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    O TRATADO PARA BANIR ASBOMBAS CLUSTERS E

    A POSIO BRASILEIRAPara qualicar o debate nacional

    Gustavo Oliveira Vieira

    Santiago Artur Berger Sito

    Organizadores

    Centro Universitrio Franciscano

    Santa Maria, RS

    2010

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    Coordenao Editorial

    SALETTE MARCHI

    Projeto Grco

    FABRICIO SPANEVELLO PERGHER

    Reviso

    INARA RODRIGUES

    MARIANE LAZZARI FLORES

    Ficha Catalogrca elaborada pela Bibliotecria Eunice de Olivera CRB 10/1491

    T776 O tratado para banir as bombas clusters e a posio brasileira :para qualicar o debate nacional / Gustavo Oliveira Vieira,Santiago Artur Berger Sito organizadores - Santa Maria :Centro Universitrio Franciscano, 2010.168 p.

    ISBN: 978-85-7909-015-8

    1. Direito Internacional Humanitrio 2. Explosivos3. Bombas Cluster I. Vieira, Gustavo OliveiraII. Sito, Santiago Artur Berger

    CDU 620.261.1

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    Eu acho que j hora do Brasil parar de exportar bombas

    cluster. Eu acho que o Pas deveria assinar o tratado

    imediatamente, exatamente como assinaram o Tratado

    de Proibio de Minas. O Brasil deveria ser um lder no

    hemisfrio ocidental nesse problema e um lder no mundo.

    Ns no precisamos de mais armas, precisamos de menos.

    Ns no precisamos de governos gastando seu dinheiro

    na militarizao quando as pessoas no mundo tm tantas

    necessidades, quando as pessoas no Brasil enfrentam

    tantos desaos diariamente em suas vidas. Elas no

    precisam de seu governo gastando dinheiro em bombas

    cluster. Ento, Brasil, junte-se agora [ Conveno sobre

    Munies Cluster], por favor!Jody Williams,

    laureada com o Prmio Nobel da Paz de 1997,incita o Brasil a assinar a Conveno sobre Munies Cluster

    - em entrevista concedida em dezembro de 2009,em Cartagena, Colmbia.

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    CBCMT - Campanha Brasileira Contra Minas Terrestres e Bombas Cluster

    CCAC - Conveno sobre Certas Armas Convencionais de 1980

    CF/88 - Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988

    CICV - Comit Internacional da Cruz Vermelha

    CMC - Coalizo Contra Munies Cluster (Cluster Munitions Coalition)

    DIH - Direito Internacional Humanitrio

    ERG - Explosivos Remanescentes de Guerra

    EUA - Estados Unidos da Amrica

    GEAPAC - Grupo de Estudos e Aes Pacistas

    ICBL - Campanha Internacional pela Erradicao das Minas Terrestres(International Campaign to Ban Landmines)

    MRE - Ministrio de Relaes Exteriores

    OEA - Organizao dos Estados Americanos

    ONG - Organizao No Governamental

    ONU - Organizao das Naes Unidas

    SIPRI - Instituto Internacional de Pesquisas de Paz de Estocolmo

    (Stokholm International Peace Research Institute) UNIFRA - Centro Universitrio Franciscano

    UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    AGRADECIMENTOS

    Mesmo uma obra de curta envergadura como esta contou

    com o apoio de muitas pessoas para sua elaborao. Foram muitos os

    apoiadores e os encorajadores que concorreram para chegarmos s

    concluses, acessarmos as fontes e podermos oferecer uma publicao

    que se espera til problematizao da poltica externa brasileira.

    Em primeiro lugar, gostaramos de externar nosso agradeci-

    mento muito especial ao Centro Universitrio Franciscano (UNIFRA) de

    Santa Maria e sua mantenedora, SCALIFRA-ZN (Sociedade Caritativa e

    Literria So Francisco de Assis - Zona Norte). Sem o apoio continuado

    da UNIFRA, da Reitoria (Reitora Iran Rupolo), das Pr-reitorias, doProfessor Claudemir Quadros e da Coordenao do Curso de Direito

    (Professoras Rosane Leal, Carla Costa e Professores Marcelo Kmmel e

    Jaci Rene), nossas realizaes ficariam bastante restringidas.

    A conana que todos vocs depositaram em ns foi e fundamental.

    A formao do Grupo de Estudos e Aes Pacistas, em outubro

    do ano de 2007, na UNIFRA, foi chave para a reenergizao da Campanha

    Brasileira, com novos e jovens ativistas qualicados e empenhados emcompreender, pesquisar, publicar e agir. Sem o apoio da UNIFRA, em

    vrios nveis, nossos resultados no poderiam acontecer. Entre outras

    aes concretas de apoio e incentivo, devemos citar a concesso de bolsas

    de pesquisa e extenso, horas de extenso para o professor coordenador,

    Gustavo Vieira, espao fsico para trabalharmos, apoio nanceiro para

    viagens nacionais e internacionais, abertura de espaos intrainstitucionais

    para a divulgao das aes e, agora, a editorao e impresso deste livro.

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    A Dom Irineu Rezende Guimares, pacista engajado, educador

    para a paz e primeiro coordenador da Campanha Brasileira Contra

    Minas Terrestres, que ofereceu os primeiros esclarecimentos para toda

    essa jornada, que j perfaz 11 anos.Ao ilustre professor Fbio Konder Comparato, simpatizante da

    causa, que gentilmente cedeu seu texto sobre a responsabilizao do

    Presidente da Repblica em relao posio atual do Brasil a respeito

    do tema das munies cluster.

    A Cristian Wittmann, que atuou como colaborador do GEAPAC

    e foi um grande ativista da Campanha at este incio de 2010. Abriu por-

    tas e cooperou muito at aqui, com sua parceria, seu esforo, compe-tncia e prossionalismo.

    Ao Instituto Sou da Paz, que abraou a causa pelo banimento

    das bombas cluster e, em especial, ao Daniel Mack, Heather Sutton

    e ao Denis Mizne, que participaram ativamente do Processo de Oslo

    e contriburam com seu engajado ativismo e primorosos textos,

    chamando a responsabilidade do Brasil para a causa.

    Aos ativistas da Campanha Internacional Contra as Minas

    Terrestres (ICBL), nas pessoas da Sylvie Brigot, Kasia Derlicka,

    Simona Beltrami, Tamar Gabelnick, Patrick Teil, Olivia Denonville,

    Amelie Chayer, Jackie Hansen e da Coalizo contra Munies Cluster

    (CMC), nas pessoas do Thomas Nash e Laura Chesseman, por criarem

    condies ao ativismo internacional. Especialmente tambm a Steve

    Goose e Jody Williams, inspiradores lderes internacionais, exemplos

    de ativistas e pesquisadores.

    Ao colega e professor Marcos Palermo, pela reviso deste

    texto. Por certo, continuaremos contando com seu valioso suporte.

    A todos os membros da GEAPAC-UNIFRA, que mantm o

    trabalho dirio da Campanha: Andrea Osmari, Felipe Walter, Felipe da

    Silva, Jlia Rebelato, Juliano Cattani, Lorenzo Schaer, Laura Mariotto,

    Natlia Lima, Natalia Brizolla e Sonya de David.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    Coordenao do Curso de Direito da UNISINOS, que reconhe-

    ceu a importncia do trabalho e permitiu eventuais ausncias.

    Ao CAED/UNISINOS, na pessoa do Edgar Fogaa, pelo apoio

    e abertura de espaos que oferecem aos temas que nos propomos adebater.

    Ao Deputado Federal Fernando Gabeira, por fazer ecoar

    no Congresso Nacional a defesa da paz e a prevalncia dos direitos

    humanos, aceitando nossa interlocuo e promovendo o debate

    nacional atravs de audincias pblicas na Cmara dos Deputados e,

    sobretudo, pela apresentao do Projeto de Lei 4.590/2009.

    Um agradecimento especial, tambm, Rosngela BermanBleier, do Instituto Interamericano de Descapacidad y Desarollo Inclusivo,

    merecidamente laureada com o Prmio de Direitos Humanos da Secretaria

    Nacional, em dezembro de 2009, que tivemos a oportunidade de encontrar

    recentemente e tem dado suporte fundamental para esta causa.

    Tambm aos apoiadores que auxiliam nas tarefas da Campanha/

    GEAPAC: Andrea Moraes, Andrea Kahmann, Luis Gustavo Gomes Flores,

    Marcia Ramm, Maria Eugnia S, Mauro Parcianello, Rachel Walter,

    Rodrigo Moraes, Raul Schramm, Serena Olgiati, Vincius Souza.

    A todos, o nosso MUITO OBRIGADO!

    Gustavo Oliveira Vieira e Santiago Artur Berger Sito

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    SUMRIO

    APRESENTAO ................................................................................................ 15

    I - RELATRIO BANINDO AS MUNIES CLUSTER:

    PRTICA E POLTICA GOVERNAMENTAL O CASO BRASILEIRO ...................19

    CAPTULO: BRASIL .....................................................................................19

    II AS BOMBAS CLUSTER PERANTE O DIREITO INTERNACIONAL:

    REFLEXES CRTICAS E ACADMICAS ........................................................23

    A RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPBLICA

    EM MATRIA DE POLTICA INTERNACIONAL

    Fabio konder Comparato ..................................................................................23

    O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO E A LIMITAO

    DOS MEIOS DE GUERRA PROTEO DOS CIVIS:

    PERSPECTIVAS ILEGALIDADE DAS BOMBAS CLUSTER

    Cristian Wittman e Gustavo Oliveira Vieira .........................................................29

    DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO OU MUNIES CLUSTER:

    QUAL A POSIO DO BRASIL?

    Jlia Rebelato e Lorenzo Schaer ......................................................................61

    A CONVENO SOBRE AS MUNIES CLUSTER:

    DA FORA FORMATIVA SUPERAO DOS DANOS A CIVIS Cristian Wittman, Gustavo Oliviera Vieira e Santiago Sito ................................... 70

    III - ARGUMENTOS OPINIO PBLICA: QUALIFICANDO O DEBATE ...........81

    O QUE VOC EST FAZENDO PARA BANIR AS MUNIES CLUSTER?

    Santiago Artur Berger Sito ...............................................................................81

    O BRASIL, PELA PAZ E PELOS DIREITOS HUMANOS:

    CONTRA AS BOMBAS CLUSTER

    Gustavo Oliveira Vieira .....................................................................................82

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    UTILIDADE MILITAR LIMITADA VERSUS PREJUZOS HUMANITRIOS

    INTANGVEIS: A DESPROPORCIONALIDADE NA GEOGRAFIA REGIONAL

    Cristian Ricardo Wittmann .............................................................................. 84

    O PSEUDO PARADOXO DO CUSTOBENEFCIO NO USODAS BOMBAS CLUSTER

    Satiago Artur Berger Sito ................................................................................ 85

    A ESTIGMATIZAO GLOBAL DAS MUNIES CLUSTER INVIABILIZA

    SEU USO E EXPORTAO, FRUTO DO DESGASTE POLTICO JUNTO

    S COMUNIDADES LOCAL E INTERNACIONAL

    Julia Marques Rebelato ................................................................................... 87

    MINAS TERRESTRES E BOMBAS CLUSTER:

    A CONTRADIO DE UM BRASIL DESHUMANITRIO

    Santiago Artur Berger Sito .............................................................................. 90

    O BRASIL, A PAZ E OS DIREITOS HUMANOS: A COERNCIA

    FORA A PARTICIPAO DO BRASIL CONVENO DE OSLO

    Gustavo Oliveira Vieira .....................................................................................91

    A INDSTRIA BLICA BRASILEIRA E A PRODUO DAS MUNIES

    CLUSTER VERSUS A NECESSIDADE DE UMA POSIO HUMANITRIA

    DO BRASIL: A DICOTOMIA ENTRE O LUCRO E A VIDA Felipe Matos Walter .........................................................................................92

    A AUSNCIA BRASILEIRA NA CONVENO DE OSLO E O REFLEXO

    NEGATIVO NA AMRICA LATINA

    Felipe Matos Walter ........................................................................................ 94

    NO DIA MUNDIAL DA DEFICINCIA, O BRASIL QUESTIONADO

    SOBRE BOMBAS DE FRAGMENTAO

    Gustavo Oliveira Vieira e Rosngela Berman Bieler ............................................. 96ENTREVISTA CONCEDIDA PELO PROF. GUSTAVO OLIVEIRA VIEIRA,

    AO INSTITUTO HUMANITAS, EM SETEMBRO DE 2009

    Por Patricia Fachin .......................................................................................... 98

    QUEM TE VIU E QUEM TE V, ITAMARATY

    Daniel Mack e Denis Mizne ..............................................................................106

    CRISE HUMANITRIA MADE IN BRAZIL?

    Cristian Wittman , Daniel Mack e Vanessa Pugliese ............................................109

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    TENTANDO EXPLICAR O INEXPLICVEL

    Daniel Mack .................................................................................................... 111

    IV - MANIFESTAES DA SOCIEDADE CIVIL: BUSCANDO A SENSIBILIZAO

    DOS TOMADORES DE DECISO ......................................................................115CARTA ENVIADA AOS PARLAMENTARES BRASILEIROS .....................115

    CARTA ENTREGUE AO EMBAIXADOR DO BRASIL NA COLMBIA,

    VALDEMAR CAMILO LEO NETO, POR OCASIO DO

    CARTAGENA SUMMIT ON A MINEFREE WORLD ......................................118

    CARTA A GILBERTO CARVALHO, ASSESSOR DO PRESIDENTE

    DA REPBLICA ......................................................................................... 123

    CARTA ENVIADA AO EMBAIXADOR DO BRASIL NA REPRESENTAOPERMANENTE CONFERNCIA DE DESARMAMENTO, GENEBRA,

    5 DE JUNHO DE 2008 ............................................................................... 125

    CARTA AO EMBAIXADOR DO BRASIL NO CANAD, OTTAWA,

    2 DE DEZEMBRO DE 2007 ........................................................................ 127

    V DOCUMENTOS OFICIAIS

    CONVENO SOBRE MUNIES CLUSTER .............................................. 129

    PROJETO DE LEI N 4590/2009 , DE 2009 Fernando Gabeira ..........................................................................................159

    ESTADO DA UNIVERSALIZAO DA CONVENO SOBRE

    MUNIES CLUSTER .......................................................................................163

    MINICURRICULOS ...........................................................................................167

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    APRESENTAO

    Em 1 de agosto de 2010, a Conveno sobre Munies Cluster

    entrar em vigor aps alcanar a raticao de trinta (30) pases e,

    infelizmente, o Brasil no um deles. A Conveno conta com 106

    Estados signatrios dentre os quais, lamentavelmente, o Brasil tambmest presente. A ausncia da Repblica Federativa do Brasil nesse

    relevante tratado de Direito Internacional Humanitrio motivou-nos a

    compilar, em uma publicao nica, nossos argumentos em favor da

    mudana de posio do Estado brasileiro.

    O objetivo desta obra, portanto, qualicar o debate sobre a

    problemtica das bombas cluster no Brasil. Esse tema tem se reduzido

    a alguns poucos interessados ou tomadores de deciso, apesar de se

    tratar de uma questo que envolve a segurana nacional, internacional

    e a prpria ordem mundial, no que diz respeito ao desarmamento

    internacional e ao controle de armas.

    O presente livro foi organizado a partir da reunio de uma

    srie de textos j produzidos e elaborados, a maioria, por membros da

    Campanha Brasileira Contra Minas Terrestres e Munies Cluster, no

    mbito da atuao comum com o Grupo de Estudos e Aes Pacistas

    do Centro Universitrio Franciscano.

    A Campanha Brasileira Contra Minas Terrestres foi iniciativa

    de um grupo de pacifistas do Rio Grande do Sul que se reuniu em

    1996, inusitadamente, em um quarto de hospital. Os idealizadores

    so o Padre Marcelo Rezende Guimares (hoje Monge Dom Irineu

    Rezende Guimares), coordenador da Rede de Jovens em Busca da

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    Paz e do Movimento Municipal de Direitos Humanos de Santa Cruz

    do Sul, e o Pastor Ricardo Wangen (in memoriam), do SERPAZ de

    So Leopoldo.

    Em 1997, a organizao da Campanha Brasileira trabalhou parapressionar o pas a assinar o Tratado de Ottawa sobre a erradicao das

    minas. Em 1998 e 1999, o trabalho se concentrou em torno da raticao

    desse Tratado, realizada no nal de abril de 1999, mesmo ano em que

    seu coordenador1, poca, atendeu a I Conferncia dos Estados Partes e

    Encontro Mundial da ICBL, em Maputo, Moambique. Entre os anos de

    1999 a 2001, realizaram-se aes para que o Congresso Nacional adotasse

    legislao nacional implementao do artigo 9 do Tratado deOttawa, que culminou na lei 10.300. Em maro, ocorreu a participao

    no Encontro da ICBL, em Washington, EUA. O destaque foi sempre a

    participao da juventude a partir da Rede de Jovens Em Busca da Paz.

    J a formao do Grupo de Estudos e Aes Pacistas ocor-

    reu em outubro de 2007, no Centro Universitrio Franciscano, para

    unir pesquisa e extenso pelo ativismo, em conjunto com a Campa-

    nha Brasileira Contra Minas Terrestres, aproveitando o alto potencial

    acadmico disponvel. Iniciado com o importante apoio da professora

    Coordenadora do Curso de Direito poca, Rosane Leal, e sustentado

    sob a coordenao do professor Marcelo Kummel, o projeto tem sido

    coordenado pelo professor Gustavo Oliveira Vieira desde ento.

    O texto dividido em cinco partes. A primeira, I - Relatrio

    Banindo as munies cluster: prtica e poltica governamental - o

    caso brasileiro, tem o objetivo de situar o debate nacional. Apresenta

    a traduo do captulo destinado ao Brasil no relatrio internacional

    produzido pela ONG Human Rights Watch e pela equipe de pesquisa-

    dores do Monitor de Minas Terrestres sobre o tema das bombas

    cluster, intitulado Banindo as Munies Cluster.

    1 Pe. Marcelo Rezende Guimares

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    Na segunda parte, II - As bombas cluster perante o Direito

    Internacional: reexes crticas (e acadmicas), encontra-se uma

    compilao de textos de maior profundidade sobre o assunto, que

    j foram publicados em outros espaos pelo Curso de Direito enanciado pela Campanha Internacional para Banimento das Minas

    Terrestres (ICBL) e pela Coalizo contra as Munies Cluster (CMC).

    O primeiro texto, do professor Fbio Konder Comparato, aborda a

    possibilidade da responsabilizao do Presidente da Repblica em

    matria de poltica internacional; na sequncia, Cristian Wittmann e

    Gustavo Vieira tratam da (i)legalidade das bombas cluster perante o

    Direito Internacional Humanitrio; Lorenzo Schaer e Jlia Rebelatoreetem sobre o Brasil e o problema das bombas cluster; e, por m,

    Cristian Wittmann, Gustavo Vieira e Santiago Sito realizam um estudo

    sobre a Conveno sobre Munies Cluster.

    A terceira parte, III - Argumentos opinio pblica: qualicando

    o debate, constitui-se de uma srie de artigos jornalsticos produzidos

    ao longo dos anos de 2008 e 2009 por diversos ativistas. Os assuntos

    principais se situam na construo de argumentos em favor da

    participao do Brasil Conveno sobre Munies Cluster.

    J a quarta parte, IV - Manifestaes da sociedade civil:

    buscando a sensibilizao dos tomadores de deciso, justamente

    a reunio de algumas das Cartas que a Campanha entregou a altos

    representantes do Estado em variados momentos ao longo do

    Processo de Oslo, que culminou no novo tratado internacional sobre a

    erradicao das Munies Cluster, em 3 de dezembro de 2008.

    Por tal razo, a quinta e ltima parte traz a traduo da

    Conveno sobre Munies Cluster, alm do Projeto de Lei atualmente

    em tramitao no Congresso Brasileiro, de autoria do Deputado

    Fernando Gabeira.

    Gustavo e Santiago

    Organizadores

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    IRELATRIO BANINDO AS MUNIES CLUSTER:

    PRTICA E POLTICA GOVERNAMENTALO CASO BRASILEIRO

    CAPTULO: BRASIL1

    A Repblica Federativa do Brasil no assinou a Conveno em

    Munies Cluster. Participou minimamente do processo diplomtico

    que resultou no desenvolvimento, negociao e a assinatura da

    conveno em dezembro de 2008. O Brasil produz e armazenamunies cluster e Estado Parte da Conveno sobre Certas Armas

    Convencionais (CCAC), mas no raticou o Protocolo V, dos Explosivos

    Remanescentes de Guerra.

    Poltica de banimento das munies cluster

    Na declarao de 2005, sobre a aplicabilidade do direito

    internacional humanitrio ao uso de bombas cluster, o Brasil mencionou

    que bombardeamentos areos de altas altitudes, que utilizam bombas

    cluster, violam o principio da distino. Mencionou, tambm, que o uso

    de munies cluster deveria ser limitado dependendo das condies

    1 Este relatrio foi gentilmente traduzido pela acadmica Andra Osmari.

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    climticas e caractersticas terrestres e que bombas cluster ou

    dispersores de submunies no deveriam ser liberadas ou lanadas

    de altas altitudes devido ao padro de disperso suscetvel de gerar

    grandes riscos desnecessrios e dano a civis.Apesar de expressar preocupao com as vtimas civis atingidas

    por bombas cluster no Lbano, em 2006, apenas um ocial exigiu o

    banimento da arma e o Brasil no apoiou os esforos internacionais para

    proibir essas munies. Em 25 de outubro de 2006, o Brasil no apoiou a

    proposta, durante a Terceira Conferncia de Reviso da CCAC, da criao

    de um Grupo de Especialistas Governamentais (GGE) para negociar um

    instrumento jurdico-vinculante que visasse s consequncias de carterhumanitrio provocadas pelas munies cluster.

    O primeiro compromisso do Brasil com o processo de Oslo

    rmou-se em setembro de 2007, quando mandou um observador para

    a Conferncia Latino Americana na Costa Rica. O governo brasileiro

    armou que sua posio no era a de apoiar o Tratado de Oslo, uma vez

    que estava sendo realizado fora do sistema da ONU. Armou que as

    negociaes devem incluir todos os atores interessados e no apenas

    retirar as armas daqueles que no as tm. Armou que as munies

    cluster so teis militarmente e no seria realista ngir que elas seriam

    eliminadas. Apontou para o Direito Internacional Humanitrio existente

    e para o Protocolo V da CCAC como a maneira mais adequada para

    tratar dessas munies.

    O Brasil tambm participou da conferncia preparatria do

    tratado internacional em Wellington, em fevereiro de 2008, mas no

    contribuiu com o debate e no endossou a Declarao de Wellington,

    que comprometia os pases a participarem nas negociaes formais

    em Dublin, em maio de 2008. A oposio do Brasil ao processo de

    Oslo foi amplamente reconhecida pela mdia nacional e fortemente

    criticada pelas ONGs que ativamente apoiam a campanha contra as

    munies cluster.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    Em 3 de junho de 2008, a objeo do Brasil resoluo da

    Organizao dos Estados Americanos (OEA), que convidou os estados

    membros a considerarem fazer parte da Conveno contra as

    Munies Cluster, foi citada em nota de rodap da resoluo.Em 17 de junho de 2008, o Ministro de Relaes Exteriores

    brasileiro, Celso Amorim, ainda demonstrou preocupao em relao

    Campanha as Munies Cluster, disse que reconsideraria essas bombas

    como armas desumanas que deveriam ser eliminadas, e disse que o

    Brasil revisaria sua posio futuramente para aderir Conveno.

    Em reunio da CCAC, em novembro de 2008, entretanto, o Pas

    armou que a deciso do governo em no fazer parte do processo de Osloe no apoiar a Conveno de Munies Cluster foi baseada na sua viso de

    que o processo e a Conveno no harmonizavam com a necessidade de

    defesa legtima da causa humanitria. O Brasil advertiu que

    a prudncia deveria ser exercida antes de se negociar

    proibies e restries de certas armas convencionais fora

    da CCAC, j que elas podem ser consideradas no escopodessa Conveno que resistiu ao teste de tempo no que

    diz respeito a sua capacidade de evoluo, refletindo

    a constante mudana de realidade dos estados partes. O

    processo paralelo pode expedir resultados, mas eles no

    garantem universalidade e efetivao.

    Em audincia pblica sobre munies cluster, realizada pelo

    Congresso brasileiro em 3 de dezembro de 2008, o Ministro CelsoAmorim novamente classicou-as como armas desumanas e disse

    que o Brasil estaria reconsiderando sua posio e poderia assinar a

    conveno no futuro por causas humanitrias. Contudo, ele tambm

    armou que o pas no concordava com a denio de munio cluster

    arguida pela Conveno, pois abriu a possibilidade de produo dessas

    bombas por outros pases e foi, por isso, discriminatria.

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    Em fevereiro de 2009, um projeto de lei foi iniciado na Cmara

    de Deputados para banir o uso, produo, importao e exportao de

    munies cluster.

    Uso, produo, armazenamento e transferncia

    Em janeiro de 2008, o Brasil armou que nunca utilizou

    munies cluster. Contudo, pelo menos trs companhias produziram

    essas munies no pas, de acordo com os prprios materiais e

    obras de referncia padro. A Avribras Aeroespacial AS produziu

    a famlia ASTROS de foguetes superfcie a superfcie com ogivasde submunio. Essas armas foram exportadas para o Ir, Iraque e

    Arbia Saudita. O lanamento de mltiplos sistemas de foguetes

    ASTROS foi utilizado pela Arbia Saudita contra as foras do Iraque

    durante a batalha de Khai, em janeiro de 1991, e deixou um nmero

    signicativo de munies no explodidas.

    A companhia Ares Aeroespacial e Defesa Ltda. produziu o

    FZ-100 70mm, foguetes ar-superfcie, arma da mesma linha do Hydra

    M261, submunio de multiuso. Adicionalmente, a Target Engenharia e

    Comrcio Ltda. produziu dois tipos de munies cluster (BLG-120 e BLG-

    252) para a fora area brasileira, declaradamente para exportao.

    Em 28 de novembro de 2007, um representante do Ministro

    da Defesa disse, em audincia pblica, que duas empresas particulares

    brasileiras estavam envolvidas na produo de munies cluster:

    Avribras Aeroespacial AS (produzindo o sistema de foguete ASTROS, as

    bombas BLG-120 e BLG-252) e Ares Aeroespacial e Defesa Ltda. A defesa

    ocial enfatizou o benefcio econmico da produo, declarando que

    outras doze indstrias civis estavam envolvidas na produo.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    IIAS BOMBAS CLUSTER PERANTE O DIREITO

    INTERNACIONAL: REFLEXES CRTICASE ACADMICAS

    A RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DAREPBLICA EM MATRIA DE POLTICA INTERNACIONAL

    Fbio Konder Comparato

    Dispe a Constituio Brasileira em vigor, segundo o modelo

    por ns copiado dos Estados Unidos, competir privativamente ao

    Presidente da Repblica manter relaes com Estados estrangeiros

    e acreditar seus representantes diplomticos, bem como celebrar

    tratados, convenes e atos internacionais, sujeitos a referendo do

    Congresso Nacional (art. 84, VII e VIII).

    No art. 49, inciso I, todavia, a Constituio inclui na competncia

    exclusiva do Congresso Nacional resolver denitivamente sobre

    tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou

    compromissos gravosos ao patrimnio nacional. Como conciliar essa

    regra com aquela expressa no art. 84, VIII? Tendo em vista que as

    normas constitucionais formam um sistema lgico, sem contradies,

    as disposies citadas devem ser interpretadas harmonicamente. Logo,

    o ato de raticao, mencionado no art. 84, VIII, tem uma natureza

    diversa da resoluo denitiva, prevista no art. 49, I. razovel, por

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    conseguinte, entender que os tratados, acordos ou atos internacionais,

    que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimnio

    nacional, s podero ser celebrados aps a concordncia do Congresso

    Nacional; ao passo que a raticao refere-se celebrao de tais atos,previamente efetuada pelo Chefe do Poder Executivo.

    Em qualquer hiptese, a superviso exercida pelo Congresso

    Nacional sobre a poltica internacional do pas, dirigida pelo Presidente

    da Repblica, muito restrita. Ao se considerar, alm disso, o fato de

    que o controle judicial nessa matria praticamente nunca se exerce,

    percebe-se que a prerrogativa presidencial de direo da poltica

    externa quase arbitrria.Sem dvida, em matria de relaes internacionais, a

    Constituio Federal de 1988 apresentou inegvel aperfeioamento,

    em comparao com as que a precederam, ao declarar, em seu art.

    4, os princpios fundamentais que devem reger o comportamento

    do Estado brasileiro. Mas nada acrescentou quanto a garantias e

    responsabilidades pelo descumprimento desses princpios.

    Um episdio recente veio chamar a ateno da opinio pblica

    para o carter insatisfatrio dessa regulao constitucional.

    Em 3 de dezembro de 2008, sob a iniciativa da Noruega, mais

    de noventa pases celebraram, em Oslo, uma conveno internacional

    destinada a banir a produo, armazenamento, exportao e utilizao

    de bombas de fragmentao (cluster bombs). Trata-se de um engenho

    blico que atua de forma semelhante s minas subterrneas; ou seja, tais

    bombas no explodem ao cair no solo e podem permanecer enterradas

    durante dezenas de anos, tornando a rea minada altamente perigosa

    para a ocupao humana. Os Estados Unidos, por exemplo, entre 1964 e

    1973, lanaram cerca de 260 milhes de bombas desse tipo sobre o ter-

    ritrio da Nigria. As principais vtimas desse explosivo so populaes

    civis. Estima-se que, at o presente momento, tais bombas causaram a

    morte de cerca de 100 mil pessoas no mundo, das quais 27% so crianas.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    O Brasil, juntamente com os demais pases produtores desse

    tipo de armamento Estados Unidos, Rssia, Israel, ndia e Paquisto

    recusou-se a assinar a conveno. Duas foram as explicaes dadas pelo

    Ministrio das Relaes Exteriores para essa recusa: de um lado, o fatode que o direito ao emprego de munies reconhecido aos Estados

    e considerado legal, internacionalmente; de outro, o argumento de

    que o assunto deveria ser debatido no mbito da ONU e no em uma

    conveno informal.

    Tais explicaes so inadmissveis. A partir da fundao da ONU

    e da promulgao da Declarao Universal dos Direitos Humanos, a

    guerra ofensiva estritamente proibida no plano internacional. Ora, asbombas de disperso so um engenho blico exclusivamente ofensivo.

    Demais, no se v como um tratado que rene quase cem pases e est

    sujeito a um mnimo de raticaes para entrar em vigor, pode ser

    considerado uma conveno informal. Na verdade, a razo da recusa

    brasileira em assinar a conveno est ligada ao interesse privado

    das empresas fabricantes de bombas de fragmentao, bem como

    presso inconstitucional que setores das Foras Armadas exercem

    costumeiramente sobre a presidncia da Repblica.

    A afronta Constituio, nesse episdio, agrante. Entre os

    princpios fundamentais que devem reger as relaes internacionais do

    pas, conforme disposto no art. 4 da Constituio Federal, encontram-

    se a prevalncia dos direitos humanos, a no interveno e a soluo

    pacca de conitos.

    Em nosso sistema jurdico, o desrespeito a princpios de

    direito internacional, por parte do Chefe de Estado, acarreta uma

    responsabilidade de natureza propriamente poltica e no judiciria,

    consubstanciada nos chamados crimes de responsabilidade

    (Constituio Federal, art. 85).

    A lei que os define, e que permanece em vigor, a n 1.079,

    de 10 de abril de 1950. Ela inclui alguns atos internacionais de

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    responsabilidade do Presidente da Repblica, mas carece de uma

    ampliao do espectro criminoso nesse campo, para melhor adequ-

    la Constituio atual.

    Com o objetivo de contribuir para o aperfeioamento de nossosistema jurdico nessa matria, na qualidade de Presidente da Comisso

    Nacional de Defesa da Repblica e da Democracia, da Ordem dos Advo-

    gados do Brasil, submeti ao exame e deliberao de seus membros uma

    proposta de alterao da Lei n 1.079, de 1950, reproduzida a seguir.

    Dir-se- que, entre ns, a responsabilidade poltica do Chefe

    de Estado e de seus Ministros de aplicao difcil, na medida em que

    ela ca sujeita aos interesses pessoais ou partidrios dos membros doCongresso Nacional. Sem contestar esse fato, no se pode, porm,

    deixar de assinalar que a discusso pblica ensejada pela abertura do

    processo parlamentar por crime de responsabilidade no deixa de

    enfraquecer politicamente o Presidente da Repblica, fato que o leva a

    evitar a prtica de tais atos.

    Incluiu-se tambm na proposta um alargamento da legitimidade

    ativa para a abertura do processo por crime de responsabilidade.

    A nossa experincia tem revelado que as denncias so mais seriamente

    consideradas, no seio do Congresso e pela opinio pblica em geral,

    quando apresentadas por rgos pblicos ou por representantes de

    entidades coletivas que fruem de prestgio nacional. Da a proposta de

    se considerarem como denunciantes legitimados, alm de qualquer

    cidado, o Procurador-Geral da Repblica, a Ordem dos Advogados do

    Brasil e as confederaes sindicais ou entidades de classe de mbito

    nacional, todos eles, como se sabe, partes legtimas para propor a ao

    direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

    Projeto de Lei

    Altera dispositivos da Lei n 1.079, de 10 de abril de 1950, e

    acrescenta outros.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    Art. 1 Os artigos 4 e 14 da Lei n 1.079, de 10 de abril de

    1950, passa a vigorar com a seguinte redao:

    Art. 4. ....................................................................................

    ....................................................................................................IX Os princpios fundamentais de direito, que regem as

    relaes internacionais.

    Art. 14 Tem competncia para denunciar o Presidente da

    Repblica ou Ministro de Estado por crime de responsabili-

    dade, perante a Cmara dos Deputados:

    I qualquer cidado;

    II o Procurador-Geral da Repblica;

    III o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;IV confederao sindical ou entidade de classe de mbito

    nacional.

    Art. 2 A Lei n 1.079, de 10 de abril de 1950, passa a vigorar

    com o acrscimo do Captulo IX ao Ttulo I, contendo o art.

    12-A, como segue:

    Captulo IX - Dos Crimes contra os Princpios que Regem as

    Relaes Internacionais

    Art. 12-A So crimes contra os princpios fundamentais de

    direito que regem as relaes internacionais, alm daqueles

    denidos no art. 5 desta lei, os seguintes atos:

    1 recusar a celebrao de tratado, conveno ou ato

    internacional que proscreve a fabricao, depsito ou

    exportao de armamentos;

    2 autorizar a participao das Foras Armadas em ofensivas

    militares internacionais, em conjunto com pases que utilizamos armamentos referidos no inciso anterior;

    3 permitir a realizao de atividade nuclear em territrio

    nacional para ns no paccos, ou sem aprovao do

    Congresso Nacional;

    4 autorizar o descumprimento de resolues do Conselho

    de Segurana das Naes Unidas;

    5 deixar de cooperar, diligentemente, com o Tribunal Penal

    Internacional;

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    6 deixar de tomar as medidas indispensveis ao

    cumprimento, pela Repblica Federativa do Brasil, de

    tratados, convenes ou atos internacionais de represso ao

    terrorismo e ao racismo;

    7 ordenar ou permitir que a representao diplomtica

    nacional atue contra os princpios de autodeterminao dos

    povos e de no interveno em Estados estrangeiros;

    8 recusar injusticadamente a concesso de asilo poltico.

    Art. 3 Esta lei entra em vigor na data de sua publicao.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO E ALIMITAO DOS MEIOS DE GUERRA

    PROTEO DOS CIVIS: PERSPECTIVAS ILEGALIDADE DAS BOMBAS CLUSTER1

    Cristian Ricardo Wittmann

    Gustavo Oliveira Vieira

    INTRODUO

    Em maro de 2003, um ataque dos EUA com bombas cluster

    em Al-Hilla, no centro do Iraque, matou pelo menos trinta etrs civis e feriou outros 109. Como incidente egrgio, esse

    no foi uma anomalia no Iraque, ou no Afeganisto, em 2001

    e 2002, ou na Iugoslvia em 1999. Em todos esses conitos

    recentes, assim como noutros, os ataques com munies

    cluster causam acidentes signicativos com civis vtimas

    que poderiam ter sido evitadas... Pior ainda o vasto nme-

    ro de explosivos potenciais que cam para trs aps os con-

    itos e continuam a matar e ferir civis longo tempo aps osconitos terem acabado.2

    O presente texto tem como escopo trazer uma contribuio

    sobre o desenvolvimento do Direito Internacional Humanitrio (DIH)

    relativo s negociaes de um novo marco legal pelo controle das

    bombas cluster3, ao mesmo tempo em que enderea uma posio

    1 Texto publicado originalmente em PRONER, Carol; GUERRA, Sidney (Orgs.). O DireitoInternacional Humanitrio e a proteo do indivduo. Porto Alegre: Srgio AntonioFabris, 2008, p. 168-195.2 GOOSE, Steve. Custer munitions: toward a global solution. In: HUMAN RightsWatch. World Report 2004: human rights and armed conflict. Washington:HRW, 2004, p. 245. Todas as tradues constantes nesse texto so livres e deresponsabilidade dos autores.

    3 Tambm conhecidas como munies de fragmentao, munies clusters, bombas

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    poltica a favor da erradicao mundial dessas armas, cujas negociaes

    para um novo tratado internacional se encontram em pauta (ano-

    base 2007). O Direito Internacional como Direito da Humanidade e

    o Direito da Paz tm a funo primordial de regular a convivnciado gnero humano a partir da sociedade internacional, voltado cada

    vez mais proteo do ser humano, principalmente daqueles em

    situao de vulnerabilidade denido como movimento direcionado

    humanizao do Direito Internacional. Para esse movimento, mister

    que a lgica militar, de proteger as foras armadas da possibilidade

    de uso de todas as armas disponveis, ceda espao s demandas

    humanitrias para amenizar os riscos populao civil durante osconitos armados e suas heranas malcas, como os explosivos

    remanescentes de guerra. Dessa forma, a tese do presente texto

    sedimenta-se a favor da ilegalidade das bombas cluster perante os

    mecanismos de proteo internacional da pessoa humana, e, mais

    especicamente, perante o DIH.

    Tendo em vista a impossibilidade de humanizar a guerra,

    a no ser reconduzindo as controvrsias internacionais s vias de

    resoluo pacca, o que seria o m da prpria guerra, resta fazer

    com que os conitos armados, infelizmente (ainda) uma realidade

    sociedade internacional, tornem-se menos sujos pela amenizao

    dos possveis danos s populaes civis. Para tanto, o DIH o ramo

    do Direito Internacional indicado, por limitar o uso da violncia nas

    guerras, tendo como objetivo criar marcos regulatrios aos conitos

    armados para: (a) poupar aqueles que no participam (civis) ou

    no mais participam (prisioneiros de guerra, combatentes feridos

    ou doentes) diretamente das hostilidades; e, (b) limitar a violncia

    cassete, bombas-chacho, do ingls cluster munitions ou cluster bombs. O termo visaa identicar o que tem sido denominado por Cluster Bomb Unit, ou seja, uma bomba-continer que, ao ser jogada, se abre para lanar dezenas ou centenas de bombas

    menores. Tal denominao ser abordada no decorrer deste captulo.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    ao montante necessrio para alcanar os objetivos do conito, que

    pode ser independentemente das causas da batalha apenas para

    enfraquecer o potencial militar do inimigo4.

    Para Mario Bettati, esse ramo do Direito Internacional constitui-se de um conjunto de normas de Direito Internacional Pblico

    primrias, consensuais e costumeiras, e de uma srie de regras de

    Direito Internacional derivadas de atos de organismos internacionais,

    em particular as Naes Unidas5. Existe basicamente a diviso entre

    o Direito de Genebra (proteo s vtimas de combates), Direito de

    Haia (limitao de meios e mtodos de guerra) e o Direito de Nova

    Iorque (esforos da ONU para o desenvolvimento do DIH)6, com muitasconvergncias entre esses segmentos pela identidade de objetivos.

    Atualmente, fala-se tambm do Direito de Roma (referente ao Tribunal

    Penal Internacional Permanente).

    O DIH ocupa-se das armas e da forma com que so utilizadas,

    proibindo o uso daquelas que causam sofrimento desnecessrio (por

    certo, deve-se questionar se h algum tipo de sofrimento necessrio)

    e vtimas entre civis, desproporcionais aos proveitos militares diretos e

    concretos antecipados pelo seu uso. As bombas cluster ligam-se, assim,

    diretamente ao DIH pelo fato desse ramo do Direito Internacional

    restringir o direito das partes em conito sobre o uso de certos meios

    de guerra por razes humanitrias, estabelecendo os armamentos

    que as partes conitantes podem(ro) se valer. A ameaa humanitria

    4 SASSLI, Marco; BOUVIER, Antonie A. How does law protect in war? Cases,documents and teaching materials on contemporary practice in InternationalHumanitarian Law. Genebra: CICV, 1999, p. 67. Ver tambm: HAUG, Hans. Humanityfor all:the international red cross and red crescent movement. Berna: Henry DunantInstitute / Hupt, 1993, p. 491.5 BETTATI, Mario. Droit humanitaire. Paris: ditions du Seuil, 2000, p. 15.6 BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitrio.Coleo para entender.Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 23-34; FERNANDES, Jean Marcel. A promoo da paz

    pelo Direito Internacional Humanitrio. Porto Alegre: SAFE, 2006, p. 30-44.

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    das bombas cluster situa-se no cerne dos objetivos do DIH, enquanto

    um meio de guerra restrito/restringvel pelos efeitos causados,

    indiscriminados, imprecisos e desproporcionais.

    A ameaa integridade humana representada pelas bombascluster, com sua denio, apresentada na primeira parte do presente

    texto, para, em um segundo momento, abordar-se a sua ilegalidade (da

    produo, do uso, do armazenamento dessas bombas) tendo como

    base o DIH. Em um ltimo momento, disserta-se sobre a iniciativa de

    criao de um tratado internacional para banir o uso, a produo, a

    transferncia e a estocagem das munies cluster, prevendo tambm

    a assistncia s vtimas e a destruio dos estoques dessas bombasque causam danos inaceitveis a civis, com cooperao para auxlio

    na recuperao de reas afetadas e a devida educao para o risco de

    determinado armamento o Processo de Oslo.

    A tenso entre a lgica humanitria e a lgica militar do

    Estado uma constante no cenrio internacional, at que alguma se

    estabelea denitivamente. Nesse caso, a questo humanitria ainda

    considerada secundria. O esforo consiste em que a lgica de

    proteo ao ser humano, independentemente de sua nacionalidade, se

    sobreponha aos objetivos poltico-militares.

    1 A AMEAA DAS BOMBAS CLUSTER INTEGRIDADE HUMANA

    1.1 Bombas Cluster: denio

    No existe consenso quanto nomeao precisa de uma bomba

    cluster. A mdia tem usado reiteradamente a expresso bombas de

    fragmentao7, porm, entende-se que essa no a melhor traduo.

    7 A exemplo: bombas de fragmentao. BBC Brasil. Especial bombas de fragmentao.Disponvel em: . Acesso em: 18 mar. 2007.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    Por fragmentao entende-se o efeito da munio, a exemplo de

    certos tipos de armas que, ao explodirem, fragmentam-se em mltiplos

    pedaos para atingir suas vtimas, o que no ocorre geralmente com

    as bombas cluster. Da mesma forma, existem divergncias quanto traduo do ingls de cluster bombs, que pode levar a denominaes

    como bombas cacho usada em Moambique - ou bombas cassete -

    Angola. Adota-se, neste texto, o termo estrangeiro cluster, a m de

    assegurar um padro utilizado em conferncias internacionais.

    Como uma denio possvel para as bombas cluster, tem-se

    um continer do qual so dispersas inmeras outras submunies.

    Tais submunies adquirem a caracterstica de granadas, pelo fato deestarem armadas e prontas para explodirem com o impacto a partir

    do momento em que saem do continer. Por mais que seja comum

    a apresentao dessas bombas como armas que so lanadas do ar,

    existem tambm determinados tipos lanados do solo. A Organizao

    No Governamental (ONG) Human Rights Watch dene bombas cluster

    como grandes armas que contm dzias e frequentemente centenas

    [ou milhares] de pequenas submunies. Elas existem em pelo menos

    208 modelos e podem ser lanadas do ar ou da terra, liberando

    minibombas ou granadas8.

    O avio projeta do ar ou a artilharia, do solo, um explosivo, cha-

    mado bomba-me, que se abre para lanar diversas submunies, que

    podem somar at 650 por bomba, cada uma com funcionamento inde-

    pendente munies cluster que devero explodir ao tocarem o solo

    ou aps certo tempo, dependendo do mecanismo prprio de ativao.

    Dentro do que posteriormente ser abordado como Processo

    de Oslo, a Coalizo de ONGs Contra as Munies Cluster deniu as

    munies cluster, para ns de um novo Tratado, como uma arma

    8 HUMANS RIGHTS WATCH. Fatally awed: cluster bombs and their use by the United

    States in Afghanistan. Washington: HRW, 2002, p. 6.

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    detentora de mltiplas submunies explosivas, dispersas de um

    continer. Uma submunio explosiva desenhada para ser dispersa

    em mltiplas quantidades de um continer e dever explodir antes,

    durante e aps o impacto. O chamamento ao tratado diz respeito aoproblema humanitrio que o uso dessa arma produz.

    1.2 O problema humanitrio das bombas cluster

    As consequncias que o referido armamento apresenta

    integridade humana esto basicamente centradas nos seguintes

    fatores a seguir explicitados: (1.2.1) os seus efeitos indiscriminados;(1.2.2) a rea afetada por bomba; (1.2.3) os efeitos ps-conito; (1.2.4) os

    ndices de falha; (1.2.5) o grande poder explosivo de cada submunio;

    e, por m, (1.2.6) a quantidade de estoques, o que pode representar

    uma ameaa vida humana de grandes propores.

    1.2.1 Efeitos indiscriminados

    Dentre os motivos para a existncia do referido armamento, o

    principal a sua capacidade de atingir vrios alvos com apenas uma bom-

    ba, permitindo assim destruir um grande arsenal, uma concentrao de

    veculos blindados e grandes infantarias com menores custos militares e

    reduzida exposio a situaes hostis de conito. No entanto, esse efei-

    to tambm pode gerar consequncias trgicas pois, com a abertura do

    continer, as submunies so lanadas sem critrio ou tecnologia que

    permita distinguir entre alvos militares e civis, ou, ainda, controlar a rea

    que ser atingida, tornando tal distino uma impossibilidade. Assim,

    fere-se o princpio humanitrio que deve reger as implicaes blicas de

    um Estado na utilizao de qualquer tipo de armamento.

    A proposta de utilizao desse armamento em meio a um

    deserto onde somente existiria uma concentrao de blindados no raio

    de 2 km no se traduz nos conitos em que o armamento foi utilizado.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    As munies cluster so lanadas contra alvos gerais, no especcos

    nem guiados. Segundo o especialista militar Kevin Bryant, uma

    questo de sorte atingir ou no o alvo inimigo9.

    Uma das preocupaes do DIH o fato de as guerras contem-porneas caracterizarem-se pela vitimizao muito mais intensa de

    civis do que de combatentes10. Dentre as razes para esse lastimvel

    dado, detecta-se que os conitos armados tm ocorrido em regies

    densamente povoadas (Lbano, 2006; Iraque, 2003; Israel-Palestina;

    entre outros)11, ao mesmo tempo em que os conitos armados perdem

    a caracterstica da interestatalidade, pois uma das partes se confunde

    com a populao civil (grupos rebeldes armados, terrorismo interna-cional, guerras civis). Alm disso, deve-se considerar a ameaa que as

    bombas cluster causam s demais categorias de bens protegidos pelo

    DIH, como bens culturais, centros hospitalares, escolas, etc..

    1.2.2 Abrangncia da rea sob ataque

    Um dos diferenciais das bombas cluster o seu potencial

    de ataque sobre uma regio inteira, no somente sobre um alvo

    9 BRYANT, Kevin. Cluster munitions and their submunitions a personal view. In:UNIDIR. Disarmament forum. Four 2006. Genebra: United Nations, p. 48. Clustermunitions are not target-specic and are neither aimed nor guided. They are in fact adumb weapon that can only be aimed in the general direction of the enemy, and oncethe submunitions are released it is a matter of luck whether they hit a target or not.

    Their use is similar to carpet bombing, which is inecient and very often ineective.10 Segundo Eric Hobsbawn, a cada dez vtimas dos conitos armados contemporneos,nove so civis. Uma inverso em relao ao modelo dos conitos armados interestataisda primeira metade do sculo XX. Cf. HOBSBAWN, Eric. A epidemia da guerra. Folha deSo Paulo, So Paulo, 14 de abr. 2002. p. 4-10 (Caderno Mais!).11 A lista de pases que foram alvos de ataques de munies cluster contempla aUnio Sovitica, Reino Unido, Camboja, Laos, Vietnam, Sria, Saara Ocidental, Lbano,Afeganisto, Ilhas Falklands/Malvinas, Chade, Iraque, Kuwait, Arbia Saudita, Bsniae Herzegovina, Tajiquisto, Tchetchnia, Crocia, Sudo, Serra Leoa, Etipia, Eritria,Albnia, Iugoslvia, Israel. Cf. HUMAN RIGHTS WATCH. Timeline of Cluster Munition

    Use. In: ______. Survey of cluster munition policy and practice. Washington: HRW, 2007.

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    determinado como os demais tipos de armamentos de preciso

    (e mesmo os de preciso, por vezes, acertam prdios da ONU, CICV,

    hospitais, escolas, etc.). Esse efeito tem relao particular com

    cada espcie de bomba cluster, sua taxa de rotao e a altura que abomba-me (continer) se abre dispersando as submunies. Uma

    bomba cluster, de modo geral tem a capacidade de atingir uma rea

    de abrangncia de 200 a 400 metros quadrados, o equivalente a,

    aproximadamente, oito campos de futebol12.

    O total da rea abrangida por bomba varia bastante e de

    acordo com o tipo de explosivo, tipo de bomba, e, tambm, de outras

    circunstncias, alm da mencionada altitude do lanamento, para quehaja condies de as submunies se dispersarem, as circunstncias de

    tempo e o tipo de terreno morros, cordilheiras, plancie.

    Utilizadas primeiramente por um grupo de Estados na Segunda

    Guerra Mundial e aperfeioadas no decorrer da Guerra Fria (tanto pela

    Organizao do Tratado do Atlntico Norte quanto pelas foras do

    Pacto de Varsvia), sua funo primria era tirar vantagem do efeito

    sobre uma vasta rea e atacar uma concentrao de veculos blindados

    e de infantaria.13 No uso militar, tal armamento oferece uma economia de

    escala. Uma bomba pode atingir e saturar um territrio vasto, de dezenas

    de hectares, eliminando custos logsticos e riscos aos combatentes.

    Os ataques com bombas cluster [...] requerem poucas plataformas [...]

    para lanar poucas unidades e atacar mltiplos alvos, reduzindo assim o

    custo logstico e a exposio das foras ao fogo hostil14. Entretanto, o alvo

    12 BOMBAS de Fragmentao. BBC Brasil (Especial Bombas de Fragmentao).Disponvel em: . Acesso em: 18 mar. 2007.13 BORRIE, John; CAVE, Rosy. The humanitarian eects of cluster munitions: whyshould we worry? In: UNIDIR. Disarmament forum. Four 2006. Genebra: United Nations,2006, p. 5-14, p. 5.14 HIZNAY, Mark. Operational an technical aspects of cluster munitions. In: UNIDIR.

    Disarmament forum. Four 2006. Genebra: United Nations, 2006, p. 15-26, p. 16.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    bastante impreciso, o que se traduz em um paradoxo, pois ao mesmo

    tempo em que reduzem o custo logstico e de exposio dos combatentes

    que atacam, aumentam os custos humanitrios pelo grande potencial

    ofensivo contra civis. Assim, a mencionada economia de escala geraconsequncias ao princpio humanitrio em proporo nunca vista.

    Nesse sentido, refora-se a relao entre a caracterstica do

    ataque indiscriminado com a rea de abrangncia de um ataque.

    Em um ataque normal, utiliza-se sempre mais de uma bomba cluster,

    que tende, ento, a abranger vrios hectares sem qualquer capacidade

    de distinguir seu alvo, o qual pode ser militar, civil, atingir animais ou

    qualquer combinao entre eles.

    1.2.3 Efeitos ps-conito

    As munies cluster causam danos inaceitveis aos civis tanto

    durante quanto aps os conitos armados. Essa situao torna-se mais

    grave considerando-se que os conitos armados contemporneos

    ocorrerem em reas densamente povoadas e h diculdade em

    distinguir a populao civil dos combatentes. Aps o conito, as

    submunies que acabaram por no explodir no momento do impacto

    inicial podem prejudicar os civis que delas se aproximam ou entram

    em contato. Tornando-se, desse modo, explosivos remanescentes

    de guerra, as submunies podem passar a agir, de fato, ao modo de

    minas terrestres antipessoais, pois possvel que essas armas quem

    enterradas com todos os dispositivos prontos para serem acionado

    pela presena, proximidade ou contato da prpria vtima.

    As ameaas ao princpio humanitrio no se resumem somente

    aos problemas de sade pblica, mas afetam tambm o desenvolvimento

    econmico e social da regio, a exemplo dos problemas relacionados

    contaminao por explosivos remanescentes que precisam ser limpos,

    impossibilidade de reconstruo de vilarejos, ao retorno das pessoas

    para suas casas aps o trmino do conito, diculdade econmica,

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    pelo fato de reas cultivveis estarem contaminadas com submunies

    prestes a explodir, ao abastecimento de gua potvel e ao considervel

    aumento da pobreza.

    No conito armado entre Israel e o Hizbollah, em 2006, quedurou 34 dias, foram identicados pelo menos 864 locais alvos de

    ataques com bombas cluster. O Centro de Coordenao de Aes

    Contra as Minas da ONU estima que existam mais de 1 milho de

    submunies dispersas no territrio do Lbano, principalmente na

    regio sul, ameaando a vida de populaes inteiras que buscam

    reconstruir suas vidas aps o conito15.

    1.2.4 Os ndices de falha

    Existe um alto grau de falha das submunies de bombas

    cluster, sobretudo durante os combates. No XV Encontro de Expertos

    Governamentais da Conveno sobre Certas Armas Convencionais16

    (CCAC), apresentou-se a estatstica que de 30 a 40% de submunies

    restam falhadas ao serem usadas em combate, podendo chegar a

    mais de 70%17. No existe garantia alguma da inexistncia de falha ao

    serem detonadas. Alis, houve o consenso de que sempre existir um

    percentual de submunies que no explodir, deixando ameaas por

    tempo indenido.

    15 Cf. MACCSL. South Lebanon Cluster Bomb Info Sheet. Disponvel em: < http://www.maccsl.org >. Acesso em: 16 mar. 2007. Para um aprofundamento das consequncias

    ps-guerra que hoje trazem desaos ao Lbano, recomenda-se a leitura de: LANDMINEACTION. Foreseeable harm: the use and impact of cluster munitions in Lebanon 2006.Londres: Landmine Action, 2006.16 Ocialmente recebe o nome de Conveno sobre as proibies ou restries do usode certas armas convencionais que possam ser reconhecidos por prejuzos excessivosou ter efeitos indiscriminados.17 Cf. GOOSE, Steve. First look at Israels use of cluster munitions in Lebanon in July-August 2006. Pronunciamento no Fifteenth Meeting of the Group of GovernmentalExperts. Convention on Conventional Weapons. Genebra, Sua, 30 de Agosto de 2006.Disponvel em: . Acesso

    em: 15 mar. 2007.

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    Ademais, os ndices de falha apresentados pelas foras armadas

    so apontados, em regra, a partir de treinamentos militares e, nas condies

    de treinamento, testam-se os armamentos em condies ideais, o que no

    acontece no terreno de um conito real, na qual se amplia enormementeesses percentuais18. Para Kevin Bryant, a taxa de falhas s pode ser denida

    aps o ataque pois h muitas razes para alterar as condies de uso,

    como a visibilidade, o mau tempo e a hostilidade do territrio19.

    As estimativas das falhas no uso de bombas cluster calculadas

    nos conitos passados20 trazem dados que demonstram a existncia

    de milhes de submunies dispersas, que podem ser detonadas a

    qualquer movimento. Pelo menos quinze Estados utilizaram muni-es cluster: Unio Sovitica (1943; 1979-1989); Alemanha (1943);

    Estados Unidos (1960-1970 e aliados em 1991; 2001-2002; e Reino

    Unido 2003); Israel (1973; 1978; 2006); Marrocos (1975-1988); Reino

    Unido (1982); Frana (1986); Iugoslvia (1992-1995; 1998-1999); Rssia

    (1994-1996); Srvia (1995); Sudo (1996-1999); Nigria (1997); Etipia

    (1998); Pases Baixos (e aliados: 1999). Existiram enfrentamentos em

    que grupos armados no estatais tambm utilizaram o armamento21.

    18 Em uma pesquisa de campo no Lbano, aps o conito de 2006, o fotgrafoJohn Rodsted lmou uma pequena regio e demonstrou o alto ndice de falha dassubmunies que aguardam para explodir a qualquer momento. Cf. RODSTED, John.Cluster bomb duds that shouldnt exist. Lbano, 2006. Disponvel em: < http://www.youtube.com/watch?v=v_jsyObTG8k>. Acesso em: 6 abr. 2007.19 BRYANT, Kevin. Cluster munitions and their submunitions a personal view. In:

    UNIDIR. Disarmament forum. Four 2006. p. 45-49. Genebra: United Nations: 2006, p.46. It also became apparent that only afteran attack could accuracy or failure ratesbe established. Often, when released by aircraft, the cluster-munition strike could besome distance from the intended target, and unexploded submunitions could be somedistance from the intended to any number of reasons, though ying at night, in badweather, and over hostile territory were the most common.20 Para mais informaes sobre os conitos em que foram utilizadas munies de frag-mentao ver HUMANS RIGHTS WATCH. Timeline of Cluster Munition Use. In: ______.Survey of Cluster Munition Policy and Practice. Washington: HRW, 2007.21 Cf. HUMANS RIGHTS WATCH. Timeline of Cluster Munition Use. In: ______. Survey of

    Cluster Munition Policy and Practice. Washington: HRW, 2007.

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    No conito entre Israel e Lbano (Hissbolah), a taxa de falha

    das bombas cluster lanadas foi de aproximadamente 30 a 40%, ou

    seja, dos 4 milhes de submunies lanadas, em torno de um milho

    permanecem a gerar vtimas.

    1.2.5 O alto poder explosivo das submunies

    Enquanto as minas terrestres antipessoais foram desenhadas

    para mutilar pessoas, as submunies de bombas cluster so feitas

    para detonarem a blindagem de tanques de guerra e possuem,

    consequentemente, uma carga de explosivos inmeras vezes maior, o

    que amplia exponencialmente o dano potencial aos civis. Com a anlisede um ataque de bombas cluster, de seu potencial explosivo sobre vrios

    hectares, tem-se a concluso lgica de que essas armas aumentam as

    possibilidades de matar e ferir pessoas fora de combate, sobretudo civis.

    1.2.6 A quantidade dos estoques

    Um dado preocupante e que, ao mesmo tempo, gera impacto

    nas discusses sobre os riscos dessas armas a quantidade desubmunies estimada que se encontra armazenada pelos Estados.

    Os Estados22 possuem, aproximadamente, 16 bilhes de submunies

    de bombas cluster em estoque. So quase trs bombas por habitante

    no planeta. Se chegarem a ser utilizadas em larga escala, perpetrar-se-

    uma crise jamais experimentada no mundo.

    22 Hoje tem-se o conhecimento de que 73 Estados estocam munies cluster: Arglia,Angola, Argentina, ustria, Azerbaijo, Bahrain, Bielorssia, Bsnia e Herzegovina,Brasil, Bulgria, Canad, Chile, China, Crocia, Cuba, Repblica Tcheca, Dinamarca, Egito,Eritria, Etipia, Finlndia, Frana, Gergia, Alemanha, Grcia, Guin, Guin-Bissau,Honduras, Hungria, ndia, Indonsia, Ir, Iraque, Itlia, Japo, Jordnia, Cazaquisto,Coria do Norte, Coria do Sul, Kuwait, Lbia, Moldova, Monglia, Marrocos, PasesBaixos, Nigria, Om, Paquisto, Polnia, Portugal, Romnia, Rssia, Arbia Saudita,Srvia, Singapura, Eslovquia, frica do Sul, Espanha, Sudo, Sucia, Sua, Sria,Tailndia, Turquia, Turcomenisto, Ucrnia, Estados Unidos da Amrica, Reino Unido,

    Emirados rabes Unidos, Uzbequisto, Lmen e o Zimbbue.

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    O especialista em armas e chefe da referida diviso da ONG

    estadunidense Human Rights Watch, Stephen Goose, especula que as

    bombas cluster so, na atualidade, as armas mais perigosas da Terra.

    Alm de existirem em estoque de propores avassaladoras, esto ab-solutamente sem controle pela sociedade internacional, pois no h

    qualquer regime que regule o uso desses artefatos23.

    1.3 As semelhanas com o problema das minas terrestres

    antipessoais

    As minas terrestres24 antipessoais so artefatos blicos explosi-vos que, plantados no solo, tm a caracterstica fundamental de serem

    acionadas pela prpria vtima, em presena, proximidade ou contato.

    Ficaram conhecidas pelo seu efeito de destruio em massa, pois, por

    mais que cada mina terrestre tenha seu efeito praticamente25 indivi-

    dual, causam, aps tantas dcadas de uso, reexos de uma arma de

    destruio em massa, tendo em vista as estatsticas: 100 milhes de

    minas plantadas e centenas de milhes em estoques pelos Estados26.

    23 Cf. HUMANS RIGHTS WATCH. Cluster Munitions: Governments to Discuss NewTreaty. Disponvel em: .Acessado em: 6 abr. 2007.24 As minas terrestres so classicadas em duas categorias: antipessoal - desenhadaspara serem acionadas por pessoas, com menor potencial explosivo e a necessidade

    de aproximadamente 5 a 50 quilogramas de presso para detonar; e antitanque -conhecida como antiveculo, feitas para explodirem com a passagem de um veculo, deforma que possuem maior potencial explosivo e detonam com aproximadamente 100a 300 quilogramas de presso.25 Ressalta-se a diferena entre sobreviventes e vtimas: os primeiros so aqueles quesofreram consequncias fsicas a partir do seu contato com o explosivo, ao passo queas vtimas englobam todo o grupo de pessoas que acaba por ser prejudicado em vistado acidente ocorrido pelo risco permanente de morte, a exemplo da famlia, amigos,entre outros.26 Segundo o Landmine Monitor, foram informados, em 2005, um total de 7328

    acidentes com minas terrestres antipessoais, um aumento de 11% dos acidentes

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    As consequncias causadas pelo uso de minas terrestres esto prestes

    a se repetir, porm em propores maiores e descontroladas, pela uti-

    lizao das munies cluster.

    Dentre as caractersticas dessas minas, pode-se ressaltarespecicamente duas que trazem implicaes de carter humanitrio

    e se assemelham: (1) a impossibilidade de distino da vtima; (2) o

    indeterminado prolongamento de sua capacidade destrutiva. Essas

    caractersticas assemelham-se s consequncias contra a integridade

    humana das bombas cluster, motivo pelo qual parte da comunidade

    internacional, incluindo CICV, ONGs e Organizaes Internacionais,

    advogam pelo banimento desse armamento por meio da universalizaoe implementao da conveno internacional conhecida como Tratado

    de Ottawa ou Tratado de Erradicao das Minas Terrestres27, alm de

    todo arcabouo legal internacional que relaciona o Direito Internacional

    dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitrio28.

    2 O DIH E OS MEIOS DE MTODOS DE GUERRA: SOBRE A ILEGALIDADE

    DAS BOMBAS CLUSTER

    Como disciplina prpria no mbito do Direito Internacional,

    o DIH tambm se fundamenta em princpios especficos, que

    informados em 2004. Cf. LANDMINE MONITOR. Major Finding. In: ______. Landmine

    Monitor 2006: toward a mine-free world. Ottawa: MAC, 2006. Disponvel em: < http://www.icbl.org/lm/2006>. Acesso em: 18 mar. 2007.27 Para mais informaes sobre o Tratado de Erradicao das Minas Terrestres, verConveno Sobre A Proibio Do Uso, Armazenamento, Produo E Transferncia DeMinas Antipessoais E Sobre Sua Destruio. Disponvel em < http://www.icbl.org/trea-ty/text/portuguese>, Acesso em: 15 mar. 2007.28 Cf. VIEIRA, Gustavo Oliveira. Inovaes em Direito Internacional: um estudo de casoa partir do Tratado de Ottawa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006; MASLEN, Stuart.Commentaries on arms control treaties, Volume I: The convention on the prohibitionof the use, stockpiling, production, and transfer of anti-personnel mines and on their

    destruction. Oxford: Oxford University, 2004.

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    sero apresentados a seguir, relacionados aos meios de guerra

    bombas cluster , para apresentar o problema da ilegalidade

    desse armamento.

    2.1 A ilegalidade das bombas cluster a partir dos princpios do DIH

    No existe atualmente nenhuma regulamentao interna-

    cional especca e vinculante que proba a utilizao de bombas

    cluster, mas nem por isso legal seu uso a partir de uma leitura

    atenta dos princpios do DIH. Dentre as normas consuetudinrias

    que foram registradas formalmente por meio das Convenes e de

    seus Protocolos Adicionais podem-se extrair os seguintes princpios

    do Direito Internacional Humanitrio: a) Princpio da humanidade

    aliado Clusula de Martens; b) Princpio da distino; c) Princpio da

    necessidade; d) Princpio da proporcionalidade.

    a) Princpio da humanidade: com vistas preservao da

    dignidade da pessoa humana, pode ser aliado aqui Clusula de Martensque, originada de uma proposta de Fidor Fidorocivh Martens (1845-

    1909) Conferncia de Haia de 1899, tornou-se princpio basilar e

    fundamental do DIH. A Clusula de Martens estipula que aquilo que no

    est explicitamente proibido por um tratado no permitido ipso facto,

    pois as limitaes aos conitos armados no so apenas estabelecidas

    pelos tratados internacionais, mas tambm pelos princpios do Direito

    Internacional que os complementam.

    Dessa forma, ainda que no se tenha um marco legal especco

    sobre o tema, os beligerantes permanecem sob a salvaguarda dos

    princpios do Direito Internacional (Humanitrio), pois os princpios

    humanitrios so vlidos e devem ser seguidos no somente na

    ausncia de dispositivos expressos que os precisem, mas constituem

    obrigaes erga omnes, que vinculam os Estados voluntariamente

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    comprometidos, os indivduos submetidos a essas jurisdies nacio-

    nais29 e mesmo terceiros (Drittwirkung).

    b) Princpio da distino: a distino entre civis e combatentes;a proibio de atacar aqueles hors de combat (que esto fora das

    batalhas, impossibilitados de continuar). A regra da distino, prevista

    no art. 48 do Protocolo Adicional I de 1977, avalia que com vista a

    assegurar o respeito e a proteo da populao civil e dos bens de

    carter civil, as partes em um conito devem sempre fazer a distino

    entre populao civil e combatentes, assim como entre bens de carter

    civil e objetivos militares, devendo, portanto, dirigir suas operaesunicamente contra objetivos militares.

    No arcabouo legal do DIH, a denio de civis e bens civis

    encontra-se nos art. 50 e 52, respectivamente, do Protocolo Adicional

    I de 197730. Considera-se civil qualquer pessoa que no pertena s

    foras armadas, ressaltando-se que, em caso de dvida, prevalece a

    designao civil. Quanto aos bens, consideram-se civis todos os que

    no constituem objetivo militar, denidos assim por sua natureza,

    localizao, nalidade ou utilizao no contribuir para a ao militar e

    cuja destruio, total ou parcial, captura ou neutralizao no oferea

    29 FERNANDES, Jean Marcel.A promoo da paz pelo Direito Internacional Humanitrio.Porto Alegre: SAFE, 2006, p. 70.30 Artigo 50 Definio de civis e de populaes civis: 1. considerada civil toda

    pessoa que no pertence a uma das categorias mencionadas no artigo 4A, alneas(1), (2), (3), e (6) da III Conveno e pelo artigo 43 do presente Protocolo. Em casode dvida, a pessoa citada ser considerada civil. 2. A populao civil compreendetodas as pessoas civis. 3. A presena no seio da populao civil de pessoas isoladasque no correspondem deinio de pessoa civil no priva essa populao dasua qualidade. [...] Artigo 52 Proteo geral dos bens de carter civil. 1. Os bensde carter civil no devem ser objeto de ataques ou de represlias. 2. So bens decarter civil todos os bens que no sejam objetivos militares, nos termos do 2. 2. [...]Em caso de dvida, presume-se que um bem normalmente consagrado ao uso civil,tal como um local de culto, uma casa, outro tipo de habitao ou uma escola, quando

    no utilizado para dar contribuio efetiva ao militar.

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    vantagem militar. No que tange conceituao de bens civis, tambm

    prevalece a ideia de que, na dvida, denem-se como civis.

    Como o ataque com bombas cluster tem o potencial de abran-

    ger vrios hectares, pode tornar-se impossvel a diferenciao entreum alvo civil e um alvo militar. Esse armamento deve ter seu uso banido

    pelo fato de que, quando utilizado, no consegue direcionar seu poten-

    cial ofensivo somente para alvos militares. O Comit Internacional da

    Cruz Vermelha (CICV) se pronunciou sobre o Protocolo Adicional I de

    1977 Conveno IV de 1949, especialmente sobre o art. 48 do referido

    Protocolo, armando que qualquer conito deve garantir o respeito

    e a proteo para a populao e os bens civis, [obrigando] as partesem conito a fazer sempre a distino entre a populao civil e os com-

    batentes, assim como entre os bens civis e os objetivos militares, e a

    dirigirem as suas operaes apenas contra objetivos militares31.

    A falta de preciso dessas bombas torna o ataque indiscrimi-

    nado, o que banido conforme o DIH, especicamente pelo art. 51

    4 e 5 do Protocolo Adicional, sendo que a prpria interpretao do

    CICV dene que a proibio estende-se aos ataques indiscriminados.

    Trata-se em especial de ataques no dirigidos ou que no podem ser

    dirigidos, em razo dos mtodos ou meios de combate usados, con-

    tra um objetivo militar32.

    c) Princpio da necessidade: a proibio de inigir sofrimento

    desnecessrio. O princpio da necessidade orienta a restrio de ataques

    e o uso de meios estritamente necessrios s nalidades militares

    que tragam benefcios objetivos ao conito. A regra contra ataques

    indiscriminados, art. 51 do referido Protocolo, especialmente nos seus

    4 e 5, probe ataques quando no dirigidos contra um objetivo

    militar determinado e os meios utilizados no possam ser limitados

    31 CICV. Normas fundamentais das Convenes de Genebra e de seus Protocolos Adicionais.Genebra: 1983, p. 35-36.

    32 Idem, ibidem, p. 36.

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    aos objetivos militares. Complementa, igualmente, o protocolo sobre

    os critrios de discriminao, no qual se encontra a caracterstica de

    proibio de ataques a alvos militares quando situados em uma cidade,

    uma aldeia ou em qualquer outra zona que contenha concentraoanloga de civis ou de bens de carter civil.

    Quanto s precaues no ataque, prevista no art. 57, na conduta

    em operaes militares, devem ser constantemente consideradas

    para proteger e poupar a populao civil e os bens de carter civil das

    hostilidades. Dessa forma, todas as previsveis precaues precisam ser

    tomadas para evitar e, em qualquer evento, minimizar acidentes que

    possam causar perdas de vidas humanas, ferimentos nos civis e danosaos bens de carter civil.

    Ainda restam pelo menos dois pontos de vista a serem analisados

    quanto ilegalidade frente ao princpio da proporcionalidade: o que

    se refere ao sofrimento desnecessrio; e quanto ao impacto de longo

    prazo. Em ambos os casos existem restries legais, de acordo com

    os art. 35 e 55 do Protocolo Adicional I. A regra da proporcionalidade

    tambm lida com o custo de sofrimento desnecessrio e os impactos

    relativos ao desenvolvimento sustentvel, ou seja, o seu impacto em

    longo prazo no ambiente em que foi utilizado.

    d) Princpio da proporcionalidade33: nenhum alvo deve ser

    atacado se os prejuzos forem maiores que os ganhos militares,

    enfocando-se, sobretudo, a garantia de menor dano aos civis. No que

    tange ao princpio da proporcionalidade, regulamentada no art. 51, 5,

    b, traz a proibio de ataques que possam causar acidentalmente

    perdas de vidas humanas, ferimentos a civis e prejuzos a bens de

    carter civil ou uma combinao dessas perdas e danos, que seriam

    excessivos em relao vantagem militar concreta e direta esperada.

    33 SASSLI, Marco; BOUVIER, Antonie A. How does law protect in war? Cases, documentsand teaching materials on contemporary practice in International Humanitarian Law.

    Genebra: CICV, 1999, p. 67-68.

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    Dessa forma, o princpio da proporcionalidade acompanhado do

    princpio da utilidade militar, que permite o uso da violncia necessria

    e razovel. O princpio da proporcionalidade deve estar relacionado

    aos custos humanos do uso de certos meios e mtodos de guerra. Essa a principal regra elencada quando se observa o alto ndice de falha

    na exploso das submunies cluster, pois, nesse contexto, qual seria

    a vantagem militar frente ao alto custo humano da exposio desse

    armamento contra civis? Tal proibio est baseada no art. 51 e seus

    subsequentes pargrafos no Protocolo Adicional I.

    Kevin Bryant, militar britnico reformado que passou a atuar

    na limpeza e remoo de explosivos, ao relatar a sua experinciapessoal com as submunies cluster, armou que, entre os militares,

    se dizia que esse sistema de armas era o melhor e mais efetivo contra

    inimigos dispersos em uma rea, porm, com algumas experincias na

    limpeza de terrenos aps a guerra, percebeu que estava comeando

    a entender que o chamado dano colateral causado pelas submunies

    no detonadas era de fato um srio problema humanitrio34.

    2.2 A proteo internacional da pessoa humana: a ameaa das

    bombas cluster numa perspectiva integrada

    A poltica internacional de segurana dos Direitos Humanos

    pode ser traduzida pelo fortalecimento integrado do Direito Interna-

    cional dos Direitos Humanos (lato sensu), em seus vrios ramos:

    34 As British soldiers we were told that these weapon systems were the best andmost eective way of engaging an enemy whose assets were dispersed over an area.But as military Explosive Ordenance Disposal (EOD) Operators we were beginning tounderstand that the so-called collateral damage caused by unexploded submunitionswas in fact a serious humanitarian problem not to mention a signicant personaldanger to those of us responsible for post-conict clearance. BRYANT, Kevin. Clustermunitions and their submunitions a personal view. In: UNIDIR. Disarmament forum.

    Four 2006. p. 45-49. Genebra: United Nations, p. 46.

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    Direitos Internacional dos Direitos Humanos (stricto sensu), Direito

    Internacional dos Refugiados e Direito Internacional Humanitrio (DIH).

    Alis, trs ramos que o professor Canado Trindade aponta como as

    principais vertentes da Proteo Internacional da Pessoa Humana35.Entretanto, elas apresentam uma viso compartimentalizada devido

    nfase exagerada nas distintas origens histricas que, por sua vez,

    acarreta prejuzos no observncia dos seus canais de cooperao

    e coordenao prprios entre um e outro ramo. Direitos Humanos,

    Direito dos Refugiados e Direito Humanitrio guardam congruncias e

    interseces inequvocas e a cooperao entre uma vertente e outra

    estratgica realizao dos direitos reconhecidos internacionalmente.Os trs ramos no se equivalem, no h uniformidade total

    em seus planos normativos, operativos e processuais36, mas

    indispensvel perceber que h interao normativa acompanhada de

    complementaridade entre os trs planos, pois so interdependentes

    em sua aplicao. Portanto, o ideal uma aplicao simultnea dessas

    trs vertentes, a ser analisada a cada caso, na pretenso de usufruir

    ao mximo dos frgeis mecanismos internacionais de implementao

    do Direito Internacional Pblico alicerado no ser humano como valor-

    fonte. A unidade de propsito bsico dos diferentes ramos do Direito

    Internacional aqui mencionada a prpria proteo do ser humano

    em toda e qualquer circunstncia. Nesse sentido, interessa analisar a

    relao sobre o uso de munies cluster e a sua relao com as outras

    vertentes da Proteo Internacional da Pessoa Humana37.

    No que tange ao Direito Internacional dos Direitos Humanos,

    o uso de bombas cluster ameaa e viola, no mnimo, os direitos vida

    35 TRINDADE, Antnio Augusto Canado. Tratado de Direito Internacional dos direitoshumanos. Volume I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, 488p.36 Idem, ibidem, p. 270.37 VIEIRA, Gustavo Oliveira. Inovaes em Direito Internacional: um estudo de caso a

    partir do Tratado de Ottawa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006, p. 14 e 15.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    (art. 6 do Pacto de Direitos Civis e Polticos de 1966) e segurana

    pessoal (art. 9 do mesmo Pacto), bem como o desenvolvimento

    econmico e social (art. 1 do Pacto de Direitos Sociais, Econmicos e

    Culturais, de 1966).Quanto s garantias aos refugiados, o uso de munies cluster

    torna hostis e ameaadores os locais sujeitos a trnsito. Qualquer

    terreno no planeta passvel de ser utilizado por seres humanos com

    ns paccos, mas o trnsito de refugiados em reas onde foram

    utilizadas bombas cluster torna-se uma ameaa permanente a tais

    populaes j aigidas por circunstncias diversas.

    2.3 A soberania como a responsabilidade de proteger (pessoas

    e no armas)

    Um dos argumentos mais consistentes utilizado para advogar

    a erradicao das bombas cluster foi proferido por Jody Williams, co-

    laureada com o Prmio Nobel da Paz de 1997: a responsabilidade de

    proteger, atribuda aos Estados por meio de seus funcionrios, no signica

    a responsabilidade de proteger suas armas, mas sim a responsabilidade de

    proteger as pessoas, os indivduos, os seres humanos38.

    A responsabilidade de proteger foi proposta elaborada por um

    grupo de especialistas em Direito Internacional que redene a noo de

    soberania nacional: a soberania como a responsabilidade de proteger39.

    Essa questo foi seriamente estudada, debatida e relatada pela

    Comisso Internacional para a Interveno e a Soberania do Estado.

    38 WILLIAMS, Jody. Munies cluster e direito de proteo. Pronunciamento proferidono segundo dia da Conferncia de Oslo sobre Munies Cluster. 22 fev. 2006. Anotaespessoais de Gustavo Oliveira Vieira.39 AXWORTHY, Lloyd. Navigating a new world: Canadas global future. Toronto (Canad):Vintage Canada, 2004, p. 177-200; SINGER, Peter. Um s mundo: a tica da globalizao.

    Traduo de Adail Ubirajara Sobral. So Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 157-166.

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    No relatrio nal, intitulado The Responsability to Protect, h a ideia de

    proteo internacional da pessoa como sendo uma responsabilidade

    em que o centro do interesse da comunidade internacional seria os

    indivduos e no mais os Estados. Em suma, em vez de um direito deintervir, existe uma responsabilidade para proteger, restringindo os

    limites da soberania estatal sobre as armas e sendo mais coerente com

    a responsabilidade em proteger os seres humanos.

    3 POR UM MARCO LEGAL PELA ERRADICAO DAS BOMBAS CLUSTER

    Atualmente, cresce a preocupao da opinio pblica globalsobre a crise de dimenso humanitria gerada pelas bombas cluster,

    tendo em vista o envolvimento de ONGs que trabalham pela erradica-

    o dessas armas, a produo de relatrios internacionais a respeito e

    o crescente envolvimento dos Estados e Organizaes Internacionais

    nos debates. Todavia, as negociaes em torno de um possvel bani-

    mento dessas armas cluster remontam a dcadas de negociaes sem

    uma soluo at a presente data (maro de 2007).

    Os primeiros debates em torno da regulamentao internacio-

    nal sobre as bombas cluster foram buscados, insistentemente, no m-

    bito da Conveno sobre Certas Armas Convencionais de 1980 (CCAC),

    cujo Protocolo V40, sobre Explosivos Remanescentes de Guerra41, repre-

    senta um avano nesse sentido. Porm, o Protocolo V regulamentou a

    ao apenas no perodo ps-conito com as seguintes medidas: limpeza

    dos campos que possuam explosivos, incluindo clusters; compartilha-

    40 CONVENO SOBRE CERTAS ARMAS CONVENCIONAIS. Protocolo V: explosivos re-manescentes de guerra. Genebra: Encontro dos Estados Partes, 2003. Disponvel em:. Acesso em: 7 abr. 2007.41 Para uma compreenso global do problema gerado pelos explosivos remanescentesde guerra, ver LANDMINE ACTION. Explosive remnants of war and mines other than anti-

    personnel mines: Global survey 2003-2004. Londres: Landmine Action, 2005.

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    mento de informao referente ao armamento; e medidas para pro-

    teger os civis do contato com tais explosivos. Ressalva-se que a CCAC

    s gera efeitos aos pases que integram a Conveno, os quais somam

    hoje 102 Estados Partes e 6 Signatrios42 e, no caso do Protocolo V, sgera obrigaes para os Estados que raticarem o Protocolo, o qual,

    em janeiro de 2007, contava com 29 Estados Partes.

    Entre os debates sobre a possibilidade de uma regulamentao

    das bombas cluster, em pauta no mbito da CCAC, esto os que se re-

    ferem ao aperfeioamento tecnolgico dessas bombas para que se ga-

    ranta um ndice mnimo de falhas. Como explicitado, o ndice de falhas

    s poder ser conhecido aps os combates. No h ndice de falhaszero, assim como no h ndices de falhas aceitveis. Nesse sentido,

    o aperfeioamento tecnolgico denitivamente no atende s deman-

    das de carter humanitrio que o tema faz emergir. Entretanto, essas

    discusses parecem ter encontrado um teto, ou seja, h limites ao

    que poder ser negociado na CCAC.

    Como em pocas passadas, a Terceira Conferncia de Reviso

    da CCAC, que ocorreu em 2006, no conseguiu suprir os anseios

    humanitrios de Estados e Organizaes que se mobilizavam em

    prol do banimento das bombas cluster. O teto comentado reside

    justamente no consenso, processo no qual esto baseadas as decises/

    negociaes do tema. Um grupo de Estados, liderados pela Noruega,

    advogavam, na referida Conferncia, pela criao de um Protocolo VI

    para banir as munies cluster que causassem demasiado sofrimento,

    o que no acabou se materializando.

    Todavia, ainda predomina o senso de que no existem

    instrumentos legais de proibio das bombas cluster, por mais que

    existam elementos para demonstrar a ilegalidade de sua utilizao.

    42 Para a lista completa e detalhada: ORGANIZAO NAS NAES UNIDAS. Disarma-ment. Disponvel em: . Acesso em: 7 abr. 2007.

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    O mais prximo que se chegou em termos de regulamentao

    especca para essas armas se situa no Protocolo V da CCAC, porm,

    como observado, esse dispositivo atua principalmente nas situaes

    ps-conito, no sendo suciente para responder aos anseioshumanitrios de minimizao das consequncias da guerra aos civis.

    Entretanto, com os debates das reunies diplomticas da CCAC,

    surgiu a demanda por um marco legal para o banimento das bombas

    cluster, o que deu incio ao Processo de Oslo.

    3.1 Processo de Oslo: perspectivas do banimento total das

    bombas cluster

    O sofrimento humano causado pelas bombas cluster no se

    justica frente utilidade militar. Com esse argumento, a Noruega

    chamou membros da comunidade internacional que se manifestaram

    a favor de um marco legal pela erradicao das bombas cluster para

    iniciarem as negociaes a respeito, em fevereiro de 2007, em Oslo,

    aps a tentativa frustrada de estipular um novo mandato para a CCAC,em novembro de 2006, na sua Conferncia de Reviso.

    O Ministro das Relaes Exteriores da Noruega expressou

    tais anseios armando no pairar dvidas sobre o grande sofrimento

    humano causado pelo uso de bombas cluster: A menos que algum

    progresso seja feito para estabelecer um instrumental internacional

    legalmente vinculante sobre as munies cluster, esse armamento

    vai se tornar um problema humanitrio em maiores propores que asminas terrestres antipessoais costumavam ser43.

    Assim como a utilizao das bombas cluster no recente,

    a reivindicao para o seu banimento tambm remete a dcadas

    passadas. J em 1976, treze Estados aclamavam pelo banimento

    43 STRE, Jonas Gahr. Special Comment. In: UNIDIR. Disarmament forum. Four 2006.

    p. 3-4.Genebra: United Nations: 2006, p. 3.

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    O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA

    das armas cluster sem estarem sob presso intensa de organizaes

    internacionais ou at mesmo d