Doutrina275 Da Acao Penal Publica

download Doutrina275 Da Acao Penal Publica

of 21

Transcript of Doutrina275 Da Acao Penal Publica

  • 1

    DA AO PENAL PBLICA

    ROGRIO TADEU ROMANO

    Procurador Regional da Repblica aposentado

    I CONCEITO DE AO E TEORIAS APRESENTADAS

    At meados do sculo XIX, no se considerava que o direito subjetivo do autor

    fosse distinto do direito de ao, pois ambos eram um mesmo direito.

    Em 1856, WINDSCHEID publicou a obra A ao do direito civil romano sob o

    ponto de vista do direito atual, que originou conhecida polemica com MUTHER com relao ao

    conceito de ao no direito romano.

    Posteriormente, em 1885, A. WACH escreveu monografia sobre ao

    declaratria, que considerada fundamental para a teoria do processo. Ali demonstrou ser ela

    substancialmente diversa do direito subjetivo que ela visa a proteger, constituindo direito

    autnomo. Provou a existncia de uma ao declaratria negativa, que a ao pode existir de

    forma independente de um direito subjetivo e, no caso daquela ao, ela pressupe a

    inexistncia de uma relao jurdica.

    Dava-se um golpe de morte na chamada teoria civilista da ao, hoje

    anacrnica.

    Sustentou A. WACH1 ser a ao um direito diferente do direito subjetivo que o

    autor pleiteia. Esse direito de ao, para ele, seria, ao mesmo tempo, contra o Estado e contra

    o ru. CHIOVENDA2, que seguiu essa teoria, fazendo-lhe algumas modificaes, entendeu que

    o direito de ao dirigido contra o ru e pode ser pblico ou privado, patrimonial ou no-

    patrimonial, consoante o que chama vontade concreta da lei, pois faz dicotomia que envolve

    vontade abstrata da lei, norma legal, e vontade concreta da lei, quando acontece o fato

    previsto.

    Mas essa teoria no explica os casos em que o autor perde a causa, ou seja, o

    pedido formulado, na demanda, julgado improcedente.

    1 WASH, A. La pretensin de declararacin, Pg. 39, Buenos Aires, pg. 1962, traduo argentina.

    2 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituies de direito processual civil, volume I, 1 edio, So Paulo, 1942, n.

    6, pg. 53,

  • 2

    Surge a ao, posteriormente, concebida como um direito abstrato de ao.

    Essa corrente foi divulgada por estudiosos do direito processual como

    Dagenkolb, Plosz, Alfredo Rocco, Ugo Rocco, Alfredo Buzaid, Arruda Alvim, dentre outros.

    A caracterstica principal dessa teoria se atrela ao fato de que para a existncia

    da ao no depende o autor ter razo, isto , tanto tem ao o autor da demanda infundada

    como o de demanda procedente. A ao dirigida contra o Estado.

    As crticas a essa corrente fundam-se no fato de que a ao no seria um

    direito, mas uma simples faculdade, porque no se pode compreender um direito que

    pertena a todas as pessoas.

    Enrico Tullio Liebman formulou teoria em que procurou evitar as posies mais

    extremadas da doutrina poca. Para ele, a ao pode existir mesmo quando o autor no tiver

    o direito que pleiteia; mas s existir se o autor preencher determinadas condies, que

    permitam ao juiz julgar o mrito.

    Essas condies so:

    a) Possibilidade jurdica do pedido, isto , que o pedido seja possvel no

    ordenamento jurdico vigente do Pas;

    b) Interesse de agir, que a necessidade de uso da via judicial;

    c) Legitimidade para a causa, que se resume no fato do autor e do ru serem

    sujeitos de direito discutidos na ao.

    Se a postulao do autor preencher essas trs condies, ele ser titular de um

    direito de ao, isto , direito a que o juiz julgue o mrito da causa, ainda que decida contra o

    pedido(mrito, pretenso) formulado.

    Se o juiz concluiu que o autor preencheu aquelas condies, mas que no tem

    razo quanto ao mrito seja porque no provou os fatos, ou porque estes no tm a

    consequncia legal pretendida haver improcedncia do pedido3(elemento da demanda,

    assim como a causa petendi4, autor e ru.

    O direito de ao , portanto, contra o Estado, uma vez que este, detm

    jurisdio5, que una, que exige que seus agentes sejam investidos para tal mister, porque

    tem o poder de julgar.

    3 o bem jurdico pretendido pelo autor ou ainda consiste na pretenso deduzida em juzo.

    4 a razo do pedido, o fato jurdico que ampara a pretenso deduzida, so os fundamentos de fato e

    de direito do autor. 5 So princpios da jurisdio: princpio do juiz natural(ningum pode ser julgado a no ser por juiz ou

    tribunal competente); principio da investidura(a jurisdio somente poder ser exercida por algum que tenha sido regularmente investido no cargo e esteja em exerccio); c) principio da indeclinabilidade(nenhum juiz pode subtrair-se ao exerccio de sua funo jurisdicional); d) princpio da improrrogabilidade; princpio da inevitabilidade(as partes esto sujeitas ao juiz, que o Estado lhe deu, que no pode ser recusado a no ser em hipteses como de suspeio, impedimento, incompetncia) e

  • 3

    A ao no dirigida contra o ru, mas contra o Estado.

    No processo penal, temos que as condies da ao so:

    a) Possibilidade jurdica do pedido: diz respeito tipicidade do fato; isto ,

    impossvel denunciar algum por fato atpico;

    b) Legtimo interesse: ningum pode provocar a atuao do Estado se no

    tiver interesse na punio. Assim, nos crimes fiscais, se j houver

    pagamento do dbito tributrio, no cabe falar em interesse da parte da

    acusao;

    c) Legitimidade para agir: diz respeito titularidade da ao. Cabe ao

    Ministrio Pblico a titulao nas aes de natureza pblica. No cabe

    ajuizar denncia se a ao penal for privada.

    Temos que diferenciar das condies da ao os chamados pressupostos

    processuais.

    Enquanto as condies da ao referem-se ao exerccio da ao penal, que o

    direito de solicitar o pronunciamento no campo penal, e que inexistentes levam carncia do

    direito de ao, existem outras condies, que so denominadas historicamente pela doutrina

    de pressupostos processuais, que dizem respeito existncia do processo e validade da

    relao processual. Assim, de um lado, para que exista juridicamente um processo se faz

    necessria uma demanda onde se exteriorize uma pretenso punitiva ou da liberdade, um

    rgo investido de jurisdio e partes que tenham personalidade jurdica, no plano do

    processo. Os requisitos para a constituio de uma relao jurdica processual vlida so: uma

    correta propositura da ao penal perante a autoridade jurisdicional, por uma instituio capaz

    de ser parte em juzo. De outro lado, mencionam-se os pressupostos de validade do processo,

    que inexistem quando h vcio ou defeito do processo. So condies para o regular

    desenvolvimento da relao jurdico-processual. Do mesmo modo, cito a litispendncia e ainda

    a coisa julgada como requisitos extrnsecos para o desenvolvimento da relao processual. Tais

    causas, apontadas como preliminares, no como prejudiciais, so impeditivas, se existentes,

    da continuidade do processo.

    No Cdigo Penal de 1830, Cdigo do Imprio, no artigo 262, o legislador,

    dispensando poucas palavras ao tema , disse: No se dar ao de furto entre marido e

    mulher, ascendentes ou descendentes e afins nos mesmos graus; nem por ela podero ser

    demandados os vivos ou vivas, quanto as coisas que pertencerem ao cnjuge morto, tendo

    somente lugar, em todos esses casos, a ao civil para a satisfao.

    princpio da relatividade(deve haver correspondncia ente a sentena e o pedido). A jurisdio, ademais, tem como elementos: conhecimento(faculdade de conhecer a causa e decidi-la); vocatio(faculdade de fazer comparecer em juzo todo aquele cuja presena necessria a justia); coertio(possibilidade de aplicar medidas de coero processual para que haja respeito e garantia da funo jurisdicional); judicium(direito de julgar e pronunciar sentena) e executio(consiste no cumprimento da sentena, como se v na chamada execuo da pena, a teor da Lei 7.210/84).

  • 4

    O Cdigo Penal de 1890 regulava a matria de ao como instituto de direito

    material.

    Estudando o Cdigo Penal de 1940, ROMEIRO6 entendeu que a ao penal

    pertence tanto ao direito material como ao direito processual.

    Em depoimento definitivo, MARQUES7 diz que a matria de ao penal de

    direito processual penal. Para ele, as regras dos artigos 102 a 107 melhor ficariam em um

    Cdigo de Processo Penal.

    No processo penal, a ao penal ser pblica ou privada. A teor do artigo 102

    do Cdigo Penal tem-se que a ao penal pblica, salvo quando a lei, expressamente a

    declarar privativa do ofendido. o que se v do artigo 102 do Cdigo Penal.

    Por sua vez, o artigo 102, pargrafo primeiro, do Cdigo Penal, reza que a ao

    pblica promovida pelo Ministrio Pblico, dependendo quando a lei o exigir, de

    representao do ofendido ou de requisio do Ministro da Justia.

    Ainda h que mencionar as chamadas medidas assecuratrias ou cautelares

    que visam assegurar direitos do ofendido, que so lesados pelo crime. Essas medidas tm o

    precpuo objetivo de prevenir o dano ou prejuzo que, certamente, poderiam advir com a

    demora da soluo definitiva da causa.

    o caso: do sequestro8(reteno de bens mveis ou imveis, havidos com os

    proveitos da infrao com o fim de assegurar as obrigaes civis advindas da prtica dessa

    infrao); especializao da hipoteca legal, um direito real a favor do credor sobre bem imvel

    do devedor, que pode ser requerida em qualquer etapa do processo, no sendo admitido na

    fase do inqurito, como ocorre com o sequestro ou o arresto, que podem ser obtidos na fase

    do inqurito; arresto9, que medida cautelar que garanta o pagamento da dvida.

    Denncia a petio inicial, contendo a acusao formulada pelo Ministrio

    Pblico contra o agente do fato criminoso nas aes penais pblicas.

    Queixa a petio inicial, contendo acusao formulada pela vtima. a ao

    penal privada.

    6 ROMEIRO, Jorge. A. Da ao penal, Rio de Janeiro, Forense, 1949, pginas 21 a 26.

    7 MARQUES, Frederico. Curso de Direito Processual Penal, volume III, pg. 330.

    8 Pode ser decretado de ofcio, a requerimento das partes ou mediante representao da autoridade

    policial. Pode ser requerida mesmo antes do oferecimento da queixa ou da denncia. Sua previso est no artigo 125 do Cdigo de Processo Penal. O sequestro pode ser levantado se a ao penal no for ajuizada no prazo de sessenta dias, contado a partir de sua concretizao. Tal prazo fatal, peremptrio. J, no caso da lavagem de bens, a teor do artigo 4 da Lei 9.6112/98, o prazo de 120(cento e vinte) dias contados da diligncia. 9 O Cdigo de Processo Penal previa duas hipteses de arresto: o arresto provisrio, que podia ser

    decretado logo de incio sobre o imvel, sendo substitudo em quinze dias pela hipoteca legal(artigo 136 do Cdigo de Processo Penal); arresto definitivo, que incidir sobre mveis suscetveis de penhora, que devero ser vendidos em leilo aps o transito em julgado da sentena condenatria(artigo 137 do Cdigo de Processo Penal).

  • 5

    O artigo 26 do Cdigo de Processo Penal, que prescrevia que a ao penal, nas

    contravenes, ser iniciada com o auto de priso em flagrante ou por meio de portaria

    expedida pela autoridade judicial ou policial, est revogado, a par do disposto no artigo 129, I,

    da Constituio Federal. O Ministrio Pblico, instituio permanente, o titular da ao penal

    pblica, por fora constitucional.

    Subsiste a ao penal privada subsidiria da pblica, como se l do artigo 29 do

    Cdigo de Processo Penal, se no crime de ao pblica, como traado no Cdigo Penal ou

    ainda em leis extravagantes, deixar o Ministrio Pblico de promov-la no prazo legal,

    podendo a vtima ajuiz-la por meio de queixa.

    A admissibilidade da ao penal privada subsidiria da pblica, nos termos do

    artigo 5, LIX, da Constituio Federal , consoante o HC 74.276, de 3 de setembro de 1996,

    Ministro Celso de Mello, Informativo STF 43, assenta-se na inrcia do Ministrio Pblico em

    adotar, no prazo legal (CPP, artigo 46), uma das seguintes providncias: oferecer a denncia,

    requerer o arquivamento do inqurito policial ou requisitar novas diligncias.

    O que se convencionou chamar de ao penal popular est restrito ao campo,

    no processo constitucional brasileiro, do habeas corpus, remdio herico na defesa do direito

    fundamental ao ir e vir. A denncia de qualquer do povo contra agentes polticos, como se v

    no caso artigo 14 da Lei 1079/1950, no passa de uma notcia-crime. Essa a melhor lio de

    TUCCI.10

    Quanto a ao civil ex delicto, ajuizada com base no artigo 5, V, da

    Constituio Federal; artigo 186 do Cdigo Civil e ainda 927 do mesmo diploma legal, tem

    natureza civil e indenizatria em que o responsvel civil pode utilizar todo o argumento que

    lhe for conveniente em tal ao, pois no pode ser prejudicado em ao penal em que no for

    parte. o que pensa MIRABETE.11

    Tal ao deve ser ajuizada pela vtima ou por representante legal, no caso de

    menor de dezoito anos ou doente mental e, havendo bito, por seus herdeiros(artigo 63 do

    Cdigo de Processo Penal). No polo passivo figura o autor do crime.

    Quanto a competncia da ao civil ex delicto, seja a ao de conhecimento,

    seja a ao executria(ttulo executivo judicial por sentena criminal transitada em julgado),

    com a respectiva liquidao, essas sero manejadas no juzo civil competente, luz do artigo

    100, pargrafo nico do Cdigo de Processo Civil, devendo a vtima optar entre ajuizar uma

    ao civil em seu domiclio ou no local do fato. a melhor soluo dentro do principio do

    acesso a justia.

    10

    TUCCI, Rogrio Lauria. Teoria do Direito Processual Penal, So Paulo, RT, pg. 156. 11

    MIRABETE, Jlio Fabbrini. Curso de processo penal, 3 edio, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, pg. 188.

  • 6

    II - A AO PENAL PBLICA E SUA SUBDIVISO

    A ao penal se divide em pblica ou privada consoante o agente que a

    promova.

    H duas espcies de ao penal pblica: a) ao penal pblica plena, ainda

    chamada de incondicionada; b) ao penal pblica condicionada ainda chamada de

    semipblica.

    A primeira, com explica TOURINHO FILHO,12 aquela promovida pelo

    Ministrio Pblico, sem a interferncia de quem quer que seja, sendo irrelevante at a

    vontade contrria do ofendido; a segunda aquela iniciada pelo Ministrio Pblico,

    dependendo de uma condio: representao do ofendido ou de quem regularmente o

    represente ou ainda requisio do Ministrio da Justia.

    No Brasil, no temos, a exemplo da Alemanha e Frana, promoo de ao

    penal por outros rgos do Estado, como o caso de rgos da Administrao Pblica, em

    infraes pertinentes a matria fiscal, impostos, taxas.

    Na Espanha, ao contrrio do Brasil, nos delitos de contrabando e defraudao,

    a ao penal podia ser promovida pelos abogados del Estado.

    III AO PENAL PBLICA INCONDICIONADA

    Indaga-se: Quais so os crimes que do lugar ao penal pblica

    incondicionada? Tal modalidade constitui a regra e sendo tal sempre que a lei quer que a ao

    seja promovida pelo Ministrio Pblico, sem qualquer alheia interferncia, silencia a respeito.

    Quando a lei quer que seja promovida pelo ofendido, ou por quem o

    represente, dir: somente se procede mediante queixa.

    Quando a lei subordina a propositura da ao penal pelo Ministrio Pblico a

    manifestao de vontade do ofendido ou de quem o represente, legalmente, ou at mesmo a

    requisio do Ministrio da Justia, dir: somente se procede mediante representao ou

    12

    TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, So Paulo, Ed. Saraiva, primeiro volume, 6 edio, 1982, pg. 280.

  • 7

    somente se procede mediante a requisio do Ministro da Justia. Se h silncio da lei, h

    ao penal pblica incondicionada.

    Na linha da doutrina, dir-se- que a ao penal pblica incondicionada est

    sujeita aos seguintes princpios:

    a) Oficialidade: a ao penal pertence ao Estado, pois quando algum comete

    uma infrao penal surge a pretenso punitiva, que um direito abstrato

    que o Estado tem de punir. A ao penal pertence ao Estado atravs de um

    de seus rgos, o Ministrio Pblico;

    b) Indisponibilidade: pertencendo a ao penal pblica incondicionada ao

    Estado, no pode dela dispor o Ministrio Pblico, que a quem se atribui

    tal ofcio;

    c) Obrigatoriedade: cabe ao Ministrio Pblico ajuizar ao penal sempre que

    no for hiptese, por exemplo, de transao penal, como se l da Lei

    9.099/1995, nos chamados delitos de menor potencial ofensivo;13

    d) Indivisibilidade: a ao penal pblica ou privada indivisvel no sentido de

    abranger todos aqueles que cometeram a infrao;

    e) Intranscendncia: a ao penal proposta apenas contra a pessoa ou as

    pessoas a quem se imputa a prtica da infrao.

    Como bem disse MIRABETE14 a ao penal nada tem de diferente daquela de

    direito processual civil, diversificando apenas pelo direito objetivo que o juiz vai aplicar, pois

    ele ir aplicar norma material de direito penal.

    O Estado-Acusao ao ingressar em juzo exerce o direito de ao para obter

    do Estado-Juiz o julgamento da pretenso punitiva. Estamos, pois, diante de um direito pblico

    subjetivo, instrumental, autnomo e abstrato, destinado a aplicao do direito penal objetivo.

    IV DA AO PENAL CONDICIONADA. A CONDIO DE PROCEDIBILIDADE

    A ao penal pblica dependente de representao ainda chamada de

    secundria. Nessa hiptese de ao penal, dependente de representao, a ao continuar

    sendo pblica, isto , seu exerccio cometido ao Ministrio Pblico, instituio permanente

    que defende os interesses da sociedade, mas esse no poder promov-la enquanto no for

    satisfeita condio.

    Tal se v no direito comparado, como na Alemanha, onde a atividade

    persecutria do Estado se subordina a uma representao(antrag). A representao na Itlia

    13

    A transao um direito subjetivo do acusado. acordo com relao a conciliao e quanto a convenincia de um processo penal condenatrio. Ainda a Lei 9.099/95 tambm trouxe uma mitigao ao princpio da obrigatoriedade, autorizando que nas infraes com pena mnima no superior a um ano, seja proposta a suspenso condicional do processo(artigo 89), observando-se a Smula 723 do STF. 14

    MIRABETE, Jlio Fabbrini. Processo Penal, So Paulo, Atlas, 1992, pg. 101.

  • 8

    encontra sede no instituto da querela. Na Frana, tnhamos tal hiptese, no adultrio, na

    difamao e na injria.

    So exemplos:

    a) Perigo de contgio venreo(artigo 130 do Cdigo Penal);

    b) Ameaa(artigo 147 do Cdigo Penal);

    c) Violao de correspondncia comercial(artigo 152 do Cdigo Penal);

    d) Divulgao de segredo(artigo 153 do Cdigo Penal);

    e) Furto de coisa comum(artigo 156 do Cdigo Penal);

    f) Leso corporal leve ou culposa(artigo 129 do Cdigo Penal)15

    Trago a colao o problema das agresses domsticas e ainda os delitos

    sexuais.

    Por maioria de votos, vencido o Ministro Cezar Peluso, o Plenrio do Supremo

    Tribunal Federal julgou procedente, no dia 9 de fevereiro de 2012, a ao direta de

    inconstitucionalidade n. 4.424, ajuizada pela Procuradoria Geral da Repblica no que concerne

    aos artigos 12, inciso I; 16 e 41 da Lei Maria da Penha, Lei n. 11.340/2006.

    A corrente majoritria acompanhou o voto do relator, Ministro Marco Aurlio,

    no sentido da possibilidade de o Ministrio Pblico dar incio a ao penal sem necessidade de

    representao da vtima.

    Para o Supremo Tribunal a circunstncia traada no artigo 16 da Lei

    11.340/2006 acaba por esvaziar a proteo constitucional assegurada s mulheres. Alis, como

    disse a Ministra Rosa Weber, exigir da mulher agredida uma representao para a abertura da

    ao atenta contra a prpria dignidade humana, privando-a de sua sade e segurana.

    Ainda foi esclarecido que no compete aos Juizados Especiais julgar os crimes

    cometidos no mbito da Lei Maria da Penha.

    Por outro lado, necessrio ateno com relao a lei que trata dos delitos

    sexuais.

    A Lei 12.015/2009 deu novo tratamento a matria.

    Isso porque alm das alteraes na parte material, subsumindo ao mesmo tipo

    penal as condutas que caracterizavam o atentado violento ao pudor, sob o ttulo de

    estupro(artigo 213 do Cdigo Penal), ocorreram vrias alteraes, notadamente com relao a

    titularidade da ao penal.

    Antes da reforma o tratamento era este:

    15

    A representao do artigo 88 da Lei 9.099/1995 exigida para o crime de leso corporal leve ou culposa, no tem carter meramente processual, mas ainda de direito material, pois sua falta implica em decadncia, como j lembrou o Supremo Tribunal Federal(RT 751/527). A exigncia em discusso aplica-se inclusive aos procedimentos penais originrios do Supremo Tribunal Federal(Inqurito 1.055 /AM, DJU de 24 de maio de 1996).

  • 9

    a) Ao penal privada: era a regra. Como estes ilcitos penais afetam

    sobremaneira a intimidade da vtima, optou-se por dar a ela o prprio

    exerccio de ao;

    b) Ao penal pblica condicionada: no tendo a vtima condio financeira,

    a sua hipossuficincia trazia para o Ministrio Pblico a titularidade da

    ao, dependendo, todavia, de representao;

    c) Ao penal pblica incondicionada: se a violncia utilizada para a prtica

    da infrao provocasse leso corporal grave ou morte ou ainda se

    ocorresse o abuso do poder familiar ou da qualidade de padrasto, tutor ou

    curador.

    O Supremo Tribunal Federal entendeu que o estupro era crime complexo,

    editando a Smula 608, consagrando que o crime de estupro, praticado mediante violncia

    real, era de ao penal pblica incondicionada. Por este entendimento, se o estuprador

    provocasse apenas leso leve na vtima, a ao seria pblica incondicionada. Violncia real

    agresso fsica, englobando a conduta que leva morte, s leses corporais e at mesmo s

    vias de fato. Exclua-se a violncia moral(ameaa) e a violncia presumida, que caracterizam o

    estupro, mas, em regra, a ao era privada.

    A referida Smula tinha aplicao ainda ao crime de atentando violento ao

    pudor, previsto no artigo 214 do Cdigo Penal.

    Entendeu-se que com o advento da Lei 12.015/2009 os crimes contra a

    dignidade sexual previstos no Captulo I(crimes contra a liberdade sexual artigos 213 a 216

    A do Cdigo Penal) e no Captulo II(crimes sexuais contra vulnervel artigos 217 A ao 218

    B, Cdigo Penal) passam a ter tratamento uniforme, uma vez que a Smula 608 do Supremo

    Tribunal Federal no teria mais aplicao.

    Fica assim a situao:

    a) Ao penal privada: no mais subsiste, a no ser que haja inrcia do

    Ministrio Pblico, quando ter cabimento a ao penal privada

    subsidiria da pblica;

    b) Ao penal pblica condicionada: data vnia ao entendimento de autores

    como TVORA e ALENCAR,16 entendo que a jurisprudncia do Supremo

    Tribunal Federal, na Smula 608, permanece inalterada. A ao penal, no

    crime de estupro, com leso grave ou morte, de ao penal pblica

    incondicionada, porque tanto a leso corporal grave quanto o homicdio

    so delitos de ao penal pblica incondicionada;17

    16

    TVORA, Nestor; ALENCAR. Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, 7 edio, Salvador, Editora Jus Podivm, pg. 190. Para eles, a ao penal pblica condicionada a regra na matria, mesmo quando ocorra leso corporal grave ou morte(artigo 225, caput, Cdigo Penal). Porm, a pobreza no foi contemplada como elemento para o condicionamento da ao penal pblica, fazendo-se a conexo acesso justia e isonomia face a hipossuficincia. 17

    Nesse sentido, MOREIRA, Rmulo de Andrade. A ao penal nos crimes contra a liberdade sexual em face da Lei 121.015-9, disponvel no jusvi.com. e ainda SOUZA, Artur de Brito Gueiros. Inconstitucionalidade da Lei 12.015/2009, disponvel no lfg.com.br

  • 10

    c) Ao penal pblica incondicionada: quando a vtima menor de dezoito

    anos ou pessoa vulnervel, a teor do artigo 225, pargrafo nico, do

    Cdigo Penal. Vulnervel o menor de quatorze anos; os portadores de

    enfermidade ou doena mental que no possuem discernimento para a

    prtica do ato e as pessoas que por qualquer outra causa no puderem

    oferecer resistncia, como as que se encontrem entorpecidas. No se faz

    referncia expresso violncia presumida que foi substituda por

    vulnerabilidade.

    A Lei 12.015/2009 ofende de forma clara os princpios da dignidade da pessoa

    humana e da proibio da proteo deficiente por parte do Estado. Por essa razo a

    Procuradoria-Geral da Repblica ajuizou ao direta de inconstitucionalidade n. 4.301 contra a

    previso daquela norma, Lei 12.015/2009 no sentido de que, no crime de estupro, em que

    resulte leso corporal grave ou morte, deve haver ao penal pblica condicionada

    representao, e no mais por meio de ao penal pblica incondicionada.

    Tal alterao, insista-se , significa um grave retrocesso em relao aos crimes

    de estupro dos quais resulte leso corporal grave e morte, uma vez que a persecuo criminal

    nesses casos, antes incondicionada, passou a depender de representao da vtima ou de seu

    representante legal.

    Na ao penal pblica condicionada, que titulada pelo Ministrio Pblico,

    justifica-se o fato de ser ela condicionada a um permissivo(representao, requisio),

    externando pela vtima ou por seu representante legal, a ofensa que se fez a ela em sua

    intimidade, situao que tecnicamente denominada de representao. Pode ainda a

    permisso ser dada na forma de requisio oriunda do Ministro da Justia como se tem por

    exemplo nos crimes cometidos contra a honra do Presidente da Repblica e do Chefe do

    Governo estrangeiro(artigo 114, inciso I, combinado com o artigo 145, pargrafo nico do

    Cdigo Penal).

    A representao uma condio de procedibilidade. No se trata de condio

    objetiva de punibilidade.

    FRAGOSO18 conceitua as condies objetivas de punibilidade como elementos

    constitutivos do crime, desde que, sem elas, o fato juridicamente indiferente. Exemplifica o

    penalista com o caso do artigo 122 do Cdigo Penal, que subordina a punibilidade do

    induzimento, instigao ou auxlio ao suicdio, efetiva consumao deste ou ao resultado

    leso corporal grave, na hiptese de suicdio tentado.

    De outra parte, na Itlia, com Maggiore, Antolisei, nota-se que as condies

    objetivas de punibilidade pressupem um delito perfeito. A condio no integra o crime, mas

    somente torna aplicvel a pena.

    18

    FRAGOSO, Heleno Cludio. Pressupostos do crime e condies objetivas de punibilidade, in Estudos de direito em homenagem a Nelson Hungria, pg. 176.

  • 11

    NORONHA19 no v ntida diferena entre as condies objetivas de

    punibilidade e as condies de procedibilidade e que a distino, se houver, ser nenhuma no

    terreno prtico.

    TOURINHO FILHO20, no que concorda ASSIS TOLEDO,21reduz as denominadas

    condies de punibilidade a meras condies de procedibilidade(condies especficas da ao

    penal), isto , condies a que fica subordinado em determinadas hipteses, o direito de ao

    penal. Disse o eminente Ministro:

    se no estivermos equivocados, os exemplos que entre ns, so geralmente

    apresentados para as condies em exame no fogem crtica acima

    formulada. Com efeito, tanto no crime falimentar, para cuja punio se exige a

    sentena declaratria de falncia, como no art. 236 do Cdigo Penal, para o

    qual se exige o trnsito em julgado da sentena anulatria do

    casamento(pargrafo nico), pode-se, com enorme dose de razo, sustentar

    que o que fica em suspenso, na dependncia da supervenincia daquelas

    condies legalmente estabelecidas, no o crime ou a tipicidade da conduta,

    mas sim e to-somente o exerccio da ao penal. A incluso na lei substantiva

    dessa autntica condio da ao, pode ser, talvez, a causa de confuso que

    se tem feito sobre a sua verdadeira natureza.

    BARBOSA22 entende que constituindo-se a condio objetiva de punibilidade

    de acontecimento futuro e incerto no coberto pelo dolo do agente, ela exterior ao tipo e,

    em consequncia, ao crime. o caso da sentena declaratria de falncia, em relao aos

    chamados crimes falimentares.

    No se confundem as chamadas condies objetivas de punibilidade com as

    chamadas escusas absolutrias, em que no se impe a pena em casos especiais por

    circunstncias pessoais do agente ou em decorrncia de seu comportamento posterior, como

    nas hipteses de iseno da pena cabveis no artigo 181, incisos I e III e 348, 2, imunidades

    envolvendo os crimes contra o patrimnio e de favorecimento pessoal, respectivamente.

    Por sua vez, h as chamadas condies especiais da ao, condies de

    procedibilidade, que se distinguem das condies genricas da ao(condies da ao j

    reportadas). As condies de procedibilidade so as que condicionam o exerccio da ao

    penal, tm carter processual e se atm , to somente, a admissibilidade da persecuo penal.

    a linha traada por WESSELS 23, que ainda distingue as causas pessoais de

    excluso da pena das causas pessoais de extino da pena. As primeiras so circunstncias

    legalmente reguladas que, de antemo, conduzem impunibilidade em que devem ter se

    constitudo no momento em que o fato cometido(relao de parentesco). As segundas so

    19

    NORONHA, E. Magalhes. Curso de direito processual penal, pg. 136, citado por Tourinho, obra citada, pg. 297. 20

    TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Processo Penal, volume I, pg. 486, 502. 21

    ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princpios bsicos de direito penal, 4 edio, 1991, pg. 158. 22

    BARBOSA, Marcelo Frotes, Condies objetivas de punibilidade, Justitia 85/139. 23

    WESSELS, Johannes. Direito Penal, Porto Alegre, Srgio Antonio Fabris Editor, 1976, pg. 38.

  • 12

    circunstncias que s ocorrem depois do cometimento do fato e que impedem novamente de

    modo retroativo a punibilidade, como o caso da desistncia voluntria e do arrependimento

    eficaz.

    So condies de procedibilidade: a requisio do Ministro da Justia nos

    crimes contra a honra previstos no Cdigo Penal contra o Presidente da Repblica ou contra

    chefe de governo estrangeiro(artigo 145, pargrafo nico do Cdigo Penal), a representao

    do ofendido em determinados crimes(artigos 130, 140, combinado com 141, II; 147, 15124, etc,

    do Cdigo Penal).

    A representao , pois, instituto de natureza processual, condio de

    procedibilidade. Sua ausncia faz com que o juiz profira deciso terminativa de mrito,

    apelvel, luz do artigo 593, III, do Cdigo de Processo Penal.

    Destinatrios da representao so o Juiz, a autoridade policial ou o rgo do

    Ministrio Pblico.

    O artigo 39 do Cdigo de Processo Penal prescreve que o direito de

    representao poder ser exercido pessoalmente ou por procurador com poderes especiais,

    mediante declarao escrita ou oral, feita ao Juiz, ao rgo do Ministrio Pblico ou a

    autoridade Policial.

    Pode o ofendido ou seu procurador outorgar mandato a qualquer pessoa sui

    juris, para que esta exera em nome de qualquer um deles, o direito de representao.

    O instrumento procuratrio deve mencionar poderes especiais, fixando a

    responsabilidade do mandante e do mandatrio(que no precisa ser advogado).

    A representao pode ser feita por escrito ou oralmente.

    Se for feita a Autoridade Policial esta iniciar o inqurito policial, a teor do

    artigo 5, 4, do Cdigo de Processo Penal.

    Se a representao for feita ao rgo do Ministrio Pblico, haver as

    seguintes hipteses:

    a) Se por escrito, com firma autenticada e com elementos que o habilitem a

    promover a ao penal, esta ser promovida dentro do prazo de quinze

    dias, a partir da data em que receber a representao, se se sentir

    habilitado para tal, podendo requisitar a abertura de inqurito;

    b) Se for feita oralmente, ou por escrito sem a firma devidamente

    autenticada, o presentante do Ministrio Pblico determinar no sentido

    de que ela seja reduzida a termo, em sua presena e nesse caso constaro

    as assinaturas do rgo do Ministrio Pblico e de quem fez a

    representao ou de algum por ele, se no souber assinar o nome;

    24

    Somente se procede mediante representao, salvo nos casos do pargrafo primeiro, IV, e do pargrafo terceiro, do artigo 151 do Cdigo Penal(devassar indevidamente o contedo de correspondncia fechada, dirigida a outrem.

  • 13

    c) Caso a vtima represente, elencando apenas parte dos envolvidos, deve o

    Ministrio Pblico provoc-la com relao ao ru ou partcipe no

    indicado. Continuando a omisso, ser reconhecida a renncia ao direito

    de representar, o que operaria a extino da punibilidade com relao a

    todos os envolvidos na infrao penal. a lio de GOMES;25

    d) Se o Ministrio Pblico entender que o fato atpico, por exemplo, que

    no se trata de infrao penal, poder requerer o arquivamento.

    Se feita a representao ao Juiz, este encaminhar ao Ministrio Pblico ou a

    Autoridade Policial.

    Em verdade, a representao pea sem rigor formal que pode ser

    apresentada oralmente ou por escrito, a teor do artigo 39 do Cdigo de Processo Penal.

    A representao deve ser ofertada no prazo de seis meses contados do

    conhecimento da autoria da infrao penal, levando em conta quando a vtima toma cincia

    de quem foi o responsvel pelo delito.

    prazo de natureza decadencial, contado na forma do artigo 10 do Cdigo

    Penal, incluindo-se o dia do incio e excluindo-se o do vencimento.

    Como tal o prazo no se interrompe, no se suspende, no se prorroga.

    No caso dos crimes sujeitos aos Juizados Especiais Criminais, de prudncia

    que, poca da elaborao do termo circunstanciado, colha-se, na delegacia de polcia, a

    representao da vtima.

    Se a vtima for menor de dezoito anos, a representao ser feita por seu

    representante legal. Se for a vtima emancipada no precisa de representante, por bvio.

    Em caso de morte, declarao de ausncia da vtima, o direito de

    representao passa ao cnjuge, includa a companheira, ascendente, descendente, ou aos

    irmos.

    Enquanto no oferecida a denncia, a vtima pode retratar-se da

    representao. Tal s possvel at a apresentao da inicial acusatria na secretaria da Vara

    Criminal ou na Distribuio, pois, sendo aps, estes atos, a representao irretratvel, como

    se l do artigo 25 do Cdigo de Processo Penal e ainda do artigo 102 do Cdigo Penal.

    Cabe retratao da retratao da representao. Contra, se l a posio

    respeitvel de TOURINHO FILHO26 para quem a retratao da representao levaria renncia

    ao direito do representante, acarretando a extino da punibildade.

    25

    GOMES, Luiz Flvio. Direito Processual Penal, So Paulo, RT, 2005, pg. 98. De outro modo, TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, So Paulo, Saraiva, 2003, volume I, pag. 359, para quem se a representao for oferecida contra um dos agentes, a denncia poder ser apresentada em relao aos demais partcipes do mesmo fato, em decorrncia do principio da indivisibilidade da ao penal. 26

    TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, volume I, So Paulo, Saraiva, 2003, pg. 358.

  • 14

    J a requisio do Ministro da Justia ato de convenincia poltica, a cargo do

    Ministro da Justia e deve ser entregue ao Ministrio Pblico, a seu Chefe, o Procurador-Geral.

    A requisio pode ser oferecida a qualquer tempo enquanto a infrao penal

    no estiver prescrita.

    O Parquet no est vinculado requisio, podendo, inclusive, pedir, em Juzo,

    seu arquivamento, caso entenda que no h justa causa para ajuizar a demanda.

    Para a maioria da doutrina, se no forem contemplados todos os envolvidos,

    na requisio, poder o Parquet, titular da ao penal pblica, oferecer ainda denncia contra

    os outros.

    V - LEGITIMIDADE ATIVA CONCORRENTE

    Havendo ofensa a honra do funcionrio pblico que diga respeito ao exerccio

    das funes, artigo 145, pargrafo nico, parte final, h uma ao penal pblica condicionada

    representao.

    O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que a

    legitimidade, nessa hiptese, seria concorrente, cabendo ao funcionrio pblico optar entre

    representar, estando-se na hiptese de ao penal pblica condicionada, ou poder contratar

    advogado para patrocnio de ao penal privada.

    o que se l da Smula 714 do Supremo Tribunal Federal onde se diz que

    concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministrio Pblico,

    condicionada a representao do ofendido, nos crimes contra a honra de servidor pblico em

    razo do exerccio de suas funes. o que se l do julgamento do Supremo Tribunal Federal,

    no AgR Inq 726, de 8 de setembro de 1993, Pertence, RTJ 154/2: Lex STF 188/378.

    Vem um problema: o funcionrio pblico representa e o rgo ministerial, ao

    invs de ofertar a denncia, promove o arquivamento. possvel ao agente pblico contratar

    advogado para promoo de ao penal privada? Uma vez oferecida a representao, ocorre a

    precluso da segunda via da persecutio criminis, de modo que no poder mais o funcionrio

    pblico oferecer a queixa-crime correspondente. Da porque se fala em legitimao alternativa

    e no concorrente, que seria disjuntiva. A propsito, tem-se deciso do Supremo Tribunal

    Federal, no Inq. 1.939 9/BA, Relator Ministro Seplveda Pertence, DJ de 2 de abril de 2004.

    Assim se o ofendido opta pela representao, com o seu oferecimento se

    investe, em definitivo, o Ministrio Pblico de legitimao para a causa, ficando preclusa a via

    da ao privada. Electa una via non datur regressus ad alteram.

  • 15

    Vi REQUISITOS DA DENNCIA. SUA REJEIO. RECURSOS.

    TOURINHO FILHO27 alerta que no se deve confundir incio da ao penal com

    seu ajuizamento. Aquele se d com o oferecimento da pea acusatria enquanto o ltimo se

    d quando o juiz profere despacho determinando a citao.

    O processo tem completada a sua formao, como se l do artigo 363 do

    Cdigo de Processo Penal, consoante a redao dada pela Lei 11.719/2008, com a realizao

    da citao do acusado.

    A denncia deve ser apresentada em cinco dias, se o ru estiver preso, ou

    quinze dias, se estiver solto(artigo 46 do Cdigo de Processo Penal). O prazo comea do dia em

    que o membro do Ministrio Pblico receber os autos do inqurito ou das peas de

    informao. Encerrado o prazo em feriado ou domingo, prorroga-se para o primeiro dia til

    seguinte. Se houver hipteses de vrios denunciados, uns presos, outros no, o prazo se conta

    como se todos estiverem presos.

    Listo as consequncias que surgiriam com esse excesso de prazo: a uma, se o

    ru estiver preso, o ajuizamento de habeas corpus, objetivando ao relaxamento da priso,

    quando o atraso seja desarrazoado; a duas, o ajuizamento de ao penal privada subsidiria da

    pblica, se o Parquet no tomar, no prazo legal, sem razovel justificativa, providncias

    cabveis; a trs, providncias no campo da correio com o fim de corrigir os abusos

    cometidos.

    De toda sorte, em sua defesa, o ru poder fazer abordagens sobre os

    requisitos formais da denncia.

    Esto eles no artigo 41 do Cdigo de Processo Penal. Cabe discuti-los.

    a) Descrio do fato com todas as suas circunstncias

    A denncia formulada deve descrever, da forma mais pormenorizada, os fatos

    criminosos do(s) acusado(s). isso porque o ru se defende dos fatos que lhe so imputados e

    no da tipificao jurdica que lhe dada.

    27

    TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, So Paulo, Saraiva, 2003, volume I, pg. 391.

  • 16

    Uma inicial acusatria com descrio ftica deficitria ou ausente petio

    inepta, que, a teor do artigo 395, I, do Cdigo de Processo Penal, deve ser rejeitada.

    A deficincia da narrativa implica em rejeio da denncia.

    Na lio de GOMES28, existem duas modalidades de inpcia: a formal, pela

    ausncia dos requisitos essenciais descritos no artigo 41 do Cdigo de Processo Penal e a

    material pela falta de justa causa, que a ausncia de elementos probatrios mnimos para o

    incio da ao penal.

    Em havendo vrios acusados, necessrio que a denncia descreva o grau de

    contribuio de cada um no crime ou crimes e como ele ocorreu e ainda em que circunstncias

    se deu, no intuito de precisar o que se imputa ao ru e em que circunstncias, garantindo-se o

    exerccio da ampla defesa.

    A par de posio do Supremo Tribunal Federal na matria, como se l do HC

    73208/RJ, Relator Ministro Maurcio Corra, DJ de 7 de fevereiro de 1997, temos que a

    denncia genrica afronta o princpio constitucional da ampla defesa, isto porque, nos crimes

    societrios indispensvel que a pea acusatria individualize a conduta de cada indiciado. o

    que se l do julgamento do Excelso Pretrio, no HC 82246/RJ, Relatora Ministra Ellen Gracie,

    DJ de 14 de novembro de 2002.

    por certo de uma insegurana gritante uma denncia que noticia ao

    Judicirio ocorrncias, sem especificar fatos, data vnia, sem permitir ao ru sua defesa.

    De outra forma, se deve censurar a chamada imputao alternativa.

    Colho a lio de NUCCI29 entendendo ser invivel essa espcie de denncia ou

    de queixa.

    Assim se o rgo acusatrio est em dvida com relao ao fato ou quanto

    classificao que merea, deve fazer sua opo antes do oferecimento, porm, no apresentar

    ao Judicirio duas verses sobre o mesmo acontecimento.

    Fatos intrincados, ininteligveis, contraditrios, devem levar a rejeio, no

    recebimento, da denncia.

    b) Qualificao do acusado ou fornecimento de dados que possibilitem a

    sua identidade

    28

    GOMES, Luiz Flvio. Direito Processual Penal, So Paulo, RT, 2005, pg. 93. 29

    NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo de Processo Penal comentado, 3 edio, So Paulo, RT, 2004, pg. 142.

  • 17

    Se existirem dados incertos para o nome, filiao, estado civil do ru, devem

    ser utilizados outros dados que permitam a sua identificao, desde os apelidos at a altura,

    caractersticas fsicas.

    c) Classificao do crime

    A omisso quanto a tipificao caracteriza uma irregularidade. De outro

    modo, se errnea, deve o juiz, a teor do artigo 383 co Cdigo de Processo Penal, efetuar a

    emendatio libelli.

    d) Rol de testemunhas

    O rol de testemunhas deve ser apresentado com a inicial, sob pena de

    precluso.

    e) Pedido de condenao

    O pedido elemento da demanda, tal como as partes e a causa petendi, seja

    prxima (fato gerador do interesse de agir) ou remota(fato constitutivo do direito afirmado em

    juzo). Sua falta pode caracterizar inpcia. Por outro lado, de forma liberal, pode-se entender

    pela mera irregularidade, diante do que se insere da denncia.

    f) Endereamento

    O erro de endereamento no invalida a denncia, no enseja a sua inpcia.

    Por endereamento da denncia tem-se a indicao do rgo jurisdicional ao qual a inicial

    direcionada.

  • 18

    g) Nome e assinatura

    Correta a ilao de GRINOVER, FERNANDES e GOMES FILHO30 no sentido de

    que a denncia ou queixa no assinada pode significar a inexistncia. No, contudo, se

    facilmente identificvel quem a elaborou. Desta forma, se facilmente identificvel quem a

    elaborou, pois se o promotor, apesar de no ter assinado a denncia, lanou cota nos autos,

    assinando-a, nela havendo constar que assinou a denncia, caso de atribuir mera

    irregularidade, mero erro formal.

    h) Outros requisitos

    A denncia pode conter pedidos de diligncias, de citao do demandado,

    tudo a ser escrito em vernculo.

    Diante do artigo 395 do Cdigo de Processo Penal, com a redao dada pela

    Lei 11.719/2008, aponto as causas para rejeio da denncia:

    a) Quando a denncia for manifestadamente inepta;

    b) Faltar pressuposto processual ou condio para o exerccio da ao penal;

    c) Falta justa causa para o exerccio da ao penal.

    A justa causa a necessidade de lastro mnimo para o exerccio da ao, onde

    se exigem indcios31 de autoria e de materialidade, que so coligidos, geralmente de inqurito

    policial aberto para tanto, ou ainda um outro procedimento aberto como, por exemplo,

    investigao ministerial.

    Se o crime deixar vestgios necessrio que a petio inicial se faa

    acompanhar de laudo pericial. No sendo possvel a sua utilizao a hiptese de

    apresentao de prova testemunhal.

    Discute-se o recurso para combater a rejeio da denncia.

    O recurso cabvel para combater a rejeio da denncia ou queixa, como se l

    do artigo 581, I, do Cdigo de Processo Penal, o recurso em sentido estrito. Se for recebida,

    30

    GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antnio Scarence; GOMES FILHO, Antnio Magalhes. As nulidades no processo penal, 7 edio, So Paulo, RT, 2001, pg. 97. 31

    Indcios so certas circunstncias que permitir chegar verificao da existncia de um fato. Indcio uma circunstncia certa e que se realizou ao passo que na presuno considera como realizado um fato no provado, fundando-se, entretanto, na experincia. Por um raciocnio intelectual a partir de um fato conhecido e demonstrado(indcio), chega-se, por presuno, demonstrao de outro fato.

  • 19

    caber da parte do ru a impetrao de habeas corpus, se for o caso, objetivando trancar o

    processo.

    No caso de denncias ajuizadas, perante os Juizados Especiais Criminais,

    caber, a teor do artigo 82 da Lei 9.099/95, o ajuizamento de recurso de apelao.

    J no que concerne s denncias ajuizadas perante os tribunais de justia ou

    ainda os tribunais regionais federais, a teor da Lei 8.038/90, caber, seja se houver violao a

    norma infraconstitucional(recurso especial) ou violao a constituio(recurso extraordinrio).

    Lembro a Smula 709 do Supremo Tribunal Federal para que salvo quando

    nula a deciso de primeiro grau, o acrdo que prov o recurso contra a rejeio da denncia

    vale pelo recebimento dela.

    VII DA NATUREZA DA DECISO QUE RECEBE A DENNCIA

    O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 72.286 5/PR, DJU de 16 de

    fevereiro de 1996, manifestou-se no sentido de que o despacho que recebe a denncia ou a

    queixa, embora tenha contedo decisrio, no se encarta no conceito de deciso, como

    previsto no artigo 93, IX, da Constituio, no sendo exigida a sua fundamentao, que

    somente exigida quando o juiz rejeita a denncia ou a queixa.

    Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 74.297, DJ de

    27 de maro de 1974, discutiu se o ato judicial de recebimento da denncia ato decisrio.

    Durante a sustentao de voto do Ministro Bilac Pinto, foi trazida a colao

    lio do Professor J. Canuto Mendes de Almeida, catedrtico da cadeira de Processo Penal da

    Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, quando disse:

    Tratando-se de dualidade de ato processual, na mesma ao penal, bem de se

    entender indubitvel circunstncia de que tal reiterao acusatria careceu do

    carter de denncia, pretendido pelo digno promotor pblico daquela comarca

    fluminense. Inobstante a cota que a acompanhou, sua natureza jurdico-

    processual poderia ter sido a de mero aditamento denncia(se a houvesse

    efetivamente aditado), baseado no art. 569 do Cdigo de Processo Penal, tal

    como a do aditamento queixa, previsto no art. 29 desse Cdigo. Mas nem

    mesmo aditamento denncia foi tal ato de reiterao.

    A segunda denncia, reiterando a anterior, no mais fez do que ratific-la. E,

    como diz o prof. Tornaghi, a ratificao de ato anterior no o invalida nem

    convalida; limita-se a reconhec-lo como bom e valioso. Tem carter

    puramente declaratrio, jamais constitutivo e seus efeitos se produzem ex

    tunc, isto , desde a data do ato ratificado.

  • 20

    Ainda foi o Ministro Bilac Pinto, em seu voto, que informa que Florncio de

    Abreu aduziu que a antiga jurisprudncia ptria uniformemente entendia que se no anulam os

    atos ordinrios e probatrios do processo organizado por juiz incompetente, mas to-somente os

    atos decisrios. Essa ainda a lio de ESPINOLA FILHO32

    , FRANCO33

    , NORONHA34

    ,

    TORNAGHI35

    , dentre outros.

    O Ministro Bilac Pinto, naquele leading case, trouxe a colao a lio de

    MARQUES36

    para quem o ajuizamento da denncia processa-se atravs de despacho, que

    possui contedo ordinrio ou de expediente, no qual se encerra somente um juzo de

    admissibilidade quanto regularidade formal da denncia, viabilidade da relao processual e

    viabilidade do direito de ao. Essa a lio oriunda de J. Canuto Mendes de Almeida e Hlio

    Tornaghi, que foram ali citados.

    Deve-se ir mais adiante, pois ESPNOLA FILHO37

    diz que se trata de

    interlocutria simples, por ser meramente ordinatria do processo que no se anula pela

    incompetncia do juiz que as proferiu.

    A ementa daquele acrdo tinha o seguinte teor:

    Ao penal interrupo da prescrio pelo despacho que recebeu a denncia

    Denncia oferecida e recebida em juzo incompetente, com o oferecimento de

    nova denncia no juzo competente Alegao de validade do recebimento da

    primeira denncia, por se no tratar de ato decisrio, devendo considerar-se o

    seu recebimento, no o da ulterior denncia, como causa interruptiva da

    prescrio Improcedncia da alegao O despacho que recebe a denncia,

    embora contenha carga decisria, no ato decisrio mencionado no art. 567 do

    Cdigo de Processo Penal, mas ato renovvel e ratificvel(Cdigo de Processo

    Penal, art. 108, 1). Legalidade do oferecimento de nova denncia.

    Interrupo do prazo prescricional pelo despacho que a recebeu e determinou a

    instaurao da ao penal com base nela Recurso Extraordinrio conhecido e

    provido.

    No julgamento do RHC 5.871 , Relator Ministro Fernando Gonalves, DJ de 28

    de abril de 1997, se l que o despacho de recebimento da denncia, tem cunho decisrio,

    porquanto acolhe ou no a pretenso deduzida pela acusao, e quando proferido por juiz

    incompetente ineficaz para interromper a prescrio.

    Data mxima vnia, tenho para mim que ao proferir juzo positivo quanto

    presena dos requisitos mnimos para o incio do processo, o juiz dever receber a denncia ou a

    queixa(ao penal privada), num momento que deflagrador da persecuo em juzo, alm de

    ocasionar a interrupo da prescrio, previne a competncia.

    32

    Espnola Filho, Eduardo, Cdigo de Processo Penal Brasileiro, volume II, pg. 291. 33

    FRANCO, Ary Azevedo, Cdigo de Processo Penal, volume III, pg. 104 e 105. 34

    NORONHA, E.Magalhes, Curso de Direito Processual Penal, pg. 366. 35

    TORNAGHI, Hlio, Comentrios ao Cdigo de Processo Penal, volume I, tomo II, pg. 309. 36

    MARQUES, Jos Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, volume II, pg. 160 a 161. 37

    ESPNOLA FILHO, Eduardo, obra citada,. Volume I, pg. 04, 45 e 195.

  • 21

    H no recebimento da denncia uma autntica deciso judicial de cunho

    interlocutria, atravs de um juzo de delibao.

    Por certo, por ser assim, no se exige uma fundamentao detalhada, mas

    concisa, uma vez que esse no o momento de uma cognio exauriente a ser feita

    somente apenas aps a dilao probatria exigida.

    Da porque uma vez recebida a exordial e iniciado o processo, no

    possvel, ao rgo julgador, um juzo de retratao, que poderia ser feita atravs de um

    habeas corpus de ofcio. A matria processual que enseja o recebimento da inicial pode

    ser rediscutida at a sentena, pois no faz coisa julgada material.