autores com DNA estruturalista, como Katz (2002), defendem que políticas industriais mais adequadas às vantagens relativas reveladas são mais apropriadas atualmente.

Setores IT BRASIL ALEM CANADA CORÉIA EUA FRANÇA JAPÃO ITA UK

Alim Beb e Fumo 0,22 0,08 0,11 0,26 0,09 0,14 0,23 0,18 0,21

Têxt Confec Calç 0,38 0,35 0,29 0,22 0,06 0,18 0,34 0,04 0,12

Mad Pap Celul Ediç 0,20 0,05 0,13 0,11 0,30 0,05 0,17 0,04 0,02

Refino etc 1,11 0,10 0,38 0,67 0,18 0,10 0,41 0,60 0,10

Prod Químicos 0,95 2,40 0,50 1,52 0,70 1,01 1,26 1,41 1,34

Farmacêut 2,39 4,49 1,91 0,40 1,77 2,77 1,83 3,29 7,77

Borracha e Plást 0,67 0,37 0,10 0,36 0,28 0,59 0,46 0,53 0,11

Miner Ñ-Metal 0,47 0,41 0,05 0,18 0,19 0,39 0,48 0,06 0,14

Metalurgia 0,28 0,15 0,34 0,20 0,13 0,46 0,44 0,09 0,26

Produtos de Metal 0,28 0,16 0,24 0,14 0,24 0,12 0,17 0,06 0,08

Máq e Equip 0,85 0,64 0,48 0,37 0,69 0,63 0,79 0,66 0,84

Informática 4,00 2,23 6,19 8,56 4,68 8,93 7,02 4,39 1,29

Máq e Equip Elétr 2,30 0,45 0,94 0,58 0,98 1,03 2,56 0,70 1,26

Eletrônico e Comunic 3,29 4,64 25,87 2,14 3,93 4,18 2,19 12,11 5,74

Instrum, Precisão 2,66 1,18 1,17 0,94 2,60 1,84 1,87 1,18 1,15

Veículos 2,80 2,16 0,18 1,56 2,15 1,75 1,01 5,64 1,53

Outros Mat, Transp, 5,81 3,09 3,93 1,33 2,19 2,99 0,95 5,57 2,21

Mobiliário e Outros 0,68 0,20 0,18 0,61 0,17 0,26 0,43 0,05 0,05

TODA IT 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00

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291

é muito mais decisiva que idiossincrasias nacionais e que as "histórias de sucesso"

por arrojo inovativo de empresas isoladas – mesmo em países com denso

acúmulo de conhecimento intrafirma, como os acima retratados. De 18 segmentos

com diferentes intensidades tecnológicas por seu padrão concorrencial em nove

países significativamente diferentes entre si, 43 estão entre os quatro de maior

intensidade em cada país e/ou são igual ou maiores que o dobro da intensidade

média na indústria de transformação. Pode-se dizer, assim, que há 43 setores que

apresentam elevada intensidade tecnológica ―revelada‖ em países distintos, com

histórias nacionais, instituições e trajetórias empresariais peculiares entre si. Nada

menos que 34 dessas altas concentrações aconteceram em setores de elevada

intensidade tecnológica ―teórica‖.

Além disso, reforçando a percepção de que as trajetórias tecnológicas e a

gama de oportunidades que definem são explicações decisivas do maior ou menor

esforço tecnolígico das firmas, inobstante sua nacionalidade, dos nove casos de

notável nível de P&D restantes, todos se situaram em indústrias de média alta

intensidade tecnológica. Destes, sete correspondiam a setores de média-alta

intensidade que figuraram com destaque nos demais rankings citados –

automobilística e equipamento elétrico. Os outros dois são setores químicos não

farmacêuticos da Alemanha e da Coréia, sendo que os dados referentes ao último

país são pouco confiáveis pois não se conseguiu separar a farmacêutica da

química não básica, implicando uma subestimação do tamanho do VTI da química

não farmacêutica.

Em oposição, todos setores que executam notavelmente pouca P&D eram

de baixa intensidade, com destaque para ―alimentos etc.‖ e ―madeira etc.‖, que

apareceram em quase todos os países. Em nenhum país esse grupo de setores

apresentou intensidade de esforço tecnológico equivalente a mais de 40% da

média da indústria de transformação. Assim, do ponto de vista normativo, políticas

voltadas para remover obstáculos e estimular a interação entre empresas e

universidades em uma economia com elevada competitividade revelada em, por

exemplo, produtos de madeira, tenderia a trazer resultados modestos,

comparativamente aos que provavelmente seriam alcançados em uma economia

especializada em química fina.

Quanto ao Brasil, observa-se que não há nada de particularmente atípico,

por exemplo, com sua indústria de produtos de informática, no tocante à lassidão

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292

inovativa das suas lideranças. Na verdade, as empresas que aí atuam investem

em média nada mais, nada menos que quatro vezes o que a indústria de

transformação costuma investir. Essa relação é maior que a existente na

Alemanha e próxima à existente nos Estados Unidos e na Itália.

A indústria nacional de material de transporte – na qual se enquadra o único

setor de alta intensidade tecnológica em que o país possui relevante capacitação,

o de construção de aeronaves – certamente destaca-se, mas o mesmo ocorre em

todos outros países que também possuem relevantes indústrias de aviação. Na

verdade, a maior peculiaridade brasileira quanto à intensidade tecnológica relativa

de suas indústrias é a de possuir um setor cuja intensidade tecnológica é baixa

internacionalmente, mas que investe desproporcionalmente muito em P&D: o de

refino de petróleo – único caso nacional em que sua intensidade relativa é maior

que 1 – , e, em menor grau, a indústria de bens de capital. Excetuados esses dois

exemplos, as intensidades brasileiras são bastante análogas ao padrão ―teórico‖

ditado pelas peculiaridades setoriais. Conseqüentemente, o desvio-padrão dessas

intensidades não é tão baixo no Brasil, apesar da média relativamente alta. É o

que se pode observar abaixo:

Tabela 5.21 – Média e desvio-padrão das intensidades relativas de esforços

tecnológicos setoriais em países selecionados no último ano disponível

Esses dois indicadores em conjunto sugerem que a direção e o sentido

geral da intensidade do esforço setorial de P&D no Brasil, em que pese seguir o

padrão ―do capitalismo contemporâneo‖, por assim dizer, distancia-se um pouco

por apresentar desvios menos dramáticos em comparação à média. A relação

desvio-padrão sobre média é elevada em todos os países, mas é menos no Brasil,

onde não alcança 2. Ainda assim, parece inapropriado ter-se essa diferença como

uma deformidade, não apenas por ser apenas quantitativa (não é qualitativa na

medida em que segue a mesma direção que os países desenvolvidos), mas

medida BRAS ALEM CANADA CORÉIA EUA FRANÇA JAPÃO ITA UK

Média 0,90 0,43 0,36 0,49 0,49 0,61 0,64 0,63 0,55

Desv-P 1,59 1,52 6,07 1,95 1,41 2,20 1,62 3,16 2,10

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293

também porque Japão e Estados Unidos são os países com menores relações

desvio-padrão/média a seguir – justamente os que, apesar de trajetórias industriais

muito díspares, contam com as empresas mais avançadas tecnologicamente.

Sob o ponto de vista de sua competitividade tecnológica, a deformidade

notável que o setor empresarial brasileiro possui é a que se destacou no início do

presente capítulo: a fragilidade ―industrial‖ dos referidos setores de alta

intensidade, cujas empresas são pequenas, tanto individualmente como em

conjunto, relativamente à IT como um todo. Isso decerto impede a formação de

uma massa crítica de interactive learning e reduz a capacidade dessas empresas

irem ao mercado externo, acelerarem a pressão competitiva e a disponibilidade de

insumos para aumentar seu esforço tecnológico ou mesmo obterem acesso mais

fácil a fundos de empréstimo, inclusive públicos152. É ela que está, antes de tudo,

na base da dificuldade que as políticas de CT&I enfrentam para fazer com que

mais firmas brasileiras se interessem mais em empreender esforços tecnológicos

ou que o façam de forma mais sistemática, contínua e com mais qualidade.

No capítulo seguinte, evidenciam-se como tais deformidades se manifestam

nos resultados que vem sendo alcançados pela Finep (e, em parte, pelo CNPq) na

execução dessas políticas, tanto ―para o bem‖ – pois é nas empresas de alta e

média alta tecnologia existentes no país que realmente se pode encontrar

demanda por recursos destinados para inovações e aperfeiçoamento

tecnológicospróprios –, quanto ―para o mal‖ – pois tais empresas são escassas e

relativamente débeis no conjunto do extenso aparato produtivo brasileiro.

152 Como se verá no capítulo seguinte, a indústria de alta intensidade tecnológica ―atrai‖ muito mais projetos de alta

qualidade em programas em que há exigência reduzida de capacidade financeira.

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295

6. PROSPECÇÃO DE ALGUNS RESULTADOS E IMPORTÂNCIA DA

ESTRUTURA SETORIAL PARA A EFETIVIDADE DA POLÍTICA DE INOVAÇÃO

TECNOLÓGICA BRASILEIRA

6.1. Os Fundos Setoriais e o FNDCT como Instrumentos de Indução à Inovação

Tecnológica

Os Fundos Setoriais (FS) são pequenos em relação ao tamanho do

BNDES, que empresta mais de R$ 100 bilhões por ano e participa de quase 15% de

todos os investimentos realizados no Brasil. Também são mirrados relativamente ao

total da P&D executada no Brasil, da ordem de R$ 30 bilhões, ou mesmo à sua

parcela realizada em empresas ou ICTs privados, superior a R$ 12 bilhões. São

ainda modestos em comparação a outros instrumentos de apoio direto, não

reembolsáveis, como as renúncias fiscais remanescentes das leis de informática

somadas às permitidas pela Lei do Bem, as quais alcançaram algo como R$ 4

bilhões em 2008. No mesmo ano, os FS injetaram R$ 1,1 bilhão em projetos com

ICTs e empresas, projetos cooperativos e ações de apoio a incubadoras, institutos

metrológicos, APLs etc., seja sob a forma de apoio direto, seja sob a forma de

aportes para equalização das taxas de juros, participação no capital de EBTs e

concessão de liquidez para outras operações desse tipo de empresas153.

Sem embargo,é difícil superestimar seu significado e seu potencial. Em

primeiro lugar, porque miram diretamente a construção de elos entre a produção

acadêmica e a produção empresarial – correspondendo com bastante precisão ao

que seriam as fundações dos NSIs. Em segundo lugar, porque a fragilidade dessa

interação é considerada a condição impeditiva da formação, ou do avanço, do NSI

brasileiro. Finalmente, em nível mais prático, os FS, não requerem pré-condições de

ordem patrimonial ou financeira dos beneficiários potenciais, dispõem de um amplo

leque de modalidades e têm potencial de alcançar projetos pequenos em todas as

153 A taxa de crescimento média da oferta dos recursos (dados de empenhos) dos FS é de aproximadamente de 20% a.a.

(reais), entre 2001 e 2008. É inadequado comparar essa taxa com outras operações de fomento à CT&I porque todas sofreram alterações significativas ao longo do período, quando não foram praticamente recriadas. Até novembro de 2009, houve, proporcionalmente, redução da ordem de 10% reais nos empenhos. Contudo, haja vista que uma chamada pública de subvenção foi encerrada em dezembro de 2009, com oferta total de R$ 450 milhões, é possível que a trajetória de crescimento tenha permanecido.

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regiões, permitindo superar o problema frequentemente apontado na PCT&I federal

de concentrar-se apenas em grandes empresas ou beneficiar grandes projetos de

pesquisa.

Por força do mecanismo de elaboração das chamadas públicas, a partir das

quais são operacionalizados – baseado em diretrizes e escolhas de comitês com

predominância acadêmica, mas premidos pelas orientações do MCT e de

representantes empresariais – , os FS atuam significativamente como direcionadores

da pesquisa científica para a pesquisa tecnológica, no sentido de servirem à criação

de ―utilidades‖. Pode-se associar esse modus operandi ao chamado conhecimento

(externo à firma) dito direcionado (targated), ou seja à lógica de fazer a produção

acadêmica e semi-acadêmica de C&T mais próxima (idealmente, mais moldada) a

prováveis aplicações empresariais. Assim, juntamente com as mudanças mais

recentes introduzidas pela Lei 11.196/05, esses fundos plasmam bastante bem a

conversão da política de C&T, em sentido estrito, que vinha sendo praticada desde o

colapso do SNDCT em uma política de CT&I.

Os FS são peculiarmente relevantes para aferir a hipótese central deste

estudo porque permitem "filtrar" a relativa fragilidade financeira das empresas

brasileiras situadas em setores de alta intensidade tecnológica. Viu-se no capítulo

passado que as evidências internacionais vêm reafirmando que tais empresas

realizam mais esforço tecnológico em relação ao seu porte do que firmas localizadas

em outros setores. Por outro lado, no Brasil, elas são relativamente menores e menos

competitivas, o que talvez esteja na base de esforços inferiores aos de suas

concorrentes potenciais em países mais avançados. Se o fato de as atividades

intensivas em C&T serem escassas na indústria nacional é determinante da baixa

inovatividade tecnológica da indústria brasileira, então a exclusão de fatores que se

transmitem pela desigual capacidade financeira dessas empresas tenderia a elevar

sua participação nos projetos, a fundo perdido, de alta qualidade inovativa-

tecnológica.

Adicionalmente, os projetos apoiados pelos FS permitem averiguar se a

concessão de recursos a risco mínimo é realmente capaz de alavancar as inovações

(obviamente, uma confirmação mais contundente só pode ser realizada por meio da

Pintec, da concessão de patentes a empresas ou por outros indicadores de aumento

da competitividade revelada em bens cuja produção usou intensivamente capacidade

tecnológica própria), bem como que fatores contribuem para que os recursos sejam

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carreados para projetos de maior qualidade, no sentido estrito de destinarem-se a

inovações e no amplo de empregarem conhecimento científico-tecnológico (já que,

como visto, esse tipo de inovação possui propriedades desejáveis para a aceleração

do desenvolvimento econômico e decisivas para romperem as barreiras tecnológicas

ao avanço do catching up de países atrasados como o Brasil).Em poucas palavras, a

análise dos projetos aprovados permitiria verificar o que determina a maior ou menor

efetividade dos recursos dos FS de realmente induzirem inovações, levadas a cabo

em empresas que almejam lucros extraordinários vis-à-vis seus concorrentes.

À luz da lógica da tese central do presente estudo, ganha-se mais

consistência e alcance pela inclusão dos projetos reembolsáveis – os quais são

beneficiados por elevado subsídio financeiro, mas têm de cumprir, inclusive por parte

do emprestador (no caso, a Finep) critérios de efetividade financeira e estão sujeitos

à exigência prévia de garantias – na análise. Em primeiro lugar, porque é razoável

esperar que parte da efetividade financeira dos projetos cujos recursos são gratuitos

tenha sido carreados para atividades com pouca preocupação com a lucratividade,

limitando seu caráter de inovação no sentido schumpeteriano. Assim, quer se saber o

quanto a maior preocupação com a lucratividade afeta o perfil dos recursos

concedidos. As causas que explicam a qualidade inovativa dos projetos não

reembolsáveis também se aplicam aqui? Em que medida? Os resultados das

operações de crédito no âmbito da política de CT&I brasileira são especialmente

interessantes para sugerir respostas relevantes visto que fornecem um panorama

―intermediário‖, situado entre o mercado ―livre‖, no qual os fatores estruturais que

incidem sobre o cálculo capitalista encontram-se pouco mediados, e o sistema de

incentivos ―artificial‖, criado, ainda que em pequena escala, pelos fundos setoriais, no

qual a rentabilidade das operações importa menos que seu arrojo tecnológico-

científico.

Em segundo lugar, o conjunto das operações Finep em sentido estrito

(―Fonte 100‖ + empréstimos de agências multilaterais), mais as operações do FNDCT

em sentido estrito (subvenções, em geral, para ICTs, e, após 2004, para empresas

também154) permitem, de certa forma, manter os dados em perspectiva ―longa‖,

fazendo-os comparáveis a ação do Governo Federal no período de montagem do

154 Na verdade, a Lei 10.197 de 2001, já permitia que fossem realizadas subvenções a empresas aderentes aos programas

PDTI e PDTA. O uso desse instrumento foi pouco significativo e não lhe serão feitas maiores referências doravante.

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atual SBCT, nos anos 1970, e a do presente, em que, como visto, é radicalizada a

indução a atividades empresariais.

Finalmente, na verdade parte importante do subsídio implícito nas

operações reembolsáveis – as quais amiúde têm custo financeiro inferior até mesmo

ao das linhas mais baratas do BNDES – é bancado pelos FS, especificamente pelo

Fundo Verde-Amarelo (FVA). Assim, a rigor, uma investigação mais completa da

aplicação dos recursos dos FS não poderia deixar de fora ―parte‖ das operações a

crédito da Finep.

Nas análises estatísticas, assumiu-se que os projetos refletem a demanda

realmente existente, sujeita às restrições de foco prático (isto é, os projetos

aprovados têm de possuir alguma relação com aplicações úteis, ainda que sejam: ―o

consumo sistemático do capim tipo x realmente reduz a quantidade de gordura do

leite das vacas‖) e de uso da ciência (ainda que mais pelo método que pelo conteúdo,

como em um ―projeto para avaliar a proporção de perdas de material reciclável

devido à ferrugem em uma comunidade de catadores de lixo‖).

Uma tal hipótese, bastante corriqueira tratando-se de operações a crédito, é

menos evidente quando o objeto são ações não reembolsáveis. Embora a aparência

sugira elevado grau de direcionamento desde escolhas do governo – sobretudo após

a reforma da governança dos FS, em 2004, a qual retirou poder dos comitês gestores

e criou as ações transversais (ver Morais, 2008 e Pacheco, 2006) – e, ademais,

contra o padrão comum entre especialistas em PCT&I de buscarem falhas no

modelo, o SBCT brasileiro atual dispõe de instrumentos os mais variados, os quais

são aplicados de forma geralmente bastante flexível (via de regra, forçando, mas sem

romper, os limites da legalidade, o que é garantido pela impressionante elasticidade

de conceitos como ―inovação‖ e ―tecnologia‖) e permeável à demanda realmente

existente. Ou seja, na medida em que o SBCT dispõe de diversos canais, geridos

segundo o interesse compartilhado entre os burocratas do setor, em consonância

com as diretrizes governamentais relevantes, de acelerar o desenvolvimento

tecnológico de base científica no país, especialmente o que possui elevada

aplicabilidade, ao menos potencialmente, empresarial, é cabível entender que

dificilmente um projeto de qualidade relevante – adiante explicita-se melhor o que

isso significa –, ou mesmo mediana, não teria sido beneficiado com ao menos algum

auxílio ao longo dos quase 10 anos de atividade dos FS.

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Não segue daí, naturalmente, que não persistam, sob a perspectiva das

reformas iniciadas em 1999, aperfeiçoamentos por fazer, inclusive alguns que exigem

a edição de microlegislação adicional (portarias e decretos) – sem contar o sempre

repetido problema de falha num dos supostos pilares do sistema: a garantia de

recursos ―carimbados‖ (ver Quadro 6.1, a seguir). Não obstante, entende-se que seu

efeito será reduzido, a menos que se relaxe alguma das restrições recém-

mencionadas, coeteris paribus (ou seja, salvo se ações realmente capazes de alterar

a demanda por aprimoramento tecnológico por parte das empresas – por exemplo,

provocado por um efetivo programa, em grande escala e sob controle do núcleo

―desenvolvimentista‖ do governo, de compra de equipamentos e material para a

exploração do pré-sal – forem postas em curso). Por esse motivo, e por limitações de

escopo da presente investigação, esses possíveis aperfeiçoamentos não serão

tratados aqui.

6.2. Objetivos e Aspectos Operacionais

São objetivos dos FS:

(...) garantir a ampliação e a estabilidade de recursos financeiros para P&D; impulsionar os investimentos privados em pesquisa e inovação; fomentar parcerias entre as universidades, as instituições de pesquisa e o setor produtivo; e assegurar a continuidade dos investimento em P&D nos setores privatizados ou abertos aos investimentos privados na década de 1990 (GUIMARÃES, 2008, p. 69).

Excluído o último objetivo de cunho predominantemente passivo, qual seja,

evitar que parte dos investimentos já existentes em P&D empresarial caiam, parece

correto dizer que os FS almejam expandir o esforço inovativo das firmas brasileiras,

em especial por meio da P&D e da sua aproximação com universidades e ICTs em

geral. Esses objetivos aparecem em diferentes formas: seja na Exposição de Motivos

da criação dos FS de 1999, seja nos documentos de diretrizes de alguns fundos

elaborados pelo CGEE entre 2000 e 2002; quase sempre entrecortados de queixas à

instabilidade e insuficiência de recurso para a pesquisa, problemas que pretende

reverter.

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300

A Exposição de Motivos que justifica a criação desses fundos como

mecanismo geral de fomento à inovação tecnológica, contudo, apesar de mencionar

uma miríade de problemas aos quais o novo instrumento viria responder (por

exemplo: dar uma resposta positiva à oportunidade que a melhora do cenário

macroeconômico propiciava, criando condições para um crescimento sistemático;

melhorar a articulação entre MEC, MCT e MDIC, dando-lhes relevante papel na

promoção do desenvolvimento econômico), concentra-se no problema de garantir a

continuidade dos esforços tecnológicos realizados no âmbito das empresas estatais

que estavam sendo privatizadas e/ou tendo seus mercados desregulados, ao qual se

agrega a intenção de estimular as transnacionais a repetirem no Brasil os arranjos

institucionais típicos dos NSIs dos seus países de origem:

(...) o Brasil não poderia deixar de realizar determinadas atividades que garantissem uma relativa autonomia tecnológica frente aos países desenvolvidos e principais oligopólios mundiais, uma articulação entre setores empresariais de capital nacional, especialmente pequenas e médias empresas (com forte impacto sobre o nível corrente de emprego local), e uma base de capacitação de recursos humanos e desenvolvimento científico e tecnológico que fortalecesse o processo de agregação de valor da produção local. Além disso, é necessário condições políticas que levem as empresas transnacionais a incrementarem seus investimentos em P&D no Brasil: que se reproduza no País a sinergia entre empresas, Universidades e Governo existentes nos países desenvolvidos. (PACHECO, 2007a, p. 213)

Todavia, os FS não deveriam nem se restringir aos setores sendo

desregulados, nem, muito menos, manterem-se no âmbito do tipo de ativismo

tecnológico dos anos 1970. Em particular, cabe-lhes ampliar o leque de empresas

que executam P&D:

(...) não basta garantir o funcionamento dos centros de P&D estatais, tais como Cenpes, CPqD e Cepel. É preciso ir muito além e garantir a definição e as condições de implementação de uma política de desenvolvimento tecnológico para estes setores, que permita ampliar e disseminar no meio empresarial, em particular nas pequenas e médias empresas, a prática da inovação como fonte primordial de competitividade (PACHECO 2007a, p. 214-5).

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301

Para tanto, os FS atuariam segundo as seguintes diretrizes:

– [ampliar a] capacidade de planejamento a curto, médio e longo prazo; – mobilizar recursos para atividades de coordenação e mobilização tais como: eventos, estudos, prospecção tecnológica, gerenciamento e capacitação de recursos humanos; – permitir a criação de um fórum que atue como instância das discussões sobre orientação estratégica, planejamento, monitoramento e avaliação do uso dos recursos e do cumprimento dos objetivos específicos de cada programa estabelecido; – garantir sinergia entre as políticas tecnológica e industrial de modo a multiplicar o uso dos recursos públicos em termos de resultados para a sociedade. (PACHECO, 2007a, p. 218-9)

Destarte, pode-se afirmar que os FS são a parte fundamental do conjunto

de ações desencadeadas pelo governo federal, cujo intuito é transformar o SBCT (ou

uma parte do mesmo) em um verdadeiro sistema brasileiro de inovação, o qual tem a

competitividade tecnológica empresarial como sentido último, sendo, uma vez

completado,capaz de funcionar de forma relativamente autônoma e espontânea, na

medida em que elos consistentes se formam, unindo, em última instância, produção

científica e produção capitalista155.

Os FS já foram discutidos por autores de renomada competência em textos

variados. Guimarães, 2008; Bastos, 2003; Muller, 2004; De Negri e Lemos, 2006; De

Negri et alii, 2009; Avellar, 2007; Morais, 2008; Furtado, 2002; Suzigan e Furtado,

2006; Koeller, 2009; Pacheco, 2003 e 2005; Pacheco e Corder, 2008 são

representativos desse conjunto, cujo teor é invariavelmente, embora em graus

diversos, positivo. Quase todos fazem descrições atualizadas, relevantes e mais

detalhadas do que a que se oferece no âmbito desta investigação.

Vale relembrar, contudo, quais são, seu funding e a data do início de sua

operação:

155 Na Exposição de Motivos da Lei da Inovação: É necessário [...] que se reproduza no País a sinergia entre empresas,

Universidades e Governo existentes nos países desenvolvidos. Esta conclusão aponta para o fato de que não basta garantir o funcionamento dos centros de P&D estatais, tais como Cenpes, CPqD e Cepel. É preciso ir muito além e garantir a definição e as condições de implementação de uma política de desenvolvimento tecnológico para estes setores, que permita ampliar e disseminar no meio empresarial, em particular nas pequenas e médias empresas, a prática da inovação como fonte primordial de competitividade. Evidentemente, isso requer harmonizar a política tecnológica com as políticas industriais e comerciais. Esse tem sido, aliás, um componente importante das estratégias dos países desenvolvidos. (PACHECO, 2007a, p.214)

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302

Quadro 6.1 – Lista dos FS, com data de início de sua operação e funding

Fundo Data da

regulamentação Fonte de recursos

CT-Petro nov/98 25% dos royalties que excederem a 5% da

produção de petróleo e gás natural

Funttel jan/01

CT-Info abr/01 Mínimo de 0,5% do faturamento bruto das

empresas beneficiadas pela Lei de Informática

CT-Infra abr/01 20% dos recursos de cada fundo setorial

CT-Energia jul/01 0,75% a 1% de faturamento líquido das

concessionárias

CT-Mineral jul/01 2% da compensação financeira (Cfem) paga

por empresas com direitos de mineração

CT-Hidro jul/01 4% da compensação financeira recolhida

pelas geradoras de energia elétrica

CT-Espacial set/01 25% das receitas de utilização de posições

orbitais; total da receita de licenças e autorizações da Agência Espacial Brasileira

CT-Saúde fev/02 17,5% da Cide

CT-Biotec mar/02 7,5% da Cide

CT-Agronegócio mar/02 17,5% da Cide

CT-Aeronáutico abr/02 7,5% da Cide

Fundo Verde-Amarelo (Universidade-empresa)

abr/02 50% da Cide, 43% da receita do IPI

incidente sobre produtos beneficiados pela Lei de Informática

CT-Transporte ago/02

10% das receitas do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (contratos

para utilização de infraestrutrura de transporte terrestre)

CT-Amazônia out/02 Mínimo de 0,5% do faturamento bruto das

empresas de informática da Zona Franca de Manaus

Ações Transversais jul/04 Mínimo de 50% dos recursos de todos FS,

exceto o FUNTTEL

CT-Aquaviário out/04

3% da parcela do produto da arrecadação do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) que cabe ao

Fundo da Marinha Mercante

FSA dez/07

Parcela da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria

Cinematográfica Nacional – CONDECINE - e do Fundo de Fiscalização das

Telecomunicações - FISTEL

Fontes: Finep; MCT; GUIMARÃES, 2008; DE NEGRI; DE NEGRI; LEMOS 2005

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303

Entre 2000 e 2008, o total de recursos que os fundos setoriais mobilizaram

– inclusive sob a forma de participação no capital das empresas e subsidiando o

custo financeiro de operações reembolsáveis da Finep – cresceu à taxa média de

23% ao ano. Assim, de pagamentos realizados da ordem de R$ 120 milhões no ano

inicial (R$ 450 milhões em 2002), atinge-se quase R$ 2 bi em 2008. Dessa forma,

como visto no capítulo 4, o FNDCT ultrapassou, em valores reais, o pico anterior de

pagamentos atingido em 1977 e consolidou-se como o mecanismo de apoio à

inovação mais dinâmico desde a reestruturação da política de C&T brasileira no final

dos anos 1990.

Ademais, apesar de, como visto, os fundos setoriais serem ainda bastante

menores que outros mecanismos mais antigos de estímulo ao avanço tecnológico

empresarial, já são de longe o mais abrangente desses, tendo alcançado mais de

800 empresas diretamente (e um número muito maior que esse indiretamente, por

meio de convênios com os Sebraes estaduais, parques tecnológicos e incubadoras

empresariais). Isso implica, em tese,uma diferença significativa com os repasses dos

anos 1970, os quais não tinham uma preocupação direta com a inovação e mesmo

com oavanço tecnológico das empresas privadas.

Os mecanismos de sondagem de que se dispõem garantem que, sobretudo

no caso de projetos tecnológicos oriundos das universidades, haja uma ampla

adequação da oferta à demanda existente. Três canais são claros: os comitês-

gestores, dos quais participam representantes das universidades, empresas e

agências de fomento; as próprias agências; e a sociedade civil, que faz chegar suas

demandas através de associações e representações de movimentos sociais em geral

(mais notáveis, evidentemente, no governo Lula). Além disso, convênios com as

FAPs e Sebraes estaduais garantem uma significativa capilaridade dos FS.

Os recursos dos FS são executados por meio da Finep e do CNPq, e, parte

do Fundo de Telecomunicações, pelo BNDES. A Finep, ademais, utiliza parcela

significativa dos recursos do FNDCT oriundos dos FS para realizar as chamadas

operações ―espontâneas‖, reembolsáveis, mas, desde 2004, sempre com elevado

nível de subsídio por via da redução dos juros cobrados. A quase totalidade do

chamado mecanismo de ―equalização‖ é bancada com recursos dos FS, além da

subvenção representada pelo TJLP ser significativamente menor que as taxas de

juros disponíveis no mercado financeiro privado, mesmo em condições de risco

insignificante.

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304

Uma dificuldade reincidente em lidar com o conjunto Finep e FNDCT (cuja

carteira também está a cargo do CNPq, portanto) é que há, desde os tempos de

Veloso e Pelúcio, algum entrecruzamento (menor atualmente do que então) da

atuação desses dois grandes grupos, os quais constituem o núcleo mais estrito da

política de CT&I, ressalvadas a Lei do Bem e a Lei de Informática. Ainda assim,

grosso modo, o FNDCT cobre ações com ênfase relativa na perspectiva da oferta,

oriunda das ICTs, enquanto as ações da Finep stricto sensu guiam-se pela demanda

proveniente de empresas.

Não obstante, no modelo atual, em comparação com a estrutura do SNDCT

dos anos 1970 e, sobretudo, desde o contexto do período de latência da PC&T que

se seguiu, grande parte do FNDCT torna-se menos ―enviesado pela oferta‖.

Primeiro, porque uma fração importante dele é direcionada ao funding da

carteira da Finep; segundo, porque, como visto, uma parcela grande e crescente de

recursos do FVA serve para equalizar taxas de juros em projetos reembolsáveis.

Assim, pode-se dizer que todas as operações Finep stricto sensu são também

FNDCT. Finalmente, parte considerável dos FS acorrem a empresas de diversas

formas: por via das chamadas públicas de subvenção, após a Lei de Inovação ser

regulamentada, em 2005; ou por via de projetos de cooperação empresa-

universidade. Estes, cujo modelo foi o III PADCT156, eram originalmente cativos do

FVA – outrora chamado fundo empresa-universidade –, mas paulatinamente, desde

que houvesse prospecção de demanda nesse sentido, passaram a constar de todos

os fundos, assim, com exceção do CT-Infra, todos os demais realizaram operação

com interveniência de empresas.

Outra maneira de os FS fluirem para as empresas se dá quando os fundos

– o FVA, em particular – apóiam microempresas por meio de programas como o

―Juro Zero‖, ―Inovar‖ (apenas EBTs), apoio a parques tecnológicos e incubadoras e,

sobretudo, o ―Pappe‖, que é executado em cooperação com Sebraes estaduais.

Todos esses recursos possuem empresas como beneficiárias, mas há outros ainda,

como os destinados às FAPs estaduais, que também acabam chegando a empresas,

sobretudo em APLs e incubadoras.

Não há informações seguras de quantas, muito menos quais, empresas são

beneficiadas por essa terceira via.Mas é possível afirmar que poucas geram

156 Conforme FURTADO, 2003.

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305

inovações de base científica a partir daí, simplesmente porque os recursos são mais

frequentemente dirigidos, como se verá melhor adiante, ao suprimento de apoio não

tecnológico, como estudos de mercado, apoio de gestão etc., vale dizer,

capacitações ―gerenciais‖.Pode-se, todavia, estimar que parte significativa dos

recursos empregados pelo núcleo duro da PCT&I destinou-se a empresas, dos quais

uma fração grande e crescente, seja relativamente ao tamanho total da política, seja

relativamente aos dispêndios do FNDCT, sob a forma de apoio não reembolsável e

equalização em taxas de juros, para esforço tecnológico lato sensu.

Embora as ações dos PBDCTs nos anos 1970 como proporção doPIB

fossem maiores que as atuais, é fora de questão que se atendo estritamente ao que

vem sendo destinado a empresas, a ênfase do modelo PCT&I é muito maior, seja no

sentido de a proporção dos recursos ser muito mais destinada a esse ―lado‖ do

sistema, seja porque essa parcela é maior relativamente ao PIB do que era então,

sobretudo ao se considerar o significativo montante atual de renúncias fiscais

relativas a PD&I, maior que 0,1% do PIB157.

6.3. A Questão do “Ofertismo”

Conforme visto, o núcleo da política federal de CT&I é constituído pelo

FNDCT, que é executado pelo BNDES, pelo CNPq, e, sobretudo, pela Finep, tanto

em seu papel genérico pró-C&T, quanto como banco de fomento (inclusive com

recursos do FNDCT, mas também de outras fontes). Uma dicotomia estabelece-se

pelo fato de estas operações possuírem um ―viés pela demanda‖ – sendo seu maior

problema, portanto, fazer com que os créditos concedidos redundem efetivamente

em aumento da capacidade tecnológica das empresas, de preferência com elevado

conteúdo científico, vale dizer, que, partindo das empresas, se aproximem das

universidades e dos ICTs –, enquanto aquelas possuem um ―viés pela oferta‖ –

sendo seu maior problema fazer com que os recursos, normalmente a fundo perdido,

voltem-se para conhecimento prático, de preferência com possível interesse

comercial por parte de empresas que dependem de competitividade para atingirem

lucros, vale dizer, que, partindo de ICTs, aproximem-se de empresas. Trata-se de

157 Nos anexos, apresenta-se um quadro completo com as estimativas compiladas para se calcular a evolução dos gastos

federais com estímulos à PD&I desde o final dos anos 1960. Os principais resultados foram utilizados no capítulo 3.

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uma questão nada trivial de política pública, tanto mais ao se ter em conta o fato de

que tanto o sistema científico quanto o sistema produtivo-empresarial são

grandemente atrasados em relação aos seus ―concorrentes‖ externos.

A Finep executa operações não reembolsáveis desde os PBDCTs dos anos

1970. Entretanto, essas operações eram, até o advento dos FS, direcionadas à

construção da infraestrutura de pesquisa e pós-graduação. O restante da atuação da

Finep coincidia com sua origem de órgão de financiamento, nascido do sistema

BNDES, ou seja, correspondia a projetos reembolsáveis, oriundos de entidades não

públicas, ainda que, por mais de uma vez,parte significativa desses recursos tenha

sido ofertada, por decisão política superior, com leniência quanto à capacidade de

pagamento dos solicitantes (isso levou o órgão por duas vezes, em meados dos anos

1980 e no meio da década de 1990, à beira do colapso).

As operações de subvenção representam por excelência a ruptura do ―tabu‖

da separação entre apoio à C&T como bem público e apoio à C&T como mecanismo

de aumento da inovação e da capacitação tecnológica empresariais. Representam

outrossim o tiro de misericórdia no chamado, no jargão dos especialistas em políticas

de C&T, ―ofertismo‖ (ou ao menos a possibilidade efetiva de desferi-lo).

Resumidamente, é ofertista a visão segundo a qual basta induzir a um aumento

horizontal da produção científica (inclusive, evidentemente, de tecnologia científica e

de ciência aplicada) para que a inovação aconteça, pois as empresas acorrerão aos

centros produtores de ―conhecimento‖ para suprirem sua demanda – que pode tomar

as formas mais diversas – por insumos às inovações específicas que lhes

interessem. O ofertismo, embora tenha adquirido um caráter quase sempre pejorativo

entre a comunidade de políticas de C&T no Brasil (ao menos dentre os mais

loquazes), corresponderia, no paradigma da economia baseada no conhecimento, à

visão dos economistas do main stream relativamente aos autores

schumpeterianos158.

Parece que a crítica ao ofertismo é ambígua, contudo. De um lado,

corresponde à visão de pesquisadores como Sabato e Herrera159, segundo a qual a

158 Essa diferença é, há que se frisar, relativa. Primeiro, porque se adequa, outrossim, ao enfoque evolucionista (para o qual a

variedade, inclusive de formas de oferta de conhecimento, é decisiva), e aos schumpeterianos mais hayekianos em geral. Em segundo lugar, porque não há nada que impeça um economista neoclássico de abraçar hipóteses menos canônicas sobre disponibilidade de informações, presença de ―miopia‖ etc., para admitir a possibilidade de relevantes falhas de mercado na relação entre firmas que utilizam conhecimento e universidades que o produzem. Portanto, a aproximação dos economistas neoclássicos ao modelo linear é mais contingente do que às vezes se faz crer. 159

Conforme Dagnino et alii, 1996 e Dagnino, Brandão e Novaes, 2004. Ver também Koeller 2009.

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ciência é um espaço de dominação política e imperial. Vale dizer, o Estado, ao

subsidiar pesquisas seguindo o padrão de evolução da ciência, estaria ajudando as

classes dominantes porque interessa-lhes a ciência como força produtiva, e os

países mais ricos, porque interessa-lhes aspectos da ciência correspondente a

problemas seus, tanto de seus capitalistas, quanto de problemas sociais que lhes são

peculiares. Portanto, um Estado progressista de um país periférico buscará direcionar

recursos para pesquisas voltadas às necessidades de seu povo.

Por outro lado, a crítica ao ofertismo corresponde amiúde à crítica ao

modelo linear de ciência. Ela pode adquirir um matiz mais pró-inovação empresarial

em si, vendo na aceleração do desenvolvimento econômico, para o qual a

capacidade tecnológica empresarial é fundamental, um argumento decisivo para o

apoio estatal à produção científica (não necessariamente único). Sob outro matiz, que

se articula mais profundamente com a crítica do modelo linear, é corolária da noção

de que se deve buscar aproximar a oferta científica à demanda empresarial pelos

efeitos sinérgicos que essa integração propicia para a ciência e para a tecnologia em

si mesma, tanto pela ampliação e especificação de problemas a serem tratados,

como pela multiplicação de recursos para o desenvolvimento científico que as

empresas costumam destinar na medida em que se integram a um sistema de

inovação digno desse nome.

Ademais dessas duas grandes linhas de crítica ao ofertismo, uma terceira,

menos elaborada academicamente, pode ser percebida. Ela corresponde a certa

identificação entre avanço tecnológico, em sentido estrito, e desenvolvimento. O

avanço tecnológico, que gera descobertas práticas ou invenções, é identificado, mais

ou menos explicitamente, com a inovação nessa leitura. Por mais precária que seja

academicamente a distinção entre invenção e inovação (conhecida de sobejo até por

leitores contumazes de revistas semanais e almanaques, o que serve para revelar

sua fragilidade) surpreendentemente tem presença marcante no discurso, na prática

(generalizadamente, aliás) e até nas análises e avaliações de políticas de CT&I.

Um motivo provável para isso é que indicadores de patenteamento, por

exemplo, são, com frequência (e corretamente, nesse caso), tidos como indicadores

de sucesso dessas políticas, em oposição ao aumento da formação de doutores ou

da participação no total de publicações indexadas. Como de praxe nas investigações

sistemáticas, assim, a existência do indicador acaba, inadvertidamente, moldando a

teoria que deveria estar em jogo. No caso de uma política de CT&I, o que se estaria

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308

buscando é dinamismo econômico, inovação (realizada por empresas,

preferencialmente privadas, concorrendo em mercados pouco regulados) ou ainda

―competitividade‖. Políticas de CT&I que não alterem os indicadores representativos

de alguns desses aspectos decerto não estão sendo bem-sucedidas. Políticas de

C&T, por outro lado, não precisam em nada atingi-los para serem consideradas

efetivas.O contraste entre Estados Unidos (ou o Japão) e União Soviética – o qual foi

decisiva fonte de inspiração para o conceito de sistema nacional de inovação, visto

no capítulo 2 – permite evidenciar essa distinção.

De qualquer modo, uma análise que leve em consideração o caráter

complementar entre a atuação da Finep como executora dos FS e como ―banco‖

voltado para investimentos intensivos em aprendizagem tecnológica ajuda a reduzir o

problema do viés pela oferta ou a pô-lo em perspectiva.

6.4. A Base de Dados Empregada

A base de dados de projetos aprovados no âmbito dos FS corresponde a

um amplo universo de mais de 17.000 projetos. A aprovação é feita por grupos de

técnicos da Finep e/ou do CNPq, conforme preveja a ―demanda‖, manifesta pelo

poder público na forma de chamadas públicas que, por sua vez, estão previstas na

Lei Federal de Licitações (Lei 8666/93), a qual disciplina diversas formas de uso de

recursos públicos para a aquisição de bens e serviços. Claramente, esse é um

método adequado em relação ao formato tradicional de bolsas e auxílios de

pesquisa, voltado a atividades mais acadêmicas e centradas no pesquisador; e

também em relação ao padrão utilizado pela Finep em suas operações

convencionais, nas quais atua como um banco de fomento, oferecendo taxas e

condições diferentes de acordo com diretrizes amplas, nas quais o demandante pode

se posicionar e ser aconselhado pelos técnicos da agência. Portanto, pode-se

direcionar mais e de forma muito mais flexível o uso dos recursos dos FS, ao mesmo

tempo que se pode induzir com seu uso seja que grupos de pesquisa criem ou se

associem a empresas para captá-los (expediente potencializado com a lei da

inovação em 2004), seja que empresas busquem parcerias com grupos de pesquisa

para alavancarem projetos de P&D, sistemática ou eventual.

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309

A maior flexibilidade se deve ao fato de, na prática, cada Chamada

funcionar como um programa em si mesmo. Os níveis de direcionamento podem ser

maiores ou menores, a depender do instrumento utilizado: uma chamada lato sensu

pode abrigar um vasto rol de projetos, enquanto encomendas e cartas-convite podem

ser direcionadas para gerar uma demanda inexistente por um artefato qualquer,

material ou intangível.

Infelizmente, a base de dados a que se teve acesso é menor do que esse

universo. Ainda assim é significativa, incluindo 13.443 projetos160. Seu maior

problema, sem embargo, é o viés contrário aos projetos mais recentes, sobretudo em

2008. Isso pode ser evidenciado pelo acompanhamento da evolução do valor total

dos dispêndios dos FS anualmente, em comparação ao total liberado para os

projetos incluídos na base disponível (ver gráfico 6.1, a seguir).

A amostra com a qual se trabalha é um subconjunto da base ―parcial‖

composta por 3941 projetos, perfazendo pouco menos da metade dos recursos

alocados nos projetos da base completa. Seu perfil é levemente favorável aos anos

recentes, graças ao fato de uma maior concentração de chamadas com menos

projetos terem sido realizadas mais recentemente, as quais tiveram de, por questão

de representatividade da amostra, ser incluídas em sua totalidade. Ainda assim, deve

ficar claro que a amostra representa o universo de 13,4 mil projetos que compõem a

base total, o qual é menor que os 17 mil em processamento no MCT, que é ainda

inferior ao agregado ―consolidado‖ de liberações realizadas pelos FS, constante da

página do MCT e da Finep na web.

Essas informações referem-se ao total dos recursos gastos no âmbito dos

fundos setoriais em sentido estrito, mais as destinações para apoio a operações não

convencionais, realizadas com recursos do FVA (Fundo Verde-Amarelo), as quais

incluem outrossim equalização de taxas de juros, garantia de liquidez, participação no

capital de EBTs e, até 2007, subvenções ao programa PDTI/PDTA161.

160 Informações referentes aos projetos não-reembolsáveis aprovados no âmbito dos FS, inclusive seus resumos descritivos,

estão diponíveis no sítio do MCT na web, a partir do endereço http://sigcti.mct.gov.br/fundos/rel/ctl/ctl.php?act=portal.index#vazio 161

Ver capítulo anterior. O PDTI/PDTA era o programa mais capaz de afetar a inovação empresarial até o final dos anos 1990. Com os fundos setoriais, a recuperação da capacidade financeira da Finep e o crescente empenho do BNDES em apoiar P&D, ademais da Lei do Bem em 2005, perde paulatinamente esse papel, que passa a ser residual, mesmo no âmbito das renúncias fiscais.

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310

Gráfico 6.1 – Evolução dos Dispêndios dos Fundos Setoriais, em R$

Fonte: MCT

Finalmente, a execução completa do FNDCT é ainda maior, haja vista que

parte significativa – e crescente – dos seus recursos vem sendo destinadas a formar

o funding das operações reembolsáveis da Finep (além, naturalmente, da parcela do

Fundo Verde-Amarelo que é destinada à equalização de taxas de juros nessas

operações).

Como, mais especificamente, os recursos dos FS em sentido estrito são

executados?

Como visto, eles podem ter sua origem remontada ao processo de

privatização, ao ajuste fiscal após o colapso do câmbio fixo (ao ―pacote 51‖, de fato),

à Constituinte de 1988 (e ao PL do deputado Florestan Fernandes, bem como à lei

paulista de destinação de 1% da arrecadação estadual para a IES e ICTs públicas

paulistas) e aos Pactis. A primeira forma parece ser a mais precisa, haja vista que a

privatização das telecomunicações e o fim do monopólio da Petrobrás

estabeleceram, antes desses acontecimentos terem sido precipitados pelo ajuste

ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIOS TOTAIS DOS FUNDOS SETORIAIS

0

500000

1000000

1500000

2000000

2500000

3000000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANOS

R$ C

OR

RE

NT

ES

1.TOTAL ARRECADADO

2.TOTAL PL

3.TOTAL EMPENHO

4.TOTAL GASTO

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311

fiscal, e de forma mais clara, o mecanismo típico dos FS: a destinação de parcela de

contribuições não tributárias.

Os comitês-gestores formam (formavam, na verdade), a instância máxima

de cada FS, possuindo elevado grau de autonomia em relação aos demais, inclusive

ao CT-Petro, que destina recursos para quase todos os demais, e ao próprio MCT.

Entre 1999 e 2008, 435 chamadas públicas foram realizadas, diversas das

quais aprovaram apenas um projeto, ao passo que a maior chegou a contemplar

mais de 700. As chamadas podem ser: carta-convite; encomenda; apoio a eventos;

camada pública propriamente dita e edital.

Os Editais e as medidas de auxílio à pesquisa são de fato subsumidos pelo

MCT como subtipos de chamadas públicas. Foram realizadas pouco mais de 400

chamadas de todos os tipos de 2000 a 2008, das quais há informações sobre cerca

de 80%. Por número de projetos em cada tipo, a base com que se lida possui a

seguinte configuração:

Tabela 6.1 – Projetos aprovados por tipo de chamada pública

A demanda pelos recursos é captada de forma bastante capilarizada. Todos

os participantes dos FS – academia, empresas, governo – podem levar sugestões de

chamadas quanto a seu objeto e quanto às demais características, que podem ser

acatadas, negadas ou adaptadas pelo conjunto do comitê, dados, evidentemente, os

limites orçamentários respectivos a cada FS162.

162 O atributo de setorialidade dos FS, apesar de formalmente existir, não serve minimamente de base para uma análise da

relação entre sua destinação setorial econômica mais provável, por motivos variados, entre os quais cabe destacar i, o fato de que a acepção de setor empregada é abrangente, podendo englobar segmentos produtivos a montante e a jusante do suposto

Tipo de demanda Total

Carta convite 319

Chamada pública 10913

Encomenda 1339

Eventos 862

Total geral 13433

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312

Frequentemente, uma mesma chamada envolvia tanto a Finep quanto o

CNPq, embora uma dessas agências sempre ―centralize‖ a seleção. Após o

enquadramento e a distribuição das propostas para os especialistas ad hoc, as

agências executoras implementam os comitês assessores. Estes são formados por

membro da comunidade científica, tecnológica e empresarial da área de atuação da

demanda. Os comitês assessores são responsáveis pela análise do mérito técnico-

científico, da capacidade de implementação dos proponentes, dos aspectos

institucionais pertinentes e da adequação do orçamento e pela recomendação das

propostas a serem implementadas com recursos do respectivo fundo. As

recomendações são encaminhadas para a agência detreminada, que providencia a

contratação dos projetos, em função do volume de recursos disponíveis. Mais

recentemente, o processo de seleção é feito sob a forma de ―batelada‖, mas as

diretrizes observadas são as que foram explicitadas nas chamadas.

Quase sempre a demanda ultrapassa em muitas vezes a oferta. Um

primeiro processo seletivo exclui todas as propostas que não correspondem a

exigências mínimas (por exemplo, o projeto exige muito mais recursos que os

admitidos naquela oferta para cada proposta). Em um segundo momento, uma

análise de mérito é empreendida. Eventualmente, a chamada é estendida, recebendo

uma segunda edição, na qual bons projetos não aprovados no primeiro momento

acabam por ser aprovados.

Embora muitos projetos possuam empresas como proponentes (o que só foi

possível após a Lei da Inovação, em 2004) ou como intervenientes (o que existe

desde o início dos FS e, notavelmente, desde o início da operação do FVA, em

2002), a maioria não possui. Pergunta-se: já que os FS buscam incrementar a

inovação, não seria o caso de destinar todos os recursos a empresas?

Em primeiro lugar, onde há estabelecido ou relativamente consolidado um

sistema setorial de inovação, isso não seria preciso: pode-se simplesmente apoiar

projetos por seu objeto, porque se debruçam sobre questões decisivas para a

competitividade tecnológica das empresas naquele setor.

setor, e associar projetos em que não há empresas como proponentes ou como parceiras pela afinidade − a maioria −, portanto por área de conhecimento, de forma bastante flexível; ii, a elevada e crescente participação de fundos cuja associação por setor produtivo é vaga ou impossível, como o CT-hidro, o FVA e o CT-transversal; iii, mais recentemente, os comitês gestores terem perdido grande parte de sua discricionariedade "de fato", em detrimento do aumento da importância das diretrizes da PCT&I como um todo. Criticamente ou não, essa parece ser também a opinião de autores como PEREIRA (2005) e KOELLER (2009).

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313

Em segundo lugar, como é frequentemente destacado pelos representantes

dos ICTs nos comitês, o NSI pressupõe mais que empresas, mas também os demais

membros – universidades, ICTs e associações – fortes. Pode-se argumentar que as

empresas são o elo fraco sob esse prisma. Sem embargo, a construção dos elos

requer um direcionamento mais forte da oferta – ademais de seu aumento

―extensivo‖, por assim dizer.

Finalmente, mas de decisiva importância, amiúde os projetos apresentados

pelas empresas simplesmente possuem uma demanda por conhecimento científico-

tecnológico irrelevante, de forma que ―empurrões tecnológicos‖ (technology pushes)

possuem um viés relativamente progressista vis-à-vis a demanda empresarial

existente.

Assim, projetos cooperativos e subvenção direta têm de ser usados com

parcimônia, sob pena de projetos com baixíssimo conteúdo de desenvolvimento de

capacitação própria e de caráter minimamente científico terem de ser aprovados.

6.5. Método de Amostragem e de Classificação dos Dados e seu Significado

6.5.1. Introdução

Buscou-se classificar os projetos de acordo com três critérios: sofisticação

científica, proximidade da aplicação (sob forma de artefato útil) e viabilidade

empresarial. Sem embargo, diversos outros casos existiam. Por exemplo: medidas de

apoio às empresas em geral, sobretudo em aspectos ligados à qualidade e à

competitividade: ATM, PME e ICM. Também medidas de apoio às estruturas mais

voltadas para a ciência aplicada nas universidades e ICTs em geral. Frequentemente,

a viabilidade comercial estava associada a utilidade pública, não raro ofertada

diretamente ou comprada por empresas públicas para oferta sem lucro extraordinário.

Obviamente, embora meritório e adequado alvo de PC&T, esse tipo de projeto não

deve ser considerado nobre do ponto de vista de uma política de inovação, embora

se afaste da concepção usual de PC&T e tenha efeitos econômicos, na forma de

externalidades, mais nítidos e, provavelmente, mais importantes do que aqueles

gerados pela PC&T em sentido estrito.

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314

Tabela 6.2 – Número de empresas beneficiárias dos principais instrumentos

federais de apoio à inovação tecnológica de 2000 a 2008

Fonte: Adaptado de DE NEGRI et alii, 2009

6.5.2. Amostragem dos projetos reembolsáveis

A AAE (Amostra Aleatória Estratificada) é construída quando os elementos

de uma população apresentam características específicas que estão relacionadas

com o parâmetro estimado ou se deseja especificar grupos populacionais conhecidos

a priori. Essa aplicação visa reduzir a variância populacional a partir da aproximação

de elementos envoltos em cenários similares.

A AAE foi elaborada a partir do cálculo do tamanho da amostra, associada

com a alocação de Neyman. Antes da fórmula, serão apresentadas algumas

notações:

B = Erro Bruto (Erro aceito e definido em relação ao(s) parâmetro(s)

estimado(s)).

H = 1, 2, ..., L → Estrato.

Nh = N1, N2,..., NL → População do estrato h.

Total* Subvenção Cooperativo

Fundos

Setoriais

total*

839 217 694 95 66 58 18

Subvenção 217 217 72 50 20 23 9

Cooperativo 694 72 694 71 58 50 13

Projetos

Reembolsáv

eis

95 50 71 346 63 27 14

Lei do Bem 66 20 58 63 325 4 18

Lei de

Informática58 23 50 27 4 481 5

BNDES

Tecnologia18 9 13 14 18 5 114

DescriçãoFundos Setoriais

Projetos

Reembol-

sáveis

Lei do BemLei de

Informática

BNDES

Tecnologia

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315

N

NW

h

h→ Peso conhecido do estrato h.

h

h

h

N

nf → Fração amostral do estrato h.

Sh= Desvio-padrão do parâmetro y no estrato h.

sh= Estimativa do desvio-padrão do parâmetro y no estrato h.

ch = Custo de análise do estrato h.

2

z ~ N(0,1) = Valor da distribuição da probabilidade normal

padrão para determinação de um intervalo de confiança (1 - )% para o parâmetro

Y.

O tamanho da AAE, "n", é calculado da seguinte forma:

L

h

h

h

L

h

hh

h

L

h

hh

h

SWN

V

c

SW

cSW

n

1

2

0

1

1

1, onde

2

2

0

2

z

BV

Com custos de observação dos estratos irrelevantes para o planejamento

amostral, adota-se o custo ch = 1 e tem-se a seguinte alocação para cada estrato:

L

h

hh

hh

h

SW

SWnn

1

→ Alocação de Neyman.

Definidos os tamanhos amostrais, surge o problema da estimativa da

variância do(s) parâmetro(s) da população. Por isso, é de suma importância a

definição correta das populações em estudo, a escolha adequada da forma de

mensuração das características de interesse (os parâmetros) e, principalmente, a

definição dos limites de extrapolação que o levantamento amostral permite.

Para este estudo, os estratos populacionais considerados foram os 409

editais de licitação dos projetos financiados pelo FNDCT por via da Finep e CNPq. E

o parâmetro tido como variável principal para o plano e levantamento amostral é a

alta intensidade de política pública, que foi estimada na proporção 15,26% para

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316

84,76%. O erro bruto foi de 3%, com o nível de confiança de 95%. O tamanho da

amostra estimado resultou ser de 3924 observações.

O gráfico abaixo ajuda a ilustrar as diferenças entre alguns agregados

relevantes para esta investigação, em particular quanto à sua evolução no tempo.

Gráfico 6.2 – Evolução das operações a crédito da Finep e das aprovações dos

FS, em comparação com a base de dados disponível e a amostra utilizada para

as análises empíricas

Embora as operações de crédito da Finep, destinadas apenas a empresas

(de certa forma ―herdeiras‖ do programa ADTEN dos anos 1970), sejam distintas por

sua lógica operacional e por obedecerem a diretrizes específicas, têm parte de seu

funding proveniente do FNDCT (ver gráfico 6.3), cuja destinação fundamental são os

fundos setoriais (anteriormente, seu principal uso foi montar as estruturas para os

programas de pós-graduação e pesquisa das universidades, como visto). Ademais,

valor dos projetos dos FS e das operações de crédito da

FINEP, da base e da amostra utilizada na pesquisa 2000 a 2008

0

200000000

400000000

600000000

800000000

1000000000

1200000000

1400000000

2000 2002 2004 2006 2008

anos

va

lore

s e

m R

$ c

orr

en

tes

FINEP - crédito (*)

FS - total exceto

equalização

FS - equalização

FS - total

empenhado

Base FS/MCT - valor

projetos aprovados

Base FS/MCT -

amostra utilizada

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317

os fundos setoriais, mais especificamente o Fundo Verde-Amarelo, dito ―fundo de

interação universidade-empresa‖ outrora163, ajuda a subsidiar operações de crédito

―equalizando‖ taxas de juros (as quais, sendo nominalmente zero em alguns casos,

como no de EBTs enquadradas no programa ―juro zero‖, são de fato negativas).

Embora relativamente pequenas, as operações de equalização, representadas pela

linha amarela larga, vêm cumprindo um papel decisivo para a Finep lograr o

extraordinário salto em suas operações de crédito, representadas pela linha azul

escuro estreita.

Naturalmente, esse mecanismo de subsídio cruzado tem algum custo para

a disponibilidade de recursos para projetos dos FS. Contudo, ele é baixo, o que pode

ser visualizado pela modesta diferença entre as linhas verde e rosa superiores.

Embora o gráfico 6.3 não apresente o valor total das ações da Finep, unindo

operações de crédito e FS, pode-se perceber que atingiu aproximadamente R$ 2

bilhões, em 2008, mais que triplicando no governo Lula, depois de quase

quadruplicar no segundo mandato de FHC. Sem embargo, isso seria impreciso, na

medida em que o CNPq também atua com recursos do FNDCT.164

A linha laranja pontilhada representa os valores dos projetos aprovados no

âmbito dos FS, agregados anualmente à sua destinação mais ou menos

empresarial165 ou ao fato de terem sido liberados recursos nesses montantes ainda

no mesmo exercício. O MCT cedeu a base de informações correspondente a esses

projetos do modo que se encontrava consolidada em junho de 2009, referentes a

13334 observações, de um total de aproximadamente 17000 projetos já

aprovados166. Como o gráfico denuncia, há um déficit importante de informações para

os anos de 2007 e 2008. Isso, evidentemente, reduz a importância de informações

que se possam extrair quanto à evolução do perfil dos projetos ao longo do tempo,

exceto até 2006. Infelizmente, parte significativa das mudanças introduzidas pela

163 As operações ―cooperativas‖ que o caracterizavam passaram a ser executadas por quase todos os fundos de alguns anos

para cá. Sem embargo, como se verá, várias operações podem de fato abarcar indiretamente empresas, a depender, paradoxalmente, do nível de consolidação dos sistemas setoriais de inovação respectivos aos fundos. 164

Entre 2000 e 2008, as operações executadas pela Finep corresponderam a pouco menos de 90% dos FS, excetuado o Funttel. 165

O FVA perdeu o predomínio nessa função para as operações de subvenção após a lei de inovação ser regulamentada, em 2005. O maior fundo historicamente, contudo, é o menos ―empresarial‖ de todos, o CT-Infra, mas, de 3 anos para cá, as ações transversais abarcam a maioria das destinações – por lei, 50% de todos os CTs, exceto o Funttel. Outro grande fundo é o CT-Petro, que, contudo, opera no estímulo a pesquisas de caráter mais acadêmico (embora frequentemente aplicado) e, como evidencia o quadro de fontes de recursos mais adiante, também subsidia de forma cruzada outros fundos. 166

Esses dados são de livre consulta pelo público. Podem ser acessados, projeto a projeto, no sítio do MCT na web. Portanto, não estão cobertos por sigilo, inclusive no que se refere à identificação de pesquisadores e empresas beneficiárias. Em anexo, estão listadas as principais informações dos projetos constantes da amostra da base que empregada, composta por 3927 (e não 13334) projetos.

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318

reforma dos FS de 2004 em diante só aparece mais adiante (como de fato os dados

agregados da linha verde expressam).

A tabela 6.3, abaixo, traz informações mais completas sobre o conjunto da

base de projetos não reembolsáveis a que se teve acesso:

Tabela 6.3 – Evolução dos projetos aprovados, cadastrados na base do MCT e

algumas de suas características

Fontes: MCT; Finep; Diset/Ipea

A amostra empregada é um subconjunto desse agregado, destacado

conforme a metodologia já descrita, composta de 3924 projetos. A amostra de

projetos reembolsáveis, por sua vez, é a própria população, em parte porque havia

enorme heterogeneidade qualitativa entre estes projetos, de forma que uma amostra

seria quase igual à população, em parte porque a população total não era tão

extensa em número de observações como a de projetos não reembolsáveis.

6.6. A Tipologia Empregada

Os projetos das duas amostras foram classificados segundo uma tipologia

única, de 27 categorias. Estas foram agrupadas de acordo com critérios de maior ou

menor efetividade para a promoção da inovação empresarial e com o maior ou menor

avanço científico-tecnológico envolvido, sendo a categoria ACE (Aplicação de

tecnologia de base Científica em Empresa), a que representa maior probabilidade de

Descrição 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Nº de Projetos Aprovados 194 430 915 879 1575 1572 2428 4825 464

Nº de Pesquisadores 203 1110 10542 6712 11094 13966 22999 9854 6489

Nº de Doutores 185 545 2984 3555 4527 6394 10293 5935 1883

Nº de Projetos com Firmas 1 4 205 106 279 226 460 320 59

Nº de Projetos com Executoras 1 4 32 12 44 42 175 283 20

Nº de Projetos com Proponentes 0 1 25 5 22 27 137 160 12

Projetos com Intervenientes 0 0 168 91 212 176 271 28 27

Projetos com Co-executoras 0 0 9 3 31 6 26 8 17

Valor de Contratação 6012268 36617396 3,10E+08 1,45E+08 4,42E+08 5,67E+08 1,31E+09 7,15E+08 6,11E+08

Valor de Desembolso 5916237 32371754 2,69E+08 1,36E+08 4,09E+08 4,75E+08 6,96E+08 2,87E+08 3,83E+08

Valor das Bolsas 96030,26 3811103 26953765 12039169 29372098 31186041 39676375 14161995 21351480Valor Contrapartida Não-

Financeira 0 0 15205826 9359476 37869158 29518282 50617595 10735383 19470765

Valor Contrapartida Financeira 0 0 43817273 29961271 65568565 44136759 1,30E+08 17710601 14642494

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319

gerar inovação com significativo impacto econômico, justamente por seu maior

conteúdo científico-tecnológico.

Com efetio, partiu-se de uma classificação que buscava dar conta da

percepção de capacidade tecnológica envolvida (seguindo os trabalhos de Westphal,

Lall, Pavitt, Dahlmann e outros, voltados para firmas latecomers), admitindo-se que

haveria uma grande proporção de projetos que refletiam apenas ou dominantemente

a demanda dos ICTs, sem qualquer vinculação visível com a atividade empresarial, e,

portanto, com inovação (por mais sofisticada que fosse a capacitação tecnológica

envolvida). Ou seja, imaginava-se que existiriam projetos empresariais nos quais

haveria muito pouco de inovação (com predomínio da ―imitação‖ ou aplicação direta

de tecnologias compradas, por exemplo, sob a forma de um bem de capital ao qual

está associado um novo processo, um novo produto – para o mercado da firma,

naturalmente – e, eventualmente, o treinamento, superficial, da mão de obra para

executar as novas tarefas exigidas); outros, em que seria necessária uma capacidade

própria de projeto e, portanto, de negociação da tecnologia, e, finalmente, projetos

que se aproximariam mais de inovações, mesmo que incrementais. A esses, outra

categoria – que se desconfiava tivesse elevada participação no total de projetos e

recursos –, de projetos voltados para ICTs, teria de ser incluída. Confrontou-se com

um universo mais complexo e variegado.

Em particular, parece evidente que a aplicabilidade prática, na forma de

uma nova coisa útil difícil de ser construída (por exemplo, um laser para leitura de

microfalhas em superfícies metálicas) não poderia ser equiparada à análise da

qualidade da água em um córrego inexplorado do alto Xingu. São ambas atividades

de forte conteúdo científico e práticas, mas seu grau de indução ou sua comunicação

com a atividade inovativa empresarial são completamente distantes, sobretudo ao se

pensar em termos de NSI. Assim, a praticidade e o caráter de invenção (vis-à-vis o

de descoberta) dos diferentes projetos também tiveram de ser considerados.

As categorias, suas respectivas definições e breves descrições estão

arroladas no quadro 6.2, a seguir.

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320

Quadro 6.2 –Tipologia de Projetos apoiados com recursos do FNDCT

e sua definição

Categoria Definição Descrição

ACE Aplicação de

conhecimento Científico-tecnológico em empresa

Projeto de cooperação entre empresa e universidade ou só empresarial, mas envolve

aplicação de ciência para busca de lucro

ACT Aplicação Científico-Tecnológica em geral

Semelhante ao ACE, sugere, entretanto, formação de elos entre empresas e ICTs

porque potencialmente voltada à aplicação comercial

AIE Aplicação de inovação de outra(s) empresa(s)

Aparentemente, há inovação, mas ela não representa capacidade tecnológica própria

APC Aprimoramento de

Processo baseado em aplicação Científica

Uso de conhecimento científico para melhoramento de aspectos isolados de um

processo industrial

API Apoio Pós-Inovação Ações que se seguem à inovação com vistas

a torná-la bem sucedida

ATM Apoio Tecnológico a

Microempresas

Assessoria e apoio em geral para solução de problemas tecnológicos de baixo alcance em

PMEs

BPD Bem Público Difuso Utilidade apropriável de forma praticamente livre, dado o novo conhecimento gerado pelo

proejto

BPE Bem Público Específico

Gera uma utilidade mais palpável, ou é mais criação que descoberta, ou se destina a uma clientela mais delimitável (a qual se apropria

do benefício)

CEM Certificação e Metrologia Ações de oferta de bem público, construção

de laboratórios para incubadoras etc.

CIG Construção ou apoio

Institucional

Medidas de amparo legal, normativo ou organizacional voltadas para estimular,

indiretamente, a CT&I

CIT Científico voltado para aplicação Tecnológica

Mais abstrato ou geral que o ACT, mas também indica uma finalidade,, uma utilidade

como resultado

CMQ Certificação, Metrologia e

Qualidade

Ação que parte da empresa para aumento da qualidade, seguindo ou não normas

técnicas, relacionada à inovação de processo

DS1

Desenvolvimento de Software de livre

apropriação ou iretam. público

Programa novo de baixa complexidade, dependente de aplicativo anterior e/ou

destinado apenas a usos sob apoio público

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321

DS2

Desenvolvimento de Software voltado para aplicação específica

empresarial

Desenvolvimento de software para uso em empresas, mas dedicados a aplicações

restritas e dependentes de outros aplicat.

EDU Educação, Motivação,

Conscientização, Formação

Atividades de formação e qualificação não voltadas para aplicações práticas

EVE Apoio a Evento Congresso, seminários, encontros de cientistas, lançamento de livros etc.

ICM Infraestrutura em Certificação e/ou

Metrologia

Aquisição de equipamentos e auxílios em geral para construção ou ampliação de

laboratórios de metrologia ou certificação

INF Infraestrutura para ICTs Construção, compra de equipamentos ou

insumos para universidades e ICTs de caráter científico

IPC Inovação pouco

Científico-Tecnológica Inovação que não utiliza conhecimento

cientíifico visivelmente

IPD Infraestrutura para P&D

empresarial Projetos de laboratórios de P&D ou afins em

empresas

NPI Novo Projeto Industrial Projeto de engenharia, envolvendo

conhecimento próprio, incluindo compra de tecnologia pronta

PCG Pesquisa Científica em

Geral

Associada a uma descoberta, portanto de livre apropriação, e voltada para um assunto

difuso

PCS Pesquisa em Ciências

Sociais Pesquisas voltadas para diagnósticos de

problemas sociais, políticos ou econômicos

PME Apoio a PMEs Apoio institucional, gerencial etc. a

microempresas, direta ou indiretamente

PTC Pesquisa Tecnológico-

Científica

Mais aplicada que a PCG, mas não cria algo novo, não é uma invenção ou aponta nessa

direção imediatamente

PTP Pesquisa Tecnológica

Plus

Aplicada como a PTC, mas mais próxima de criar um novo valor de uso ou mais

elaborada cientificamente

QPG Qualidade, Produtividade

e Gestão

Qualidade em processo, voltada à eficiência e ao aumento da produtividade dada uma

tecnologia

TEQ Treinamento e Qualificação

Em geral, cursos e workshops voltados para capacidades práticas e correntes da mão de

obra

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322

Uma maior elucidação das categorias dessa tipologia passa por distinguir

fundamentalmente três efeitos desejáveis de políticas de CT&I.

Em primeiro lugar, a sofisticação do conteúdo científico-tecnológico

envolvido. O fato de um projeto envolver a absorção ou a criação de conhecimento

científico-tecnológico explica por que inovações tecnológicas são particularmente

desejáveis para a promoção do crescimento econômico. Evidentemente, isso não é o

mesmo que dizer que um conteúdo científico maximamente complexo, é desejável.

Um projeto de Astrofísica, por exemplo, pode ser extremamente complexo, mas por

seu elevado nível de abstração, gerar pouco ou nenhum efeito tecnológico

perceptível, mesmo que indiretamente. A intenção, assim, era detectar conteúdos

desejáveis, pela reduzida, mas não completa imitabilidade, de certos projetos

científicos aplicados. Estipulou-se que esta variável – ―grau de sofisticação

tecnológico-científica‖ – poderia variar de 0 a 5.

Em segundo lugar, há a questão da apropriabilidade por empresas –

privadas ou não, mas submetidas a pressões competitivas em mercados capitalistas

– dos resultados do projeto. Pode-se aventar que essa variável oscile entre 0 e 1: ou

há uma empresa envolvida no projeto ou não há. Mas isso é certamente rudimentar:

em NSIs plenamente constituídos, as agendas de problemas tecnológicos das

empresas plasmam-se nas pautas de pesquisa dos ICTs, sem que um vínculo

explícito apareça, vínculo esse que tem contrapartida em elevada capacidade

absortiva das empresas, as quais podem, por exemplo, deter significativos corpos de

pesquisadores em seus quadros. Ademais, diversos tipos de projetos tecnológicos

geram spin-offs e externalidades difusas para empresas, mas estas as captam muito

parcialmente, ou muito fugazmente, não criando um mecanismo interno próprio capaz

de cumulatividade – vale dizer, não são capazes de acrescentar capacidade inovativa

às empresas, embora benefícios de curto prazo possam ser colhidos. Assim,

estabeleceu-se que a apropriabilidade empresarial dos resultados dos projetos pode

variar de 0 a 3, sendo este número reservado para quando, além de significativo grau

de cumulatividade estiver presente, também a apropriabilidade empresarial estiver

evidente, havendo uma empresa envolvida direta ou indiretamente no projeto. Casos

intermediários com respeito a esses dois critérios foram classificados como 1 ou 2,

sendo a pontuação nula caso fosse implausível qualquer ganho, de qualquer

empresa, em termos de capacidade inovativa por força do sucesso do projeto

avaliado.

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323

Finalmente, entendeu-se que ganhos de bem público podem acontecer

mesmo quando é difícil associar o projeto a empresas, como pesquisas para o meio

ambiente, para a melhora na infraestrutura das universidades etc. Sem embargo,

projetos com alta probabilidade de servir de insumo a inovações empresariais

também geram efeitos dispersos ao estimularem a competição criativa e ao

engendrarem crescimento econômico. Foram atribuídas pontuações de 0 a 2 à

importância das externalidades econômicas potencialmente produzidas por cada

projeto.

A soma dessas pontuações parciais permitiu estabelecer um ranking entre

as categorias da tipologia usada. Ei-lo:

Quadro 6.3 –Índice de Qualidade Tecno-científica empresarial dos projetos e

sua Composição

ACE 4 4 2 10

ACT 4 2 2 8

APC 4 3 1 8

IPD 3 4 1 8

CIT 5 1 2 8

CEM 3 3 1 7

DS2 3 3 1 7

IPC 1 4 1 6

CMQ 2 2 1 5

NPI 1 3 1 5

PTP 3 1 1 5

BPE 2 0 1 3

ATM 1 1 1 3

TEQ 1 1 1 3

BPD 0 0 2 2

DS1 2 0 0 2

PTC 1 0 1 2

PCG 1 0 1 2

AIE 0 1 1 2

ICM 0 0 1 1

API 0 1 0 1

CIG 0 0 1 1

CMQ 0 1 0 1

INF 0 0 1 1

PME 0 0 1 1

EDU 0 0 1 1

EVE 0 0 1 1

PCS 0 0 1 1

TotalCategoria

Sofisticação

Tecnológico-

Científica

Apropriab.e

Cumulativ.E

mpres.

Externalida

des

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324

Esse ranking está sujeito a um defeito evidente caso se busque empregá-lo

para avaliar se a política de CT&I está sendo bem executada. Para percebê-lo, basta

imaginar sua aplicação em uma política idêntica à brasileira praticada na Tanzânia.

Na medida em que, de um lado, o setor empresarial desse país é extremamente débil

e, de outro, não há previamente constituído um sistema de produção de ciência, seria

impossível encontrar projetos com elevada pontuação no segundo e mesmo no

primeiro item (sempre relembrando que a sofisticação tecnológica é decisiva na

aferição). Certamente o Brasil, como a Tanzânia, não é nem industrial nem

cientificamente avançado; não obstante, está mais próximo dos países avançados do

que deste quanto à possibilidade de obter respostas significativas de uma arrojada

política de CT&I. Assim, embora o emprego de um esquema como o acima proposto

sirva para avaliar se a política atualé efetivamente de CT&I e não mais um

desdobramento inercial da manutenção do velho sistema de C&T resultante dos

esforços dos anos 1970, inevitavelmente estar-se-á avaliando até que ponto o

sistema empresarial brasileiro tornou-se capaz de utilizar como instrumento de

valorização capitalista e como arma concorrencial o conhecimento científico.

O quadro 6.4 ajudará a esclarecer melhor como se buscou utilizar o referido

esquema apartando essas forças causais distintas.

Quadro 6.4 – Lógica das Classificações Empregadas por Arrojo

Tecnológico-Científico e por Potencial de Apropriabilidade em Atividades

Estritamente Empresariais

Empresarial Alta Média Baixa

Alta ACE

IPD ACT CIT

CEM PTP

PCG PTC

Média

APC NPI

CMQ

ATM DS2 ICM BPE TEQ

DS1 INF BPD

Baixa

AIE API IPC QPG

PME CIG

EDU EVE PCS

Tecnol-Científ

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325

Espera-se que haja um trade-off, seja para o pesquisador do país menos

desenvolvido, seja para o empresário de uma firma retardatária ―representativa‖,

embora de forma invertida para cada um.

Para o primeiro, tornar mais útil às empresas as pesquisas que desenvolve

significa fundamentalmente priorizar aspectos de seu objeto de estudo concernentes

à ciência aplicada mais próxima à sua formação que também trate do mesmo objeto

ou mover-se para aplicações plausíveis do tipo de conhecimento no qual possui

relativa especialização, mesmo que isso implique mudar seu objeto particular de

investigação.Em ou outro caso na melhor das hipóteses – cuja realização depende,

por exemplo, de dispor de laboratórios e bancadas de teste de elevado custo – o

pesquisador passará a ser também um inventor. Muito provavelmente, na medida em

que a lógica que informa a passagem da ciência abstrata para a ciência aplicada e

daí para a realização de experimentos com significado prático é fortemente

determinada pelos paradigmas científicos dominantes, e não pela busca concreta de

solução de problemas tecnológicos vividos por alguma empresa (à la Rosenberg), as

eventuais invenções resultantes terão reduzida aplicabilidade comercial.É debalde

sublinhar que, ademais, mesmo quando possuírem potencial comercial, quanto mais

sofisticadas forem tais invenções, menos provavelmente alguma firma retardatária

será a mais apta a explorá-la comercialmente.

Para o segundo, investir e, em menor medida, aceitar desenvolver projetos

de elevado uso de ciência é distante da sua forma de concorrer usual, parecendo-lhe

pouco lucrativo – o que, de fato, tende a ocorrer, considerando-se o tipo de recursos

específicos e capacitações que possui (em comparação às empresas estrangeiras

concorrentes reais ou potenciais), de forma que não é apenas uma questão de

miopia ou de incerteza, substantiva ou procedural, que o faz perceber ―o jogo‖ dessa

maneira. Nesse contexto, o caráter mais empresarial dos projetos via de regra ocorre

em detrimento do caráter científico-tecnológico, apesar de as políticas analisadas

buscarem privilegiar justamente esse tipo de projeto.

Assim, a efetividade das políticas de inovação tecnológica sofrerá uma dura

restrição da realidade de país atrasado com que se confronta, mas cujas causas – de

caráter mais macroeconômico e industrial – não pode atacar. Duas exceções tendem

a reduzir esse dilema no caso brasileiro, na medida em que o país avançou

significativamente em seu processo de industrialização até os anos 1980.

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326

Em primeiro lugar, uma matriz industrial bastante completa foi montada e,

embora em boa medida graças a políticas industriais reativas e apesar de estarem

significativamente defasadas em seus elos exigentes em capacidade tecnológica

própria, raras cadeias produtivas são incompletas em níves de agregação

intermediários (por exemplo, a nível de classe na CNAE). Isto é, apesar de

relativamente fraca em segmentos cujo padrão concorrencial é exigente em

conhecimento científico-tecnolíogico, a estrutura produtiva brasileira os inclui. Em

segundo lugar, o país possui entre suas campeãs nacionais algumas empresas de

porte significativo que exportam e participam de cadeias de valor internacionalizadas

sistematicamente.

Com isso, projetos lucrativos e com relevante conteúdo científico-

tecnológico tendem a aparecer em setores cujo padrão de concorrência é enviesado

para esse tipo de diferenciação, e/ou associados a empresas que concorrem

mundialmente, as quais, embora não se situem em setores efetivamente intensivos

em ciência, buscam aproximação com as líderes mundiais, sendo obrigadas a

competir inovando (refletindo o fato de que, apesar de assimetricamente, quase todos

os setores utilizam-se de ciência para inovar) e capazes de se beneficiar de algum

nível de interactive learning.

6.7. O Problema da Classificação Setorial

O atraso econômico é um fenômeno que também se irradia, embora não

com o mesmo grau de determinação, para os ICTs. Pesquisas cujos temas são

fortemente dominados por agendas tecnológicas, voltadas para aplicações, tendem a

gerar resultados que mais facilmente podem se converter em inovações, apesar de

faltarem, no Brasil, empresas interessadas diretamente em seus estudos. Vários

resultados são possíveis: os pesquisadores podem patentear sem possuírem

manifestações de interesse empresarial; pode haver brain drain; as pesquisas podem

ser sucessivamente alteradas até se aproximarem de temas mais próximos da

realidade concorrencial das empresas; o crescimento da economia, ao aumentar a

renda, pode propiciar o surgimento de empresas mais agressivas na diferenciação de

produtos (que se aproximam, assim, do objeto da pesquisa); agências ou empresas

públicas decidem, por argumentos de ―interesse‖ ou ―estratégia‖ nacional, adotar a

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327

pesquisa, ou desenvolver algo em suas cercanias irrespectivamente à possibilidade

de obter lucro nessa atividade. Esses resultados não confirmam a efetividade da

política de inovação tecnológica, mas vários dos desdobramentos listados contribuem

para, particularmente sob cenários de crescimento econômico com mudança

estrutural, forjar uma rede de intercâmbios sistemáticos entre ICTs e empresas, ou

seja, para construir um NSI.A análise dos projetos concretos em que se plasmou a

PCT&I brasileira deve, sob pena de tornar-se dogmática, abrir-se para a possibilidade

de a mesma, por meio do direcionamento do significativo aparato de produção

científica nacional para pesquisas mais aplicadas em meio a um cenário de

amplicação da renda disponível dos consumidores e das oportunidades de

investimento, promover uma sorte de empurrão tecnológico sobre as empresas.

Mais precisamente, na leitura de cada projeto, buscou-se saber:

i. o que, materialmente, é o projeto, e qual seu objeto, independentemente

da metodologia científica empregada;

ii. qual sua aplicação, sua utilização, mais palpável, mais imediata;

iii. se tal aplicação é, ou poderia ser, aplicável empresarialmente como

produto ou processo, ou seja, a aplicação parece ser apropriável financeiramente por

uma empresa voltada para o lucro; e

iv. qual o grau de importância do conhecimento científico para o projeto.

As descrições foram aceitas do modo como foram entregues pelo MCT,

que, supostamente, manteve as da Finep e do CNPq, e esses as descrições

realizadas pelos proponentes de cada projeto. Vale dizer, mesmo quando pareciam

inadequadas ao projeto, o que aconteceu raramente, foram aceitas na forma

oferecida.

Por outro lado, com frequência, tornaram-se ambíguas ou simplesmente

confusas à luz da tipologia empregada nesta tese (vale notar que o MCT ele próprio

possui uma classificação, a qual, não obstante, revelou-se inadequada). Nesses

casos, lançou-se mão dos currículos lattes dos pesquisadores envolvidos e, mais

raramente, de suas publicações na área de pesquisa do projeto. Nenhum dos

projetos não reembolsáveis ficou sem classificação, o que não pôde ser feito no caso

dos reembolsáveis.

A classificação conforme a tipologia CNAE, no caso dos projetos não

reembolsáveis, não foi trivial porque apenas uma minoria tinha empresas por

proponentes. Mesmo nesses casos, o setor declarado foi desconsiderado. A

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328

classificação foi feita de forma a tentar levar em consideração a noção de fluxos de

conhecimento, típica das análises de NSIs 167. Assim, a partir da leitura do resumo do

projeto e, quando necessário e possível, do currículo lattes ou de projetos de

pesquisa com os nomes dos pesquisadores tentava-se responder à seguinte

pergunta: ―qual o setor CNAE a 4 dígitos (ou a 3, não sendo possível isso identificar)

mais provavelmente utilizaria o conhecimento resultante desse projeto para aumentar

sua capacitação tecnológica própria e/ou inovar?‖

ACE – Essa classificação é a que melhor expressa o tipo de projeto que

buscamos encontrar, já que utiliza métodos e conteúdos científicos para

expressamente criar um novo bem, serviço ou processo, para o qual há uma

empresa claramente interessada. A classificação fornecida pelo MCT indicava

quando esse era o caso na grande maioria das vezes.Contudo, em alguns casos,

isso ficou evidente pela leitura do projeto ou por que informações de outras fontes

revelavam que a pesquisa da qual o projeto classificado era parte estava sendo

realizado conjuntamente com uma empresa.Exemplos: (1), Melhoramento Genético

de Camarão SPF para Desenvolver Linhagens Resistentes à Doença Necrose

Infecciosa Muscular; (2), Sistema de Monitoração Automática do Composto Odorante

presente no Gás Natural; (3), Sistema de Monitoração Automática do Composto

Odorante presente no Gás Natural; (4), Desenvolvimento de um Protótipo Industrial

de um Giroscópio mecânico de precisão para aplicações em sistemas de navegação

inercial oceânicos

ACT – Projetos ACTs – aplicações científico-tecnológicas – são projetos

sediados em ICTs de ciência aplicada, voltados claramente para criação de algo útil

―inventado‖, ou cuja descoberta não o torne facilmente acessível. Ou seja, projetos

ACTs buscam invenções complexas, as quais, se úteis, podem facilmente se

transformar em inovações. Nesse sentido, ACTs geram potenciais inovações, mas

não possuem empresas nem como intervenientes, nem como proponentes ou

executoras, nem foi possível identificar alguma empresa diretamente interessada em

tentar introduzir essa possível invenção no mercado. São exemplos de ACTs: (1),

Nanoestruturas Unidimensionais e Compósitos com Polímeros; (2), Biofertilizantes de

Rochas Fosfatada e Potássica com Acidthiobacillus; (3), Desenvolvimento de um

Microsistema em Fluxo-Batelada Aplicado à Análise de Amostras de Interesse

167 Ver, por exemplo, CASPAR, 2007.

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329

Ambiental e Biológico Usando Técnicas Luminescentes e Análise de Imagens

Digitais; (4), Desenvolvimento e otimização de novos materiais para aplicação em

célula à combustível de eletrólito sólido alimentada com gás natural

APC – Desenvolvimento de conhecimento científico voltado para aplicação

prática, que, embora decodificado, envolve elevada complexidade e é destinado a

problemas muito específicos, de forma que não pode ser facilmente apropriado por

outrem que não o interessado neste conhecimento. Exemplos: Simulação de

escoamento multi-fásico em meios porosos com malhas de resolução dinamicamente

variável; Modelagem e Otimização do Processo de Enrolamento Filamentar para

Materiais Compósitos; Desenvolvimento de uma metodologia numérica para

avaliação dos efeitos da perda de restrição à plasticidade em materiais estruturais;

Determinação em Túnel de Vento de Coeficientes de Arrasto de Torres Treliçadas de

Linhas de Transmissão em Túnel de Vento

CMQ –Projetos CMQ são distintos dos CEM – cujo caráter é mais específico

à empresa – e dos projetos QPG, nos quais a empresa busca adaptar-se a normas

do tipo ―boas práticas‖, as quais referem-se mais à formalização e à racionalização

de processos, não raro fora do chão de fábrica, mas que invariavelmente afetam

muito pouco a capacidade tecnológica da empresa ou o padrão de bens ou serviços

que é capaz de gerar. Em relação a este último tipo, os projetos CMQ, portanto,

alteram mais significativamente os resultados das atividades produtivas da empresa,

se não gerando produtos (ou processos) diferentes, ao menos alterando a qualidade

dos mesmos. Exemplos: Empresa ―x‖168 – aperfeiçoamento de seu processo de

produção e novas aplicações como recombinante e na forma de

concentrado;Engenharia de Confiabilidade e Manutenção.

DS2 – Projeto de TI que envolve significativa complexidade tecnológica, não

podendo ser facilmente replicável e/ou que se destina a uso muito específico e

relevante para o aumento da produtividade ou da qualidade de um bem ou serviço

transacionado em mercados livres. A se notar que se o produto do projeto analisado

configurar-se, ademais, claramente em algo fabricável e vendável em série e

diretamente a uma miríade de consumidores, sem nenhuma ou com baixa

customização, este seria classificado como um ACE. Exemplos de DS2: Avaliação de

Indicadores Técnicos e Econômicos, Desenvolvimento de um Modelo Dinâmico de

168 Como se sabe, informações referentes a projetos reembolsáveis estão cobertas por sigilo. Usaremos códigos para explicitar,

quando for o caso, que o nome de alguma pessoa jurídica ou física está envolvido.

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Simulação de Sistemas de Produção de Leite e de um Software para Cálculo de

Exigências Nutricionais e Balanceamento de R; Segurança P2P baseada em

SDSI/SPKI; Ambiente para a Classificação e Manipulação de E-mails; Geração de

Animações Não-Realistas Para Estilização de Vídeos

CIT – Projetos ―científicos voltados para aplicação tecnológica‖ que

envolvem ciência em nível mais abstrato que os ACTs, por exemplo, mas que estão

voltados para interesses aparentemente muito mais práticos que PCG – projeto

científico em geral.Exemplos: Caracterização da interação entre a sinalização em

reposta ao ácido abscisico e óxido nítrico com o transporte e metabolismo da

sacarose no controle dos movimentos estomáticos; Teoria de equações hiperbólicas

e aplicações à ciência do petróleo; Análise da Influência de Parâmetros Físicos e

Numéricos na Identificação e Caracterização de Estruturas Coerentes - Clusters - no

Tubo Ascendente de um Leito Fluidizado Circulante; Experimentos e Simulação em

Escoamentos Não-Newtonianos; Desenvolvimento de superfícies ativas e

nanopartículas de sílica para testes de imunoadsorção enzimática indireta no

diagnóstico de anaplasmose

IPD – Projetos de investimentos que incluem ampliação ou criação de infra-

estrutura físicae compra de equipamentos, sobretudo para laboratórios de P&D, em

empresas ou destinados a uso empresarial. Exemplos: Consolidação das atividades

de pesquisa, desenvolvimento e inovação da empresa x - biotecnologia com seus

parceiros nacionais e internacionais; Desenvolvimento de modelos e protótipos para

apoio à pesquisa de materiais de atrito de fricção utilizados em freios automotivos;

Ampliação das infra-estrutura de pesquisa da ―empresa x‖ em ―cidade a‖ e ―cidade b‖;

Desenvolvimento de P&D e Laboratório de Protótipos e Testes – empresa y.

PTP – Um projeto de Pesquisa Tecnológica ―Plus‖ resulta mais em

invenções que em descobertas mas é facilmente apropriável, ou, gerando

descobertas, envolve conhecimentomais hermético por seu conteúdo e/ou por

envolver capacidades tecnológicas não triviais seja para ser desenvolvido seja para

ser aplicado. Exemplos: Análise da Operação de Motores Diesel com Misturas

Parciais de Biodiesel; Caracterização Computacional de Materiais Energéticos;

Extração no ponto nuvem para remediação de águas residuais e solos contaminados

com metais tóxicos após caracterização dos solos por extração seqüencial; Análise

Comparativa de Métodos de Sincronização Aplicados a Geradores de Indução

Utilizados em Pequenas Centrais Hidrelétricas

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ATM – Projetos de consultoria ou de apoio material a pequenas e

microempresas, financiados pelo Estado ou entidades para-estatais,voltados para o

upgrading tecnológico-produtivo de um grupo de empresas, mediante custo nulo ou

altamente subvencionado. Exemplos: Apoio a iniciativas de agroecologia de

agricultores familiares do Vale do Taquari; Desenvolvendo técnicas de agregação de

valor aos produtos agrícolas de pequenos produtores rurais visando um

desenvolvimento sustentável; Aplicação Prática Industrial da Tecnologia de

Beneficiamento da Carne do Caranguejo-uçá, Ucides cordatus: Novas Oportunidades

de Negócios para as Mulheres do Distrito de Caratateua, Bragança-Pa; Ampliação da

Capacidade de Criar e Incubar Empresas de Base Tecnológica em São Carlos

BPE – Geração de bem público ou semi-público destinado a um grupo

específico de beneficiários, em geral empresas ou utilizadores de sistemas públicos

de educação ou saúde, significativamente minoritários socialmente em relação à

população brasileira (os aposentados, os afro-descendentes, os portadores de

deficiência são minoritários, mas não significativamente, em nossa acepção) ou ao

grupo social que os identifica funcionalmente no conjunto do País. Exemplos:

Tecnologia de produção do inhame pelo sistema de formação de mudas e

transplantio; Geração e disponibilização de tecnologias visando a melhoria da

qualidade do leite oferecido a população de Rondônia; Pesquisa, Desenvolvimento e

Transferência de Tecnologia da Técnica do Inseto Estéril no Vale do S. Francisco;

Revitalização do Sistema Híbrido Fotovoltaico - Eólico - Diesel da Comunidade de

Tamaruteua, Município de Marapanim/PA

IPC – Invenção com provável potencial comercial mas com conteúdo

científico pouco significativo e tecnolgicamente trivial, de forma que sua capacidade

de gerar sobrelucros em emprego empresarial é muito limitada. Exemplos:

Aproveitamento de cabeças de tilápias de cativeiro na forma de farinha como

alimento para merenda escolar; Reuso de água residuária doméstica aplicada por

gotejamento na produção do tomate de mesa em ambiente protegido;

Desenvolvimento de equipamento de multi-acesso a banda larga; Sistemas

biológicos e enzimáticos conjugados para tratamento de águas residuárias industriais

e co-geração de energia; Sistema construtivo modular com blocos de gesso

NPI – Projeto que envolve capacidade própria, por parte de uma firma

capitalista, de especificar itens específicos de uma necessidade tecnológica

(denunciantes, segundo os estudos de Cohen, de capacidade absortiva própria),

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332

ainda que a empresa em si não crie a forma de resolver – a tecnologia – seu

problema, senão que pague pela sua obtenção. O essencial é que a empresa revela

capacidade de irradiação de aprendizagem pela demanda, do tipo interactive

learning, na medida em que não se coloca passivamente em relação ao fornecedor

de tecnologia. Exemplos:Otimização ambiental da unidade de insumos básicos da

Empresa z; Absorção de novas tecnologias para capacitação e desenvolvimento de

proejtos de veículos off-road; Modelos e Métricas para Gestão da Cadeia Produtiva

Petróleo e Gás no Amazonas – PROGASAM; Capacitação tecnológica e industrial

para o desenvolvimento de novos processos e produtos aeronáuticos

BPD – Projeto de geração de novo conhecimento facilmente absorvível e

destinado a parcelas relativamente grandes das firmas ou pessoas, em geral, mas

nem sempre, menos sofisticado cientificamente, embora invariavelmente não capaz

de gerar inovação. Exemplos: Programa de mudas/sementes de cultivares

melhoradas, indexadas, livres de vírus e, desenvolvimento de insumos

biotecnológicos para o Estado do Rio de Janeiro; Aprimoramento de ETEs com

efluentes compatíveis ao reúso à fertirrigação ou ao padrão de lançamento; A Flora

do Paraná: lista das espécies de plantas vasculares; Tempestades: desenvolvimento

de um sistema dinamicamente adaptativo para produção de alertas para região

Sul/Sudeste

CEM – Ações de certificação e metrologia de alto conteúdo científico e/ou

nos quais há elevada participação direta da empresa beneficiária. Exemplos:

Operações de controle de qualidade em formulações a base de peixe em uma

Unidade Experimental; Padronização de medição de dureza e propriedades

mecânicas de materiais por penetração instrumentada nas faixas micro e

nanométrica; Metrologia óptica de materiais e filmes seletivos para eficiência

energética de interiores; Implantação de Método Flash para Identificação de

Propriedades Termofísicas

DS1 – Semelhante ao DS2, mas com mais caráter de bem público, menos

criativo tecnologicamente (altamente dependente de inovações anteriores), e/ou com

menor apropriabilidade empresarial direta. Exemplos: Simulação, Controle e

Otimização de Tráfego Urbano Utilizando AprendizadoMultiagente; Controle

operacional para redução das perdas de água e energia elétrica em sistemas de

abastecimento de água; Armazém Digital - Preservação de Informações Públicas;

Ferramentas baseadas na Web para apoio ao trabalho colaborativo

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333

ICM – Construção de instalações e/ou aquisição de equipamentos e apoio

direto a atividades de metrologia e de certificação . Exemplos: Implantação de

Laboratório Móvel de Alimentos; Expansão, Capacitação e novos desafios do Núcleo

de Bioequivalência da Universidade Federal de São Paulo (NuBEC/UNIFESP) –

Bioequivalência de Hormônios; Avaliação da Conformidade de Produtos para Saúde;

Difusão do processo de certificação da Embrapa Meio Ambiente nas unidades da

Embrapa

PTC – São pesquisas de ciência aplicada, que criam conhecimentos

nitidamente úteis, empregáveis para diferentes atividades, inclusive empresariais,

mas que se encontram em um nível genérico, necessitando de mediações e

aprofundamento para serem importante fonte de inovação, ou, por outro lado, de

apropriabilidade relativamente fácil no estágio em foi apresentado. Exemplos: Uma

Nova Abordagem na Avaliação dos Efeitos de Poluentes em Peixes Tropicais

Brasileiros; Caracterização de novas organelas e de componentes de superfície

relacionadas com a patogênicidade de fungos; Bacia do Prata: Diagnóstico

Hidrológico e Proposta de Gestão; Simulação Numérica e Experimentação Aplicadas

à Dinâmica dos Fluidos

PCG – Como os PTCs, pesquisas de caráter científico, mas menos

aplicado, portanto, necessitando de ainda mais mediações para ser aplicável como

fonte de sobrelucros ou de bens públicos significativos. Portanto, via de regra é difícil

classificá-los setorialmente, e quando é possível, tendem a ser classificados em

setores voltados para a criação de utilidades públicas. Exemplos: Modelos em teorias

de campos e cordas; Magnetismo e geocronologia do craton amazônico: implicações

para sua evolução geodinâmica; Abordagem matemática para a doença do

caranguejo letárgico; Modelagem numérica da difração de feixes ópticos por cadeias

de fendas circulares; Simulação Computacional em Física da Matéria Condensada;

Os Animais de Nossas Praias

TEQ – Projetos de qualificação de mão de obra em aspectos práticos,

técnicos. Exemplos: Transferência de Tecnologia e Capacitação de Pescadores

artesanais para a Pesca Oceânica de Pequena Escala; Capacitação de Recursos

Humanos em Projetos de Sistemas Digitais de Qualidade; Construindo Cidadania:

trabalhando com catadores de material reciclável; Programa de Formação de Capital

Humano em TI no Arranjo Produtivo Local do Vale do São Francisco - (FORTIVALE)

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334

API– Apoio a ações necessárias para viabilizar o sucesso de mercado de

uma invenção ou avanço tecnológico anterior, mas em si mesmas triviais do ponto de

vista tecnológico . Exemplos:Plano de Viabilidade Técnica de Microchip Sensor de

Pressão Piezoresistivo; IMPLEMENTAÇÃO DA FASE II DO PLANO DE MARKETING

DA REDE MÓVEL DE DADOS AIRGATE;

CIG – Criação ou desenvolvimento de instituições formais típicas de NSIs

ou de apoio a ações de oferta de bens públicos com elevado conteúdo tecnológico.

Exemplos: Criação de Núcleo de Apoio ao Patenteamento da Tecnologia gerada pela

Pesquisa e Desenvolvimento da Indústria de Alimentos; Rede de Inovação e

Prospecção Tecnológica para o Agronegócio; Apoio a criação de um escritorio de

patente no PADETEC; Arranjo Produtivo Local de Cerâmica Vermelha do Norte

Goiano-Goiás

CMQ – Ações empresariais ou de apoio a empresas e órgãos em busca de

melhorias de qualidade, sobretudo quando envolvendo certificação ou padronização

de acordo com normas e recomendações técnicas. Exemplos: Melhoria da qualidade

dos processos visando a certificação internacional das 4 linhas de produtos,

Otimização do desempenho da rede de distribuição da Cemar e programas de

eficiência energética; Desenvolvimento estratégico-organizacional da firma x

INF – Embora algumas ações de outros fundos também tenham sido

classificadas como ―INF‖, sua quase totalidade é composta pelos projetos oriundos

do CT-Infra. Exemplos: Reparo de uma unidade liquefatora de Nitrogênio Linit-25;

Adaptação de área para instalação de insetário e laboratório de vetores;Recuperação

e ampliação da infra-estrutura predial dos acervos arqueológico e bibliográfico;

Construção dos Laboratórios de Pesquisa do Novo Campus de Sorocaba (Química

Macromoléculas-Ambiental, Bioquímica, Física, Biologia Celular e Genética)

PME – Ações de apoio a microempresas em geral, não contendo

imediatamente teor tecnológico ou científico. Exemplos: Implantação do Serviço

deApoio a Gestão - SAGE na Incubadora RAIAR; Aperfeiçoamento dos Processos de

Gestão da Incubadora e Apoio à Pré-Incubadora da Fundação Softville; Economia

Sustentável e Solidária de Reciclagem de Material pós-consumidos oriundos do Meio

Urbano; Pré-Incubação de Negócios em Petróleo e Gás e Biocombustíveis

AIE – Inovação empresarial que envolve avanço tecnológico, mas que não

implica em sua totalidade ou em sua quase totalidade em capacidade tecnológica

própria. Exemplos: Aquisição de um tear circular computadorizado, modelo LPE33x7,

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335

Marca ―x‖, e máquina de bordar eletrônica, de uma cabeça, marca ―y‖; Projeto

Peabiru: pesquisa, desenvolvimento e implantação da rede de canais multimídia da

empresa ―z‖; Plano de negócios da empresa ―u‖.

EDU – Atividades de difusão de conhecimento formal em geral, exceto

seminários, conferências, oficinas e afins. Exemplos: Curso de Especialização à

Distancia em Gerenciamento de Recursos Hídricos; Especialização em combustíveis

derivados da biomassa com ênfase em biodiesel e biogás; Museu Dinâmico da Mata

Atlântica: manutenção, ampliação e dinâmica; Compartilhando saberes e práticas

experimentais: a engenharia e o ensino médio.

EVE – Atividades semelhantes ao tipo EDU, exceto pelo fato de terem como

objeto conhecimento mais recente e fundado mais em debate entre pares do que em

exposição, ou sua divulgação em diversas formas. Exemplos: II Simpósio

Internacional de Produção Animal; Rio Symposium on Atomic Spectrometry; 3a.

Semana do Plástico; Livro Comemorativo 35 Anos INPI

PCS – Pesquisas acadêmicas e para-acadêmicas que não visam, nem

mediadamente, ao maior controle do homem sobre a natureza (neste sentido, sem

qualquer significado tecnológico, ainda quando voltado para a discussão da

tecnologia). Exemplos: História e Sociedade, Agroecologia e Homeopatia: extensão

universitária em assentamentos rurais de duas regiões em Minas Gerais; Análise da

demanda internacional de painéis de fibra de madeira; Investigação dos fatores

estranguladores do desenvolvimento da atividade leiteira em assentamentos rurais no

Sul do estado do Pará; Estrutura urbana e território: as redes de mobilidade urbana

(São Paulo, 1956-1986) – Montagem de Banco de Dados Cartográficos de Apoio à

Pesquisa Historiográfica em Arquitetura e Urbanismo.

6.8. Os Projetos Reembolsáveis e sua Lógica Distinta

A Finep atua como agência repassadora de recursos do FNDCT, ao mesmo

tempo que é sua agência executiva e, após a reforma na governança dos FS em

2004, ampliou, de fato, seu papel como formuladora efetiva de políticas (não que seja

única ou mesmo hegemônica nesse papel). Sem embargo, sua função mais peculiar

é a de ―herdeira‖ do antigo Funtec/BNDES, atuando como banco de fomento.

Obviamente, essas duas funções congregam-se em expertises muito peculiares, as

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336

quais, buriladas pelas diferentes experiências de políticas (PADCTs, PBQP, PBDCTs

etc.) garantem à Finep uma rara – internacionalmente – capacidade de transitar entre

tecnologia produtiva, tecnologia científica e projeto financeiro propriamente dito

(embora a Fundação seja frequentemente criticada por ser débil como banco e por

sua falta de visão social como executora da política de C&T em sua dimensão de

provedora de bens públicos).

Em 2008, a base de recursos sobre a qual a agência atende à ―demanda

espontânea‖ possuía a seguinte composição:

Gráfico 6.3 – Participação em % de Diversas Fontes no Total de Operações da

Finep em 2008

Fonte: Finep, 2009

Na metade dos anos 1990, embalada pela experiência do PBQP, a Finep

arriscou-se em financiar projetos envolvendo arrojo tecnológico, para demandantes

órfãos do sistema financeiro, inclusive público, e com baixa capacidade financeira,

além de incapazes de oferecer garantias tangíveis. Defrontou-se com a realidade de

um país cuja indústria é tecnologicamente débil (com evidentes exceções), ademais

de submetido a políticas macroeconômicas punitivas ao empreendedorismo169. O

169 Não se retornará, neste ponto, ao problema da relação entre empreendedorismo e ciclo econômico, proposto por Schumpeter

e ao qual ele mesmo retornou mais de uma vez, notavelmente nos BC, no que foi seguido por alguns de seus discípulos. Nesta pesquisa sugere-se que, ao menos no caso de um país atrasado, ―tomador‖ de progresso técnico, a relação entre crescimento macroeconômico e inovação tecnológica (no sentido minimalista aceito pelo Manual de Oslo) é positiva e provém daquele para esta. No mais das vezes sem sabê-lo, grande parte dos burocratas e policy makers da área nada têm de schumpeterianos

PARTICIPAÇÃO DAS FONTES NO FUNDING DA FINEP

FNDCT; 32,30%

FAT; 39,10%

FND; 20,40%

FINEP; 8,20%

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337

resultado foi um quase colapso da agência, com consequente míngua de suas

funções de apoio de qualquer tipo (o FNDCT, que vinha sendo desativado desde

1990, foi ressuscitado durante esse período, paradoxalmente, pelas privatizações,

inicialmente com o depósito de royalties referentes a concessões para explorações

de petróleo e gás, após a regulamentação do fundo setorial do petróleo).

O órgão passa a receber aportes de outras fontes de 1999 em diante,

depois de lançar como perda uma série de operações inadimplentes de sua carteira.

De 2000 em diante, as operações reembolsáveis crescem velozmente nos anos

iniciais, a quase 100% ao ano em média, taxa que desacelera, mas mantém-se em

média muito elevada nos anos seguintes. Entre 2000 e 2008, as aprovações vão de

pouco mais de R$ 54 milhões para R$ 816 milhões.

Ademais, um aumento impressionante em sua qualidade é observado

concomitantemente. Projetos que apontam para inovações tecnológicas crescem de

pouco mais de R$ 6 milhões para R$ 285 milhões, enquanto os de menor qualidade

perdem participação, passando de R$ 93 milhões para R$ 430 milhões em 2008170.

O gráfico abaixo ilustra esses movimentos.

quanto a isso, também defendendo repetidamente a importância de um ambiente propício ao investimento, como sendo o melhor para o gasto em PD&I. 170

A seguir será apresentada a tipologia usada para a classificação de projetos

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338

Gráfico 6.4 – Evolução do Total de Operações a Crédito e sua composição, por

sua qualidade tecnológico-empresarial, de 1999 a 2008

Os dados de 1999 são retirados de uma fonte distinta que não a base

fornecida pela Finep171. Embora confiáveis, não permitem segregar os projetos de

alta qualidade (ACE, ACT, APC, PTP e IPD). A evolução seguinte, contudo, é

bastante impressionante (as quedas anuais, exceto a de 2003-04, são irrelevantes,

dada a lógica de aprovação de projetos complexos, que implica negociações, idas e

vindas, de forma que o ano-calendário é uma referência aproximada). Além do

crescimento explosivo, delimitando um novo patamar a partir de 2005, é notável que

as operações reembolsáveis aproximam-se de metade do apoio do núcleo da PCT&I,

fato novo na história do SBCT, exceto em anos de baixíssima atividade (como o

período 1993-98). Essa participação é muito superior à lograda nos anos do PBDCT,

inclusive. Sob o ponto de vista defendido aqui, é inegável que o sucesso em realizar

operações financeiras é muito mais relevante para atestar a capacidade de transição

de um sistema industrial, baseado na cópia e na imitação, para um tendente à

171 Dados apresentados pelo presidente da Finep, Luís Fernandes, em seminário do Colóquio Inovação Tecnológica e

Desenvolvimento, realizado no Rio de Janeiro, em agosto de 2009.

APROVAÇÕES REEMBOLSÁVEIS FINEP 1999 A 2008

0

100000000

200000000

300000000

400000000

500000000

600000000

700000000

800000000

900000000

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

tempo, em anos

valo

res,

em

R$ n

om

inais

bxa qualidade

alta qualidade

demais

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339

inovação, o que, obviamente implica, vindo de um catching up retardatário,

aprendizagem tecnológica e incremento de capacidade absortiva pelas firmas.

Adiante, será investigado com pormenores adicionais o que explica a

demanda por projetos de alta qualidade empresarial-tecnológica, inclusive

comparando projetos reembolsáveis com não reembolsáveis. A evidência de que

todos os tipos de demanda cresceram é expressiva, com um pequeno, porém –

pequeno porque recalcitrante e prematuro. Até 2006, a relação entre projetos de alta

qualidade e de baixa qualidade era crescente, vale dizer, a Finep emprestava cada

vez mais para projetos cada vez melhores. De meros 0,3 em 2000 – isto é, para cada

R$ 3 em projetos de baixa qualidade, nem R$ 1 era destinado a projetos mais

arrojados (tal índice chega a 17,5 em 2003, um outlier na série, alcançando 5 e 8,5

em outros anos). Essa tendência se altera daí em diante. Em 2007, é apenas

ligeiramente superior a 1 e, em 2008, a 2.

A seguir, discute-se o que a destinação setorial dos fundos pode esclarecer

sobre esses indicadores, uma vez que, como mencionado, tratam-se de projetos

negociados por períodos longos, frequentemente superiores a um ano, sobretudo no

caso de grandes projetos, os quais amiúde incluem vários itens.

6.9. A Base de Dados Vista em Conjunto e Descrição de Características Mais

Gerais

Foram classificados projetos não reembolsáveis, aprovados no âmbito dos

fundos setoriais propriamente ditos, e projetos reembolsáveis, os que apenas

parcialmente utilizam-se de recursos dos FS (do Fundo Verde-Amarelo, mais

precisamente), sob a mesma tipologia.

Isso é evidentemente proposital. Projetos não reembolsáveis, mesmo

aprovados sob diretrizes pró-inovação tecnológica, tendem a possuir viés ofertista.

Muitas vezes são sofisticados cientificamente, mas nada têm a ver com a estrutura

produtiva, ao menos com a existente em um país semi-industrializado. É desejável

que políticas de CT&I excluam, dentre os sofisticados cientificamente, os que não

oferecem aplicabilidade prática palpável. Isso nem sempre é fácil. Aplicações exigem

o ―D‖ de P&D, o qual costuma ser caro e implica acúmulo tecnológico prévio, caso

possua efetivamente elevado conteúdo científico.

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340

Em parte por ser difícil de conseguir, em parte porque a confusão entre

invenção e inovação é resistente, em parte porque, afinal, invenções de fato são

sempre impressionantes e geradoras de utilidade e, em parte, finalmente, porque

invenções induzidas com subvenção governamental amiúde são bens públicos ou

insumos para bens públicos; por tudo isso, não é incomum que o analista se dê por

satisfeito caso os recursos tenham sido empregados em projetos desse tipo. Mas

isso não pode ser considerado o nirvana de uma PCT&I, justamente porque

pressupõe inovação.

Isso é, ademais de desagradável, desorientador ao policy maker e ao

burocrata, pois, na realidade, mesmo fazendo tudo o que puderem quanto a conceder

recursos a fundo perdido e direcionando-os para as melhores aplicações que lhe

forem propostas (no caso dos FS, é de se lembrar que respeitáveis e representativos

comitês-gestores indicam e defendem o que seus representados reivindicam), nada

garante um legítimo esforço inovativo ao final. Pode ser que as empresas, únicos

entes que podem inovar, simplesmente não se interessem por inovar, não apenas

porque são míopes (embora isso não esteja excluído), mas talvez justamente por

buscarem ser eficientes como empresas, vale dizer, como unidades de capital. Foi

Penrose quem ensinou que as empresas crescem (e inovam) a partir de seus

recursos específicos, dos ―fatores de produção‖ que são só seus, porque só elas os

possuem (e sabem disso) ou só elas sabem extrair ―serviços‖ deles. Assim, ofertar

capacitações tecnológicas, ou seja, aptdões para extrairem outros e mais nobres

serviços de dos recursos que as empresas dispõem é uma forma válida de tentar

romper a lógica inercial em que o esgotamento de estratégias baseadas em

aquisição externa de capacitações de média e baixa complexidade e emimitação as

mantêm, e lograr o catching up tecnológico. Entretanto, há ardis nesta tática: as

empresas podem ser induzidas a tomar recursos que não sabem muito bem como

usar, ou, usando-os, podem ser mal-sucedidas em suas inovações. Por fim, não se

pode desprezar que a partir de certo ponto o uso de incentivos pecuniáriso diretos

induz à trapaça. Ao mesmo tempo, pesquisadores arrojados, mas sem vocação

empresarial, podem se interessar por direcionar suas pesquisas para o que lhes

parece ser algo vendável, tecnologicamente avançado, segundo os critérios

internacionais, mas isso é significativamente diferente de se endividar para vender e

lucrar com isso (e mais ainda de conseguir fazê-lo).

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341

Projetos reembolsáveis, por seu turno, serão, quase invariavelmente,

destinados a empreendimentos ―de carne e osso‖. Isso, conceitualmente, é muito

mais próximo de uma inovação. Mas sabe-se que é muito melhor para a economia

nacional que isso seja feito com o máximo de arrojo tecnológico e científico. A

agência executora, que, no caso da Finep, é em boa medida também formuladora,

pode ajudar a construir projetos mais avançados. Pode induzir o empreendedor a se

arriscar um pouco mais, oferecendo prazos e juros melhores que os que conseguiria

no mercado. Mas não pode evitar, todavia, que o empresário tente apenas fazer

melhoras tecnológicas marginais: que contrate pesquisadores para fazer planilhas

eletrônicas ou que tente adquirir maximamente pronto e mastigado o conhecimento

novo de que precisa para estar à frente dos concorrentes que considera relevantes.

Entretanto, como já foi mencionado, foi preciso fugir a dicotomias e

analogias na elaboração da própria tipologia utilizada. Ao se passar, por exemplo, de

projetos enviesados (por características intrínsecas) para ICTs para projetos voltados

para empresas (que dependem do sucesso comercial para sobreviver e crescer),

amiúde uma significativa mudança até mesmo no conjunto conceitual e na pauta de

problemas implícitos na defesa dos projetos ocorre. Assim, a tipologia resultante

resultou de burilamento em sucessiva rodadas. Acredita-se ter chegado a um rol

apropriado, o qual se mostrou resistente a diversas idas e vindas a partir de certo

ponto, inclusive anteriores à posse das bases de dados completas e, depois disso, à

delimitação da amostra de não reembolsáveis.

Como seria de se esperar, algumas das diferenças entre as duas amostras

tornam-se evidentes pela frequência relativa do uso de cada um dos itens da

tipologia, como se pode observar pela tabela 6.5 e 6.6, a seguir.

Várias das categorias relevantes para enquadrar os projetos

subvencionados sequer foram utilizadas para aprovar projetos financiados, os quais,

obviamente, são todos empresariais, portanto, sujeitos ao teste do mercado. Ao

mesmo tempo, duas das classificações que possuem escassa substância científica e

tecnológica não foram empregadas nenhuma vez para tipificar projetos no âmbito dos

FS em sentido estrito: CMQ e QPG, embora mais de 7% dos projetos reembolsáveis

tenham sido aí tipificados.

Outra diferença importante entre as amostras é que toda população de

reembolsáveis aprovados entre 2000 e 2008 foi considerada – perfazendo 421

projetos com participação da Finep, com total de R$ 3,32 bilhões (valores nominais) –

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342

, haja vista que a amostra representativa estratificada por ano implicava em um

número de observações próximo desse total.

O maior problema encontrado foi que os projetos quase sempre cumpriam

múltiplas funções, ou seja, amiúde um projeto era na verdade dois ou mais, de forma

que foi necessário desdobrá-los em até 5 projetos diferentes, sob o mesmo nome,

mas com classificações distintas. Atingiu-se, assim, um número de 714. Desses, não

havia descrição de 61172 e dois estavam duplicados, resultando em um universo de

651 projetos. Em consequência, o valor total dos projetos sobre os quais se debruçou

caiu apenas residualmente para R$ 3,27 bilhões.

Como os projetos menores em que a grande parte dos projetos

reembolsáveis teve de ser desdobrada não eram igualmente importantes na

descrição apresentada, uma regra de bolso derateamento dos recursos respectivos a

cada projeto entre os subprojetos teve de ser adotada. Sua lógica é simples: o

subprojeto de menor importância foi ponderado sempre pela metade do peso

atribuído ao subprojeto considerado imediatamente mais importante, restrito a que a

soma dos pesos sempre igualasse um (1). Como o máximo de desdobramentos dos

projetos foi em cinco subprojetos, a regra de ponderação pode ser expressa em um

quadro-resumo:

Quadro 6.5 – Pesos Imputados aos Subprojetos entre os Projetos

Reembolsáveis Finep, por ordem de importância no total aprovado

Como se detalhará melhor adiante, a amostra evidencia que uma parte

minoritária dos recursos efetivamente é utilizada para apoiar projetos que buscam

inovações tecnológicas em sentido estrito – a qual é representada pela categoria

ACE, ou seja, ―aplicação de conhecimento científico-tecnológico em empresa‖. Até

172 A se observar que esses projetos possuíam duas características marcantes: foram aprovados entre 2006 e 2008 e eram

todos de enor valor. Para o maior deles, a Finep destinou R$ 900 mil.

No. de

Subprojet

os

Peso do

principal

Peso do

2o princip.

Peso do

3o.

princip.

Peso do

4o.princip.

Peso do

5o.

princip. SOMA

1 1 0 0 0 0 1

2 0,67 0,33 0 0 0 1

3 0,5 0,33 0,17 0 0 1

4 0,4 0,3 0,2 0,1 0 1

5 0,33 0,27 0,2 0,13 0,07 1

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343

certo ponto surpreendemente, a frequência de projetos desse tipo foi maior entre os

reembolsáveis, sugerindo que a ação governamental é pouco efetiva para convencer

empresas desinteressadas em introduzir inovações de base científica a tentar fazê-lo,

mesmo mediante oferta gratuita de recursos para tal.

Sem embargo, como visto, diversas ações nos arredores do gasto

empresarial em inovações científico-tecnológicas são indícios relevantes da

construção ou do fortalecimento de sistemas nacionais de inovação. Assim, optou-se

por destacar, além de projetos ACE, outros cinco tipos (ACT, APC, CEM, CIT e IPD),

como indutores de inovação tecnológica e como ações de apoio a inovações

tecnológicas em curso.

Projetos ACE, mais estritamente de inovação tecnológica, são mais caros,

em particular no caso dos não reembolsáveis. Assim, apenas aqueles voltados para a

construção de infraestrutura superam seu valor total, embora projetos de outros tipos

os superem em número de ocorrência: os de pesquisas de ciência aplicada, PTC e

PTP; os de pesquisa científica mais abstrata, mas vinculados a invenções, CIT

(―científico com alto impacto tecnológico‖); os de infraestrutura de ICTs (―INF‖); as

―aplicações científico-tecnológicas‖ (ACTs); ademais da promoção de eventos (EVE),

que praticamente igualam-se às ACEs em número.

Essa configuração pode erroneamente sugerir um conservadorismo por

parte dos gestores da política, na medida em que todos os tipos de projetos com

elevada frequência de ocorrência, à exceção das ACEs, possuem em comum o fato

de terem ICTs por sujeito. Não é o caso, porque, em primeiro lugar, até 2004, não era

possível aprovar projetos tendo empresas por proponentes. Em segundo, mesmo que

fosse possível, não se pode perder de vista que tão ou mais grave que o baixo

crescimento do investimento privado em P&D, no Brasil, é o fato de ser menos

científico que o que ocorre nos países avançados – denotando a incipiência do NSI

brasileiro, evidentemente. Assim, é um fim em si dos FS, até mesmo pela

generosidade de seu mecanismo, induzir a cooperação entre empresas e ICTs.

Por outro lado, é notável que os projetos possuem forte apelo tecnológico

como regra. Os do tipo EDU, INF, PCS, EVE, BPD (até certo ponto) e, sobretudo,

PCG expressam o direcionamento de recursos para pesquisas para todas as

finalidades, mesmo aquelas com baixa ou nenhuma aplicabilidade tecnológica.

Excetuados as ocorrências e, ainda mais, os gastos com infraestrutura de ICTs –

gastos de difícil exclusão, haja vista a histórica vinculação da Finep na construção de

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344

laboratórios e outros itens típicos das estruturas de pesquisa e pós-graduação

universitárias, as quais se encontravam bastante sucateadas –, esses itens

representam pouco mais de 17% das ocorrências e significativamente menos que

isso em valor.

Com efeito, os resultados mostram um grau relevante de – em relação aos

objetivos manifestos dos FS –, de emprego abusivo em eventos e em projetos em

pesquisa social, os quais, não obstante, corresponderam a uma parte relativamente

modesta dos recursos totais.

O fato de parte importante dos recursos ser direcionada a formas distintas

de avanço tecnológico e de direcionamento de conhecimento científico para

aplicações tecnológicas mostra um comprometimento evidente dos FS com uma

política tecnológica. Isso é desejável, pode-se dizer, do ponto de vista de uma política

de inovação tecnológica e, mais amplamente, para a construção de um NSI

brasileiro. Atesta, ainda, que a política de CT&I está tentando chegar até onde seus

limites permitem, já que ela pode induzir os cientistas a pesquisarem temas mais

aplicados e mais relevantes para o desenvolvimento do país. Não pode, entretanto, a

menos que as empresas já estejam propensas a demandar conhecimento científico,

obrigá-las a utilizarem esse insumo, ainda que mais direcionado a aplicações

práticas, como instrumento concorrencial.

Com efeito, os projetos de ACEs, e parte considerável dos demais

indiretamente ligados ao uso de tecnologia de base científica por empresas, estando

correta a abordagem do problema da inovação em países atrasados, refletem, por

mais que a política de CT&I seja arrojada, o nível de sofisticação atingido pelo parque

produtivo nacional.

Essa sofisticação se reflete, entre outros indicadores, na presença de

campeãs nacionais – empresas capazes de liderar a formação de padrões de

consumo no mercado nacional e de uma penetração significativa no mercado

internacional, ainda que, frequentemente apenas seguindo as líderes mundiais – e na

existência de uma malha razoável de empresas em setores nos quais a concorrência

se dá principalmente pelo domínio de tecnologias de base científica; o que, grosso

modo, pode ser representado pela clássica tipologia de Pavitt, empregada no capítulo

anterior.

Os projetos não reembolsáveis refletem melhor a contaminação entre pauta

científica e problemas industriais referente à fronteira tecnológica, possuindo elevada

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345

participação de setores de alta intensidade tecnológico-científica, mais que a

verificada em projetos reembolsáveis e mais que sugerida pela composição do VTI

nacional. Na verdade, mesmo entre os reembolsáveis o viés em prol de setores de

maior intensidade tecnológica é elevado, embora os de média alta se destaquem,

evidenciando uma vez mais a fragilidade das empresas brasileiras nos setores de

elevada intensidade de uso de ciência.

Observe-se, ademais, que é muito rara, em relação à composição do PIB e

do VTI brasileiro, a presença de projetos oriundos de firmas atuando em setores de

baixa intensidade tecnológica. Sem embargo, existem muitos. Não se pode divulgar o

nome das empresas que os formularam, mas trata-se, com um punhado de

exceções, de empresas de grande porte, líderes em seus setores, ou empresas sob

influência de políticas públicas (como o programa de bicombustíveis) ou estruturas

públicas poderosas (como o complexo em torno do petróleo).

Os projetos que provêm ou cujo resultado provavelmente seria aproveitado

em setores de baixa ou média intensidade tecnológica, mas que são apoiados por

políticas ou estruturas públicas poderosas – o sistema Embrapa, o complexo

Petrobrás, o sistema público de saúde e o complexo Eletrobrás –, foram destacados

dos demais. Assim, pôde-se comparar os projetos com destinação provável a setores

no entorno deles vis-à-vis nos demais setores quanto à sua qualidade, e quanto a

terem ou não terem exigência de viabilidade econômica, como é de esperar que

ocorra em projetos reembolsáveis.

Também destacam-se os setores que possuem ao menos uma empresa

entre as 200 maiores do Brasil (em receita operacional, em 2008). Como esperado,

essa variável está mais associada a projetos de alta qualidade em comparação aos

de baixa nos reembolsáveis, do que nos não reembolsáveis, entre os quais, ao que

tudo indica, seu poder explicativo é baixo.

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346

6.10. Resultados da Investigação

6.10.1. Como são os projetos em cada categoria qualitativa: não

reembolsáveis

Seguindo o critério de ordenar a tipologia de projetos em ordem

decrescente de qualidade, obtiveram-se os seguintes resultados para algumas

estatísticas descritivas das operações não reembolsáveis:

Tabela 6.4 – Descritivas dos não reembolsáveis por valor

QUALIDADE VALOR DOS PROJETOS APROVADOS

Média Desvio-pad Máximo Mínimo

ACE 1.030.574 3.205.849 44.984.813 8.000

ACT 285.202 933.095 13.246.000 0

APC 120.946 201.350 1.249.313 3.176

IPD 1.475.680 2.595.907 14.000.000 19.798

CEM 479.017 792.547 4.000.000 9.900

CIT 146.670 401.797 3.200.000 4.500

PTP 136.536 413.918 4.333.917 0

BPE 320.647 713.519 3.370.703 5.327

CMQ 20.000 0 20.000 20.000

DS2 509.188 1.614.824 10.269.600 5.000

IPC 412.934 774.940 2.400.000 14.890

NPI 326.875 263.072 686.400 75.171

ATM 477.156 1.502.870 11.692.175 3.615

BPD 205.376 430.123 2.000.000 5.800

DS1 197.030 350.491 2.141.298 0

ICM 679.782 1.178.795 7.873.480 30.567

PTC 110.900 301.439 4.158.232 0

PCG 92.610 347.644 2.999.842 2.650

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347

TEQ 2.768.147 6.564.358 24.000.000 9.300

API 101.525 71.440 179.490 33.010

CIG 872.725 2.174.528 18.000.000 9.600

INF 964.826 1.306.873 9.832.000 0

PME 244.773 295.120 1.406.799 20.758

AIE 234.350 299.884 446.400 22.300

EDU 539.303 2.860.980 27.000.000 6.080

EVE 227.984 2.762.978 45.000.000 0

PCS 128.074 473.460 5.791.000 0

Total geral 368.831 1.527.836 45.000.000 0

De forma geral, observa-se que os projetos com direcionamento mais claro

para atividades empresariais, como os ACE, TEQ e IPD, em oposição aos

predominantemente voltados para atividades científicas, como os PCS, APC e DS2,

obtiveram em média mais recursos. Os elevados desvios-padrão encontrados, sendo

o desvio-padrão de toda amostra quase cinco vezes sua média, atestam a

heterogeneidade de projetos, determinada pela própria variedade e abrangência dos

editais e pelo fato de algumas classificações (em EDU e em PME, por exemplo)

serem bastante elásticas.

Os valores médios bem maiores dos projetos ACEs, de qualidade máxima,

afetaram decisivamente sua participação no total de recursos destinados a projetos

não reembolsáveis. Apesar de corresponderem a apenas 6,8% do número de

projetos, perfazem quase 20% dos recursos, como está evidenciado na tabela a

seguir:

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348

Tabela 6.5 – Descritivas dos não reembolsáveis por nº de observações

QUALIDADE Nº obs. Valor total % obs. % valor

ACE 267 272.071.448 6,80 18,81

ACT 352 100.391.194 8,96 6,94

APC 79 9.554.747 2,01 0,66

IPD 29 42.794.711 0,74 2,96

CEM 24 11.496.419 0,61 0,79

CIT 325 47.667.659 8,28 3,30

PTP 486 66.356.377 12,38 4,59

BPE 49 15.711.707 1,25 1,09

CMQ 1 20.000 0,03 0,00

DS2 44 21.895.086 1,12 1,51

IPC 9 3.716.403 0,23 0,26

NPI 5 1.634.373 0,13 0,11

ATM 107 51.055.670 2,72 3,53

BPD 32 6.572.023 0,81 0,45

DS1 70 13.792.088 1,78 0,95

ICM 55 37.387.992 1,40 2,58

PTC 761 84.394.798 19,38 5,83

PCG 85 7.871.810 2,16 0,54

TEQ 20 55.362.941 0,51 3,83

API 4 406.100 0,10 0,03

CIG 93 81.163.450 2,37 5,61

INF 375 360.844.938 9,55 24,95

PME 61 14.931.148 1,55 1,03

AIE 2 468.700 0,05 0,03

EDU 89 47.997.947 2,27 3,32

EVE 266 60.643.648 6,77 4,19

PCS 237 30.353.599 6,04 2,10

Total geral 3927 1446556977 100 100

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349

Como se pode observar, aproximadamente 30% dos projetos, ponderados

por seu valor, possuem significativa proximidade com atividades empresariais (menos

de 1/5 do número de projetos aprovados), ao passo que o dobro desse percentual foi

destinado a projetos de menor qualidade, grosso modo do tipo ATM (apoio

tecnológico a micro e pequenas empresas) para baixo.

É de se notar que, embora a base aqui empregada concentre-se no período

posterior à guinada pró-empresas da PCT&I (com o enforcement das diretrizes que

assim determinavam, a criação do CT-Transversal e a aprovação da Lei de

Inovação), como apontado por Koeller (2009), parte significativa dos recursos dos FS

em sentido estrito destinou-se à clientela acadêmica – correspondendo, grosso

modo, à soma das categorias INF, EDU, EVE e PCS –, os quais perfizeram 1/3 do

total. Essa participação pode parecer decepcionante ao se ter em conta que esses

novos instrumentos vêm se mostrando capazes de minorar o problema da falta de

demanda empresarial por conhecimento com alto teor científico. Não obstante, deve-

se também observar que essa participação é compatível com a meta de alcançar

65% de execução empresarial da P&D total, e que os dados abrangem também o

período no qual faltavam mecanismos de apoio direto a empresas e os comitês-

gestores setoriais predominavam a definição de diretrizes das chamadas públicas.

Por fim, há que se observar que, reforçando a percepção de que se evita

aplicar os FS em atividades que corriqueiramente recorrem a conhecimento

acadêmico, uma fração significativa dos recursos foi destinada a projetos com

características dominantes de bem público ou de "tecnologias sociais", algo como

20% do total, admitindo-se que a faixa entre ATM e CIG corresponde, grosso modo, a

essa generalização. Com efeito, um olhar caso a caso dos projetos sugere que uma

estratégia plausível da política é destinar a atividades práticas, não necessariamente

empresariais, sem prejuízo de serem intensivas em conhecimento organizado (não

necessariamente acadêmico), uma fatia expressiva dos recursos.

6.10.2. Como são os projetos reembolsáveis em cada categoria qualitativa

Como mencionado, muitas categorias da tipologia apresentada sequer

foram utilizadas nos projetos reembolsáveis. Isso se deve à relativa perda da

condição de fornecedor de bens públicos (imediatos, já que, naturalmente, pode-se

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350

admitir que o esforço tecnológico empresarial é, indiretamente, um importante criador

de externalidades) desse instrumento, em contraste com os FS. De acordo com a

lógica do argumento defendido, essa mudança pode – desde que haja um núcleo de

empresas dotadas de capcitação e premidas pela pressão competitiva a inovar

tecnologicamente – resultar em um conjunto de projetos de maior qualidade

―inovativa‖. Por outro lado, na medida em que a exigência de rentabilidade do cálculo

capitalista será tomada em conta (embora menos que no mercado propriamente dito,

sem o subsídio público ao custo do crédito, nem o direcionamento para atividades

que impliquem algum nível de aprendizagem ou criação tecnológica), a qualidade

científica dos projetos deve ser afetada.

A tabela 6.6, abaixo, sugere, contudo, que esse último aspecto foi mais que

suplantado pelo anterior. Como se pode observar, os projetos – na verdade,

subprojetos, haja vista que, como esclarecido anteriormente, os projetos

reembolsáveis frequentemente envolviam vários tipos de ações – de qualidade

superior, com escore igual ou maior que sete (ACEs, APCs, IPDs e DS2, no caso)

perfazem mais de 50% do total de recursos despendidos.

Tabela 6.6 – Descritivas dos reembolsáveis por nº de observações

QUALIDAD

E

No.

Observ.Valor Total % obs % valor

ACE 125 959.003.114 19,20% 29,30%

APC 6 43.886.047 0,90% 1,30%

IPD 92 540.850.654 14,10% 16,50%

CIG 2 8.829.787 0,30% 0,30%

CMQ 21 19.044.188 3,20% 0,60%

DS2 35 161.644.743 5,40% 4,90%

IPC 115 417.680.828 17,70% 12,80%

NPI 99 530.857.737 15,20% 16,20%

ATM 17 2.530.085 2,60% 0,10%

DS1 3 15.554.185 0,50% 0,50%

PTC 4 28.504.683 0,60% 0,90%

TEQ 21 37.295.653 3,20% 1,10%

API 6 25.079.089 0,90% 0,80%

QPG 30 131.089.969 4,60% 4,00%

AIE 74 347.689.427 11,40% 10,60%

EDU 1 2.480.568 0,20% 0,10%

Total geral 651 3.272.020.757 100,00% 100,00%

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351

O viés mais empresarial, em detrimento do científico, pode, ademais, ser

notado na presença quase irrelevante de projetos com

apropriabilidade/cumulatividade empresarial nula (na verdade, esses correspondem

quase sempre a subprojetos que possuem essa pontuação de acordo com a tipologia

usada), ao mesmo tempo que não existe nenhum com pontuação máxima em

qualidade científico-tecnológica.

Como anteriormente, o fato de os projetos de maior qualidade serem via de

regra relativamente grandes é determinante da elevada participação desses no total

dosrecursos recebidos. Ainda assim, pode-se observar uma elevada variabilidade

nos valores, resultando frequentemente em desvios-padrão superiores à média,

como evidencia a tabela 6.7, abaixo:

Tabela 6.7 – Descritivas dos reembolsáveis por valor

QUALIDADE VALOR DOS PROJETOS APROVADOS

Média Desvio-pad Máximo Mínimo

ACE 7.672.025 16.982.034 129.078.512 49.500

APC 7.314.341 10.291.352 28.041.336 457.018

IPD 5.878.811 8.515.912 40.952.521 103.005

CIG 4.414.894 1.407.959 5.410.471 3.419.316

CMQ 906.866 1.006.230 3.832.950 118.537

DS2 4.618.421 12.257.643 54.856.767 21.120

IPC 3.632.007 5.151.069 33.000.000 39.691

NPI 5.362.199 7.802.716 57.380.900 48.510

ATM 148.829 3.307 150.000 140.000

DS1 5.184.728 5.514.730 11.509.240 1.380.086

PTC 7.126.171 5.117.437 13.680.000 2.885.847

TEQ 1.775.983 2.338.702 10.785.414 77.794

API 4.179.848 5.932.914 16.181.034 680.000

QPG 4.369.666 6.508.697 33.000.000 49.500

AIE 4.698.506 7.521.655 36.415.969 49.500

EDU 2.480.568 0 2.480.568 2.480.568

Total geral 5.026.146 10.003.165 129.078.512 21.120

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352

6.10.3. A importância da presença de grandes empresas nos setores

Há evidências decisivas de que empresas grandes inovam e realizam

esforços tecnológicos mais ousados que empresas menores173. A interpretação

teórica da associação entre concorrência, inovação e difusão, ademais, sugere ser

provável que em indústrias cuja líder é inovadora as demais empresas sejam mais

propensas a competir dessa forma. Finalmente, a análise preliminar dos projetos

revelou indícios de essa relação também ser relevante não só quanto à frequência de

empresas líderes, ou ―campeãs‖ como beneficiárias dos recursos, mas, outrossim,

como tendo apresentado projetos de qualidade tecnológico-inovativa superior.

Decidiu-se então tentar averiguar essa impressão de forma mais sistemática.

Utilizaram-se listas das 200 maiores empresas brasileiras em 2008, em

todos os setores de atividade, conforme divulgado por duas respeitadas publicações,

um jornal e uma revista, de negócios. Os resultados são apresentados a seguir.

6.10.3.1. Reembolsáveis

Como era esperado, setores em que há grandes empresas competitivas são

mais capazes de inovação tecnológica e, por isso, via de regra, apresentam projetos

de maior qualidade inovativa e científico-tecnológica – na mesma lógica que se

sugere seguir do padrão de concorrência setorial para a demanda por recursos para

P&D e inovação, já explicitada, e a seguir avaliada.

Deve-se observar, contudo, que todos os projetos reembolsáveis foram

bastante afetados por essa lógica. Isso indica que a capacidade financeira é um forte

determinante não apenas de as empresas realizarem investimentos com elevado

conteúdo de upgrading tecnológico (o métier, por assim dizer, da Finep em seu papel

de ―banco‖); mas também, em alguma medida, de conseguirem acesso a linhas de

crédito públicas. Isso é comumente criticado, mas só é válido dentro de um ponto de

vista, já que é mais provável que empresas mais bem estruturadas sejam capazes de

efetivar inovações bem-sucedidas (o que envolve atividades de marketing, rede de

distribuição etc.). Ademais, a Finep foi duramente atingida por assumir riscos sem

173 CASTRO, SALERNO e DE NEGRI, 2005; AVELLAR, 2007; Booz-Allen Hamilton, 2008.

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353

garantias há bem pouco tempo, de forma que, mesmo que o comando de governo

defina como diretriz pulverizar os recursos, é esperável que a burocracia e mesmo

parte da diretoria do órgão sejam resistentes a não exigir garantias materiais

razoavelmente confiáveis. Não é isso, portanto, que interessa nesta subseção nem

na seguinte.

Tabela 6.8 – Relação entre presença de campeãs no setor e qualidade dos

projetos reembolsáveis

Qualidade Sem campeã Com campeã Total geral

ACE 13,0% 87,0% 100%

APC 4,4% 95,6% 100%

IPD 14,9% 85,1% 100%

CIG 61,3% 38,7% 100%

CMQ 47,7% 52,3% 100%

DS2 24,7% 75,3% 100%

IPC 29,5% 70,5% 100%

NPI 27,8% 72,2% 100%

ATM 94,1% 5,9% 100%

DS1 100,0% 0,0% 100%

PTC 0,0% 100,0% 100%

TEQ 38,9% 61,1% 100%

API 0,0% 100,0% 100%

QPG 5,3% 94,7% 100%

AIE 39,7% 60,3% 100%

EDU 0,0% 100,0% 100%

Total geral 21,7% 78,3% 100%

As operações reembolsáveis mostraram-se sensíveis à presença de

empresas grandes, de capital nacional e exportadoras. Nas três categorias

superiores da tipologia, a destinação a setores com campeãs nacionais foi próxima

de 90%, contra uma média geral de 78,3%.

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354

Pode-se indagar se não seria mais simples verificar a proporção de recursos

que vão para projetos propostos por empresas campeãs nacionais. Ocorre que, na

verdade, interessa mais o efeito setorial. A leitura dos projetos já havia evidenciado

que nos setores em que há empresas com nítida liderança nacional, inclusive

tecnológica, aparecem outros demandantes. Certa vez, Fredric Scherer evidenciou

que uma grande concentração pode acabar reduzindo o esforço de P&D. O que as

informações corroboram é que a presença de pelo menos uma empresa grande induz

a mais inovação, inclusive de outras menores que a líder – não se excluindo, com

isso, a possibilidade que graus muito elevados de assimetria e poder de mercado

afetem esta conclusão. O exercício econométrico apresentado na seção final deste

capítulo ilumina os limites dessa indagação.

Será, por outro lado, que a presença de campeãs faz mais diferença em

setores de maior intensidade tecnológica do que em setores tipicamente tomadores

de tecnologia? O porte tende a ser mais relevante se para executar P&D e inovações

mais arrojadas é preciso capacidade financeira relativamente alta, o que pode ser um

problema para as empresas industrias brasileiras, relativamente pequenas em

comparação ao porte da economia. Ademais, a maioria das exportações brasileiras

provêm de empresas grandes. É esperável que empresas que competem em

mercados abertos com sucesso detenham capacidade tecnológica distinta das que

competem apenas domesticamente, ainda que, outrossim, bem-sucedidas nesse

contexto.

As tabulações realizadas não permitem um detalhamento muito grande. Um

problema, talvez grave, é que o setor de software e de processamento de dados –

CNAE 72.0 – é teoricamente intensivo em uso de C&T, e é deveras frequentador no

destino de recursos reembolsáveis e não reembolsáveis do SBCT (que inclui a Lei de

Informática, como se sabe). Feita essa ressalva, os resultados são ambíguos.

Há muitas inovadoras tecnológicas de alto nível entre as empresas

classificadas como out – isto é, empresas não agropecuárias e não industriais.

Outra possível ―sujeira‖ advém do fato de um setor de elevada intensidade

científico-tecnológica, assíduo demandante de recursos do SBCT, o de químicos

farmacêuticos, CNAE 24.5, ter sido classificado como possuindo campeã nacional.

Ocorre que a maior empresa do mesmo é presente e está bem estabelecida em

todos os rankings das empresas brasileiras. Ademais, essa empresa e algumas de

suas concorrentes, apesar das evidências de fragilidade competitiva vis-à-vis suas

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355

concorrentes internacionais, são de fato muitas vezes beneficiárias das operações da

Finep.

Adiante, essas questões são retomadas.

6.10.3.2. Não reembolsáveis

Há uma proporção elevada de Não Identificáveis (NI) quanto à destinação

setorial do ―conhecimento‖ criado pelo projeto. Esse dado por si só aponta a

dificuldade da PC&T brasileira avançar no sentido de estimular inovações. Como se

viu, a metodologia adotada privilegia encontrar elos entre ICTs e empresas. Isso vale

para a classificação setorial: sempre que era possível perceber que o conhecimento

gerado pelo projeto poderia, ainda que de forma mediada, converter-se em insumo

de algum setor econômico (contemplado pela CNAE, ou seja, mesmo em setores

tipicamente produtores de utilidades públicas, nos quais, portanto, o conceito de

inovação sequer é aplicável), evitou-se usar a classificação ―não identificável‖.

Mesmo assim, esse foi o caso de ¼ dos projetos em valor (essa proporção é superior

em número de projetos).

Em alguns tipos de projetos, essa proporção foi muito maior, como nos

PMEs, nos BPDs, INFs e CIGs (outros casos possuem peso modesto, não tendo

significado analítico importante). No caso dos projetos PMEs – de apoio (não

tecnológico) a PMEs – o motivo é que vários setores seriam indistintamente

beneficiados (observe-se que nos de apoio tecnológico a microempresas

propriamente dito, os ATMs, a proporção de NI também é elevada, embora menos,

porque muitas incubadoras e APLs privilegiam empresas de um ou outro setor).

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356

Tabela 6.9 – Relação entre presença de campeãs no setor e qualidade dos

projetos não reembolsáveis

Qualid. Não Identificável Sem Campeã Com Campeã Total

ACE 0,0% 36,2% 63,8% 100%

ACT 1,3% 51,5% 47,2% 100%

AIE 0,0% 0,0% 100,0% 100%

APC 0,7% 18,8% 80,5% 100%

API 0,0% 100,0% 0,0% 100%

ATM 33,3% 51,1% 15,6% 100%

BPD 46,5% 45,7% 7,7% 100%

BPE 0,4% 77,2% 22,3% 100%

CEM 12,5% 59,4% 28,1% 100%

CIG 51,6% 35,6% 12,9% 100%

CIT 0,9% 43,3% 55,8% 100%

CMQ 100,0% 0,0% 0,0% 100%

DS1 4,3% 75,6% 20,2% 100%

DS2 7,1% 75,1% 17,8% 100%

EDU 21,2% 70,3% 8,5% 100%

EVE 14,8% 8,4% 76,8% 100%

ICM 10,9% 41,6% 47,4% 100%

INF 59,3% 25,1% 15,6% 100%

IPC 0,0% 20,6% 79,4% 100%

IPD 32,7% 37,5% 29,8% 100%

NPI 0,0% 4,6% 95,4% 100%

PCG 35,4% 9,7% 54,9% 100%

PCS 59,9% 31,3% 8,8% 100%

PME 75,6% 17,0% 7,5% 100%

PTC 3,6% 70,8% 25,6% 100%

PTP 3,7% 61,3% 35,0% 100%

TEQ 0,3% 5,3% 94,4% 100%

Total geral 24,7% 38,4% 37,0% 100%

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357

Embora algumas categorias cuja relação com a atividade empresarial seja

mínima, como EVE, e parte relativamente alta dos projetos destinem-se a setores

com campeãs nacionais, exceção feita a API e CMQ, todas categorias com ênfase

nessa atividade (ver quadro 6.4) mostraram participação destacada de projetos

destinados a tais setores, e vice-versa.

6.10.4. O caso das grandes empresas não industriais

Muitas das grandes empresas brasileiras situam-se em setores não

industriais – bancos, redes de lojas, prestadoras de serviços de telefonia, empresas

de transporte etc. – as quais não competem com base em inovações tecnológicas, a

não ser secundariamente e, mesmo assim, mais como tomadoras do que como

criadoras, no máximo mediante capacidade relevante em elaboração própria de

projetos, que aparecem no tipo NPI da escala considerada.

Não obstante, há o caso das empresas de software. O Brasil possui duas

empresas que não estão entre as 100 ou 200 maiores empresas do país, mas que

tem elevado faturamento e complexidade: o Serpro e a Totvs. Empresas classificadas

no CNAE como 72 e seus subtipos apresentam participação relevante nos

reembolsáveis, tanto no total como nos projetos de mais qualidade. Porém, não foi

classificado como alta intensidade tecnológica, nem como possuindo campeãs

nacionais, nem como beneficiário de alta indução tecnológica. Curiosamente,

aproxima-se das três situações. Não é assim classificado pela OCDE nem por Pavitt,

porque não é um segmento da IT. Não possui campeãs nacionais, pois essas

empresas são novas nos rankings e ainda não adquiriram massa crítica para ser

consideradas propriamente campeãs ou líderes, em parte pela dinâmica competitiva

baseada em nichos desse setor. Finalmente, apesar da elevada carga de políticas

que recai sobre o mesmo e da presença de empresas estatais importantes – Serpro e

Dataprev, por exemplo – não há uma estrutura de fomento tecnológico propriamente

dita em ação, seja porque essa ―estrutura‖ possui reduzida articulação e governança,

seja porque não se conseguiu identificar algo como um technology push state-led,

como é o caso dos setores enquadrados nessa classificação (ver subseções a

seguir).

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358

No entanto, empresas cuja CNAE é 72.0 e 72.2 foram importantes

demandantes ou indutoras indiretas, via ICTs, de projetos de alta qualidade,

sobretudo entre os reembolsáveis. Esse viés se explica em parte pelo fato de

dominarem firmas muito pequenas no segmento, muitas das quais EBTs, nascidas ou

―projetadas‖ a partir de universidades, as quais tanto se adaptam bem ao perfil das

chamadas públicas dos FS como são capacitadas, por sua origem universitária, a

disputar em termos de propostas de projetos de pesquisa, recursos públicos.

Alcançaram, assim, quase 6% do total de projetos e quase 3% dos ACEs, mais de

10% dos ACTs, ICTs (o que parece bastante eloquente à luz do perfil ―EBT‖) e APCs,

e mais de 5% dos PTPs.

O mesmo não ocorreu entre os reembolsáveis. Nesse caso, talvez por que a

fragilidade patrimonial das firmas típicas do setor prejudique sua capacidade de

tomar crédito (entre outras hipóteses que se pode aventar), sua participação foi

menos relevante.

Seja como for, adiante os impactos setoriais são investigados com especial

atenção.

6.10.5. A importância da existência de estruturas de fomento tecnológico

bem estabelecidas

Conforme exposto, nos anos 1970 o Brasil construiu um possante conjunto

de políticas públicas voltado para o fomento tecnológico. Poder-se-ia vê-lo como uma

PCT&I, na medida em que explícita e reiteradamente se destacava como objetivo

central o aumento da ―capacitação tecnológica‖ das empresas privadas. Ao mesmo

tempo, a investigação sugeriu que se buscava um sistema com características

semelhantes às descritas por Freeman ao tratar do NSI japonês. Sem embargo,

faltar-lhe-iam ações mais decididas de formação de elos bem estruturados entre ICTs

e empresas, ao mesmo tempo que, ao menos durante a fase de sua constituição, o

―sistema‖ era dado pelo pervasivo aparato de planejamento montado, e muito menos

pela busca espontânea das empresas de maior capacidade tecnológica.

Todavia, como visto no capítulo 3, não se esperava encontrar NSIs

perfeitamente bem construídos desde suas origens. Todos ou quase todos nasceram

sob forte intervenção estatal, certa em alguns pontos e erradas em outros, teve idas e

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359

vindas. No caso brasileiro, as iniciativas pioneiras análogas às que geraram os NSIs

bem estruturados dos países industrialmente líderes devem ser situadas nos dois

primeiros PBDCT. Entretanto, a despeito da relativa fraqueza da estrutura produtiva

brasileira para que florescessem, essas tentativas foram bastante abaladas pelo

quase colapso financeiro do Estado, que extinguiu ou desarticulou quase todas

estruturas criadas, ao que se seguiu uma abertura de mercado sem maiores

preocupações com a capacidade tecnológica. Ao fim e ao cabo, muito se foi, mas

algumas estruturas se mantiveram e ainda possuem forte caráter estatal ou para-

estatal, sendo, aliás,decisivas para determinar a elevada competitividade que o país

possui em algumas atividades que utilizam fortemente conhecimento científico como

insumo.

Nota-se a existência de cinco casos que se enquadram nessa situação:

i. agropecuária, em torno do complexo Embrapa;

ii. aeronáutica e aviônica, em torno do complexo CTA;

iii. extração, refino e produção de petroquímicos, em torno da Petrobrás;

iv. geração de energia e produção de bens relativos e ela, em torno do

conjunto Eletrobrás-Eletronorte-Furnas-Itaipu, bem como algumas das companhias

estaduais remanescentes; e

v saúde pública, exclusive a produção de fármacos, pois grande parte desta

encontra-se fora do escopo da Fiocruz, das produtoras de vacinas e da Funasa.

Embora seu efeito sobre a pesquisa tecnológica praticada no Brasil seja

quase tautológica, indaga-se até que ponto a presença dessas estruturas induz a

inovações empresariais propriamente ditas.

6.10.5.1. Reembolsáveis

A tabela a seguir apresenta a participação de projetos destinados aos

setores potencialmente afetados pelo ativismo tecnológico estatal em cada categoria,

restritos às operações ditas reembolsáveis. Embora sua participação no total, de 1/5,

pareça reduzida, há que se observar que a participação do conjunto desses ramos no

PIB é bem menor que isso, como se verá adiante

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360

Tabela 6.10 – Relação entre presença de estruturas estatais de fomento

tecnológico no setor e qualidade dos projetos reembolsáveis

Qualidade Sem estruturafom. tecn. Com estrut. fomento tecn.

ACE 67,7% 32,3%

APC 36,1% 63,9%

IPD 85,7% 14,3%

CIG 61,3% 38,7%

CMQ 93,1% 6,9%

DS2 98,1% 1,9%

IPC 99,1% 0,9%

NPI 75,9% 24,1%

ATM 100,0% 0,0%

DS1 100,0% 0,0%

PTC 0,0% 100,0%

TEQ 97,0% 3,0%

API 94,2% 5,8%

QPG 80,8% 19,2%

AIE 87,2% 12,8%

EDU 0,0% 100,0%

Total geral 79,9% 20,1%

Ademais, a presença de estruturas estatais de fomento tecnológico afetou

mais nitidamente os projetos que tendem a utilizar conhecimento tecnológico-

científico mais intensivamente dentre os reembolsáveis, como os classificados como

ACE e PTC. Em princípio, essas informações sugerem significativo poder de difusão

das referidas estruturas mesmo em operações submetidas a critérios de rentabilidade

e de efetividade comercial

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361

6.10.5.2. Não reembolsáveis

Como evidenciado na tabela a seguir, a presença de estruturas setorias de

fomento tecnológico estatal afetou ainda mais a aprovação de operações não

reembolsáveis, sugerindo que o campo de irradiação dessas estruturas alarga-se à

medida que se reduz a importância de critérios de efetividade comercial.

Tabela 6.11 – Relação entre presença de estruturas estatais de fomento

tecnológico no setor e qualidade dos projetos não reembolsáveis

Qualidade NI Sem fomento tecn Com fomento tecn

ACE 0,0% 70,8% 29,2%

ACT 1,3% 73,2% 25,5%

AIE 0,0% 100,0% 0,0%

APC 0,7% 29,0% 70,3%

API 0,0% 100,0% 0,0%

ATM 33,3% 63,9% 2,8%

BPD 46,5% 9,1% 44,3%

BPE 0,4% 35,2% 64,4%

CEM 12,5% 68,1% 19,3%

CIG 51,6% 19,1% 29,4%

CIT 0,9% 50,3% 48,8%

CMQ 100,0% 0,0% 0,0%

DS1 4,3% 82,3% 13,5%

DS2 7,1% 74,8% 18,1%

EDU 21,2% 65,6% 13,1%

EVE 14,8% 79,9% 5,2%

ICM 10,9% 56,0% 33,0%

INF 59,3% 19,0% 21,7%

IPC 0,0% 35,4% 64,6%

IPD 32,7% 30,1% 37,1%

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362

NPI 0,0% 0,0% 100,0%

PCG 35,4% 64,6% 0,0%

PCS 59,9% 17,0% 23,1%

PME 75,6% 19,2% 5,2%

PTC 3,6% 48,4% 48,0%

PTP 3,7% 40,4% 55,9%

TEQ 0,3% 4,8% 94,9%

Total geral 24,7% 45,0% 30,4%

Embora a participação de setores sujeitos a elevado fomento tecnológico

mostre-se maior entre os projetos não reembolsáveis vis-à-vis os reembolsáveis,

essa proporção não aumenta expressivamente, passando de 20,1 para 30,4%.

Nos projetos associados mais diretamente à geração de bens públicos

(BPD e BPE) a importância da proximidade com estruturas de fomento tecnológico é

mais alta, como era de se esperar. Ao mesmo tempo, confirmando o que já foi

observado entre os projetos reembolsáveis, tais estruturas parecem atrair

relativamente mais projetos em que há, conforme o quadro 6.4, notável proximidade

com o conhecimento tecnológico-científico, exceção feita aos ACE e aos ACT, nos

quais seu poder de indução ficou muito próximo da média, com 29,2 e 25,5%,

respectivamente.

O fato de a classificação setorial dos projetos não reembolsáveis ter sido,

como visto, de difícil solução, impede conclusões mais firmes, o que busca se

contornar nas subseções seguintes.

6.10.6. A importância do nível de intensidade tecnológica dos setores a que os

projetos se destinam

A estrutura industrial brasileira é viesada, conforme apresentado no capítulo

3, para setores de menor intensidade tecnológica, vis-à-vis a dos países mais

desenvolvidos, e, em maior contraste ainda, com países atrasados mas em catching

up adiantado. Contudo, como se sabe, os FS e a Finep não possuem diretrizes

específicas para privilegiar a indústria de transformação, de forma que os projetos

aprovados pertencem aos diversos setores de atividades possíveis, restritos aos

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363

termos das chamadas públicas, no caso dos FS, e, no caso da demanda espontânea,

da adequação dos projetos de investimentos em termos de arrojo tecnológico, de

atendimento a outras diretrizes a que a Finep está submetida (por exemplo, quanto à

adimplência previdenciária) e, evidente mas relevantemente, da capacidade de

pagamento das firmas demandantes.

Assim, é preciso que se tenha em mente o contexto geral no qual as

operações reembolsáveis e não reembolsáveis se processam. No que se refere à

intensidade tecnológica, o parque produtivo brasileiro apresentava a seguinte

configuração em 2007:

Tabela 6.12 – Participação % dos setores de alta e média alta intensidade

tecnológica no VTI e no PIB brasileiros em 2007

Int. Tecnológica VTI PIB

Alta 10,82% 1,69%

Alta e Média-Alta 28,41% 4,44%

O quadro sugere que os comparativos internacionais empregados no

capítulo 3 podem estar subestimando, por esse tipo de indicador, a perda de vigor do

catching up tecnológico brasileiro, na medida em que, mais dramaticamente do que

os setores nos quais as firmas competem por adição de valor tecnológico e vêm

perdendo participação no VTI, a indústria de transformação como um todo perde

participação no PIB, caindo de mais de 30%, entre o final dos anos 1970 e início dos

1980, para aproximadamente 16%, em 2007174. Dessa forma, os setores de alta

intensidade tecnológica (ou melhor, setores de alta intensidade de uso de C&T, ao se

admitir que tecnologia e tecnologia de base científica são coisas diferentes) perfazem

10,8% do VTI, mas apenas 1,69% do PIB; ao mesmo tempo, setores de média alta

tecnologia, nos quais o Brasil preserva certa especialização competitiva, apesar de

contribuírem com quase 30% do PIB industrial, correspondem a apenas 4,44% do

PIB total.

É nesse contexto que devem ser situadas as destinações dos recursos dos

FS e as operações reembolsáveis da Finep, cujo quadro-resumo é o que segue.

174 Ipeadata, sobre dados do IBGE.

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364

Tabela 6.13 – Estatísticas descritivas dos projetos conforme sua modalidade e

a intensidade tecnológica do setor a que se destina

Como é evidente, uma parte desproporcionalmente alta dos projetos

aprovados destina-se direta ou indiretamente a setores de elevada intensidade

tecnológica. Quanto aos projetos reembolsáveis, sobretudo no caso do setor de

realmente elevada intensidade de uso de C&T, o de TICs recebeu, principalmente a

partir de 2005, após a PITCE e o programa de apoio ao Sistema Brasileiro de TV

Digital (SBTVD), maior acesso aos recursos por intermédio de chamadas públicas

específicas para projetos destinados a esses segmentos.

Sem embargo, essa participação também é elevada entre as operações

reembolsáveis. Na verdade, embora o viés pró-TICs tenha afetado as destinações

dos FS após a centralização no governo Lula, é notável, por outro lado, que a

participação de projetos destinados à baixa intensidade tecnológica – BBIT e MBIT –

correspondam à proporção semelhante entre os reembolsáveis ultrapassando-os

quando se adiciona a participação de projetos destinados a outros setores não

classificados por intensidade tecnológica. Ademais, o contingente de não

identificáveis raramente figuraria em AAIT e MAIT.

A abertura de dados pela qualidade dos projetos confirma essa percepção.

6.10.6.1. Reembolsáveis

Os projetos reembolsáveis de qualidade superior são enviesadamente

destinados a empresas que atuam sob padrões concorrenciais nos quais é decisiva a

capacidade tecnológica, sobretudo a dependente de uso de C&T. A tabela a seguir,

NO.

OBSMédia DesvPad Máx

Mínim

o

%

OBS

%

VA

L.

NO.

OBS.Média DesvPad Máx

Míni

mo

%

OBS

%

VA

L.

AAIT 114 4.836.235 14.190.881 129.078.512 21.120 18 17 475 591.859 2.439.395 44.984.813 2.400 12 19

MAIT 229 5.853.231 10.833.371 67.000.000 39.691 35 41 419 346.173 873.227 9.039.000 0 11 10

MBIT 83 3.715.903 3.919.935 21.376.459 48.510 13 9 212 488.640 1.883.414 24.000.000 0 5 7

BBIT 120 5.235.300 6.970.436 37.349.224 77.794 18 19 770 268.889 1.005.438 15.000.000 0 20 14

OUT 105 4.225.183 8.830.049 54.856.767 49.500 16 14 1.290 274.927 1.627.456 45.000.000 0 33 25

NI 0 0 0 0 0 0 0 761 469.227 1.166.220 18.000.000 0 19 25

Total 651 5.026.146 10.003.165 129.078.512 21.120 100 100 3.927 368.831 1.527.836 45.000.000 0 100 100

REEMBOLS. Ñ-REEMB.Intens. de

uso de

C&T

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365

que ilustra esse fenômeno, está disposta em ordem decrescente de qualidade

tecnológica empresarial no que diz respeito às linhas, e em ordem decrescente de

intensidade tecnológica, da esquerda para a direita, no que tange às colunas.

Tabela 6.14 – Relação entre intensidade tecnológica do setor de destino dos

projetos e qualidade dos projetos reembolsáveis

Qualidade AAIT MAIT MBIT BBIT OUT Total

ACE 34,0% 48,7% 2,9% 10,9% 3,5% 100%

APC 0,0% 95,6% 0,0% 0,0% 4,4% 100%

IPD 7,9% 58,5% 7,6% 22,6% 3,3% 100%

CIG 0,0% 0,0% 38,7% 0,0% 61,3% 100%

CMQ 17,5% 28,6% 13,6% 23,5% 16,9% 100%

DS2 9,0% 3,6% 0,0% 5,4% 82,0% 100%

IPC 10,4% 54,7% 14,2% 20,6% 0,2% 100%

NPI 7,4% 30,6% 20,5% 29,2% 12,3% 100%

ATM 11,9% 5,9% 0,0% 0,0% 82,2% 100%

DS1 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 100%

PTC 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 100%

TEQ 33,3% 30,0% 10,0% 20,0% 6,7% 100%

API 7,9% 8,5% 0,0% 83,6% 0,0% 100%

QPG 0,6% 17,9% 3,2% 31,6% 46,7% 100%

AIE 19,0% 21,8% 16,7% 22,4% 20,2% 100%

EDU 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 100%

Total geral 16,8% 41,0% 9,4% 19,2% 13,6% 100%

Mesmo em uma estrutura produtiva viesada para atividades não industriais

e para atividades de baixa agregação de valor tecnológico como a brasileira, os

padrões setoriais de concorrência são capazes de direcionar decisivamente a

destinação dos recursos reembolsáveis oferecidos livremente pelo Estado. Mais de

80% dos recursos destinados a projetos de alta qualidade – ACEs – destinam-se a

empresas que atuam nesses conjuntos de indústrias – AAIT e MAIT. Projetos do tipo

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366

APC e mesmo IPD, neste, tenuemente, também possuem elevada participação de

empresas atuantes nesses segmentos.

Ao mesmo tempo, dentre os projetos que envolvem menor agregação de

valor tecnológico, apenas os que se destinam fundamentalmente para treinamento e

qualificação – TEQs – apresentam grande participação de empresas que atuam em

setores AAIT e MAIT. Isso decorre em parte do fato de que muitos projetos

reembolsáveis que são majoritariamente ACEs ou IPDs possuírem frequentemente

uma parte de atividades TEQ. Em todos os demais, de menor qualidade – de DS1

para baixo – é proporcionalmente reduzida a participação de empresas atuando em

setores em que elas dependem de inovação e capacidade tecnológica para

concorrer.

6.10.6.2. Não reembolsáveis

Esse padrão se repete entre os projetos não reembolsáveis. Há motivos

para isso: as empresas brasileiras nesses segmentos são menores e mais fracas,

possuindo capacidade financeira menor. Por outro lado, como algumas chamadas

públicas privilegiam projetos tecnologicamente afins a TICs, algum viés em prol de

setores AAIT é esperável.

A tabela abaixo, a qual seguea mesma lógica da anterior, resume os

principais resultados:

Tabela 6.15 – Relação entre intensidade tecnológica do setor de destino dos

projetos e qualidade dos projetos reembolsáveis

Qualidade AAIT MAIT MBIT BBIT OUT NI Total

ACE 58,7% 20,3% 7,2% 10,7% 3,1% 0,0% 100%

ACT 45,5% 29,0% 9,8% 1,9% 12,4% 1,3% 100%

AIE 0,0% 0,0% 0,0% 95,2% 4,8% 0,0% 100%

APC 10,2% 1,0% 11,0% 47,2% 29,8% 0,7% 100%

API 8,1% 0,0% 0,0% 0,0% 91,9% 0,0% 100%

ATM 2,5% 3,5% 2,1% 54,7% 3,9% 33,3% 100%

BPD 0,0% 0,4% 0,0% 2,8% 50,2% 46,5% 100%

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367

BPE 19,1% 0,5% 0,0% 44,4% 35,6% 0,4% 100%

CEM 30,9% 1,6% 6,0% 44,0% 4,9% 12,5% 100%

CIG 2,4% 1,7% 5,7% 12,0% 26,7% 51,6% 100%

CIT 42,9% 33,6% 1,5% 10,3% 10,8% 0,9% 100%

CMQ 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 100%

DS1 0,1% 1,2% 0,0% 2,8% 91,6% 4,3% 100%

DS2 2,3% 0,8% 0,0% 14,9% 74,9% 7,1% 100%

EDU 0,0% 0,3% 0,4% 0,2% 77,8% 21,2% 100%

EVE 1,2% 0,5% 0,2% 1,5% 81,7% 14,8% 100%

ICM 20,3% 13,6% 2,9% 23,4% 28,9% 10,9% 100%

INF 6,6% 5,4% 4,8% 4,7% 19,3% 59,3% 100%

IPC 18,1% 0,0% 70,9% 2,3% 8,6% 0,0% 100%

IPD 10,8% 22,9% 20,7% 9,6% 3,3% 32,7% 100%

NPI 0,0% 48,2% 0,0% 5,2% 46,6% 0,0% 100%

PCG 0,0% 0,0% 0,0% 0,2% 64,4% 35,4% 100%

PCS 0,0% 0,0% 1,5% 2,5% 36,1% 59,9% 100%

PME 0,5% 0,0% 0,9% 20,5% 2,4% 75,6% 100%

PTC 0,0% 0,7% 1,8% 30,3% 63,6% 3,6% 100%

PTP 9,6% 7,0% 13,0% 33,7% 33,0% 3,7% 100%

TEQ 0,4% 0,0% 43,6% 54,1% 1,7% 0,3% 100%

Total geral 19,4% 10,0% 7,1% 14,3% 24,5% 24,7% 100%

De forma ainda mais enfática que entre os projetos reembolsáveis, não

apenas a participação nos recursos alocados em setores de alta e média alta

intensidade tecnológica é maior (29,4%) do que no PIB, como sua participação é

particularmente relevante dentre os projetos ACEs, de alta qualidade empresarial-

tecnológica, atingindo 79%, isto é, mais que o dobro da participação total.

Aproximadamente, o mesmo se passa entre os projetos de aplicações

científico-tecnológicas, ACTs, que sugerem ligação com interesses empresariais, pois

se plasmam em invenções não livremente apropriáveis, nos quais quase 75% do

valor dos projetos destinam-se a setores AAIT e MAIT. Como ocorre com os ACEs,

entre os projetos não reembolsáveis isso é particularmente notável quanto aos AAIT.

Em um nível superficial, isso se deve tanto ao fato de haver um viés voluntário nas

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368

chamadas, que direcionam por afinidade tecnológica os recursos, bem como ao fato

de as empresas AAIT serem frágeis no Brasil, confrontando-se com maior dificuldade

em acesso a crédito.

Mas isso revela o outro lado da imbricação entre ciência e concorrência

empresarial. A questão é que os programas de pesquisa em ciência aplicada são

cada vez mais dirigidos para utilidades empresariais, mundialmente. Diversos dos

projetos investigados revelavam preocupações de elevada complexidade tecnológica

(nos anexos, os projetos e as palavras iniciais de seus resumos estão listados), a

qual é de fato descolada da realidade industrial brasileira. O que parece um indício de

efetividade dos FS, inclusive de acordo com as hipóteses defendidas neste trabalho,

pode indicar certa alienação em relação à realidade das empresas brasileiras.

Ameniza essa percepção o fato de que muitos desses projetos realmente possuem

empresas como intervenientes e/ou são ditos ―cooperativos‖ – implicando que as

empresas ofereceram algum recurso, ainda que não financeiro, para a execução do

projeto – no entanto apenas ameniza, visto que esse custo é mínimo. A presença de

campeão nacional nesses setores não ajuda muito a esclarecer esse paradoxo, uma

vez que as CNAEs são muito amplas e de fato tecnologias muito arrojadas, como as

células a combustível, são matéria concorrencial em certos nichos.

Não se deve menosprezar o avanço efetivo produzido pelo estímulo à

pesquisa em áreas tecnologicamente inovadoras, que geram produtos

potencialmente exploráveis comercialmente. Com efeito, essa percepção apenas

torna mais evidente como uma política de desenvolvimento baseada em CT&I é

manca, na medida em que lhe falta a perna da política industrial típica dos catching

ups retardatários, apoiadas em escolhas de vencedores por setores.

6.10.7. Setores cuja participação merece destaque

A agregação por intensidade tecnológica é efetiva, mas limitada. Como

mencionado, os padrões competitivos relevantes para firmas que efetivamente se

movem próximas aos limites da ―fronteira tecnológica‖ concorrem em nichos. Muito

excepcionalmente esse é o caso de empresas brasileiras. Sem embargo, vale a pena

delimitar setores que emanam pautas tecnológicas mais arrojadas para empresas e

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369

para ICTs, em cujas cercanias é mais provável a formação de sistemas setoriais de

inovação.

Dentre os setores CNAE175, escolheram-se aqueles que representavam ao

menos 1% do total de projetos aprovados (evidentemente, em cada base de dados) e

dos projetos ACEs. Participações pouco menores que essas foram admitidas desde

que mais que compensadas pela outra.

Os setores com especial destaque entre os não reembolsáveis, suas

participações no total, além dos ACEs, e outros projetos de alta qualidade estão

expostos na tabela a seguir.

Tabela 6.16 – Setores CNAE que apresentaram participação destacada no valor

total dos projetos não reembolsáveis e/ou em projetos de qualidade máxima

(ACEs)

SETOR

CNAE ACE ACT APC BPE CEM CIT DS2 IPD PTC PTP

Total

geral

100 3,21% 0,01% 0,57% 15,57% 2,67% 0,04% 0,00% 0,00% 15,23% 2,94% 3,97%

160 2,70% 0,21% 0,00% 11,56% 0,00% 1,85% 0,00% 0,00% 1,41% 1,99% 0,89%

1110 3,44% 0,91% 45,44% 0,06% 2,30% 7,66% 14,89% 6,14% 2,07% 7,13% 4,53%

2340 1,17% 2,14% 0,00% 0,00% 0,98% 0,00% 0,00% 0,00% 1,43% 8,47% 2,46%

2450 16,07% 8,37% 0,00% 0,00% 14,36% 28,26% 0,00% 0,54% 0,02% 5,90% 5,75%

2910 2,66% 1,49% 0,00% 0,00% 0,00% 0,31% 0,00% 0,00% 0,02% 0,18% 0,71%

2960 4,09% 2,21% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,09% 0,00% 0,04% 0,93%

3020 4,88% 0,27% 0,00% 0,00% 0,00% 0,81% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,97%

3110 1,51% 7,18% 0,00% 0,00% 0,00% 0,11% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,79%

3200 4,29% 1,26% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 1,46%

3210 2,85% 4,34% 0,00% 0,00% 4,15% 3,91% 0,05% 0,00% 0,00% 0,07% 1,10%

3220 19,46% 1,31% 0,00% 0,00% 0,00% 0,81% 0,00% 0,00% 0,00% 1,41% 3,84%

3230 3,02% 0,89% 0,00% 0,00% 0,00% 0,69% 2,29% 0,17% 0,00% 0,00% 0,80%

3310 1,08% 16,41% 0,00% 0,00% 10,76% 0,61% 0,00% 0,00% 0,00% 0,02% 1,98%

175 Utilizou-se a versão 1.0 da CNAE. Por fins de simplificação, foram retirados o zero do início, quando havia, o ponto

intermediário e acrescido um zero ao final de cada classificação, no caso da classificação a três dígitos, e dois zeros, no caso da classificação a dois dígitos. Assim, a classificação 05.1 transformou-se em 510, a 01.4 em 140, a 10 em 1000, a 62.1 em 6210 e assim por diante.

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370

3320 2,34% 3,42% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,68%

3330 2,67% 3,24% 0,00% 0,00% 0,00% 0,14% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,73%

3430 3,32% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,62%

3530 2,00% 5,98% 10,22% 0,00% 0,00% 1,81% 0,00% 1,47% 0,00% 0,00% 1,07%

7200 1,95% 10,04% 13,78% 2,14% 0,00% 4,20% 0,15% 0,00% 0,20% 2,02% 2,37%

7220 1,07% 0,55% 0,38% 0,00% 0,00% 5,84% 69,04% 0,00% 0,27% 1,61% 3,74%

NI 0,00% 1,32% 0,69% 0,45% 12,52% 0,89% 7,09% 32,71% 3,60% 3,68% 24,65%

Total geral 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

O ―setor‖ 100 é extensíssimo, pois abrange diversos segmentos –

agricultura e pecuária – e perfaz parte importante do PIB brasileiro –6% em 2007.

Mas a principal causa de sua elevada participação no total de projetos, em especial

dos ACEs, é o fato de um único projeto – ―Desenvolvimento de novas variedades de

cana-de-açúcar e eucalipto por biotecnologia‖ –, o qual possui uma empresa por

proponente, perfazer R$ 8,77 milhões. As demais participações elevadas em BPE,

em PTC e em PTP correspondem mais bem à atuação da Embrapa e dos institutos

agronômicos. Não fosse o fato de que os negócios agropecuários mantêm uma lógica

semicapitalista no que se refere ao fluxo científico-tecnológico, na medida em que

não se cria uma demanda sistemática partindo das unidades de capital em direção ao

sistema universitário sem a intervenção constante, imprescindível, de entes estatais e

para-estatais (salvo melhor juízo, o mesmo se aplica ao fluxo financeiro). Mesmo as

empresas agrícolas que cultivam milhares de hectares não engendram pautas

tecnológicas capazes de definir um paradigma e, muito menos, são capazes de

inovar e criar capacidade tecnológico-científica própria.

Assim, talvez fosse mais adequado classificar todos os projetos de nível

tecnológico mais sofisticado no setor 1.6 ou no 73.1. O 1.6 sugere, ainda assim, um

grau elevado de determinação pela demanda dos problemas tratados, o que, ao

menos no caso do sistema Embrapa, é inexato, enquanto o 73.1 cai no erro oposto,

de enquadrar projetos cujo beneficiário final é a agropecuária e a silvicultura em

projetos de P&D ―em geral‖. A natureza científico-tecnológica de ambos aponta para

24.9 ou 24.6. Mas esse pareceria um erro ainda maior, haja vista que, na maioria das

vezes, não passavam pela indústria de herbicidas, por exemplo.

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371

Ao fim e ao cabo, o decisivo é perceber que parte importante dos projetos

de alta qualidade – 5,9% dos ACEs; 2,7% dos CEM; 17,5% dos PTCs; 5% dos PTPs;

1,9% dos CITs e nada menos que 27% dos BPEs – destina-se e/ou emana do

extenso e arrojado sistema de fomento tecnológico que se conformou entre a

agropecuária brasileira, a Embrapa, os institutos agronômicos e de zootecnia em

seus arredores, as Ematers estaduais e os programas de pesquisa e pós-graduação

universitários espalhados pelo país.

O setor 11.1, extração de petróleo e gás, corresponde a uma parte do que é

talvez o único sistema setorial de inovação de fato bem constituído no Brasil, em

torno da Petrobrás. Na verdade, por seu porte, os resultados, relevantes apenas em

ACEs (os outros tipos de projetos em que o setor aparece com destaque são de

menor peso), são modestos e restritos. Por isso, comenta-se o caso desse sistema

setorial como ―ausência‖, na subseção abaixo.

O setor 23.4, de geração de álcool, refere-se decerto ao caso de uma

atividade em que o Brasil encontra-se avançado, inclusive com interfaces importantes

em projetos em agricultura e seus serviços auxiliares, em máquinas e equipamentos

e em química. Em seu conjunto, o segmento aproxima-se de um intensivo em

tecnologia – cada vez mais, ao que parece, mundialmente –, em que pese algumas

características semicapitalistas persistirem, de forma que a oferta tecnológica é feita

mais como a especificação de um bem público do que a partir de esforços das

―unidades de capital‖ – as usinas, no caso – propriamente ditas.É antes a elevada

especificação tecnológica dos projetos que explica o setor ser irrelevante em projetos

de BPEs (bem público específico). Com efeito, esses se encontram no ―degrau

superior‖, já que o segmento corresponde a 2,14% dos ACTs; 1,43% dos PTCs e

8,47 dos PTPs. Considerando sua peculiaridade de setor de transição entre

agricultura e indústria, e sua participação relativamente modesta no PIB, o 1,17% de

ACEs também é bastante relevante.

A presença do setor 24.5 – correspondente à indústria farmacêutica em

seus diversos estágios e ramos, exceto o de biofármacos – é amplamente explicada

pela sua dinâmica concorrencial baseada em C&T e, em menor grau, pela presença

de um punhado de empresas nacionais de médio porte (a única empresa

farmacêutica de grande porte brasileira, apenas mais recentemente tem se mostrado

indícios de mais agressividade em aumento de capacidade tecnológica), em relação

à média internacional. Além disso, nota-se a existência de capacidade científica

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372

relevante nos ICTs e em alguns laboratórios públicos, os quais geram spin offs para a

farmacêutica comercial propriamente dita. Sem esta capacidade científica, seria difícil

explicar tanto o fato de o setor ser assíduo nos FS, como o de representar nada

menos que 28% dos projetos CITs (5,9% dos PTPs). Mas é a intensidade científica

do padrão concorrencial que explica estarem 16% dos projetos ACEs direta e

indiretamente voltados para empresas farmacêuticas, as quais geram menos de 5%

do VTI nacional.

Os setores 29.1 e 29.6 correspondem à parte da indústria de bens de

capital. Sua participação é relativamente baixa em projetos de elevado conteúdo

científico. Na verdade, os projetos destinados a esse setor, sugerem que, ao menos

no Brasil, essas atividades aproximam-se de uma situação de elevada intensidade

tecnológica sem uma elevada intensidade científica. Sem embargo, representa bem a

apropriabilidade que sinaliza para as firmas, correspondendo a quase 7% do total de

ACEs.

O mesmo critério aplicado aos reembolsáveis gerou os seguintes

resultados:

Tabela 6.17 – Setores CNAE que apresentaram participação destacada no valor

total dos projetos reembolsáveis e/ou em projetos de qualidade máxima (ACEs)

SETOR CNAE ACE APC DS2 IPD NPI Total

1510 0,44% 0,00% 0,00% 9,22% 5,23% 3,04%

1513 1,62% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,71%

1590 3,37% 0,00% 0,00% 0,00% 4,57% 2,47%

1733 1,62% 0,00% 0,00% 0,00% 5,95% 1,44%

1930 1,30% 0,00% 0,00% 1,52% 0,00% 0,94%

2110 0,00% 0,00% 3,80% 2,42% 1,75% 0,97%

2132 0,13% 0,00% 1,34% 0,69% 0,79% 0,62%

2400 4,53% 0,00% 0,00% 0,33% 0,22% 1,42%

2429 6,33% 0,00% 0,00% 5,28% 0,68% 2,84%

2430 5,94% 63,90% 0,00% 0,00% 0,23% 2,71%

2431 0,56% 0,00% 0,00% 1,30% 0,74% 1,68%

2433 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 10,81% 1,75%

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373

2450 0,50% 0,00% 0,74% 0,00% 1,55% 0,80%

2451 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,08% 0,02%

2452 10,71% 0,00% 0,00% 0,04% 2,16% 5,53%

2453 4,06% 0,00% 0,00% 0,57% 0,19% 1,65%

2473 5,18% 0,00% 0,00% 4,85% 0,00% 2,71%

2481 1,24% 10,17% 0,00% 0,55% 0,94% 0,79%

2521 0,42% 0,00% 0,00% 0,56% 4,00% 1,36%

2751 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 4,03% 1,53%

2914 9,83% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 4,00%

2969 1,90% 0,00% 0,00% 0,26% 0,31% 1,12%

3020 0,62% 0,00% 7,09% 3,21% 0,00% 1,06%

3022 0,67% 0,00% 0,00% 0,22% 0,00% 0,30%

3111 3,76% 0,00% 0,00% 7,77% 1,88% 3,42%

3112 1,34% 9,99% 0,00% 0,00% 0,00% 0,79%

3113 1,89% 0,00% 0,00% 4,47% 2,28% 1,85%

3221 1,90% 0,00% 0,00% 0,19% 0,00% 1,13%

3432 0,68% 0,00% 0,00% 0,73% 0,25% 0,95%

3443 1,58% 0,00% 0,00% 3,17% 0,90% 1,54%

3531 13,46% 0,00% 0,00% 3,17% 0,00% 4,47%

3611 0,00% 0,00% 0,00% 3,47% 0,00% 0,99%

4010 0,34% 0,00% 1,65% 2,78% 7,81% 3,74%

4500 0,00% 0,00% 30,93% 0,00% 0,00% 3,06%

6420 2,82% 0,00% 33,94% 0,00% 0,02% 2,57%

7200 0,00% 0,00% 0,09% 0,00% 0,00% 0,01%

7220 0,20% 4,44% 14,59% 0,54% 1,67% 2,23%

7230 0,00% 0,00% 0,03% 0,00% 0,02% 0,00%

7240 0,00% 0,00% 0,09% 0,00% 0,00% 0,16%

7290 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%

Total 100% 100% 100% 100% 100% 100%

É preciso de início registrar que, nesse caso, foi possível especificar mais as

CNAEs, inclusive porque as informações prestadas pelas empresas eram mais

acuradas quanto a isso. Assim, participações significativamente menores que 1% em

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ACEs e no total não impediram que alguns segmentos fossem destacados.

Evidentemente, contudo, a análise se ateve aos casos que pareceram, dentre os

listados na tabela, os mais notáveis.

Observe-se de antemão a ausência de qualquer proximidade relevante com

a agropecuária. O acesso a recursos reembolsáveis implica não apenas que uma

elevação da capacidade tecnológica esteja em jogo, mas também que seja vista

como arma competitiva pelas unidades empresariais individualmente. Vale dizer,

operações reembolsáveis não se destinam ao aumento direto da oferta de bens

públicos e semipúblicos. Ao contrário, a manifestação de demanda por empresas

individuais só faz sentido a partir de elevada apropriabilidade, ou ao menos da

percepção de que é possível essa relação com o avanço tecnológico almejado.

Não obstante, a agroindústria merece destaque dentre esse tipo de

projetos. O conjunto de segmentos abarcados pela CNAE 15 perfez 5,5% dos

subprojetos ACEs e significativos mais de 9% dos NPIs e IPDs – estes, reveladores

de esforço tecnológico, mesmo com pouco conteúdo científico. Tal desempenho é

fortemente afetado pela presença de empresas de porte grande e com alto grau de

internacionalização no segmento. Sua baixa intensidade tecnológica, não obstante,

limita o efeito das estratégias mais arrojadas que empresas assim costumam adotar,

haja vista o mesmo corresponder a mais de 18% do VTI brasileiro.

Seguindo uma lógica semelhante, um único grande projeto de uma líder

setorial é responsável por todoesforço tecnológico do segmento de tecelagem.

Entretanto, além de nesse caso haver apenas uma empresa envolvida, todo o resto

do setor 17 não apresentou projetos de capacitação tecnológica relevante – sendo

que tal setor que representava em 2005 3,7% do VTI nacional. É aproximadamente a

mesma situação evidenciada no setor 19, com uma única empresa arrojada de

grande porte sendo responsável pela totalidade dos projetos que envolvem avanço

tecnológico próprio.

A indústria química como um todo respondeu por impressionantes 39% dos

créditos destinados pela Finep mais aproximadamente à inovação tecnológica stricto

sensu – quase quatro vezes sua participação no VTI, pouco superior a 10%. Apesar

de a farmacêutica lato sensu perfazer sozinha 15% dos ACEs, parece que

relativamente à química mundial não farmacêutica, um conjunto de condições

intermediárias favorece a inovação desse setor no Brasil.

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375

6.10.8. Uma tentativa de avaliação conjunta das causas destacadas

6.10.8.1. Descrição do experimento

As firmas brasileiras estão situadas em setores em que as pressões

competitivas não lhes exigem criar ou controlar autonomamente as tecnologias que

empregam. Ao mesmo tempo, o tipo de habilidades e saberes requerido para o

domínio das tarefas industriais que as firmas brasileiras tipicamente empregam não é

propício a um contato mais profundo com a compreensão científica (sobretudo pelo

conteúdo, mas também pelo método) das causalidades envolvidas na atividade

produtiva. Uma espécie de círculo vicioso se estabelece entre esses elementos, o

qual dificilmente é rompido naturalmente.

Essa situação possui raízes em causas estruturais que, como visto, tanto

enviesam a distribuição de setores para atividades intensivas em capacitações não

tecnológicas como estimulam em todos, mesmo nos tecnologicamente mais

intensivos, a busca de ―atalhos‖, nos quais se plasma a chamada vantagem de

second mover.

Como se pôde observar no capítulo anterior, a abertura comercial, a

desregulamentação econômica e a possível remoção parcial do problema de baixa

capacidade para importar retiraram parcela importante da vantagem de second

mover. A questão estrutural que estava, ao menos superficialmente, sendo superada

por decênios de política industrial, voltou a contar decisivamente e, em pouco tempo,

a estrutura produtiva brasileira voltou a se afastar da dos países desenvolvidos e das

economias em rápido catching up da periferia asiática. Mesmo mais ―competitiva‖, no

sentido de ser capaz de obter saldos comerciais elevados (em condições

macroeconômicas internacionais normais, evidentemente), a atual estrutura produtiva

brasileira possui uma configuração setorial, segundo a hipótese deste estudo, pouco

propícia à inovação tecnológica de base científica.

Isso reduz decisivamente a capacidade de o país colher resultados efetivos

– perceptíveis em um ou mais indicador de competitividade revelada, como

inovatividade, crescimento das exportações ou redução das importações de bens de

alto valor adicionado tecnológico – de uma política de inovação tecnológica, por mais

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376

arrojada e bem gerida que seja176. Vale dizer, a efetividade da PCT&I estará

constrangida pela fraqueza relativa das empresas que atuam nos setores de alta

intensidade cientítico-tecnológica, tanto em conjunto como individualmente.

Não é tão simples captar essa dificuldade. Evidentemente, pode-se sempre

argumentar que a política ainda não é arrojada o bastante, que está sendo mal gerida

ou que mais recursos lhe garantiriam um salto qualitativo fundamental. Por outro

lado, na medida em que a política rompe com os critérios da eficiência econômica,

mesmo que compreendidos da forma mais generosa, resultados intermediários

acabarão aparecendo. Por exemplo, poder-se-ia argumentar que o problema de falta

de demanda para recursos para inovações de base científica se manifesta na baixa

qualidade dos projetos a crédito das firmas brasileiras. Mas o executor sempre pode

ser menos rigoroso com a definição do que é inovação tecnológica e reduzir

drasticamente os custos financeiros do projeto, inflando a demanda. Ao mesmo

tempo, uma medida destinada a estimular cientistas a se aproximarem das

necessidades das empresas ou a criarem suas próprias empresas pode ter seus

resultados inflados pela consideração de invenções ou mesmo de descobertas como

se fossem inovações.

Por imperfeita que seja, a classificação exposta serve para tentar reduzir

esses efeitos. Mas mesmo que todos os projetos fossem tratados como iguais, seria

de se esperar que alguma seleção tivesse sido feita pelo aparelho estatal. Se essa

seleção for lida setorialmente, serve como teste da hipótese aqui desenvolvida. Vale

dizer, os projetos selecionados por um burocrata cuja missão é conceder recursos

para inovação tecnológica, ainda que a seleção seja falha, tenderão a ser mais

―projetos de inovação tecnológica‖ do que os ―projetos em geral‖. Se esses projetos

tivessem origem nas universidades, seria de se supor que possuíssem mais caráter

empresarial do que tais tipos de projetos costumam ter. Seria de se supor ainda que

projetos oriundos de empresas, selecionados por um mau burocrata, fossem mais

tecnológico-científicos do que os projetos empresariais geralmente são.

Como seria essa seleção de projetos quanto à sua disposição setorial? A

hipótese é corroborada (deixa de ser rejeitada), caso esses projetos possuam maior

concentração em setores de alta (e média alta) intensidade tecnológica do que a

176 Não é demais relembrar: concedida isoladamente. Conforme visto, separou-se as políticas de CT&I e industrial em sentido

estrito, embora, obviamente, os documentos oficiais e mesmo alguns autores não o façam. Independentemente da questão conceitual, assumiu-se que o Brasil não possui política industrial atualmente, a não ser de caráter passivo e/ou adaptativo (o que, não custa lembrar, não significa que seja ruim ou inútil).

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377

estrutura produtiva da economia como um todo. Quanto menos relevante for a

capacidade financeira do proponente ou quanto mais seu arrojo tecnológico-científico

estiver em questão, sem maior preocupação com sua viabilidade financeira, maior

tenderá a ser essa diferença, haja vista que a ciência está contaminada com as

pautas desses setores, de um lado, e, de outro, que as firmas nesses setores, para

os quais a capacidade tecnológica prévia é decisiva na constituição de capacidade

absortiva, tenderá a ampliar o viés em prol de setores de alta intensidade tecnológica.

Na verdade, uma tabela simples, semelhante à utilizada no final do capítulo

anterior para ilustrar as diferenças de intensidade relativa de esforço tecnológico no

Brasil e em países da OCDE, serve bastante bem a tais propósitos, enquanto forem

supostas qualidades iguais para os mesmos projetos.

Ao se incluir a possibilidade de relevante diferencial de qualidade entre os

projetos, contudo, altera-se a perspectiva da questão. De um lado, há a obrigação de

se empregar técnicas estatísticas específicas, no caso, uma análise de regressão. De

outro, muda o foco de se saber se o aspecto setorial é importante para saber se ele é

mais importante, por exemplo, que as especializações competitivas da economia ou a

presença de estruturas de fomento tecnológico específicas (cujo caso mais

emblemático é o da Embrapa) ou, ainda, simplesmente que o fato de que existem

―campeãs nacionais‖ nos setores.

A hipótese implica que o efeito setorial seja preponderante, no caso de

projetos não reembolsáveis, e de elevada importância, no caso dos projetos

reembolsáveis. Testá-la implica em obter a participação no total de recursos

ponderada por sua qualidade dos setores de maior intensidade tecnológico-científica

teórica nos projetos não-reembolsáveis superior à obtida nos projetos reembolsáveis

por sua vez significativamente superior à participação desses setores no PIB.

Assim sendo, o experimento pode ser ilustrado pelo seguinte diagrama:

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378

Figura 6.1 – Esquema Descritivo do Experimento Realizado

Distribuição dos setores no valor adicionado do conjunto da economia vis-à-vis no

principal destino dos projetos

A tabela 6.18, a seguir, apresenta, em sua segunda coluna, as participações

dos setores no valor adicionado total da economia a custos de fatores. As colunas

seguintes representam a relação entre as participações dos setores no valor dos

projetos, ponderados por sua qualidade, aprovados como reembolsáveis e não

reembolsáveis, respectivamente, e as participações listadas na segunda coluna.

S1

S2

S3

.

.

.

Sn

Vetor dos VAs

setoriais, como

se encontram

na economia

Redução Intensa da importância

da rentabilidade e economicidade

Redução moderada da importância da rentabilidade e da economicidade

S1 ñ-r

S2 ñ-r

S3 ñ-r

.

.

.

Sn ñ-r S1 r

S2 r

S3 r

.

.

.

Sn r

Exigência de qualidade tecnol- empresarial

Exigência de qualidade tecnol- empresarial

QS1 ñ-r

QS2 ñ-r

QS3 ñ-r

.

.

.

QSn ñ-r

QS1 r

QS2 r

QS3 r

.

.

.

QSn r

Comparação das

diferenças da composição

relativa resultante

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379

Tabela 6.18 – Relação entre qualidade e participação no total de recursos

alocados setorial dos projetos e participação no VA

% V A Ñ -R e e m b . R e e m b o ls .

A g r ic u ltu ra , s i lv ic u ltu ra e e x p lo ra ç ã o f lo re s ta l 3 ,9 2 0 ,9 3 5 0 ,0 4 7

P e c u á r ia e p e s c a 1 ,9 9 1 ,0 2 8 0 ,1 4 0

P e tró le o e g á s n a tu ra l 1 ,1 0 5 , 4 3 4 0 ,0 0 0

M in é r io d e fe r ro 0 ,4 0 0 ,0 2 4 0 ,0 0 0

O u tro s d a in d ú s tr ia e x tra t iv a 0 ,2 7 1 ,1 0 0 0 ,0 0 0

A lim e n to s e b e b id a s 2 ,6 5 0 ,3 4 1 3 ,4 1 8

P ro d u to s d o fu m o 0 ,1 2 0 ,0 0 0 0 ,0 0 0

T ê x te is 0 ,7 3 0 ,2 6 7 1 ,9 7 4

A r t ig o s d o v e s tu á r io e a c e s s ó r io s 0 ,6 5 0 ,0 2 4 1 ,0 6 8

A r te fa to s d e c o u ro e c a lç a d o s 0 ,3 8 0 ,3 0 2 5 ,9 3 8

P ro d u to s d e m a d e ira - e x c lu s iv e m ó v e is 0 ,4 4 0 ,0 2 8 0 ,4 6 8

C e lu lo s e e p ro d u to s d e p a p e l 0 ,6 7 0 ,0 0 8 2 ,3 9 3

J o rn a is , re v is ta s , d is c o s 0 ,7 8 0 ,0 0 0 0 ,0 8 7

R e f in o d e p e tró le o e c o q u e 0 ,5 0 5 , 4 8 2 0 ,1 4 9

Á lc o o l 0 ,3 3 6 , 6 5 3 0 ,0 4 7

P ro d u to s q u ím ic o s 0 ,6 3 4 ,7 2 8 1 0 , 9 4 3

F a b r ic a ç ã o d e re s in a e e la s tô m e ro s 0 ,2 3 3 ,6 9 2 2 5 , 9 0 5

P ro d u to s fa rm a c ê u t ic o s 0 ,6 8 1 7 ,4 3 6 1 2 , 6 4 3

D e fe n s iv o s a g r íc o la s 0 ,0 9 8 , 0 5 6 2 ,2 0 1

P e r fu m a r ia , h ig ie n e e l im p e z a 0 ,3 4 2 ,5 8 4 1 0 , 6 4 7

T in ta s , v e rn iz e s , e s m a lte s e la c a s 0 ,1 1 0 ,3 7 9 8 ,7 2 2

P ro d u to s e p re p a ra d o s q u ím ic o s d iv e rs o s 0 ,1 9 1 3 ,2 2 8 5 ,8 3 6

A r t ig o s d e b o r ra c h a e p lá s t ic o 0 ,6 7 0 ,4 6 8 2 ,4 0 4

C im e n to 0 ,1 8 0 ,0 0 0 1 ,7 0 0

O u tro s p ro d u to s d e m in e ra is n ã o -m e tá lic o s 0 ,5 1 2 ,8 2 6 2 ,3 0 1

F a b r ic a ç ã o d e a ç o e d e r iv a d o s 0 ,8 5 1 ,1 7 6 2 ,1 3 0

M e ta lu rg ia d o s M in e ra is n ã o - fe r ro s o s ( * ) 0 ,4 3 - 0 ,0 0 0

P ro d u to s d e m e ta l - e x c lu s iv e m á q u in a s e e q u ip a m e n to s 1 ,0 4 0 ,1 5 0 2 ,5 7 6

M á q u in a s e e q u ip a m e n to s , in c lu s iv e m a n u te n ç ã o e re p a ro s 1 ,0 1 5 , 2 5 1 9 ,2 7 9

E le tro d o m é s t ic o s 0 ,1 3 0 ,6 4 2 0 ,0 0 0

M á q u in a s p a ra e s c r itó r io e e q u ip a m e n to s d e in fo rm á t ic a 0 ,1 0 2 4 ,1 1 9 1 7 , 0 6 2

M á q u in a s , a p a re lh o s e m a te r ia is e lé tr ic o s 0 ,5 0 5 , 8 5 3 1 5 , 6 6 6

M a te r ia l e le trô n ic o e e q u ip a m e n to s d e c o m u n ic a ç õ e s 0 ,2 6 6 5 ,1 2 8 8 ,8 4 5

A p a re lh o s / in s tru m e n to s m é d ic o -h o s p ita la r , m e d id a e ó p t ic o 0 ,3 1 2 3 ,6 3 9 2 ,4 3 6

A u to m ó v e is , c a m io n e ta s e u t i l i tá r io s 0 ,2 1 2 ,6 6 5 3 ,0 6 0

C a m in h õ e s e ô n ib u s 0 ,1 2 1 4 ,2 2 0 2 5 , 7 4 3

P e ç a s e a c e s s ó r io s p a ra v e íc u lo s a u to m o to re s 0 ,6 5 0 ,0 7 5 7 ,2 5 4

O u tro s e q u ip a m e n to s d e tra n s p o r te n a v a l 0 ,0 4 2 8 ,5 6 4 0 ,0 0 0

O u tro s e q u ip a m e n to s d e tra n s p o r te a e ro n a u t ic a 0 ,1 2 1 8 ,0 0 7 5 3 , 8 2 3

O u tro s e q u ip a m e n to s d e tra n s p o r te o u tro s 0 ,1 5 0 ,9 7 7 0 ,3 4 9

M ó v e is e p ro d u to s d a s in d ú s tr ia s d iv e rs a s 0 ,7 7 0 ,1 0 7 1 ,6 8 8

P ro d u ç . e d is tr ib . d e e le tr ic id . , g á s , á g u a , e s g o to e l im p . u rb . 3 ,5 4 0 ,7 0 1 0 ,8 2 0

C o n s tru ç ã o C iv il 5 ,0 5 0 ,0 6 6 0 ,4 9 7

C o m é rc io 1 0 ,9 7 0 ,0 0 1 0 ,0 0 1

T ra n s p o r te , a rm a z e n a g e m e c o r re io 4 ,8 7 0 ,0 5 0 0 ,0 1 6

S e rv iç o s d e in fo rm a ç ã o 3 ,7 4 0 ,0 7 4 0 ,8 1 1

In te rm e d . f in a n c ., s e g u ro s e p re v id . c o m p l. e s e rv . re la c . 7 ,1 4 0 ,0 0 1 0 ,0 0 0

A t iv id a d e s im o b il iá r ia s e a lu g u é is 9 ,4 5 0 ,0 0 0 0 ,0 0 0

S e rv iç o s d e m a n u te n ç ã o e re p a ra ç ã o & S e rv iç o s d o m é s t ic o s 2 ,3 0 0 ,8 0 0 0 ,0 0 0

S e rv iç o s d e a lo ja m e n to e a lim e n ta ç ã o 1 ,8 1 0 ,0 0 0 1 ,0 2 0

S e rv iç o s p re s ta d o s à s e m p re s a s ( in c lu i s o f tw a re e p & d ) 4 ,5 8 1 ,9 3 5 0 ,0 1 4

E d u c a ç ã o m e rc a n t i l & E d u c a ç ã o p ú b lic a 5 ,0 2 0 ,0 8 6 0 ,0 0 0

S a ú d e m e rc a n t i l & S a ú d e p ú b lic a 3 ,8 0 0 ,8 0 7 0 ,0 0 0

S e rv iç o s p re s ta d o s à s fa m ília s e a s s o c ia t iv a s 2 ,4 5 0 ,0 0 0 0 ,0 9 8

A d m in is tra ç ã o p ú b lic a e s e g u r id a d e s o c ia l 1 0 ,0 0 0 ,0 2 3 0 ,0 0 0

(* ) - In c lu íd o e m "A ç o e d e r iv a d o s " n o s n ã o -re e m b o ls á v e is

F o n te s : IB G E ; M C T ; F IN E P

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380

Na medida em que, como dito, as participações relativas dos setores na

alocação de recursos foi ponderada pela qualidade de cada projeto (que pode variar

de 1 a 10), uma relativa atração de recursos não poderia ser aferida pela comparação

com a qualidade média de todos os projetos. Assim, os valores destacados em

negrito na tabela anterior indicam os setores que superaram a média, a qual, dados

os elevados desvios-padrão, se situou muito acima da mediana dos valores

observados, como se pode observar na tabela abaixo:

Tabela 6.19 – Médias das participações percentuais setoriais no VA e no total

de pontos dos projetos aprovados

Todos os setores de alta intensidade tecnológica apresentaram qualidade

relativa (vis-à-vis sua participação no PIB) muito superiores à média, tanto nos

projetos não reembolsáveis como nos reembolsáveis. A única exceção fica por conta

de aparelhos de precisão, a qual não atinge a média entre os reembolsáveis, ou seja,

entre os projetos que pareceram economicamente viáveis e que foram apresentados

por empresas com alguma capacidade financeira à Finep.

Na verdade, todos os setores de alta intensidade científico-tecnológica

apresentam quedas significativas quando se passa de projetos não reembolsáveis

para projetos reembolsáveis, exceção feita ao setor aeronáutico. Trata-se de um

resultado bastante esperável à luz da lógica do esforço tecnológico empresarial,

calcada nos elementos estruturais do capitalismo: é preciso haver empresas

competitivas em setores de alta intensidade tecnológica para que políticas de

inovação sejam capazes de induzir invenções com real potencial de sucesso como

produto (ou processo) mercantil. No Brasil, o único setor em que ambas as condições

estão presentes é o aeronáutico.

Nos outros, há uma sorte de ―casillero vacio‖: ou o setor existe, mas é

composto de empresas frágeis e, relativamente às suas contendoras externas, pouco

competitivas, ou há empresas competitivas, mas em setores em que a exigência de

% V A Ñ -R e e m b . R e e m b o ls .

M é d ia 1 ,8 1 8 5 ,0 0 3 4 ,5 8 6

D e s v io -P a d rã o 2 ,6 0 6 1 0 ,7 7 4 9 ,0 6 7

M e d ia n a 0 ,6 5 1 0 ,7 5 0 1 ,0 2 0

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381

elevado esforço tecnológico-científico é menor. Segundo a hipótese aqui defendida,

esse fenômeno decorre dos dois elementos basilares – a vantagem de seguidor e a

especialização relativa ―regressiva‖, baseada em recursos naturais e em

capacitações não tecnológicas em geral – que moldam o cálculo capitalista em

países atrasados.

Empiricamente, o caso brasileiro não é resultado imediato dessas forças,

que foram alteradas por uma intensa industrialização liderada pelo Estado. Isso não

impede que possa se perceber seu campo gravitacional operando. Políticas pró-

desenvolvimento apenas adaptativas ou horizontais podem mitigar o efeito da

especialização relativa, mas, como visto, o aproveitamento da vantagem de second

mover é por si só insuficiente para que o catching up tecnológico seja completado. O

fato de o Brasil praticar atualmente políticas desse tipo, mas dispor de um mercado

interno relativamente amplo, permite que a base herdada do desenvolvimentismo

sirva de relevante destino para as políticas de CT&I atuais.

Sem o esforço passado, o país não possuiria projetos reembolsáveis de

elevada qualidade tecnológica – como alguns que aparecem no setor de alta

intensidade, mas com mais frequência nos de média alta – embora certamente isso

não impediria que possuísse algumas empresas muito competitivas e de grande

porte, em setores compradores de tecnologia. E os fundos setoriais poderiam apoiar

projetos com relevante qualidade científica e, eventualmente, tecnológica, os quais

acabariam, refletindo as pautas internacionais de criação de problemas tecnológicos

típicos das grandes empresas de hi-tech, sendo identificados com setores de alta

intensidade tecnológica. Mas esses avanços gerariam no máximo invenções, nunca

inovações, ao menos dentro do país. Consequentemente, não teriam qualquer

correspondência com o padrão setorial de esforço de P&D visto no capítulo anterior,

nem se manifestariam nos projetos reembolsáveis.

É essa falta de ―enraizamento empresarial‖ que explica os projetos

reembolsáveis destinados ao setor de equipamentos de precisão terem qualidade

abaixo da média, apesar de apresentarem a segunda maior qualidade relativa entre

os projetos não reembolsáveis. Inversamente, explicam por que, ao se aumentar a

exigência de provável efetividade financeira dos projetos, os provenientes do setor

aeronáutico aumentam em quase três vezes sua qualidade relativa, ao passo que os

projetos provenientes de outras indústrias de elevada intensidade científico-

tecnológica sofrem quedas significativas.

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382

Seguem padrão semelhante ao verificado na indústria aeronáutica os

setores de bens de capital; de equipamento elétrico; a indústria química, exceto a

farmacêutica e de defensivos agrícolas177; de caminhões e ônibus e, de certa forma,

de peças e acessórios automotivos, cujos projetos não reembolsáveis possuíram

qualidade média inferior aos dos reembolsáveis correspondentes, porém maior que

suas participações no PIB. Essas indústrias situam-se em uma espécie de meio-

termo entre disporem de firmas de elevada competitividade internacional e possuírem

padrões concorrenciais propícios à inovação de base científica. Não segue daí que

necessariamente sejam candidatas naturais a políticas industriais e de inovação

tecnológica efetivas, na medida em que podem encontrar dificuldades decisivas,

tanto em expandir seu porte, porque são menores que as líderes mundiais de seus

setores; como porque não dispõem de trajetórias densas de acúmulo de recursos

próprios e de conhecimento tácito.

Várias outras indústrias obtêm crescimentos explosivos quando se transita

da terceira para a quarta coluna. No entanto, praticamente todas se encontram na

mesma situação da indústria de autopeças, de forma que seu crescimento se deve

mais ao fato de não contarem com projetos realmente arrojados, que dependem

significativamente de conhecimento científico e do elemento de minimalismo que a

Finep tem de cumprir em seu papel de agência pública de fomento, destacando,

entre os projetos que lhes são apresentados, os que não representam risco de

inadimplência notável e que implicam, em diferentes graus, direta ou indiretamente,

em esforço tecnológico.Daí resulta que muitos dos crescimentos explosivos (de mais

de 1000%) decorrem de qualidades menores que 1 na terceira coluna, em contraste

com qualidades maiores que 1, mas inferiores à média, na quarta coluna.

Evidentemente, quase todos esses casos são de indústrias de baixa ou média baixa

intensidade tecnológica, ou mesmo de setores não industriais.

Na verdade, apenas duas outras indústrias aumentam a qualidade relativa

de seus projetos na passagem de não reembolsáveis para reembolsáveis, mas o

aumento verificado não é exatamente explosivo (não chega a 100%): siderurgia e

metalurgia básica, e automobilística. Naturalmente, trata-se de variantes dos casos

177 Muitos projetos de defensivos ―biológicos‖, oriundos do sistema setorial ―de inovação‖ centrado na Embrapa, foram aí

classificados, o que conduziu a uma elevada qualidade relativa dos projetos dessa indústria entre os não reembolsáveis. A queda acentuada à medida que se incluem critérios de economicidade revela, também nesse caso, que mais uma vez estamos diante de um vazio empresarial (no sentido schumpeteriano do adjetivo).

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383

de ―alguma intensidade científico-tecnológica com competitividade revelada‖,

mencionados no penúltimo parágrafo acima.178

Entre outros casos que merecem menção, destaca-se o da farmacêutica.

Na regressão apresentada adiante, considerou-se que havia uma ―campeã nacional‖

no setor, porque uma das 200 maiores empresas brasileiras de capital nacional atua

fundamentalmente nele – apesar de essa empresa talvez ter sua competitividade e

porte mais associados à sua competência comercial que industrial ou tecnológica.

Por outro lado, o programa do BNDES destinado especificamente ao setor, o pró-

farma, apresentou, pelo menos durante algum tempo, bons resultados, sugerindo que

certos avanços podem estar em curso – em que pese os dados agregados de esforço

tecnológico setorial comparado do capítulo 4 sugerirem que a farmacêutica brasileira,

ademais de pequena, gasta pouco intensamente em P&D. Seja como for, a redução

na qualidade dos projetos destinados à farmacêutica na passagem de não-

reembolsáveis para reembolsáveis é tênue, e, de qualquer forma, o nível de

qualidade relativa mantém-se muito alto, mais de 10 vezes a média de todos os

setores.

Também são alvissareiros, com relação à possível competitividade

tecnológica, os dados das indústrias de alimentos e de calçados. Na verdade, são

apenas 2 ou 3 no caso da alimentícia, e apenas 1 no caso da calçadista, os projetos

que resultaram nestes dados – mas são projetos aparentemente ousados e de

grande porte, de empresas com capacidade de liderança setorial relevante, haja vista

serem também exportadoras importantes (como destacamos no capítulo 2, o fato de

uma empresa só se destacar tecnologicamente pode significar que o impacto

econômico ―schumpeteriano‖ de suas inovações seja muito baixo). De qualquer

forma, esses grandes projetos levaram os reembolsáveis da alimentícia a possuírem

qualidade média superior à de todos os setores em conjunto (com um significativo,

para uma indústria de baixa intensidade tecnológica, 0,34 em projetos não-

reembolsáveis, amplamente dominados pela engenharia de alimentos), e a calçadista

a mais de 5 em projetos reembolsáveis (a média de cada setor individualmente

178 A automobilística é uma indústria que cobre um leque significativo de estratégias competitivas suportadas por amplas

opções de diferenciação e aprendizagem. Embora isso implique em elevada relação P&D/faturamento, e, certamente em elevado dinamismo tecnológico, não segue daí que a automobilística seja, como um todo, uma indústria intensiva em uso de ciência. No caso brasileiro, em particular, é notável que apesar da elevada relação gasto em P&D/receita líquida de vendas é raro o emprego de cientistas nessa atividade. Não obstante, há que se admitir que provavelmente a preferência pelo uso de recursos próprios para financiamento do esforço tecnológico enviesa não desprezivelmente o resultado de nosso experimento quanto à automobilística.

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384

considerado é 4,6). Segue daí que esses são casos únicos no Brasil de empresas

sob controle privado em setores tecnologicamente passivos, mas que são,

relativamente a esse padrão, arrojadas. O teste econométrico a seguir explicitará

melhor até que ponto esse resultado é capaz de refutar nossa hipótese.

De forma geral, podemos ver que o crescimento na passagem de não

reembolsáveis a reembolsáveis deve-se a uma competitividade revelada

relativamente alta, a qual se concentra justamente em setores cujo padrão de

concorrência é fundamentalmente ―taker‖ e passivo. Quando esse crescimento não

esteve associado a quedas drásticas na intensidade tecnológica, o fato de uma ou

um punhado de empresas destacadas existirem parece ter sido uma causa relevante.

Utilizamos uma dummy específica para captar a presença de um ou mais campeões

nacionais – empresas de capital nacional que figuram entre as maiores em receita

bruta do país ou que, sendo de origem estrangeira, são também grandes

exportadoras – na análise de variância a seguir apresentada. Sem embargo,

observou-se que há muitos setores em que há campeãs mas que nem expandiram

sua participação nem obtiveram notas elevadas em qualquer tipo de projeto. Como

todas essas eram empresas do setor de serviços, optou-se por igualar a zero todas

dummies para campeãs nacionais fora das atividades primária e secundária.

Em posição quase diametral em relação à presença de empresas de alta

competitividade e capacidade financeira, um fator que parece importante (além da

alta intensidade tecnológica em si) para explicar a redução da qualidade em projetos

reembolsáveis é o fato de alguns setores possuírem traços semi-estatais, derivados

seja de seu caráter de bem público ou semi-público, ou de ser ainda objeto de

grandes estruturas de fomento tecnológico. Essas estruturas arraigaram-se nas

universidades e ICTs e geram pesquisas com viés fortemente tecnológico

(relativamente ao padrão brasileiro de pesquisas voltadas para o ―avanço do

conhecimento‖, como vimos anteriormente) em detrimento de pesquisas de ―ciência

pura‖.Assim, muitos projetos destinados a esses setores se assemelham a projetos

ordinariamente apoiados pela CAPES e pelo CNPq fora do âmbito dos FS, e

dificilmente se tornariam inovações empresariais de fato, mas geram descobertas e

invenções relevantes – de forma que foram muito bem pontuados (receberam

freqüentemente conceitos ACT, CIT e PTP). Para captar esse efeito, outra dummy –

denominada SSFT – foi incluída em nossos testes. As observações preliminares

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385

sugeriram que o valor desta deve ser positivo para projetos não-reembolsáveis e

superior ao valor encontrado para projetos reembolsáveis.

Esses cuidados certamente não impedem que muitas causas escapem –

afinal, está-se tratando de inovações, e, portanto, de condutas criativas. Ademais, os

projetos reembolsáveis são afetados pelo número de observações algo restrito.

Assim, a indústria de eletrodomésticos, por exemplo, não possuía nenhum projeto

reembolsável, apesar de durante algum tempo ter abrigado a empresa maior

patenteadora brasileira (no INPI). No caso dos não-reembolsáveis, observou-se uma

participação elevada de projetos destinados a ―quase-inovações‖, como os projetos

oriundos da Embrapa e de outros ICTs voltados para a agropecuária. Muitos destes

projetos extravasavam o conceito de bem público, embora, por certamente não

constituíssem inovações empresariais ―by the book‖. Assim, embora alterem o

resultado não-ponderado pela qualidade dos projetos, tem seu efeito

significativamente reduzido na última coluna. Aproximadamente o mesmo ocorre com

o setor extrativista mineral, do qual provêm inúmeros estudos de prospecção, os

quais são avaliados em geral como projetos científico-tecnológicos – PTCs –mas

cujos resultados são fortemente afetados pela presença direta e indireta da

Petrobrás, resultando em muitos projetos do tipo ACT, cuja pontuação (e valor) são

freqüentemente elevados.

6.10.8.2. Análise de regressão

Uma avaliação do efeito conjunto das variáveis que afetam a qualidade dos

projetos apoiados pelos FS e pela Finep como agência de fomento à inovação

tecnológica pode ser tentada utilizando-se análise de regressão. A lógica seguida é

trivial: a qualidade dos projetos pode ser plotada em uma escala quantitativa,

representando a soma das pontuações referentes às características desejáveis em

projetos voltados para o desenvolvimento tecnológicos. As variáveis que afetam a

qualidade podem ser consideradas variáveis binárias, igualadas a 1 quando

―acontecem‖ e zero quando ―não acontecem‖.

O modelo a ser estimado, portanto, é o seguinte:

Q = B1 + B2*AAIT + B3*MAIT + B4*MBIT + B5*BBIT + B6*(OUT+NI) + B8*SSFT +

B9*SSCN-t + B10*SSCN-i + B11*SOFT

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386

Onde:

(1) Q = Qualidade. Essa variável corresponde ao logaritmo da participação

dos pontos de todos projetos destinados ao setor respectivo a cadaprojeto no total de

pontos de todos projetos, de todos setores, dividida pela participação do setor no PIB.

Portanto, o valor de Q de cada projeto i de um setor j pode ser expresso por:

Onde ―q‖ é a qualidade de cada projeto individual, conforme o quadro 6.3, e

―V‖ é o valor de cada projeto. Cada ―Q‖, portanto, refere-se a um setor (da

classificação utilizada para calcular o PIB pelo lado da oferta pelo IBGE), de forma

que, em primeiro lugar, todos os projetos destinados a um mesmo setor possuem o

mesmo ―Q‖ (no caso dos projetos não reembolsáveis, evidentemente, ponderados

pelo seu peso amostral), em cada base, e, em segundo lugar, ―Qs‖ superiores a 1

indicam que o setor é relativamente atrator de projetos de qualidade e/ou valor altos.

Os valores apresentados na segunda e na terceira coluna da tabela 6.18

correspondem, portanto, a Q℮.

(2) B1= Intercepto linear

(3) AAIT = dummy para projetos destinados a setores de alta intensidade

tecnológica

(4) MAIT = dummy para projetos destinados a setores de média-alta

intensidade tecnológica

(5) MBIT = dummy para projetos destinados a setores de média-baixa

intensidade tecnológica

(6) BBIT = dummy para projetos destinados a setores de baixa intensidade

tecnológica

(7) OUT + NI = dummy para projetos destinados a outros setores sem

classificação por intensidade tecnológica e para projetos cuja identificação de

destinação setorial não foi possível

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387

(8) SSFT = dummy para projetos destinados a setores em que há estrutura

e/ou políticas consolidadas de fomento tecnológico

(9) SSCN-t = dummy para projetos destinados a setores em que há ao

menos uma empresa entre as 200 maiores do país, e que é de capital nacional, e/ou

está entre as 200 maiores exportadoras do país, em qualquer setor

(10) SSCN-i = idem anterior, mas apenas em setoresindustriais

(11) SOFT = dummy para projetos destinados ou oriundos de empresas

deP&D, de software e serviços de informática e de outros serviços prestados às

empresas

Os projetos foram ponderados segundo seu peso na amostra e segundo

seu valor, de forma que cada observação foi expandida duas vezes no caso dos

projetos reembolsáveis. Os resultados das análises de variância e das estimativas

dos parâmetros respectivos geraram, no conhecido programa estatístico SAS, a

―saída‖ apresentada à página seguinte.

Tabela 6.20 – Estimativas dos betas, seus erros-padrão, suas significâncias e

coeficientes de determinação dos modelos estimados para os projetos

reembolsáveis e não reembolsáveis

A estimativa foi realizada por análise de variância, utilizando o método

―stepwise‖. Como se pode observar, em primeiro lugar, os coeficientes de

beta err-pad Pr > F beta err-pad Pr > F

Intercepto -0,250 0,056 <,0001 0,580 0,059 <,0001

AAIT 2,570 0,096 <,0001 2,690 0,065 <,0001

MAIT 0,700 0,078 <,0001 1,670 0,059 <,0001

MBIT - - >,2 - - >,2

BBIT - - >,2 -1,660 0,077 <,0001

OUT + NI - - >,2 -0,610 0,059 <,0001

SSFT - - >,2 2,090 0,045 <,0001

SSCN-t -3,240 0,276 <,0001 -2,540 0,045 <,0001

SSCN-i 4,720 0,277 <,0001 1,940 0,051 <,0001

SOFT - - >,2 - - >,2

R2 0,656 - >,2 0,846 - >,2

VariávelReembolsáveis Não-reembolsáveis

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388

determinação resultaram altos, até mesmo acima do que os dados da Tabela 6.16 já

sugeriam: 0,85 no caso dos não-reembolsáveis e 0,66 no caso dos reembolsáveis.

É de se lembrar que se admitiu que, em primeiro lugar, há boas razões

teóricas (capítulo 2) e algumas empíricas (capítulo 5) para crer que as diferenças

setoriais de competitividade revelada influenciassem os sentidos dos esforços

tecnológicos. Ademais, o esforço inovativo, em parte captado aqui (já que outra parte

do mesmo não possui natureza tecnológico-científica, ou passa ao largo do uso de

estímulos não fiscais), por sua característica disruptiva, contrária a padrões

estabelecidos, possui um elemento de aleatoriedade intrínseco.

Em segundo lugar, os resultados para as variáveis relativas ao padrão

tecnológico setorial confirmam as impressões sugeridas pela Tabela 6.16. Em

particular, o fato de os projetos se destinarem a setores de alta intensidade

tecnológica não apenas aumenta a probabilidade de recebam apoio de política de

CT&I, como aumenta a probabilidade de que possuam qualidade particularmente

alta: no caso dos não-reembolsáveis, apenas a variável AAIT responde por quase

44% da qualidade relativa ponderada pelo valor relativo; no caso dos reembolsáveis,

por quase 23%. A adição dos setores de alta intensidade tecnológica amplia essas

proporções para quase 60% e mais de 27%, respectivamente (ver tabela 6.21, a

seguir).

Isso se reflete em betas elevados, positivos e significativos em ambas as

regressões, embora, como também esperado, à luz da lógica que informa a hipótese

defendida, sempre com ênfase muito maior nos projetos não-reembolsáveis.

Da mesma forma, os betas dos setores em que há relevante estrutura de

fomento tecnológico ―puro‖ (não necessariamente voltado para estratégias

concorrenciais de empresas privadas) – via de regra remanescentes do período do II

PBDCT –, resultaram bastante acordes à hipótese, segundo a qual uma clivagem

profunda separa a proeminência tecnológica em si da proeminência em

competitividade (empresarial) tecnológica. Dessa forma, obteve-se um beta elevado,

positivo e significativo para projetos não-reembolsáveis destinados a estes setores,

com R2 parcial de 0,05, ao passo que a mesma variável revelou-se irrelevante para

determinar a qualidade e a ênfase setorial das aprovações de projetos

reembolsáveis, os quais tem de se revelar prospectivamente lucrativos.

Embora os betas referentes à presença de campeãs nacionais nos setores

– que supostamente devem influenciar positivamente os projetos a esses destinados,

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389

inclusive por seu efeito indireto, via pressão competitiva e por spin-offs, para

empresas não campeãs, mas no mesmo setor – tenham se revelado fortemente

positivas para campeãs industriais (sendo o segundo maior R2 parcial no caso dos

reembolsáveis), seus betas resultaram fortemente negativos – e significativos,

evidentemente, tanto nos não reembolsáveis como nos reembolsáveis.

Pode-se aventar duas hipóteses para explicar esse resultado que, apesar

de vir ao encontro da hipótese, pareceu surpreendente: ou a dummy para setor não

industriais com campeãs nacionais simplesmente está captando o efeito da natureza

intrinsicamente tomadora de tecnologia dos setores não-industriais não agro-

pecuários (já que tanto este – que também é SSFT – como o segmento de P&D e de

software – classificados como ―SOFT‖) absorveram as possíveis exceções no

conjunto de tudo que é não setorial, na medida em que existem empresas nacionais

de grande porte em quase todos segmentos não industriais de grande presença no

PIB no Brasil. Uma segunda hipótese é que todas campeãs não industriais não

exportam (não há campeãs na agro-pecuária). Assim, o comportamento reativo que

seria esperado de empresas em setores tomadores de tecnologia é ampliado pela

presença de grandes empresas, com elevado grau de monopólio.

A presença de campeãs em setores industriais, por seu turno, mostrou-se

de grande relevância para a determinação da qualidade dos projetos destinados a

empresas nestes setores, evidenciando a menor passividade tecnológica de todos os

setores industriais179 em presença de empresas exportadoras de grande porte. Como

seria, outrossim, de se esperar à luz da hipótese defendida, esse efeito foi

particularmene marcante no caso dos projetos a crédito.

Abaixo, apresenta-se as tabelas descritivas do processo de seleção de

variáveis, com seus R2 parciais, como forma de permitir uma visão mais completa da

importância de cada variável explicativa individualmente, em cada um dos conjuntos

de projetos considerado.

179 Observe-se que a baixa intensidade tecnológica (BBIT=1) influenciou significativamente (e negativamente, como era de se

esperar) os projetos, mesmo assim, apenas os não reembolsáveis.

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Tabela 6.21 – Resumo do processo de seleção das regressões por

análise de variância

1 AAIT 0.4462 0.4462 8213.57 2547.24 <.0001

2 MAIT 0.1496 0.5957 5144.02 1169.49 <.0001

3 SSFT 0.0466 0.6424 4188.19 412.13 <.0001

4 SSCN-t 0.0716 0.7140 2719.43 791.05 <.0001

5 SSCN-i 0.1099 0.8239 464.537 1970.74 <.0001

6 BBIT 0.0173 0.8412 111.872 343.26 <.0001

7 OUT 0.0052 0.8463 80.000 105.87 <.0001

1 AAIT 0.2296 0.2296 794.347 193.47 <.0001

2 SSCN-i 0.2994 0.5291 236.154 411.97 <.0001

3 SSCN-t 0.0840 0.6130 809.954 140.44 <.0001

4 MAIT 0.0427 0.6558 30.101 80.23 <.0001

F Value Pr > F

Ñ-REEMB.

REEMB.

BASE Step Variable Partial r2 Model r2 C(p)

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391

7. CONCLUSÃO

Na ausência de intervenções estatais deliberadas e estrategicamente voltadas

para o desenvolvimento econômico, países atrasados tendem a se manter

especializados em setores intensivos em recursos naturais ou em mão de obra barata.

Isso não impediria que crescessem ou mesmo que atingissem um nível

intermediário de renda. Mas o espaço para completarem o catching up sob esse

pressuposto é muito limitado, por motivos tanto do lado da demanda (a menor

elasticidade-renda desses bens) como do lado da oferta, entre os quais se destacam os

de natureza tecnológica: nos setores intensivos em recursos naturais, em primeiro

lugar, a aprendizagem (a daí a capacidade de criação intra-firma de competitividade) é

limitada; em segundo, na medida em que os ganhos de produtividade dependem de

insumos e equipamentos criados em outros setores, países industrialmente débeis

tendem a se manter tomadores de tecnologia.

A intervenção estatal pode alterar essa tendência. O sucesso dessa intervenção

depende, entre outros fatores, da possibilidade de ganhos rápidos de produtividade, os

quais permitem compensar a relativa debilidade financeira (mais facilmente em países

maiores, que geralmente dispõem de uma variedade ampla de recursos minerais e

podem operar em escalas maiores), e, ademais, garantir ex-post facto legitimidade à

intervenção estatal. A existência de vantagem de seguidor sugere que essa operação

tem chances elevadas de êxito, mas apenas até certo ponto.

À medida que o país atrasado se aproxima industrialmente dos mais avançados,

essa vantagem perde força. Suas empresas, sejam as baseadas em recursos naturais,

sejam as que cresceram fundamentalmente aproveitando a vantagem de seguidor,

tendem a se manter competitivas apenas em estágios de suas respectivas cadeias

produtivas em que há pouco espaço para adição de valor. Esse é via de regra o caso

mesmo de firmas situadas em indústrias nas quais as líderes mundiais são inovadoras,

pois foram formadas em processos acelerados, e, mercê de acúmulos internos de

conhecimentos incipientes, dispõem de escassa base de recursos específicos. Além

disso, na medida em que podiam aproveitar o atalho de second mover, interessaram-se

particularmente pouco em constituir ―especialidades‖. Finalmente, os elementos

sistêmicos de competitividade existentes, como o baixo nível de renda per capita e a

falta de consumidores finais e intermediários mais sofisticados, que estimulem a

concorrência baseada em diferenciação e tornem verossímil um interactive learning

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392

denso, tendem a restringir a possibilidade de igualarem as firmas maduras dos países

avançados nesse tipo de concorrência.

Portanto, do ponto de vista tecnológico, não é fácil sair dessa enclausura tanto

pelo lado de fatores internos às firmas retardatárias, quanto de fatores de natureza mais

sistêmica e localizados na demanda. A raridade dos casos de catching ups de países

retardatários bem sucedidos já o atesta. O fato de que, embora marcados por

idiossincrasias nacionais e pelo estágio em que a fronteira tecnológica mundial se

encontrava quando de seus arranques, une-os o elevado grau de dirigismo e de

discricionariedade da atuação estatal ajuda a compreender que condições políticas

internas e externas ímpares lhes foram decisivas. A complexidade das barreiras

tecnológicas a serem superadas e o fato de tal tarefa ser intrinsecamente atinente a

decisões internas às firmas é parte essencial da explicação da necessidade de um

intervencionismo dificilmente sustentável em sociedades abertas em condições normais

(por exemplo, livres de iminente ameaça externa), deixada de lado a questão

pertinente, mas secundária nesse âmbito analítico, da capacidade governativa dos

Estados atrasados.

Estados ocidentais atrasados atuais tipicamente não dispõem de tal grau de

manobra. Do ponto de vista interno, mesmo se dispuserem de capacidade

administrativa e estratégica, estão sujeitos a elevado poder de veto dos interesses

constituídos, tendencialmente dominados por atividades econômicas tradicionais. Do

ponto de vista externo, estão premidos por acordos internacionais assumidos em

condição de inferioridade política. O avanço do catching up tecnológico para além do

que permite o aproveitamento da vantagem de seguidor não pode depender de ações

estatais de elevada discricionariedade.

Nesse contexto, a aproximação da atividade empresarial ao conhecimento

científico-tecnológico emerge como uma linha de menor resistência. O suporte de

conhecimento externo, em particular de natureza científica, pode acelerar

decisivamente a aprendizagem tecnológica e, pari passu, abrir novas frentes para

inovações e diferenciações tecnológicas. Na medida em que os setores industriais

relacionam-se de forma heterogênea, tanto em intensidade como em frequência, com o

conhecimento de base científica, o deslocamento da atividade empresarial para setores

em que há elevada oportunidade tecnológica de natureza científica é condição

indispensável para uma política de aprendizagem tecnológica compatível com os

ditames financeiros do cálculo capitalista.

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393

A sabedoria corrente sobre o papel da inovação tecnológica no desenvolvimento,

mesmo em suas vertentes heterodoxas, é insuficiente para compreender

adequadamente a natureza da dimensão tecnológica do atraso econômico (apesar de

necessária para delimitar a validade da vantagem de seguidor) e, mais ainda, para

propor políticas públicas que a afetem significativamente. Os autores

neoschumpeterianos desenvolveram a noção de Sistema Nacional de Inovação (NSI),

seja para repensar a endogeneidade da inovação na era da big business science, seja

como quadro teórico-conceitual para pensar ações estatais de estímulo à inovação

tecnológica, seja ainda como recomendação direta de política pública. Não obstante, é

de aplicabilidade limitada em países industrialmente imaturos, em particular para propor

ações voltadas para o catching up tecnológico, porque as empresas desses países

apenas excepcionalmente competem com base em capacidade tecnológica própria.

Esse fenômeno pode ser explicado por mais de uma forma, mas o destaque ao

fato de que por serem tecnologicamente frágeis, essas empresas encontram

dificuldades de utilizar conhecimento científico ou para-científico, ainda quando

mediada pelo problema da ―incerteza tecnológica‖ é, embora correto, limitado e

desorientador. O problema da falta prévia de acúmulo de capacitações tecnológicas das

empresas ―retardatárias‖ só é devidamente considerado ao se ter em conta que as

inovações, diferentemente das invenções, estão imbricadas no cálculo capitalista.

Firmas retardatárias típicas não inovam e não buscam acelerar sua aprendizagem pelo

recurso ao conhecimento científico externo fundamentalmente porque ―não vale a

pena‖. Políticas pró-inovação, mesmo que formuladas e implementadas sob inspiração

do conceito de NSI, ainda que possam gerar resultados tecnológicos em sentido estrito

(no jargão schumpeteriano, invenções), possuem impacto muito limitado para estimular

inovações, i.e., invenções inseridas nos parâmetros do cálculo capitalista. Ao tentarem

ter mais em conta a ―realidade‖ das firmas retardatárias, e ecoarem as angústias do dia

a dia da concorrência a que os empresários locais estão submetidos vis-à-vis as

capacidades de que dispõem, tendem a estimular aquisição passiva de tecnologia ou

adaptações locais fundamentalmente reativas.

Essa situação é essencialmente distinta da que vige no capitalismo avançado,

cujas empresas detêm, relativamente às suas equivalentes retardatárias, processos

longos e densos de acúmulo de capacitações tecnológicas próprias. A pressão

competitiva a que são submetidas por suas concorrentes efetivas as compele a buscar

diferenciações que facultem obter, sustentavelmente, lucros elevados. Essa motivação,

unida à existência de meios próprios para buscar realizá-la, delimita o problema da

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394

política de inovação à geração de conhecimento científico, ao seu direcionamento para

problemas empresariais, e a facilitação da interação entre empresas e ICTs. Na medida

em que uma malha institucional se forma, essa rede de interações tende a obter

elevada autonomia – justificando a denominação de sistema.

Pode-se afirmar que a existência de capacidade absortiva prévia das firmas é

condição sine qua non para que políticas de inovação tecnológica como as praticadas

nos países desenvolvidos gerem resultados econômicos significativos. A chave para o

desenvolvimento de capacidade absortiva – e ao mesmo tempo uma conseqüência de

possuí-la – é o esforço continuado de P&D, por intermédio do qual, sobretudo se

realizado com elevada interação com universidades e ICTs, as empresas podem

adicionar de forma financeiramente vantajosa novas capacidades, mesmo se

dispuserem de bases relativamente pobres de recursos específicos como ponto de

partida. Tem-se, assim, um círculo vicioso: sem capacidade absortiva relevante prévia,

as empresas não realizam P&D e a política de inovação possui baixa efetividade; ao

não realizarem P&D sistemático, a capacidade absortiva não se altera.

Como os setores produtivos são profundamente assimétricos tecnologicamente,

em particular no que refere à importância potencial da ciência para seu avanço, tanto

como um insumo ―demandado‖ quanto como um elemento indutor, a capacidade de

aprendizagem por meio da aproveitamento de conhecimento externo às firmas não

pode ser setorialmente neutra. Isso é particularmente verdadeiro em países que, como

o Brasil, avançaram significativamente no catching up baseado em aproveitamento de

vantagem de seguidor e lograram completar praticamente toda matriz industrial,

inclusive contando com setores de alta e média alta intensidade tecnológica. Mesmo

sendo competitivamente frágeis, empresas nessas indústrias mais facilmente se

aproximam das universidades e tendem a executar relativamente muito mais P&D,

ainda que empresas muito mais poderosas e próximas às melhores práticas

internacionais mas situadas em setores de baixa intensidade tecnológica convivam com

elas.

Essa busca é dificultada, decerto, pela baixa capacidade competitiva e financeira

das empresas nesses setores. Como são particularmente frágeis, e as indústrias em

que atuam são relativamente pequenas no sistema produtivo, sua participação conjunta

no P&D empresarial tende a ser modesta. Assim, a especialização relativa no P&D

empresarial sugerirá que esse segue a competitividade revelada existente, na qual, via

de regra estão as campeãs nacionais. Contudo, se as assimetrias financeiras entre as

firmas forem ―filtradas‖, bem como os pesos relativos no PIB dos setores em que atuam

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prioritariamente, as diferentes naturezas tecnológicas dos setores revelariam o quanto

políticas industriais que escolham setores por seu potencial de acoplamento com

atividades científicas seriam capazes de contra-arrestar o problema da baixa

capacidade absortiva intrínseca às firmas nacionais.

Os dados dos projetos não-reembolsáveis das políticas de CT&I brasileiras

permitem revelar esse fenômeno, na medida em que o método de seleção assemelha-

se a um grande concurso público e que seu conjunto como um todo – e não os editais

específicos, que podem direcionar os recursos para um ou outro setor – seja

considerado.

Projetos reembolsáveis também tenderão a espelhar a capacidade de indução

dos padrões tecnológicos setoriais sobre a capacidade absortiva, na medida em que o

grau de inovatividade e o arrojo tecnológico-científico são enviesadamente (por

exemplo, relativamente ao que ocorreria em um banco privado) levados em conta. Mas

esse viés certamente será menos intenso do que o existente caso a capacidade

financeira e a viabilidade comercial do projeto fossem consideradas.

Os resultados estatísticos conduziram a três principais conclusões:

i, grande parte dos projetos aprovados tanto nas operações reembolsáveis, e,

mais ainda, na nas reembolsáveis estão distantes de efetivas inovações tecnológicas:

no caso das operações reembolsáveis, há relativamente poucos projetos que impliquem

em efetivo esforço tecnológico, sobretudo de caráter científico, próprio; no caso das

operações não-reembolsáveis, há relativamente poucos projetos que guardam relação

com a atividade empresarial, ao mesmo tempo que muitos correspondem a pesquisas

científicas (embora amiúde de caráter aplicado, voltadas para descobertas práticas e

invenções)

ii, a qualidade dos projetos não-reembolsáveis – medida em termos de seu maior

ou menor caráter empresarial e de seu arrojo científico-tecnológico – foi altamente

enviesada em prol de setores de alta e de média-alta intensidade tecnológica, e, em

menor medida, em prol de setores em que há estruturas pervasivas de fomento

tecnológico (como nos setores de utilidades públicas, por exemplo), ao mesmo tempo

que setores não industriais e de baixa intensidade tecnológica apresentaram betas

negativos e significativos

iii, a qualidade dos projetos reembolsáveis, por seu turno, apresentou coeficiente

de determinação total, embora elevado (0,68), menor, sugerindo que, como esperado,

esses projetos chancelam relativamente mais a estrutura produtiva existente na

economia. Ainda assim, o padrão setorial mostrou-se parte decisiva da explicação,

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396

sobretudo o de setores de alta e média-alta intensidade tecnológica. A presença de

campeãs nacionais nos setores também obteve beta elevado e significativo nesses

projetos.

É preciso que insistir na interpretação econômica desses resultados. Como

destacado na introdução a este estudo, políticas de CT&I diferenciam-se de políticas de

C&T ―tradicionais‖ por que buscam resultados econômicos, v.g., de aumento da

competitividade tecnológica das empresas. Deve ser descartada a importância de

falhas de intervenção e da falta de elementos infra-estruturais – exceto os industriais –

como significativa para explicar a baixa efetividade das medidas adotadas de 1999, e,

mais nitidamente, de 2004 em diante.

Os resultados encontrados evidenciam, ademais, que as ações reembolsáveis

estão sendo bem-sucedidas em alcançar empresas menores (as quais tradicionalmente

acessam pouco os mecanismos de renúncia fiscal e os recursos a crédito) e em setores

de elevado vigor tecnológico e inovativo ―teórico‖. Por outro lado, apenas 20% dos

recursos foram destinados a empresas, direta e indiretamente, apesar de mais de 50%

destinarem-se a projetos de relevante qualidade cientifica.

Esses resultados sugerem que a capacidade de a política isolar a capacidade

financeira e tecnológica das empresas aumenta a probabilidade de projetos de alta

qualidade científica (considere-se que grosso modo os recursos da Capes e do CNPq

100% são destinados direta e indiretamente a projetos de alta qualidade científica,

enquanto, como visto, à proporção que aumenta a importância da capacidade

concorrencial efetiva das firmas receptoras dos recursos, essa participação cai

significativamente). De forma geral, portanto, esse quadro aponta para a perda de

efetivo conteúdo inventivo à medida que se isola a limitação financeira, ou seja, a

―conversão‖ da política de C&T em política de CT&I provavelmente vem sendo bem

sucedida em gerar invenções, ou ao menos, em ―capacidade inventiva‖.

Na medida em que a capacidade competitiva nacional está fortemente

concentrada em empresas que atuam em setores de baixa intensidade, as ações de

fomento à inovação tecnológica mantém-se dicotômica: ou induz à ―projeções‖ da

capacidade científica, e, em sendo bem sucedida, gera invenções, ou induz projetos

inseridos na disputa concorrencial a ―vestirem-se‖ como inovações ou a

superficialmente incorporarem mais conteúdo tecnológico, incapazes de alterar sua

capacidade absortiva e de consolidar elos interativos com universidades.

Assim, a PCT&I atual – qualquer uma praticada em países industrialmente

periféricos, na verdade – defronta-se com uma problema cuja solução está fora de seu

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escopo: a intersecção entre esses dois grupos é rarefeita, correspondendo a pouco

mais de 1% das empresas nacionais. Vale dizer, a estrutura industrial brasileira não foi

capaz de gerar um número significativo de empresas que são inventivas e competitivas

simultaneamente.

Nesse cenário, mesmo políticas de CT&I muito arrojadas e pró-empresa revelam-

se inefetivas por sua baixa capacidade de alterar substancialmente a estrutura de

parâmetros que definem o cálculo capitalista. Daí resulta que enquanto operações

reembolsáveis tendem a chancelar a competitividade já existente, operações não

reembolsáveis tendem a se restringir a extensões de projetos científicos, que, por mais

sofisticados que sejam, criam fundamentalmente ―invenções‖ e geram baixos resultados

econômicos na medida em que as empresas que participam de sua criação não

possuem porte nem capacidade comercial para efetivamente transformá-las em

inovações.

Embora países atrasados como o Brasil inevitavelmente confrontem-se com

constrangimentos austeros para modificar a distribuição setorial da oferta – em boa

medida justamente por que o círculo vicioso engendrado pela baixa capacidade

tecnológica própria das empresas é uma força poderosa de reprodução do atraso –, a

mudança estrutural em prol de setores de alta e de média alta intensidade tecnológica,

sobretudo se acompanhada da formação de empresas relativamente grandes e

inseridas em mercados externos, parecem ser capazes de tornar atividades como a de

P&D significativamente mais lucrativas. Em outras palavras, a investigação das causas

da baixa efetividade econômica das políticas de indução ao esforço tecnológico

empresarial como as atualmente praticadas pelo Brasil sugere que esse resultado

tenderia a ser significativamente aprimorado na presença de uma política industrial

―clássica‖, voltada para a mudança estrutural em prol de setores mais intensivos em uso

de ciência.

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399

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ANEXOS

Anexo I: Principais Medidas de Estímulo à Inovação Adotadas entre 1999 e 2006

(excluem-se medidas inferiores a portarias ministeriais), bem como marco legal que

lhes antecede ainda em vigência.

Lei/Decreto Ano Assunto 1 Assunto 2 Governo Pontuação

Lei 8001 1990 Define percent. comp. financ.

Lei 7900/89

Contexto Legal

Anterior Collor 2

Lei 8387 1991 Estimula Ind Informática ZFM Collor 1

Lei 8248 1991 Incentiva P&D Informática Collor 2

Lei 8191 1991 Depreciação acelerada bens

de capital Collor 2

Lei 8172 1991 Restabelece FNDCT Collor 2

Dec. 1 1991 Regulamenta pagamento Lei

7900 Collor 1

Lei 8958 1994 Permite contratação

consultoria por ICTs Itamar 1

Lei 9472 1997 Lei Geral das

Telecomunicações Funttel FHC I ?

Lei 9478 1997 Marco regulat. do setor de

petróleo e gás CT-Petro FHC I 2

Lei 9609 1998 Enrijece direitos de

propriedade software FHC I – 1

Dec. 2705 1998 Contexto Legal Contexto Legal CT

Petro FHC I 1

Dec. 2851 1998 Cria o Fundo Petro FHC I 2

Dec. 3318 1999 Altera alguns artigos 2851/98 FS Petro FHC II 2

Lei 9991 2000 FS Energia, FS Espacial FHC II 1

Lei 9992 2000 FS Transportes FHC II 2

Lei 9993 2000 FS Hidro; FS Mineral FHC II 2

Lei 10052 2000 Cria o Funttel FHC II 2

Dec. 3737 2000 Regulamenta o Funttel FHC II 1

Lei 10168 2000 Institui Cide e destina ao

FVA FHC II 3

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Lei 10176 2001 Compras públicas TICs FHC II 2

Lei 10176 2001 CT Amazônia (incentivos à

TI); CT Info FHC II 2

Lei 10197 2001 Amplia e reforma

aspectosFNDCT FS Infra FHC II 2

Dec. 3800 2001 CT Info FHC II 1

Dec. 3801 2001 FS Info FHC II 1

Dec. 3807 2001 FS Infra FHC II 1

Lei 10261 2001 Desvinc. Arts 48 a 50 Lei

9478 FS Petro FHC II 1

Dec. 3866 2001 FS Mineral FHC II 1

Dec. 3867 2001 FS Energia FHC II 1

Dec. 3874 2001 FS Hidro FHC II 1

Dec. 3915 2001 FS Espacial FHC II 1

Dec. 3949 2001 Regulamenta Lei 10168/00 FVA FHC II 1

Lei 10332 2001 CT aeronáutico,

CTagronegócio.

CT Biotec.; CT

Saúde FHC II 2

Dec. 4149 2002 Altera Decreto 3737 Funttel FHC II 1

Dec. 4154 2002 Regulamenta Lei 10332. de

2001 FHC II 1

Dec. 4157 2002 FS agronegócio FHC II 1

Dec. 4179 2002 CT Aero FHC II 1

Dec. 4324 2002 Regulamenta Lei 9.992/2000 FS Transportes FHC II 2

Dec. 4401 2002 FS Amazônia FHC II 1

Lei 10637 2002 Fiscal Arts 30 a 42 FHC II 3

Lei 10664 2003 Incentivos Informática Lula I 1

Dec. 4928 2003 Lula I 1

Lei 10973 2004 Cria subvenção Estimula pesq. na

empresa etc Lula I 4

Lei 11077 2004 Compras públ bens TICs Incentivos P&D

TICs Lula I 2

Lei 10848 2004 CT Energia Lula I 2

Lei 10893 2004 Regula adic frete para

marinha mercante Art 17 CT Aquav. Lula I 1

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Dec. 5252 2004 CT aquaviário Lula I 1

Lei 11077 2004 FS Amazônia Incentivos

inform. FS Info Lula I 1

Lei 11196 2005 Estímulos à inovação

empresarial em geral

BK p/ exp.;bens

int. em tecn. Lula I 4

Dec. 5563 2005 Regulamenta Lei 10973/04 Lula I 2

Dec. 5649 2005 Regulamenta RECAP Lei do Bem Lula I 2

Dec. 5906 2006 CT Info Lula I 1

Dec. 5712 2006 Regulamenta Repes Lula I 2

Dec. 6008 2006 Bens de Informática na ZF

Manaus FS Amazônia Lula I 2

Lei 11487 2007 Estabelece PPB para a ZFM Cria GT para

PPBs/ZFM Lula II 2

Lei 11484 2007 Padis/Padtv Facil. compr. bens

tecn. União Lula II 3

Lei 11540 2007 Lula II 2

Lei 11529 2007 Lula II 2

Lei 11487 2007 Lula II 2

Lei 11460 2007 Lula II 1

Lei 11759 2008 Cria o Ceitec como empresa

pública Lula II 3

Lei 12096 2009 Autoriza repasses subvenção

ao BNDES Lula II 2

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Anexo II: Conjunto de Subsistemas que compõem o Sistema Federal de fomento à Ciência, Tecnológica e Inovação em 2008

Legenda: (*): indica elevada autonomia administrativa; bordas finas: indica ente para-estatal

Ministério do

Desenvolvimento,

Indústria e Comércio

Secretarias INPI INMETRO BNDES

CNDI Sistema S

ABDI (*)

APEX (*)

Ministério das

Minas e

Energia

Secretarias ANP (*) ANEEL (*) PETROBRÁS

CNPE

CENPES

ELETROBRÁS

CEPEL ELETRONUCLEAR

CPRM EPE

Ministério da

Ciência e

Tecnologia

Secretarias CNPq FINEP Unidades de

Pesquisa (15)

Conselho

Nacional de Ciência e

Tecnologia

CNEN AEB Organizações

Sociais (5)

Ministério da

Saúde

Secretarias Fiocruz Inca Anvisa

Conselho

Nacional de

Saúde

Ministério da

Educação

Secretarias CAPES Universidades

Federais

Institutos Tecnológicos

Federais

Conselho

Nacional de

Educação

Ministério da

Comunicação

Secretarias Anatel (*) Funtel Telebrás

Ministério da

Agricultura

Secretarias Embrapa INMET

Ministério da

Defesa

CSN DCTA CETEX IPqM

COMASSE